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Boletim de Psicologia
versión impresa ISSN 0006-5943
Bol. psicol vol.59 no.131 São Paulo dic. 2009
ARTIGOS ORIGINAIS
Percepção de estilos parentais na toxicodependência
Perception of parental style among drug addicts
Vânia Carina Silva Cavaco I; Saul Neves de Jesus I *; Manuel Morgado Rezende II III
I Universidade do Algarve – Portugal
II Universidade Metodista de São Paulo
III Universidade de Taubaté
RESUMO
Este trabalho objetivou avaliar se há diferenças relativamente à prevalência dos estilos de vinculação parental entre dois grupos de 100 sujeitos do gênero masculino de Algarve, Portugal, com idades variando de 19 a 48 anos. O primeiro grupo, Grupo T, foi constituído por uma amostra de toxicodependentes em tratamento e o segundo, Grupo NT, por voluntários, que não referiram problemas de consumo de heroína e cocaína. O instrumento usado foi a versão portuguesa do questionário (PBI) Parental Bonding Instrument (Baptista 1993). Não se encontraram diferenças significativas, em relação à profissão/nível socioeconômico, bem como, do pai e da mãe dos inquiridos, quando se compararam os dois grupos. Conclui-se que há diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos relativamente à prevalência dos estilos de vinculação parental, o grupo T apresenta uma maior prevalência de respostas de “controle sem afeto”, contrastando com os resultados do grupo NT que apresenta uma maior prevalência de respostas “ligação ótima”.
Palavras-Chave: Toxicodependência, Percepção, Vinculação parental, Heroína, Cocaína.
ABSTRACT
This study aimed to assess the existence of differences of parental bonding styles in two groups of 100 male participants, with ages raging from 19 to 48, in Algarve, Portugal. The first group, Group-T, was composed by drug addicted individuals engaged in treatment; the second group, Group-NT, was composed by volunteers who did not refer use or abuse of heroin and cocaine. The instrument employed was the Portuguese version of the PBI – Parental Bonding Instrument (Baptista, 1993). There were no significant differences concerning the socioeconomic level of the mothers and fathers of the participants of both groups. We concluded that there were statistically significant differences between the two groups concerning the parental bonding styles, where Group-T presented a greater prevalence of “affection control” responses, in contrast to the results of Group-NT, which presented a greater prevalence of “optimal connection”.
Keywords: Drug addiction, Perception, Parental connection, Heroin, Cocaine.
A investigação científica efetuada nos últimos anos no âmbito da problemática da toxicodependência, parece confirmar aquilo que é também de constatação clínica, ou seja, que os toxicodependentes, não obstante terem algumas características em comum, diferem bastante uns dos outros no que se refere às suas estruturas de personalidade, à presença ou não de psicopatologia associada, ao grau de severidade do problema, às doenças físicas associadas aos problemas sociais. (Fleming e Machado Vaz, 1981, Rezende, 1997).
Durante muito tempo, a questão das relações entre famílias e consumos de substâncias psicoativas encontrou-se ao mesmo tempo mergulhada no vasto “problema da sociedade” das relações entre adultos e jovens, e marcada pelo selo da culpabilidade em que se debateram os pais cujos filhos se tornaram toxicômanos (Morel, Boulanger, Hervé e Tonnelet, 2001). Por seu lado, o desenvolvimento de adicção a drogas ilegais tem sido ligado tanto a histórias de vida caracterizadas por alta prevalência de experiências traumáticas, como a perturbações graves da vinculação emocional na infância e na adolescência, que parecem ser compensadas por uma ligação aditiva a substâncias psicoativas (Torres, Sanches e Neto, 2004).
Fleming (1997) mencionou que as famílias de toxicodependentes, apresentam graves disfunções familiares situadas sobretudo ao nível dos elos entre o subsistema parental – casal – e o subsistema filial, apontando para uma indiferenciação geracional. Encontram-se nas famílias de pacientes toxicodependentes, elos intergeracionais e presença de alianças patológicas entre pais e filhos, assim como uma ausência de limites e elos claros na díade pai-filho, sendo as relações “emaranhadas”, distantes ou demasiado difusas e equívocas, como também, uma proximidade importante entre um dos progenitores e o filho toxicodependente, mantendo-se o outro progenitor numa posição periférica. Posto isto, o objetivo do presente estudo é comparar um grupo de toxicodependentes (Grupo T) e um grupo de não toxicodependentes (Grupo NT), no que se refere à interferência dos estilos educativos parentais, sintomas psicopatológicos e a relação entre estes dois aspectos.
Segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002),
“dependência de substâncias caracteriza-se pelo padrão desadaptativo da utilização de substâncias levando a déficit ou sofrimento significativo, manifestado por três ou mais dos seguintes critérios, ocorrendo em qualquer ocasião, no mesmo período de 12 meses:
1. Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes critérios: (a) Necessidade de quantidades crescentes de substância para atingir a intoxicação ou o efeito desejado; Diminuição acentuada do efeito com a utilização continuada da mesma quantidade de substância.
2. Abstinência, manifestada por qualquer um dos seguintes critérios: (a) Síndrome de abstinência característica da substância (referência aos critérios A e B para abstinência de substâncias específicas); (b) A mesma substância (ou outra relacionada) é consumida para aliviar ou evitar os sintomas de abstinência.
3. A substância é freqüentemente consumida em quantidades superiores ou por um período mais longo do que se pretendia.
4. Existe desejo persistente ou esforços, sem êxito, para diminuir ou controlar a utilização da substância.
5. É despendida grande quantidade de tempo em atividades necessárias à obtenção, utilização de substâncias e à recuperação dos seus efeitos.
6. São abandonadas importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreacionais devido à utilização da substância.
7. A utilização da substância é continuada apesar da existência de um problema persistente ou recorrente, físico ou psicológico, provavelmente causado ou exacerbado pela utilização da substância” (p.197).
Ribeiro (2001) defendeu que, quando alguém resolve experimentar drogas de abuso, pode acontecer que os primeiros consumos não venham a criar habituação. Mas o que acontece normalmente é que, de consumo em consumo, venha a se estabelecer uma relação de dependência. Este autor defende que o comportamento toxicodependente varia de sujeito para sujeito, ao sabor da história pessoal de cada um, do seu discurso peculiar, do seu modo de viver a toxicodependência ou de organizar as suas defesas. Em suma, não existe um modelo teórico holístico da toxicodependência, esta não é um fenómeno unívoco, pelo contrário segue uma lógica paradoxal, ou seja, para escapar ao sofrimento insuportável da dependência, o toxicodependente recorre a algo que o torna ainda mais escravo dessa dependência.
Em termos psicanalíticos, Matos (2002) defende que tem-se nas personalidades toxicodependentes, uma instância egóica fraca, insuficientemente estruturada, de limites imprecisos, que não define a pessoa como um ser único e intencional, com um presente que é uma construção sucessivamente integrada de uma história e apontando para um futuro que é rumo de ascensão numa virtualidade a par e passo concretizada em diferenciação e liberdade crescentes. Para este autor, encontramos bem ao contrário, um “Eu” trêmulo, em constantes recuos para a identificação ao amorfismo do grupo; qual bússola desmagnetizada que deixa o navegador solitário e perdido no mar humano – tão solitário com as ondas da massa de gente como incapaz de imprimir à sua viagem da vida a rota de relações privilegiadas com os outros e com as coisas: via única de realização, da descoberta e da criatividade, que assinalam o destino peculiar do Homem.
Ainda, na compreensão da realidade intra-psíquica do toxicodependente, o modelo psicanalítico tem também acentuado, a importância das perturbações identificatórias, fundamentalmente associadas à ausência/demissão de um dos progenitores, ao sobreenvolvimento e superproteção do outro progenitor e/ou à patologia de um ou de ambos. Alarcão, (2006) sublinha a importância do déficit de internalização da imago paterna, muitas vezes acompanhado por uma relação fusional-conflitual com a figura materna e inscrito num quadro educativo e relacional particular. Este quadro é, fundamentalmente, marcado pela inconsistência relacional, tecida com as cores da indulgência, da desqualificação, do evitamento, da dependência e, por vezes, da rigidez.
Por sua vez, Freud (1929/1974, p.105) afirmou que:
o sofrimento ameaça-nos por três lados, no nosso corpo que, destinado à decadência e à dissolução, não pode realmente passar sem esses sinais de alarme que são a dor e a angústia; do lado do mundo exterior, que dispõe de forças invencíveis e inexoráveis de se levantar contra nós e dos aniquilar; e das nossas relações com os outros seres humanos. O sofrimento que advém desta fonte é nos provavelmente mais doloroso do que qualquer outro.
Atualmente ao analisar-se as toxicodependências, encontra-se a sua origem nestes sofrimentos, uma vez que as drogas têm a prioridade, real ou mesmo ideal, de fornecer respostas a todo o tipo de necessidades e angústias, pois os efeitos das substâncias psicoativas passam pelo enorme prazer que elas despertam e pela necessidade, que através deste é desencadeada, vindo posteriormente a tornar o indivíduo num todo, num ser completo. Uma vez que todas as necessidades estão saciadas, não existe angústia ou mal-estar e proporcionam-se ainda sensações inimagináveis. É difícil não se entregar por completo ao estado de dependência, à droga. Daí a clínica da toxicodependência ser um estado complexo e móvel, onde existem interações e trajetórias de inúmera diversidade.
O relacionamento familiar, a influência dos estilos parentais e da comunicação familiar, apesar de sofrerem alterações na adolescência, continuam a desempenhar funções importantes para os adolescentes, assumindo um papel decisivo no ajustamento psicossocial, na saúde mental, no desenvolvimento de competências psicossociais e em comportamentos de saúde dos jovens (Ardelt e Day, 2002).
A abordagem das práticas parentais através do estudo das Percepções e Atitudes Parentais determinou o efeito dos comportamentos parentais que é mediado pelo significado que o adolescente lhes confere e que, de um modo geral, existe congruência nas percepções dos filhos e dos pais (Fleming, 1997).
Desta maneira, os comportamentos e estilos parentais variam e influenciam de forma diversificada no desenvolvimento de determinadas características da criança/adolescente, o seu desenvolvimento social, cognitivo, emocional, filiação no grupo de pares e desempenho acadêmico, podendo atuar como fator de proteção, mas também como fator de risco (Baptista, 1993).
Rezende (1997) destaca em seus estudos, que o toxicodependente é o portador do sintoma da disfunção familiar e colabora para manter a homeostase da mesma; reforça o padrão controlador dos pais, mesmo não sendo, tal prática, adequada às suas necessidades. É comum que outros membros da família apresentem comportamentos aditivos, tais como compulsão ao jogo, à comida, ao trabalho, às drogas e outros. Em muitos casos, o comportamento adicto cria situações para desfocalizar o problema de relacionamento dos pais; estabelece uma aliança com um dos pais em separado e as fronteiras geracionais (conjugal, parental e fraternal) não estão bem definidas e freqüentemente existe competição entre os pais e irmãos.
Outros dados apresentados por Rezende (1997) estão relacionados com os aspectos psicológicos relacionais destas famílias, considerando que o narcisismo é um fator importante da personalidade dos pais, que se reconhecem no filho, mas não o reconhecem como indivíduo e mostram-se associados a componentes depressivos, paranóides ou sociopáticos, sendo que estes traços de personalidade se repetem nos filhos. Ainda, famílias pesquisadas pelo autor apresentam dificuldade de diferenciação, separação e individuação, vínculos simbióticos, conflitos na comunicação e rigidez nos papéis.
Os estilos de relacionamento parental demonstram que qualquer dos extremos educativos, sejam pais autocráticos ou bastante permissivos, podem significar dificuldades acrescidas ao jovem e causar desequilíbrios (baixa autoconfiança e filhos dependentes ou revoltados), sendo o estilo democrata de controle parental (ambientes em que os pais se interessam pela vida dos filhos, discutem com eles as decisões a tomar e existe uma definição clara de limites) o que gera nos jovens sentimentos de maior competência social, autonomia e independência (Linares, Pelegrina e Lendínez, 2002).
O objetivo desta investigação foi caracterizar estilos educativos parentais em um grupo de toxicodependentes (Grupo T) e em um grupo de não toxicodependentes (Grupo NT). Destarte a hipótese que será testada é, se existem diferenças estatisticamente significativas entre o grupo T e o grupo NT relativamente à prevalência dos estilos de vinculação parental designados por “controle com afeto”, “controle sem afeto”, “ligação fraca ou ausente” e “ligação ótima”.
MÉTODO
Sujeitos
A amostra deste estudo foi constituída por 200 sujeitos do gênero masculino, divididos igualmente em dois grupos de 100 sujeitos cada, com idades compreendidas entre os 19 e os 48 anos. O primeiro grupo, designado por Grupo T, foi constituído por uma amostra da população toxicodependente em tratamento, no Centro de Atendimento a Toxicodependentes – CAT do Sotavento Algarvio e na Comunidade Terapêutica do Azinheiro. O segundo grupo, designado por Grupo NT, foi constituído por voluntários, que não referiram problemas de consumo de heroína e cocaína, trabalhadores de empresas sediadas na mesma área geográfica (zona central do Algarve e Sotavento) dos utentes (usuários de um serviço) das Instituições supra-referidas.
As condições gerais e fundamentais para que os sujeitos pertencessem à amostra foram: ter tido figuras parentais durante a infância e adolescência, ter a escolaridade igual ou superior ao 4º ano (de forma a garantir que todas as informações e perguntas fossem compreendidas e respondidas pelo próprio), não possuir formação acadêmica superior (uma vez que tal não é freqüente na população toxicodependente das Instituições em que foi recolhida a amostra que constitui o grupo T) e serem do gênero masculino. Este estudo incidiu apenas sobre o gênero masculino, uma vez que a maioria esmagadora da população que recorre, quer ao CAT, quer ao G.A.T.O. (Grupo de Apoio a Toxicodependentes), é de homens.
Os sujeitos incluídos no Grupo T, foram selecionados tendo em conta os seguintes critérios: ter uma história de consumos e de dependência de heroína e/ou cocaína segundo os critérios descritos no DSM-IV-TR (APA, 2002); estar abstinente de consumos de heroína e/ou cocaína pelo menos há três dias (comprovado por análises nos sujeitos em tratamento em ambulatório), no momento da aplicação dos instrumentos e não evidenciar, nem referir, sintomas de privação das referidas substâncias.
Instrumentos
As variáveis dependentes são constituídas pelos valores obtidos através da versão portuguesa do questionário (PBI) Parental Bonding Instrument (Baptista, 1993), desenvolvida originalmente por Parker, Tupling e Brown em 1979. O P.B.I é um questionário de 25 itens, que pretende medir a percepção do sujeito acerca das condutas a atitudes parentais, no que se refere à sua infância e adolescência (até 16 anos).
É uma medida de auto-relato que avalia fundamentalmente dois aspectos: a dimensão “carinho”, definida como a capacidade de transmitir afeto, empatia e proximidade e por um outro conjunto de itens que sugerem indiferença, frieza e rejeição; e a dimensão “proteção”, que é composta por um conjunto de itens como o controle, superproteção, intrusão, contacto excessivo, infantilização e prevenção do comportamento independente, sendo o outro pólo constituído por itens que sugerem promoção de independência e autonomia (Baptista, 1993). A avaliação destes fatores permite por sua vez definir quatro tipos de ligação parental: (a) “ligação ótima”: quando se observam pontuações altas na dimensão “carinho” e baixas na dimensão “proteção”. A atitude parental caracteriza-se pela afetuosidade, pela empatia e pela capacidade de incentivar a independência e a autonomia; (b) “ligação ausente”: quando se verificam pontuações baixas no “carinho” e na “proteção”. Relação marcada pela frieza emocional, pela indiferença e negligência e que favorece contudo, a independência e autonomia: (c) “controle com afeto”: quando se observam pontuações elevadas na dimensão “carinho” e na dimensão “proteção”. Caracterizam-se sobretudo pela afetuosidade e empatia emocional, mas também por atitudes controladoras, intrusivas e de contacto excessivo, que resultam na infantilização e impedimento da conduta autônoma; e (d) “controle sem afeto”: quando se constatam pontuações baixas no fator “carinho” e altas no fator “proteção”, caracterizando assim, atitudes de frieza e indiferença emocional, apresentando contudo um controle excessivo e intrusivo, que dificulta a autonomia e a independência. Os dados sócio-demográficos foram obtidos através de um instrumento que permitiu a coleta das seguintes informações: idade, habilitações literárias, profissão, idade dos pais, profissão dos pais, número de irmãos, situação conjugal, experiência de consumo de drogas, coabitação até 16 anos e coabitação atual.
Procedimento
Realizou-se a aplicação dos instrumentos assim que os sujeitos foram esclarecidos dos objetivos desta investigação. Foram informadas as condições de não identificação dos participantes, bem como a utilização dos resultados da investigação exclusivamente para finalidades científicas e publicações acadêmicas. Os dados obtidos através da aplicação dos instrumentos foram tratados pelo programa de análise estatística Statistical Package for Social Sciences (SPSS), Versão 15.
RESULTADOS
1.Dados sócio-demográficos
A amostra foi constituída por 200 sujeitos do sexo masculino, com idade mínima de 19 e máxima de 48 anos. Os sujeitos do grupo T apresentaram uma média de idades de 33,39 anos (desvio padrão = 6,55), enquanto que no grupo NT, a média de idades foi de 29,38 anos (desvio padrão = 6,33). A distribuição dos dois grupos em termos de idade não é homogênea (t = 4,405; p < 0,001), uma vez que os indivíduos do grupo T apresentam uma média de idade superior ao grupo NT. A média de idade da mãe dos inquiridos também foi significativamente diferente nos dois grupos (t = 2,848; p = 0,005), tendo sido superior no grupo T. Em relação à média de idade do pai dos inquiridos foram encontradas diferenças significativas (t = 2,187; p = 0,030), quando se compararam os dois grupos.
Em relação à profissão/nível socioeconômico dos inquiridos, bem como, do pai e da mãe dos mesmos, quando se comparam os dois grupos, não se encontraram diferenças significativas. Os sujeitos, na sua maioria, são solteiros. Um número superior de entrevistados são separados/divorciados no grupo T e um número superior de inquiridos, casados no grupo NT. Registraram-se diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos.
Para a variável “escolaridade” dos sujeitos, verificou-se que a distribuição não foi homogênea nos dois grupos. O grupo NT apresenta níveis de escolaridade superiores ao grupo T, ou seja, existe uma diferença estatisticamente significativa entre ambos os grupos. Nos dois grupos, a maioria dos sujeitos afirma ter vivido com ambos os pais até os 16 anos, posto isto, não se identificam diferenças significativas para esta variável.
2. Estilos parentais
Constata-se através da Tabela 1, que, em relação ao grupo toxicodependente, 27 inquiridos afirmaram que o tipo de ligação parental relativamente ao progenitor masculino é igual ao “controle com afeto”; por sua vez, 38 afirmaram que é igual ao “controle sem afeto”. Relativamente ao tipo “ligação fraca ou ausente”, constatou-se 18 respostas, por último, observaram-se 16 respostas para o tipo “ligação ótima”.
Tabela 1. Qui-quadrado de Pearson em relação aos tipos de ligação parental – pai versus grupo
No que concerne ao grupo não toxicodependente, 27 inquiridos afirmaram que o tipo de ligação parental relativamente ao pai é igual ao “controle com afeto”; por sua vez, 14 afirmaram que é igual ao “controle sem afeto”. Relativamente ao tipo “ligação fraca ou ausente”, constatou-se 16 respostas, por último, observaram-se 43 respostas para o tipo “ligação ótima”.
Posto isto, os resultados do teste de Qui-quadrado de Pearson apontam para um p<0,001, assim, confirma-se que existem diferenças estatisticamente significativas entre o grupo T e o grupo NT, relativamente à prevalência dos tipos de vinculação parental.
A Tabela 2 mostra os resultados do tipo de ligação parental referentes à mãe. Constata-se através da Tabela 2, que em relação ao grupo toxicodependente, 29 inquiridos afirmaram que o tipo de ligação parental relativamente à mãe é igual ao “controle com afeto”; por sua vez, 39 afirmaram que é igual ao “controle sem afeto”. Relativamente ao tipo “ligação fraca ou ausente”, constatou-se 11 respostas, por último, observaram-se 21 respostas para o tipo “ligação ótima”.
Tabela 2. Qui-quadrado de Pearson em relação aos tipos de ligação parental – mãe versus grupo
No que concerne ao grupo não toxicodependente, 20 inquiridos afirmaram que o tipo de ligação parental relativamente ao progenitor feminino é igual ao “controle com afeto”; por sua vez, 16 inquiridos afirmaram que é igual ao “controle sem afeto”. Relativamente ao tipo “ligação fraca ou ausente”, constatou-se 14 respostas, por último, observaram-se 50 respostas para o tipo “ligação ótima”.
Os resultados do teste do Qui-quadrado de Pearson apontam à semelhança dos resultados obtidos para a prevalência dos tipos de vinculação parental – pai, um p<0,05. Assim, confirma-se que existem diferenças estatisticamente significativas entre o grupo T e o grupo NT, relativamente à prevalência dos tipos de vinculação parental para ambos os pais.
DISCUSSÃO
Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos em relação às variáveis “Profissão/nível socioeconômico do inquirido”; “Profissão/nível socioeconômico do pai dos inquiridos”; “Profissão/nível socio-econômico da mãe”; “Com quem viveu até os 16 anos?” e “Número de irmãos”.
Verificou-se que as variáveis “Idade do inquirido”, “Idade do pai” e “Idade da mãe” dos inquiridos, não foram homogêneas. Também se verificou, que a escolaridade dos sujeitos do grupo T é inferior à dos sujeitos do grupo NT, de forma estatisticamente significativa. No que diz respeito à variável “Situação conjugal” verificou-se um número superior de sujeitos casados no grupo NT e um número superior de separados/divorciados no grupo T. No grupo T a maioria dos indivíduos vive sozinho, no grupo NT a maioria dos indivíduos vive em coabitação.
As diferenças encontradas, no que concerne à escolaridade, situação conjugal e coabitação atual podem ser uma consequência da própria toxicodependência, posto que o início dos consumos (na sua maioria cannabis) nos utentes do CAT do Sotavento ocorreu entre os 15 e os 16 anos de idade (Pina, 2000), o que coincide com a idade da frequência do 3º Ciclo. Os mesmos estudos apontam a idade entre os 20 e 21 anos para os consumos de heroína e cocaína, o que coincide com a altura (final de adolescência) em que os indivíduos começam a autonomizar-se e a estabelecer laços afetivos mais duradouros, bem como a assumir compromissos
De acordo com os resultados apresentados conclui-se que existem diferenças estatisticamente significativas entre o grupo T e o grupo NT relativamente à prevalência dos estilos de vinculação parental designados por “controle com afeto” (Proteção elevada x Carinho elevado), “controle sem afeto” (Proteção elevada x Carinho baixo), “ligação fraca ou ausente” (Carinho baixo x Proteção baixa), e “ligação ótima” (Carinho elevado e Proteção baixa), assim confirmou-se a primeira hipótese. Verificou-se que em relação a ambos os progenitores, o grupo T apresenta uma maior prevalência de respostas de “controle sem afeto” relativamente aos tipos de ligação parental, contrastando com os resultados do grupo NT que apresenta uma maior prevalência de respostas: “ligação ótima”.
Padersen (2000) afirma que resultados de um nível de carinho baixo e uma proteção elevada, tal como medidas pelo PBI, são característicos em adolescentes com perturbações de comportamento, que no futuro estarão mais predispostos a condutas de risco e problemas psicossociais. Estudos de Rezende (1997) com famílias de dependentes de drogas apontam para uma associação significativa entre toxicodependência, padrões de vinculação e relacionamento parental, tal como encontrado nesta investigação. Atitudes de desconfiança e de limitação de contactos com o exterior e humilhações são danosas ao processo de autoconfiança e à formação da identidade. Os primeiros contactos com a droga podem significar para o indivíduo a materialização de um poder há muito desejado, a par da representação de uma necessidade de individualização. É também verdade que ao invés de facilitar o processo de autonomia, a dependência em relação a uma determinada substância vem, muitas vezes, reforçar uma dependência, já existente, em relação à família (Carrilho, 1995).
Em relação ao papel discriminado de cada um dos pais e de acordo com Canetti et al. (1997), a figura paternal é capaz de proporcionar uma maior autonomia, enquanto que a figura maternal é percebida como mais próxima e protetora. Assim, os adolescentes esperam que os pais se importem menos e que as mães tenham um comportamento mais restritivo e de superproteção.
A relação que o toxicômano mantém com a figura do pai é caracterizada por um sentimento de perda ou abandono. É uma relação distante e pouco segura, que dificulta a interiorização de valores e normas de comportamento (Carrilho, 1995). Outra das características freqüentes do padrão de ligação parental em sujeitos toxicodependentes parece ser o marcado envolvimento com um dos pais e o distanciamento do outro (Rezende 1997)). Outros estudos, pelo seu caráter transcultural, têm possibilitado resultados mais consistentes e concretos, que indicam o estilo educativo autoritário como possível preditor de uma futura dependência. A superproteção e autoritarismo parental e ainda traços de personalidade dependente relacionam-se com o fato destes constituírem um reforço de comportamentos pouco autônomos durante a infância.
Para Bergeret (1980), a ausência de uma imagem paternal identificatória pode resultar não só da ausência efetiva do pai, mas também da carência ou do excesso de autoridade parental. É também de salientar, neste contexto, o caso em que, muitas vezes, os pais mesmo estando fisicamente presentes, serem percebidos pelos filhos como emocionalmente frios e distantes. Fleming, (2001) apresenta estudos que permitem comparar diferenças na percepção de figuras parentais entre consumidores de diferentes substâncias. Relativamente aos consumidores de opiáceos foi relatada uma ausência parental emocional, sendo os pais percebidos como violentos e emocionalmente distantes e as mães como superprotetoras, indulgentes e dependentes dos filhos.
CONCLUSÃO
De acordo com os resultados apresentados conclui-se que existem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos T e NT relativamente à prevalência dos estilos de vinculação parental designados por “controle com afeto” (Proteção elevada x Carinho elevado), “controle sem afeto” (Proteção elevada x Carinho baixo), “ligação fraca ou ausente” (Carinho baixo x Proteção baixa) e “ligação ótima” (Carinho elevado e Proteção baixa), assim confirmou-se a primeira hipótese. Verificou-se que, em relação a ambos os progenitores, o grupo T apresenta uma maior prevalência de respostas de “controle sem afeto” relativamente aos tipos de ligação parental, contrastando com os resultados do grupo NT que apresenta uma maior prevalência de respostas: “ligação ótima”. Apesar dos resultados obtidos permitirem distinguir padrões diferentes, no que se refere às vivências parentais nos dois grupos, é essencial afirmar que o delineamento do estudo não permite concluir a existência de nexo causal entre as variáveis.
Nesta investigação, não foi analisada a diferenciação entre gêneros, logo, seria indicado abordar diferenças na percepção da interação parental, no que se refere à variável gênero. Outras limitações a destacar são a “escolaridade”, a “idade dos inquiridos” e a “idade de ambos os pais dos inquiridos”, que são estatisticamente diferentes nos dois grupos. Deste modo, sublinhamos, que outros fatores podem exercer influência na origem e desenvolvimento de um padrão de dependência de substâncias e, neste sentido, seria relevante em futuras investigações a compreensão de outras dimensões do complexo fenômeno da toxicodependência.
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Recebido em 17/06/08
Revisto em 06/08/09
Aceito em 10/08/09
* Endereço para correspondência: Av. Dr. Felix Guisard, 520, Chacaras Cataguá. Taubaté. S.P. CEP: 12093-510.E-mail: manuel.rezende@uol.com.br; vaniacouto@sapo.pt; snjesus@ualg.pt.