Servicios Personalizados
Revista
Articulo
Indicadores
Compartir
Trivium - Estudos Interdisciplinares
versión On-line ISSN 2176-4891
Trivium vol.7 no.2 Rio de Janeiro jul./dic. 2015
ARTES
H.D. no Museu Freud
Dawn Kemp
Dawn foi diretora de atuação do Museu Freud de Londres, 2013-2014, onde foi curadora da temporada de exibições e eventos públicos: Mas, Bad and Sad: Women and the Mind Doctors e também autora e editora de vários livros relacionados à história de coletâneas médicas
Maresfield Gardens, 20, Hampstead, norte de Londres, o último lar de Sigmund Freud é um lugar de peregrinação não somente para o conhecedor da psicanálise, mas também para artistas, escritores, produtores de filmes, aficionados de todo tipo. É o sítio arqueológico das recordações materiais de Freud, palimpsesto físico do desenvolvimento de suas ideias: sua biblioteca, o divã original, a coleção com mais de duas mil estátuas da Antiguidade. E fértil em histórias: Osíris, deus da vida pós-morte, a Esfinge examinadora, a Palas Atena, a deusa virgem da sabedoria e da guerra e Thoth, o deus da sabedoria, inventor da escrita. Lá estão eles entre centenas de deuses enfileirados nos armários, nas prateleiras suspensas, nas mesas e na escrivaninha, testemunhas mudas das revelações das almas delicadas que vieram a Freud para um melhor entendimento de si mesmas.
Maresfield Gardens, uma rua arborizada num proeminente bairro londrino, lugar incomum para encontrar o local do gênio da psicanálise e os objetos que foram a base da mais influente das teorias culturais do mundo moderno. Tudo está lá ainda atrás da porta de número 20 dessa rua. No dia 12 de novembro de 2013, não poderia haver a locação mais apropriada para a estreia mundial de Hilda & Freud: Collected Words, uma peça que captura a essência de uma das mais fascinantes relações de amizade de Freud.
Lá estava o Freud de Antonio Quinet descendo as escadas e aterrissando no hall onde os espectadores esperavam, a plateia lotada como a coleção de deuses amontoados na escrivaninha de Freud, logo ali no cômodo do lado. Nós éramos os "Deuses do Quinet" naquela noite, assistindo aquela evocação magistral de Freud através da presença física, da voz e das palavras do ator psicanalista.
Quando a carismática e elegante Hilda Doolittle, H.D. de Ana Vicentini adentrou pela porta principal a coleção ficou completa. Fomos transportados para oitenta anos atrás - 1933 - e para o primeiro encontro da poeta norte-americana com Freud no seu lar vienense, na Bergasse, 19.
H.D. e Freud se entenderam instantaneamente. O amor compartilhado pela mitologia egípcia, grega e romana lhes forneceu um vocabulário mútuo para explorar a psique humana, como H. D. escreveu em "Tributo a Freud": "a pintura escrita, o hieróglifo do sonho era propriedade de toda raça humana". Eles se regalaram com a novidade que encontraram em cada um, mas também compartilharam um terrível pressentimento de uma outra guerra mundial e do grande desastre humano.
H. D. e Freud tiveram seu último encontro em Maresfield Gardens, no verão de 1939, em meados de setembro. Em seguida, a Segunda Guerra foi declarada na Europa e Freud faleceu. H.D. estava prestes a publicar seu primeiro relato sobre o relacionamento deles com o título "Escritos na parede", na revista literária londrina "Vida e Letras", em junho de 1945. A guerra que haviam antecipado com sua angústia pessoal por duas décadas estava então terminando, mas as atrocidades, as depravações humanas emergiam bem além do pior que se poderia imaginar. Ainda hoje, as recordações de H.D. nos trazem esperança, lembram-nos que através da recordação podemos ganhar mais compreensões, e efetuar mudanças, refazer novos começos.
Ernest Jones descreveu o livro de H.D. "Tribute a Freud" como "a mais adorável e preciosa apreciação sobre a personalidade de Freud". Em novembro de 2013, Antonio Quinet e a Cia. Inconsciente em Cena trouxeram efetivamente para o último lar de Freud uma agradável e carinhosa apreciação da amizade entre esses dois indivíduos notáveis, unidos em sua busca para descobrir as verdades universais. Foi um tributo maravilhoso tanto a Freud quanto a H.D., que o Museu Freud, de Londres, ficou encantado em acolher. Espero que outras plateias pelo mundo também desfrutem dessa experiência.