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Estudos de Psicanálise
versión impresa ISSN 0100-3437
Estud. psicanal. no.50 Belo Horizonte jul./dic. 2018
ARTIGO
Estruturas clínicas e direção do tratamento
Clinical structures and treatment direction
Messias Eustáquio Chaves
I Círculo Psicanalítico de Minas Gerais
RESUMO
O autor aborda o tema partindo do cenário da prática psicanalítica, circunscrevendo e articulando os principais conceitos para elaborar um saber sobre o percurso da análise pessoal e a direção do tratamento. Trabalha conceitos tais como o inconsciente, a associação livre do analisando, a escuta livre do analista, a transferência de amor e ódio, a pulsão, o recalque, o sintoma, o sujeito do inconsciente, as estruturas psíquicas borromeanamente constituídas, a resistência, o desejo do analista e a ética da psicanálise, a interpretação como ato analítico, a matemática de conjunto e o saber paradoxal como uma contradição lógica, a sobredeterminação simbólica do acaso, o sinthoma, a sublimação, o final de análise num cenário de inconscientes paradoxais.
Palavras-chave: Inconsciente, Associação livre, Escuta do analista, Transferência, Interpretação, Lógica paradoxal, Sobreterminação simbólica.
ABSTRACT
The thematic approached by the author begins with the psychoanalytical practice, circumscribing and articulating about its main concepts, to work on a knowledge about the course of personal psychoanalysis and treatment direction. He works on the following concepts: the unconscious, the patient’s free association, the analyst’s free listening, the transference of love and hate, the sexual instinct, the repression, the symptom, the subject of the unconscious, the psychical structures logically established, the resistance, the analyst desire linked to the ethics of psychoanalysis, interpretation as an analytical act, the mathematics set theory and the paradoxical knowledge about logic contradiction, the symbolic overdetermination of the hazard, the symptom, the sublimation, end of analysis in a unconscious paradoxicals scenery.
Keywords: Unconscious, Free idea association, Analyst listening, Transference, Interpretation, Paradoxical logic, Symbolic overdetermination.
Psicanalisar e transmitir a psicanálise –
tarefa impossível de ser toda em todo ser analista:
plausivelmente possível na vertente da falta-a-ser.
MESSIAS, XXXVI JORNADA CPMG, 2018.
O simbólico e seu duplo sentido lógico
Matemática de conjunto
Paradoxo
As palavras “paradoxo”, “paradoxalmente” e “paradoxal” despertam nossa atenção pelo fato de estarem fartamente escritas e transmitidas na teoria psicanalitica não só em Freud e Lacan mas também em diversos autores consagrados. São instigantes e em muitos leitores causas o desejo de pesquisar, estudar e descobrir por quê. Por quê?
Assim, pergunto:
O que se sabe sobre paradoxo?
O que se sabe de paradoxal na estrutura psíquica?
O que se sabe de paradoxal na direção do tratamento analítico?
O que se aplica da matemática deconjunto à psicanálise?
O que a matemática de conjunto e a topololgia podem nos ensinar a ler sobre a cientificidade do inconsciente psicanalítico?
O paradoxo de Russel aponta que um paradoxo é uma declaração aparentemente verdadeira que leva a uma contradição lógica, referindo-se à matemática de conjunto em Cantor, Gödel, Pierce, Russel e Frege. Eles influenciaram Lacan fortemente, nos caminhos de sua construção teórica desenvolvida a partir da profunda e sistemática leitura de Freud. O conjunto de todos os conjuntos, que contém a si mesmo. Um conjunto, que engloba todos os conjuntos que não se contém a si mesmo, ele é um conjunto que não se contém.
De qualquer jeito, não há uma resposta certa. Caberia uma ou mais respostas à mesma questão. O paradoxo de Russel é um paradoxo descoberto por Bertrand Russel em 1901 e demonstra que, no sistema do livro de Frege Leis fundamentais da aritmética, pode ser derivada uma contradição. Friedrich Ludwig Gottlab Frege (1848-1925) foi matemático, lógico e filósofo alemão.
A linguagem matemática pode explicar as operações significantes do Outro, lugar lógico da determinação simbólica do acaso. Wiederholungszwang, sobredeterminação da insistência repetitiva da cadeia significante, a partir das possibilidades combinatórias dos três registros, mostrando consistência imaginária e insistência simbólica em sua ex-sistência real.
Como o acaso obedece às leis da linguagem, pode-se estabelecer inúmeras composições dos símbolos em arcos, escrevendo-os numa forma quadrática. Explorando todas as composições possíveis, pode-se chegar a 64 arcos. Pode-se também estabelecer a correspondência com a Rede 1-3 e com o alfabeto dos significantes .
É possível aplicar o esquema de determinação simbólica à cura analítica porque a série que chamamos de associação livre é compatível com essa determinação. O grafo pode matematicamente ser qualificado de topológico por estar associado a essa noção de escrita. Ele é uma escritura que tem a propriedade de transmissão, de transcrição do imediato ao imediato.
Sérgio Santana e Petru Stefan (1987, p. 98) afirmam:
A teoria dos grafos ou das redes matemáticas é uma parte importante da teoria dos conjuntos. Qualquer lista ou coleção bem definida de objetos é chamada de conjunto e os objetos que o compõem são chamados de elementos ou membros do conjunto. Em geral, os conjuntos são designados por letras maiúsculas.
Referenciando-se nesse ensino matemático da teoria dos conjuntos, é possível dizer que o cenário da prática analítica pode ser apresentado, trabalhado, deliberado e ilustrado da maneira como segue: um conjunto de analista e seus analisandos no oficio do tratamento analítico.
Assim, Chaves (2018, p. 9) diz:
Paradoxalmente, o eixo teórico da psicanálise em sua espinha dorsal é um só: estruturado pela cientificidade do inconsciente linguagem singular de cada um, marcado pelo significante ‘freudiano’, aquele que ultrapassa o indivíduo Freud.
A clínica de cada um é a matemática de conjunto de cada psicanalista, com todos os seus analisandos, na rede logística de sua clínica particular. Há matemática de conjunto de uma clínica psicanalítica particular, mas não há uma matemática de conjunto das clínicas psicanalíticas, porque elas não se contêm, ou seja, uma não se encaixa na outra e vice-versa.
Questões - pontuações - elaborações
Através da associação livre do analisando, da escuta livremente flutuante do analista, da transferência, da resistência, do desejo função do analista, do ato analítico e de seus efeitos de interpretação, podemos fazer advir o sujeito do inconsciente?
Junto a esses significantes fundamentais, há muitos outros: todos aqueles que compõem o enlaçamento do saber da psicanálise tanto teórico quanto clínico. Então, um saber paradoxal, efeito dos pares antitéticos freudianos tanto quanto das topologias lacanianas, especialmente da topologia do nó borromeano?
A minha hipótese é a seguinte. A prática psicanalitica, por ser efeito da cientificidade do sujeito do inconsciente é paradoxal, pois abarca, no mesmo tempo e espaço lógicos, o conjunto dos significantes inscritos na teoria da clínica psicanalítica. Há uma contradição lógica, portanto paradoxal entre pulsão e recalque.
O principal da técnica e do tratamento analítico é tornar consciente o que estava inconsciente. O que se quer dizer com isso?
Há um saber paradoxal, de junção e disjunção estrutural, de inconsciente, pré-consciente, consciente?
Se as causas dos sintomas são inconscientes e permanecem inconscientes, significa que não haverá cura, desmanche dos sintomas?
Que só o desrecalcamento, a construção do saber consciente sobre as causas, a elaboração do sofrimento e a sua sublimação possível poderiam testemunhar os efeitos da psicanálise?
Quando Freud escutava seus pacientes analisandos, aprendendo com eles, terraplenou os caminhos da psicanálise, ensinando-nos os efeitos colhidos a posteriori?
Quando Lacan escutava seus analisandos/analisantes, aprendendo com eles, só depois asfaltou e sinalizou os caminhos da psicanálise nos ensinando a avançar?
Como, depois de Freud e de Lacan, poderíamos artística e linguajeiramente esculpir, reinventar, na contemporaneidade, um avanço teórico-clínico da psicanálise e da arte de transmití-la?
Para que uma prática clínica aconteça caminhando em progressão e regressão, é fundamental que o analisando associe livremente as suas ideias e pensamentos, articulando-os de uma maneira solta e sem preocupação com Isso.
Contudo, Freud aprendeu, e todos nós aprendemos com ele e com a nossa clínica, que, ao mesmo tempo que pedimos “fale livremente”, algo surge inconscientemente para obstaculizar, fazer com que não seja tão livre assim. Freud chamou isso de resistência.
Há em todo analisando um desejo e um contradesejo, um sim e um não, uma pulsão e um recalque, bem como renegação ou desmentido, ou foraclusão, dependendo da constituição estrutural do sujeito em seu inconsciente. Tais modalidades de defesa face às pulsões são fundantes e estruturantes do aparelho psíquico (Freud) e da topologia borromeana (Lacan), por mais paradoxal que isso possa parecer.
Se “o inconsciente é estruturado como uma linguagem” (LACAN), ele vai emergir no cenário do tratamento psicanalítico. Ele e o sujeito d’Ele são constituídos, paradoxalmente ao mesmo tempo, no campo do Outro. Lalangue, alíngua materna faz buraco no tecido biológico do corpo, inscrevendo um significante primordial – UM. E quanto mais a mãe e os mais próximos falam com o seu bebê, mais são feitas inscrições de sons: letras, sílabas, palavras.
Com o amadurecimento cerebral, o bebê se capacita a ver imagens e com a experiência do “estádio do espelho” (LACAN) já se configura a existência do andamento do processo de uma estruturação no tempo e espaço lógicos de simbólico, imaginário e real, enlaçando os três numa topologia borromeana.
Essa topologia segue se inscrevendo e se fazendo sistema estrutural inconsciente, num movimento em espiral, “girando como um caleidoscópio” (JORGE), fazendo uma topologia espiralada, estruturando o psiquismo do sujeito.
Lacan ([1972-1973] 1985, p. 189) afirma:
Se eu disse que a linguagem é aquilo com que o inconsciente é estruturado, é mesmo porque a linguagem, de começo, ela não existe. A linguagem é o que se tenta saber concernente à função da alíngua.
O que se estrutura na infância se mantém e é revivido no percurso do trabalho psicanalítico?
A transferência de amor a um sujeito suposto saber na sessão analítica reverbera o saber suposto ao pai da infância pelo filho ou filha?
O que teria sido inscrito nos caminhos do amor e do ódio – uma “hainamoration”, enamoração, feita de ódio [haine] e de amor [l’amour], um amódio, sofrendo o recalcamento, esquecido no inconsciente e retornando na análise, transferido para o analista, um sujeito suposto saber como o pai, na sua escuta desde o lugar de semblante de objeto a, possibilitando que o analisando reviva em cena, com palavras, no dizer – às vezes em ato –, acting in, ou acting out e/ou pasagem ao ato?
Não existe análise apenas com a presença do analisando. Não existe análise apenas com a presença do analista. A prática psicanalítica, em sua estrutura borromeana, e não em sua realidade ideal, acontece no entrechoque topológico da rede significante dos três – o analisando, o Outro e o analista –, não mais ao outro semelhante, outro ? outro, e sim no campo do Outro barrado, , na falta-a-ser.
Lacan ([1972-1973] 1985, p. 122), afirma:
O que para vocês eu gostaria de escrever como a hainamoration, uma enamoração feita de ódio (haine) e de amor, um amódio, é o relevo que a psicanálise soube introduzir para nele inscrever a zona de sua experiência.
Não se deve fazer sugestões nem orientar o analisando. No entanto, paradoxalmente, ao abordar a reinvenção da psicanálise, Jorge1 fala do real da experiência em Freud, do real impossível em Lacan, estabelece um rumo ao laboratório psicanalítico, diz do feeling e do timing inseridos na arte de improvisar, e caminha para o desejo de despertar e o despertar do desejo.
Então, ele volta a abordar a sugestão, demonstrando que, em Freud e Lacan, a prática nos conduz em certas situações especiais na experiência da análise, nas quais é necessário reinventar e fazer sugestões ao analisando, orientá-lo psicopedagogicamente sem ferir o estatuto da nossa prática clínica. É possível identificar nesse ensino a noção de “resistência como insistência” do analista. Uma prova de como a nossa prática é paradoxal?
Jorge (2017, p. 182, grifos nossos) afirma:
O psicanalista resiste, igualmente, ao crer que interpretar é mostrar ao sujeito que o que ele deseja é determinado objeto. Pois se trata, pelo contrário, de ensinar o sujeito a nomear, a articular, a fazer passar para a existência, e por isso insiste. Há uma relação íntima entre o reconhecimento do desejo e o desejo de reconhecimento.
O que acabamos de ver nos possibilita elaborar e dizer, apoiados em Jorge (2017, p. 179-186), da maneira que segue. Essa insistência desejante que cabe ao analista aliar-se na direção do tratamento, aliança estabelecida pelo analista, sem dar ouvidos às resistências, com a insistência desejante, desritualizando a prática, obtendo no seio da experiência o elemento surpresa, do inesperado, através do qual o inconsciente se manifesta.
Acentuando o desejo e não a resistência, Lacan pode dizer que a interpretação é a emergência no discurso do analisando da verdade de seu desejo, cabendo ao analista apenas colhê-la, acolhê-la e relançá-la ao sujeito.
Como disse Lacan (1972-1973, p. 189-190), “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”. A linguagem é campo do simbólico. O simbólico é um dos três registros: real, simbólico, imaginário. Mas sozinho ele é capaz de fazer a estrutura psíquica? Real, em Lacan, não é o organismo biológico. Ele é sexual, libidinal, é o Isso, tudo o que escapa à essência do simbólico, mas não escaparia a uma apreensão do simbólico, esse que junto com o imaginário faz borda ao Isso da pulsão e do Real. Então, seria possível inferir que o Isso tem pelo menos um pé no inconsciente estruturado como uma linguagem?
Uma das primeiras conceituações de Freud ([1915] 1974, p. 129-131) sobre a pulsão define-a como Triebrepräsentanz, um representante instintual, isto é, pulsional, como “um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático ”, ou seja, “o representante psíquico dos estímulos que se originam de dentro do organismo e alcança a mentre”.
Assim, deduzimos que a pulsão – e a libido, sua energia de Isso pulsação, com um pé no somático e outro no psíquico – é enodada pelo inconsciente. O psíquismo humano – realidade psíquica, estrutura psíquica, verdade psíquica – é a verdade do inconsciente que, a meu ver, abrange o corpo, a fantasia e a fala, uma das expressões dos três registros enodados topologicamente, ao mesmo tempo, paradoxalmente, inconscientemente. Então, o saber do inconsciente é paradoxal.
Jorge (2017, p. 148) afirma:
O analista paga com palavras na interpretação; paga também com o desdobramento de sua pessoa, na transferência; e paga ainda com sua posição de sujeito, que ocupa o lugar do morto – morto quanto a seus sentimentos, preferências, tendências, gostos e juízos: o analista “paga com o que há de essencial em seu juízo mais íntimo”. Se o analisando mantém uma relação refratária com o próprio desejo, cabe ao analista reabrir as trilhas que levam à ‘estrada perdida” da qual ele tende a se desviar. E não é outro senão o desejo do analista o que permite que se realize essa operação. Assim, Lacan desenboca numa região essencial de seus desenvolvimentos, a formulação de uma ética própria ao discurso psicanalítico: “Cabe formular uma ética que integre as conquistas freudianas sobre o desejo: para colocar em seu vértice a questão do desejo do analista”.
A associação livre de cada um em sua singularidade vai produzir o fenômeno das transferências: amor e ódio (+ e -) amódio, matemática dos conjuntos, paradoxo, que, ao associar, transfere revivências amódicas: amando, odiando, trabalhando, deliberando e seguindo em frente.
Alguns associam livremente, quase o tempo todo, não receiam expressar sentimentos, questionam a si mesmos, aos outros e ao próprio analista. Costumam facilitar a emergência de atos psicanalíticos. Alguns outros associam mais ou menos livres, fazem pausas, pensam, voltam a falar. E outros ainda, são fechados, de pensamentos cortados, concretos, objetivos e vão se soltando ao longo do tempo do percurso em análise.
Cabe ao analista fazer o cálculo do manejo da transferência com cada um, dirigindo o tratamento até as últimas consequências, quando se pode chegar naturalmente – nada pré-fabricado, forçado – a um final de análise pessoal possível, com o analisando perlaborando sobre o real de sua falta-a-ser.
Para Lacan, não há contratransferência. O que há é a transferência do analista. Assim listamos: desejo do analista e desejo do analisando, associação livre do analisando e escuta livremente flutuante do analista, transferência do analisando e transferência do analista, resistência (de duplo sentido antitético e paradoxal – resistência + insistência) de analista e de analisando, amor-desejo-gozo na relação analítica borromeana, em que o simbólico do inconsciente “não cessa de se inscrever”, e, o real do inconsciente “não cessa de não se inscrever”.
O imaginário não cessa de se defender, de usar uma máscara ou ‘tampa’. O inconsciente sustenta, o pré-consciente se faz de litoral – fronteira –, e o consciente suporta?
Lacan ([1971] 2003, p. 18) afirma:
Não é a letra... litoral, mais propriamente, ou seja, figurando que um campo inteiro serve de fronteira para o outro, por serem eles estrangeiros, a ponto de não serem recíprocos?
A ética da psicanálise – ética do desejo do psicanalista em seu cálculo da prática clínica com cada um de seus analisandos –, é que eles possam, resistindo-insistindo, não deixar a associação livre morrer, levando a experiência do percurso de análise até as suas últimas consequências de seus encontros com a falta-a-ser.
Para Lacan, a impotência é do imaginário e não leva a nada. É preciso sair da impotência (imaginário) para a impossibilidade (real), atravessando e rasgando as fantasias, se possível desvestindo-se delas, construindo um saber no campo do simbólico de como lidar, trabalhar, com o Isso, a pulsão, o Real que “não cessa de não se inscrever”: é aí que reside o caminho da cura.
“A direção do tratamento é do psicanalista”, diz Lacan ([1960] 1984, p. 566). O ato analítico, em seu viés pré-consciente, é do desejo função do analista, no sentido da intervenção interpretativa, que faz a análise andar, ou claudicar, mancar, pois só se sabe se houve efeito de interpretação a posteriori, só-depois. Se houve efeito analítico, o ato se produziu na vertente de resistência como insistência do analista, mas se não houve efeito, o ato se produziu como um ato falho, na vertente de resistência inconsciente do analista.
No Seminário, livro 15: o ato psicanalítico, Lacan (1967-1968, p. 66), afirma: “Não há nada de tão bem-sucedido quanto a falha relativa ao ato”.
Não poderia deixar de dizer o quanto acho enigmática a relação topológica do Real com o inconsciente. É preciso ir ao saber que Lacan constrói em relação ao Um, Y a d’ l’ Un. Ele se pergunta como situar a tal função do Outro e Lacan caminha nas últimas lições de Encore [mais, ainda] se colocando uma série de questões e tenta trabalhá-las, fazendo emergir mais e mais questões na última lição do seu seminário.
Assim, Lacan ([1972-1973] 2010, p. 258), afirma:
O que se escreve, em suma, o que isso seria? As condições do gozo [...] Na realidade, ele a põe a trabalhar, mas ao trabalho do Um. E por isso esse Outro, na medida em que aí se inscreve a articulação da linguagem, isto é, a verdade, o Outro deve ser barrado, barrado por aquilo que qualifiquei há pouco como o Um-a-menos. O , é o que isso quer dizer. E é por isso que chegamos a levantar a questão de fazer do Um algo que se sustente, ou seja, que se conte sem ser. Só a matematização alcança um Real e é nisso que ela é compatível com nosso discurso, discurso analítico, um Real que precisamente se evade, que não tem nada a ver com o que o conhecimento tradicional sustentou, ou seja, não o que ele crê, a realidade, mas sim o fantasma. O Real é o mistério do corpo que fala, é o mistério do inconsciente.
Caminhando para finalizar, o autor deste artigo inventa uma escrita, plausivelmente poética para abordar e ao mesmo tempo revelar algo que se possa chamar de metáfora da castração simbólica ou metáfora paterna.
Sinto-me castrado na vertente de minha falta-a-ser.
O impossível de dizer tudo o que eu gostaria de dizer.
Já foi dito, dizem que, é da dicção, é dito, edito.
No fundo do fundo, para todo mundo.
Em todo mundo, possivelmente.
O amor é sempre o amor de si mesmo.
“No impossível de amar o outro,
Tanto como se ama a si mesmo, ele,
o outro, semelhante a mim mesmo”. (Freud)
Desejo é sempre, na raiz, o desejo do Outro.
Amor é sempre, na raiz, o amor do Outro.
Faço do desejo do Outro interface com o meu desejo.
Faço do amor do Outro interface com o meu amor.
No princípio era o ato, como inscrição, como letra no inconsciente, letra P.
P de Pai, de Nome-do-Pai, P de palavra, P de Paradoxo.
Palavra no ato, ato de palavras em ação, desejo em ato, é-feito.
Efeitos do inconsciente, que mente sobre a verdade – a verdade da mentira.
Paradoxo, paradoxal, paradoxalmente. Matemática de conjunto.
Surge o fogo, energia, pulsão, libido, sem-sentido, SIM, sinaliza perigo.
Surge o recalque, a defesa, NÃO, com produção de sentido, sintoma.
Sentido do sintoma, pedindo com P que o Pai advenha no processo de simbolização. Tratamento do real da pulsão pelo simbólico e pelo imaginário – cenário das fantasias.
Pulsão, sentido, castração – Gozo, amor, desejo.
Real, imaginário, simbólico – Enlaçamento topológico em um nó borromeano.
Matemática de conjunto, matemas, redes, grafos, lógica paradoxal.
O psicanalista dirige o tratamento, a análise. Ele não dirige o analisando.
Ele não dá sugestões, não orienta, não trabalha como se fosse um pedagogo.
Entretanto, em certos momentos especiais do percurso de análise, que requer toda a sua atenção – focada, ao invés de flutuante –, ele precisa – sem ser preciso, mas sendo “precioso” –, orientar, dar sugestões, educar. Não se trata de sair do lugar de analista, de abrir mão do seu desejo função de analista, mas de estar nesse seu lugar paradoxal, particular e plural ao mesmo tempo, singular e universal, esse lugar:
Freud-Lacan-Cantor-Gödel-Pierce-Frege.
Analisando encanta e desencanta. Analista encanta e desencanta.
Transferência de analisando, transferência de analista.
Transferência positiva = amor. Transferência negativa = ódio.
Inconscientes, paradoxais.
Transferência de amor-ódio (amódio) no trabalho analítico.
Transferência de amor-ódio (amódio) no trabalho institucional.
Resistência como insistência do desejo --> direção de progressão.
Resistência como defesa ante revivências --> direção de regressão.
Regride e progride, revive e avança --> efeitos analíticos paradoxais.
O amor amansa o ódio, vela sobre a culpa, a “agressividade consequente” (Freud), mas quando o amor se distrai – diz-trai ou se esvai –, o ódio aparece como uma das expressões da pulsão de morte na transferência.
Elabora, fura e rasga fantasias --> reelaborando, reconstruíndo, mudando por dentro, mentalmente, paradoxalmente, produzindo um “savoir y faire” (Lacan).
Enfim – Saber o que é possível fazer com o real da pulsão no sintoma.
Se entregar ao trabalho analítico, indo até às últimas consequências!
Transferência de amor-ódio? Amódio! Positiva-negativa, paradoxal!
Pulsações agressivas? Mal-estar, perigo, fuga de tormentos paradoxais!
Encontro com o real, o impossível, o vazio, lógica de ex-sistência!
Impossibilidade de ser tudo-todo, ter tudo-todo, aprender tudo-todo!
Dizer tudo-todo, escutar tudo-todo, saber tudo-todo, sublimar tudo-todo!
A seguir, letra poética de música inventada pelo autor deste artigo.
Sublimar o mal-estar atual
Não deixar a fala morrer,
Saber do mal-estar acabar,
Humanos são feitos de fala,
E a escuta não pode faltar.
Não deixar a escuta faltar,
A escuta mobiliza o desejo,
De falar, de pensar, de praticar,
Amar, trabalhar, deliberar.
Ah! Se eu pudesse livremente caminhar,
Ah! Se eu pudesse livremente praticar,
Ah! Se eu pudesse livremente acolher,
Borromeanamente,
Ato analiticamente,
Eticamente,
Paradoxalmente.
Uma fala livre,
Uma escuta aberta,
Pensamentos soltos,
Silenciosamente,
Hei de escutar.
Referências
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Endereço para correspondência
E-mail: mesquioves@gmail.com
Recebido em: 18/11/2018
Aprovado em: 30/11/2018
SOBRE O AUTOR
Messias Eustáquio Chaves
Psicólogo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
Especializado em Psicologia Clínica - Conselho Regional de Psicologia, 4ª Região-MG.
Psicanalista.
Sócio do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG).
Responsável pela transmissão do seminário Estruturas Clínicas no CPMG desde 1992.
Sócio do Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP).
Sócio da International Federation of Psychoanaytical Societies (IFPS).
1 Seminário A prática analitica proferido no CPMG, em 2018.