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Ide
versión impresa ISSN 0101-3106
Ide (São Paulo) vol.40 no.66 São Paulo jul./dic. 2018
EM PAUTA EASY RIDER: SEM DESTINO
Uma experiência na Rota 66: breves anotações
An experience at the Route 66: brief notes
Lila Schwartz
Psicanalista, membro associado à Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Autora das fotos presentes neste artigo
RESUMO
Uma experiência na Rota 66: breves anotações Este texto apresenta algumas anotações de viagem realizada pela autora nos Estados Unidos, com uma visita ao trecho final da Rota 66, considerada um ícone do desafio e da liberdade, fonte de inspiração dos movimentos da contracultura.
Palavras-chave: Desafio. Sem destino. Desconhecido.
SUMMARY
This text presents some notes from a trip made by the author in the United States, with a visit to the final section of Route 66, considered an icon of challenge and freedom, source of inspiration of counterculture movements.
Keywords: Freedom. Challenge. No destination. Unkown.
Recentemente, estive em viagem pela Califórnia, Estados Unidos. Chegando a Los Angeles, fui a icônica Rota 66, pois sabia que ela seria a inspiração deste volume da revista Ide. Transitei por um trecho dela, registrando fotograficamente certos pontos que chamaram a minha atenção.
Seguem algumas anotações, impressões e informações de caráter histórico sobre a região, em particular sobre a Rota 66, acompanhadas de fotografias, sendo algumas feitas por mim, autora-viajante, e uma tirada pelo fotógrafo Ian Bowen, que conheci no Píer Santa Mônica, com o qual tive a oportunidade de conversar sobre a estrada e que gentilmente concordou com a reprodução de uma das suas fotos na revista.
A Rota 66, ou Main Street of America, como era conhecida, foi estabelecida em 1926 e inaugurada em 1938. Trata-se de uma estrada longa que cruza os Estados Unidos, desde Chicago, Illinois, até Santa Mônica, Califórnia, atravessando oito estados e batizada como Mother Road of America, por ser a primeira estrada transcontinental. Uma variada cultura popular foi criada em torno dela. Assim, a Rota 66 inspirou filmes e livros com temáticas relacionadas ao fascínio pela aventura sem facilidades, pela busca em ultrapassar os próprios limites, com desafios constantes, bem como pela presença de narrativas sobrenaturais. A estrada surge como personagem principal ou cenário de diversas histórias. Sua travessia nos mostra os Estados Unidos na sua realidade, do interior, que os turistas não conhecem.
The grapes of wrath (Vinhas da ira), filme de 1939 baseado no romance homônimo de John Steinbeck, imortalizou a Rota 66 como o caminho da prosperidade e também como símbolo de luta e perda, ao narrar a história de uma família de trabalhadores rurais durante a grande depressão de 1929, que se deslocava de Oklahoma para a Califórnia.
"Get Your Kicks on Route 66", canção composta em 1946 por Bobby Troup e sua esposa, Cynthia, durante uma viagem de dez dias pela rota a bordo de seu Buick 1941, foi uma música que contribuiu para eternizar a estrada no imaginário de várias gerações.
A primeira gravação foi de Nat King Cole. Inúmeros artistas fizeram suas versões, entre eles Bing Crosby, Chuck Berry, The Rolling Stones, Depeche Mode, George Benson, só para citar alguns.
Jack Kerouac, no livro On the road, narra a sua aventura nessa estrada, acompanhado de um amigo. Ambos partem de carona para a Califórnia, em busca de algo que não tinham ideia do que seria, e se perdem na estrada. Fazem o caminho de volta, sempre na esperança de encontrar alguma coisa... Esse livro influenciou milhares de jovens a seguir em busca de liberdade, um dos lemas do movimento hippie e da geração rock n'roll dos anos 1960.
O filme Easy rider (Sem destino), inspirado no livro On the road e lançado em 1969 no clima do festival Woodstock, tem a busca da liberdade em sua essência. Retrata os anseios de uma geração e as mudanças dos valores socioculturais que a população dos Estados Unidos passava na época e toda a quebra de paradigma que a contracultura representou para o mundo.
Easy rider, depois de quase 50 anos de sua estreia, consegue dar a dimensão do que foi o movimento hippie nos anos 1960 e 1970. Apresenta dois motociclistas, sem destino, em busca de emoções fortes e de liberdade. O livro de Kerouac, bem como o filme de Dennis Hopper, compõe um movimento de contracultura único, onde os sapatos deram lugar às sandálias, roupas conservadoras e predefinidas truxeram à luz liberdade de escolha, de opinião e de atitude.
Ao entardecer, no Píer Santa Mônica, foi possível iniciar uma experiência de viajante com relação à Rota 66. A magia lendária que envolve o lugar cria uma atmosfera de museu a céu aberto, facultando a expectativa de se aproximar da experiência que as pessoas buscavam, ao iniciar essa viagem sem destino, com a bússola apontando para o desconhecido.
No quiosque, localizado no começo do píer, viajantes conversam, procurando orientações para fazer alguns trechos da rota ou contando suas experiências de vida, algumas passadas em determinado trecho da própria estrada. O quiosque do fotógrafo Ian Bowen é o ponto de encontro das pessoas que trocam experiências com outras recém-chegadas, interessadas na rota e em seus arredores. Assim é que, nessas conversas, fica claro que o Píer Santa Mônica não é o fim da estrada; o fim oficial fica a alguns quilômetros mais à frente. Mas é o lugar que os viajantes elegeram como ponto final de suas viagens pela rota, um ponto simbólico, que sugere ser ela um lugar de roteiros sem fim.
Assim os viajantes-caminhantes tiveram a "liberdade" de mudar o fim da estrada. Esse ponto final pode ser visto como mais um mito, entre os muitos outros criados por todos aqueles que transitaram pela Rota 66. Ou seja, é interessante pensar que, tal como numa psicanálise, cada um pode construir o seu próprio percurso. À medida que caminha, cada viajante chega a certas paragens que, ao serem atingidas, se tornam conhecidas, podendo ser eleitas como pontos finais de um percurso. O fato é que a estrada prossegue e é desconhecida até um próximo ponto que se estende inclusive um outro mais à frente, que nunca é exatamente um ponto final...
A Rota 66 é um caminho que se mistura à vida dos que a percorreram e continua, objetivamente, sem um definitivo encerramento... Este é propriamente definido pelos viajantes que fazem seu caminho ao viajar... Sem destino? Nessa rota, o que se pode dizer é que o destino é o desconhecido...
REFERÊNCIAS
Kerouac, J. (2008). On the road: o manuscrito original. (E. Bueno & L. Brito, trad.). Porto Alegre: L&PM. [ Links ]
Bion, W. R. (2000). Cogitações. (E. H. Sandler & P. C. Sandler, trad.). Rio de Janeiro: Imago. [ Links ]
Sonderman, J. (2018). Route 66. Then and now. Londres: Solomander Books. [ Links ]
Endereço para correspondência:
LILA SCHWARTZ
Rua Kansas, 496
04558-001 São Paulo-SP
tel : 11 5561-4292 / 11 9632-3916
lilaschwartz20@gmail.com
Recebido 07.05.2018
Aceito 07.06.2018
Agradeço à Eliane Saslavsky Muszkat, membro filado à Sociedade de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), pela leitura atenta e troca de impressões sobre este texto.