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Tempo psicanalitico

versión impresa ISSN 0101-4838

Tempo psicanal. vol.43 no.1 Rio de Janeiro jun. 2011

 

SEÇÃO TEMÁTICA

 

Amor, impasses da sexuação e ato infracional na adolescência

 

Love, impasses of the sexuation and infractional act in adolescence

 

 

Tânia Coelho dos SantosI; Christiane da Mota ZeitouneII

IPsicanalista; Membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise; Presidente do Instituto Sephora de Ensino e Pesquisa de Orientação Lacaniana; Pós-doutorado no Départament de Psycanalyse de Paris VIII; Professora Associada III do programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica; Pesquisadora bolsista 1C do CNPq
IIDoutora em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ); Psicóloga do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas; Psicanalista; Membro do Instituto Sephora de Ensino e Pesquisa de Orientação Lacaniana

 

 


RESUMO

Partindo da hipótese freudiana de que o recalque da sexualidade infantil engendra o inconsciente após a dissolução do complexo de Édipo e orientado pelos conceitos de simbólico, imaginário e real, advindos da releitura lacaniana, este artigo aborda os efeitos do complexo de castração na sexuação masculina demonstrando que os atos infracionais de adolescentes podem ser uma resposta ao encontro com o amor. Questionamos se este tipo de resposta evidencia que no mundo contemporâneo o sintoma neurótico clássico é uma solução insuficiente para localizar o sujeito no campo da identificação e da escolha de objeto. No lugar do sintoma como retorno do recalcado surgem as chamadas "patologias do ato" - entre elas os atos infracionais - que testemunham que para alguns adolescentes sua resposta sintomática tem a forma de um acting out.

Palavras-chave: sexuação; adolescência; desejo; gozo; ato.


ABSTRACT

Starting from the Freudian hypothesis that the repression of infantile sexuality founded the unconscious after the dissolution of the Oedipus complex, and guided by the concepts of symbolic, imaginary and real, proposed by Lacang, this article discusses the effects of the castration complex in male sexuation showing that the infractional acts of adolescents may be a response to an encounter with love. We question if this type of response shows that, in the contemporary world, the classic neurotic symptom is an insufficient solution to localize the subject in the field of identification and object choice. In place of the symptoms as return of the repressed come the so-called "diseases of the act" - including the infractional acts - that shows that for some adolescents their symptomatic response take the form of an acting out.

Keywords: sexuation; adolescence; desire; enjoyment; act.


 

 

INTRODUÇÃO

Freud desvendou o papel da sexualidade na organização psíquica e na estruturação do sujeito. Em sua obra, caracteriza a puberdade como o momento do reencontro com o objeto sexual, quando, então, o jovem precisará assumir sua posição sexuada e refazer uma escolha de objeto contornando a via incestuosa. Muito embora cada indivíduo traga a marca da diferença anatômica entre os sexos e, ao nascer, seja designado como menino ou menina, será preciso um longo trabalho de elaboração inconsciente para que possa assumir as consequências psíquicas dessa condição, que envolve as dimensões simbólica, imaginária e real.

A identificação ao ideal do seu sexo bem como a extração do objeto do desejo graças à elaboração de uma fantasia dependem da passagem pelo complexo de castração e pelo complexo de Édipo. Logo, a sexualidade humana não é consequência direta da realidade biológica e, sim, um fato de civilização, de linguagem e de cultura. A condição sexuada de homem ou de mulher é um sintoma, isto é, uma resposta à pergunta: "o que quer o Outro de mim"? Esse Outro se apresenta primeiramente como uma alternativa entre a presença e a falta fálica na dimensão imaginária, isto é, no nível da imagem unificada do corpo aparece uma diferença entre os corpos que delimita uma zona angustiante. A criança confrontada com a diferença sexual é levada a interpretá-la por meio da oposição entre fálicos (aqueles que têm um pênis) e castrados (aqueles que não o possuem).

De acordo com Lacan (1974/2001), aquilo que Freud foi levado a circunscrever como sexualidade difere das concepções biológicas que a reduziam a um instinto, pois o conceito de inconsciente faz um furo nesse Real supostamente já dado e anterior à civilização. A sexualidade que irrompe na adolescência não é uma mera consequência do despertar dos hormônios, uma vez que confronta o jovem ao enigma do que querem as mulheres, levando-o a assumir seu próprio sexo e responsabilizar-se pelo seu desejo.

Foi com essa perspectiva que enfocamos o trabalho com os adolescentes submetidos ao cumprimento de medidas socioeducativas porque cometeram atos infracionais. O adolescente, sob a pressão das exigências sexuais renovadas depois da puberdade, precisa enfrentar um excedente de sensações que não consegue traduzir em palavras; por isso, muitas vezes adota uma postura agressiva e passa ao ato (Lacadée, 2007).

Neste artigo partiremos da análise do complexo de Édipo e do seu enlace com o complexo de castração, esse encontro com o real da diferença sexual, para analisar a incidência da lógica fálica na sexuação masculina e discutir, a partir de um caso clinico, por que o sintoma neurótico no mundo contemporâneo se revela uma resposta insuficiente para localizar a pulsão no campo do desejo sexual. No lugar do sintoma, isto é, do recalcamento do desejo sexual, surgem as chamadas "patologias do ato": toxicomanias, atos infracionais, violência, bulimias, anorexias etc.

Freud ([1905] 1980) dedica a terceira parte dos seus "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade" às "transformações da puberdade". Demonstra que, "com a chegada da puberdade, operam-se mudanças destinadas a dar à vida sexual infantil sua forma final normal" (Freud, [1905] 1980: 213), o que implica encontrar o objeto sexual, a partir do que se inscreveu para o sujeito no contexto de uma "organização sexual infantil": "O encontro do objeto é, na realidade, um reencontro dele" (Freud, [1905] 1980: 229).

Isso não se dá sem conflitos, pois, mais além das transformações do corpo na puberdade, o sujeito se vê confrontado com a intensificação dos sentimentos edipianos. Queremos ressaltar, entretanto, que para poder servir-se da significação fálica e encontrar, mais além do falo, o objeto causa do desejo, o adolescente precisará ultrapassar a convicção infantil de uma oposição fálico/castrado e inventar uma resposta nova para a questão da diferença sexual (Coelho dos Santos, 2009).

Segundo Freud ([1905] 1980), é na puberdade que a tentativa de encontrar um objeto amoroso - para a qual o indivíduo foi preparado desde a primeira infância - se efetua. A sexualidade infantil desloca-se ao longo de certa cartografia de zonas erógenas - oral, anal, fálica - e os objetos a cada etapa estão destinados a ser perdidos. O primeiro e mais importante deles é o seio materno, objeto autoerótico, que a criança não reconhece como um objeto fora dela própria. Identificada e indiferenciada com o seio materno, podemos dizer que a criança ama e é esse seu primeiro objeto. A identificação com base no laço oral é a identificação primordial e fundadora do aparelho psíquico.

A escolha de objeto é dirigida pelas experiências infantis - revividas na puberdade - da inclinação sexual da criança em relação a cada um dos pais e aos outros que cuidam dela. As fantasias sexuais da primeira infância se apoiam na relação com os pais. Nos primeiros anos da primeira infância, a criança realiza uma intensa pesquisa, que culmina com a descoberta da diferença sexual e com a construção de fantasias sobre a relação entre os sexos.

Como já mencionamos anteriormente, a diferença anatômica entre os sexos é interpretada pela criança como uma oposição entre indivíduos considerados fálicos ou castrados. Do ponto de vista da lógica infantil não há senão um único sexo, o falo, que pode manifestar-se como presente ou ausente. Assim, o encontro com a diferença sexual não suscita a mesma resposta no menino e na menina. Quando um menino vê a região genital de uma menina demonstra irresolução ou falta de interesse, duvida, procura outras informações. Constata a falta de pênis na menina, mas costuma encobri-la para si mesmo declarando que ela tem um pênis muito pequeno que um dia vai crescer (Freud, [1923] 1980). Quando conclui que a menina não o tem, acredita que ela o perdeu, pois antes estava lá. É a partir dessa solução que se introduz o complexo de castração no menino. A ameaça de castração, tão comum na infância, "ocasiona a destruição da organização genital fálica da criança" (Freud, [1924] 1980: 219). Com medo de perder o órgão tão apreciado, o menino abandona a catexia libidinal de seus objetos parentais e volta as costas ao complexo de Édipo (Freud, [1924] 1980: 221). A menina, ao contrário, já compreendeu tudo à primeira vista: "Ela o viu, sabe que não o tem e quer tê-lo" (Freud, [1925] 1980: 314). Ao contrário do menino, é o complexo de castração que possibilitará à menina a entrada no complexo de Édipo. A menina também está aprisionada nessa lógica. Ela se toma por um ser incompleto. Fica ressentida contra a mãe que não lhe deu um pênis. Desloca seu amor para o pai, de quem espera receber uma compensação - um filho, por exemplo - pela sua inferioridade.

Para concluir, de acordo com Freud ([1925] 1980), a diferença entre o desenvolvimento sexual dos indivíduos dos sexos masculino e feminino é uma consequência psíquica da distinção anatômica entre seus órgãos genitais. Sobre a falta do pênis na menina, as crianças de ambos os sexos fantasiam que "uma castração foi executada". Por essa razão, o menino vivencia a ameaça de castração que pesa sobre o órgão tão valorizado (Freud, [1925] 1980: 319). A menina entra no complexo de Édipo, isto é, descobre o pai como aquele que tem e pode lhe dar o falo, graças ao complexo de castração. O menino sai do complexo de Édipo, isto é, abandona seu amor incestuoso pela mãe quando descobre que o pai é seu rival nesse amor - sob o peso da ameaça de castração, identificando-se ao rival e recalcando o desejo incestuoso.

O complexo de castração é uma interpretação, isto é, uma atribuição de sentido ao Real sem sentido da diferença sexual. O complexo de Édipo é um enredo, uma fantasia que permite elaborar as consequências da dissimetria entre o homem e a mulher formulando uma hipótese acerca das relações entre os sexos. O complexo de Édipo é, portanto, estruturante do campo da fantasia inconsciente. Quando se dissolve, sucumbindo ao recalque, instala-se um longo período de latência sexual. A curiosidade infantil dá lugar aos sentimentos de vergonha e às exigências dos ideais estéticos e morais.

No momento da maturação genital da puberdade, há uma retomada pelo sujeito dessa sexualidade. Mas esse reencontro sexual pode ter efeitos traumáticos, na medida em que desperta os sentimentos edipianos recalcados e as consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos. A resposta a esse excesso pulsional pode ser a disjunção entre a corrente afetiva da primeira infância e a corrente sensual da puberdade. Na primeira infância existiria uma harmonia entre a corrente afetiva (amor) e a corrente sensual (sexualidade pré-genital). Embora as pulsões sexuais parciais ainda contribuam para a vida libidinal, tendem a convergir para ambos os pais, que são colocados em um lugar privilegiado. O aspecto central da hipótese freudiana é a suposição de que a corrente afetiva e a corrente sensual encontram sua satisfação com a mesma pessoa. Esse ideal vai ser reativado na adolescência. Mas os tempos mudaram. A sexualidade, agora genital, vai perturbar, nesse momento, o que na infância apresentava-se tão harmonioso (Freud, [1912a] 1980: 164). Certo mal-estar passa a habitar o sujeito, porque ele não consegue mais reeditar essa forma harmoniosa de convergência entre a corrente afetiva e a corrente sensual sobre o mesmo objeto. A interdição do incesto é responsável por operar essa disjunção.

Freud ([1912b] 1980), em seu texto "Tipos de desencadeamento da neurose", observa que existe na puberdade um aumento da "quantidade de libido em sua economia mental". Este excesso libidinal perturba o equilíbrio e pode desencadear uma neurose, o que exige do jovem um trabalho psíquico para que a pulsão ganhe novos destinos ([1912b] 1980: 296). Para Freud, o impacto produzido no sujeito pelas mudanças corporais e a desorganização psíquica que surgem neste momento da vida têm um papel importante no desencadeamento da neurose, da perversão e da psicose. Entre o declínio da sexualidade infantil e o início da puberdade, existe um período de latência que coincide com a dissolução do complexo de Édipo. Como Freud ([1905] 1980) assinala, no período de latência a produção de excitação sexual não é interrompida e produz uma reserva de energia que é utilizada para fins não sexuais. Essas energias são sublimadas. A sublimação permite que excitações excessivamente fortes, que surgem de determinadas fontes da sexualidade, encontrem uma saída e uso em outros campos. Esta é uma das origens das aspirações estéticas, morais e intelectuais (Freud, [1905] 1980: 239).

Segundo Freud ([1905] 1980), as influências externas da sedução são capazes de provocar interrupções no período de latência ou sua cessação. Qualquer atividade sexual prematura desta ordem diminui a educabilidade da criança. Outras características desse período são uma tendência à dessexualização das relações de objeto e uma predominância da ternura. Surgem alguns traços de caráter que se instalam como formações reativas contra algumas pulsões parciais. Por exemplo: o exibicionismo se converte em vergonha, o gosto pelos excrementos torna-se repugnância e a indiferença moral converte-se em escrupulosidade (Freud, [1908] 1980: 177). O investimento libidinal amoroso nos pais transforma-se em identificações. Se, na infância, os pais foram tomados como objetos de amor, agora, no período de latência, eles vão ser tomados como objeto de identificação.

Finalmente, os pais enquanto modelos de identificação serão substituídos por outras pessoas que passarão a representar a autoridade. Em seu texto "Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar", Freud ([1914] 1980) faz considerações acerca da importância do mestre como substituto do pai, traça o princípio de uma teoria da identificação e um esboço do destino da autoridade paterna na adolescência. Essencialmente, haverá uma mudança muito importante na relação do menino com seu pai. Esse é o momento em que o menino descobre que o pai não é "o mais poderoso, sábio e rico dos seres; fica insatisfeito com ele, aprende a criticá-lo, a avaliar o seu lugar na sociedade" (Freud, [1914] 1980: 288). Esse desapontamento possibilita o desligamento do pai. Os ideais que foram erigidos com base na identificação com seus pais e com os valores de sua família vacilam e os adolescentes vão à procura de novos ideais. Logo, se é correto dizer que o pai todo-poderoso da infância diminui de importância, é verdade, também, que o adolescente vai idealizar outras figuras de autoridade. No tempo de Freud, e até recentemente, o professor costumava assumir essa função apoiando-se nos ensinamentos dos livros. A nova configuração da ordem simbólica na contemporaneidade - fortemente apoiada na mídia e nas tecnologias virtuais - não nos permite predizer quais são as figuras que herdarão essa função.

Freud ([1913] 1980) atribui o mecanismo psíquico do recalque à função do pai. A identificação ao pai mantém o sujeito na via do desejo, afastando-o da atração pelo objeto incestuoso. O recalque do desejo edipiano leva à formação de um Ideal do eu. O Ideal do eu desempenha uma função tipificadora do desejo. É ele que orienta o adolescente no sentido de assumir um tipo sexual, ou seja, desempenhar um papel sexual. As modalidades de relação entre os sexos dependem de que entrem em jogo os papéis que se espera de um homem e de uma mulher.

As principais consequências do despertar fisiológico na puberdade são, nas palavras de Freud ([1905] 1980: 241): a subordinação de todas as outras fontes de excitação sexual à primazia das zonas genitais; o encontro com o outro sexo, quando se dá a eleição do objeto sexual; o redespertar do Édipo, com a necessidade de separação dos pais; e a escolha de outras referências identificatórias do lado do social.

A puberdade é a última etapa da vida sexual infantil. É o momento em que a pulsão sexual se coloca a serviço da função reprodutiva e o ato sexual se torna possível. Contudo, longe de tornar a relação sexual possível, a puberdade ressuscita as fantasias incestuosas que afastam dela. Revela-se nesse momento um paradoxo da sexualidade humana. Ao mesmo tempo que a maturação torna possível a realização do ato sexual, ela também desperta no sujeito a experiência do reencontro impossível com o objeto incestuoso. O despertar das pulsões produz atração e temor pelo gozo experimentado na infância e depois interditado, e que se manifesta à revelia do sujeito, gerando angústia e culpabilidade. No lugar da relação sexual, do reencontro harmonioso com o objeto perdido, o sujeito experimenta o mal-estar, pois não consegue mais reeditar a combinação harmoniosa do amor com a sexualidade como fazia na infância.

Então, esse despertar da sexualidade faz com que o adolescente seja confrontado com uma ausência do objeto recalcado que ele não consegue traduzir em palavras. A sexualidade se constitui dentro da história edipiana de cada um. Cada adolescente precisará encontrar a solução possível para reconciliar-se com o objeto do seu desejo, contornando a via incestuosa.

 

O DESPERTAR DO MAL-ESTAR NA SEXUALIDADE

No prefácio à peça de Wedekind "O despertar da primavera", Lacan ([1974] 2001) aborda esse momento de os meninos adolescentes fazerem amor com as moças como o momento do despertar para o impossível da relação sexual. É nesse momento da adolescência, momento de subjetivação do desejo, em que o rapaz satisfaz os ideais de sua virilidade e a moça se instala na identificação, que o encontro fracassa (Cottet, 1996: 16). Tornar-se homem ou mulher envolve uma nova amarração a partir do que se operou na estrutura, na passagem pelo complexo de Édipo e pelo complexo de castração, e que será ressignificado nesse momento. Como Freud ([1912b] 1980) salientou, o impacto produzido no sujeito pelas mudanças corporais e a organização psíquica que vai surgir daí têm um papel fundamental no desencadeamento da neurose, da perversão e da psicose.

Os conflitos são vividos intensamente porque o sujeito não dispõe de nenhuma resposta pronta frente à confusão pulsional que se apossa de seu corpo. Diante da emergência dos caracteres sexuais secundários e do encontro com o Outro sexo, são despertadas antigas fantasias e sonhos. Lacan ([1974] 2001: 557) comenta no prefácio que faz à peça "O despertar da primavera" que, para fazer amor com as moças, é preciso que os rapazes tenham sonhado com isso.

Para Lacan, diferentemente de Freud, a relação sexual não existe, porque o objeto que a tornaria possível não é somente recalcado, é impossível. A fantasia é a resposta frente à irrupção de uma experiência subjetiva da diferença sexual como algo fora do sentido. Essa resposta é uma tentativa de produzir uma suplência do objeto que tornaria possível a relação sexual. O sujeito não consegue dar uma resposta com os significantes, pois não existe a inscrição do significante da Mulher no inconsciente. Para localizar-se como homem, relativamente ao Outro sexo, o adolescente precisa simbolizar a ausência desse significante por meio do objeto a.

No Seminário 10, A angústia, Lacan ([1962-1963] 2005) faz uma releitura do complexo de castração e esclarece que o sujeito estabelece uma relação com a falta de objeto através da construção da fantasia ( ◊ a). Coelho dos Santos desenvolve uma solução para esse problema da adolescência:

Proponho que o laço entre sexuação e invenção remete ao seguinte: essa alternativa que captura a sexualidade infantil precisa ser ultrapassada na entrada da puberdade. Existe um salto lógico entre a significação da diferença sexual como alternativa entre ter e não ter o pênis e as identificações sexuais pubertárias, baseadas no ideal do eu. Esse salto, na linguagem freudiana, é o de superar a ignorância da vagina. Para Lacan, trata-se do surgimento da significação do falo. O passo para Lacan é lógico (Coelho dos Santos, 2009: 12).

Como se pode depreender das afirmações de Lacan, conforme se pode ler abaixo:

O fato de um dado pedagogo ter formulado que só há verdadeiro acesso aos conceitos a partir da puberdade mereceria que acrescentássemos nosso olhar, que metêssemos nosso nariz nisso. Há milhares de indícios sensíveis de que o momento em que realmente começa o funcionamento do conceito [...] poderia ser situado de maneira totalmente diversa, em função de um vínculo a ser estabelecido entre a maturação do objeto a, tal como eu o defino, e a idade da puberdade (Lacan, [1962-1963] 2005: 282).

Coelho dos Santos (2009: 12-13) conclui que:

Foi em termos de maturação do objeto a, com a promoção do falo na relação entre os sexos, que Lacan traduziu o que Freud chamou de "reencontro com o objeto" na puberdade. Admito, por hipótese, que a significação do falo é responsável pelo aparecimento do conceito e requer o ultrapassamento das consequências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos. É preciso que entre em jogo a função essencial do vazio para que se possa entrar no universo dos semblantes - isto é, dos papéis sexuais em jogo na encenação da vida amorosa - por uma via diferente do imaginário (Coelho dos Santos, 2009: 12-13).

Este objeto, que deveria passar por uma maturação na adolescência, quando não advém por meio da função essencial do vazio, vai se fazer presente na fantasia do neurótico como um objeto postiço e essa manobra, de emprestar consistência ao objeto a, faz parte da estratégia desse sujeito para evitar a castração. Essa fantasia de que o neurótico se serve o defende da angústia e vela a falta. A angústia sinaliza um encontro com o real que pode desencadear sintomas e inibições, mas também passagem ao ato e acting out. No sintoma, o encontro com o objeto, que provoca angústia, é metaforizado através da fantasia, que articula a presença do objeto em conjunção e disjunção com o significante.

Em um pequeno texto intitulado "Meus pontos de vista sobre o papel desempenhado pela sexualidade na etiologia das neuroses", Freud (1906 [1905]/1980) salientou a importância das fantasias produzidas durante os anos da puberdade na formação dos sintomas: "[...] entre os sintomas e as impressões infantis, acham-se inseridas as fantasias (ou lembranças imaginárias) do paciente, geralmente produzidas durante os anos da puberdade, e que, por um lado, eram criadas a partir de recordações da infância e, por outro lado, eram transformadas diretamente em sintomas" (Freud, 1906 [1905]/1980: 286).

A neurose eclode em consequência da intromissão positiva de um gozo autoerótico, ligado à masturbação infantil. O encontro com a diferença entre os sexos precipita a criança no desejo de saber. O sujeito surge como desejo de saber no ponto onde a curiosidade sexual o confronta com a falta de falo no corpo da mulher, e este desejo nascente constitui uma manobra para evitar o encontro com a castração: "O desejo de saber se designa como essencial para a posição do sujeito", afirma Lacan ([1968-1969] 2008: 312) no Seminário 16, De um Outro ao outro. Nesse seminário, Lacan desloca o eixo da constituição subjetiva da verdade do complexo edipiano para o real traumático do complexo de castração. Toma como exemplo o caso do pequeno Hans (Freud, [1909] 1980), mostrando o que acontece quando o "jovem sujeito" precisa responder aos "efeitos que se produzem pela intromissão da função sexual em seu campo subjetivo" (Lacan, [1968-1969] 2008: 312). A partir dos quatro anos e meio, o pequeno Hans faz uma fobia. Vamos ver como a precipitação da angústia provoca a eclosão da doença neurótica, que se expressa por meio do sintoma fóbico. Com base nesse argumento vamos debater as razões pelas quais, no mundo contemporâneo, o sintoma neurótico se revela uma saída insuficiente para as dificuldades do sujeito diante do mal-estar do desejo. Por que nos dias de hoje surgem no lugar do sintoma as chamadas "patologias do ato"?

 

O CASO DO PEQUENO HANS: DO ENGODO FÁLICO AO PÊNIS QUE AGITA

Hans era objeto de uma grande atenção do pai e também objeto dos cuidados mais ternos da mãe. Tudo lhe era permitido, inclusive dormir no leito conjugal, apesar das reservas expressas do pai e marido, que não eram levadas em consideração pela mãe e esposa. Nessa posição de falo, a criança era o objeto de desejo da mãe. Era para a mãe tudo o que ela queria: "Pode-se concluir daí que a solução da fobia está ligada à constelação dessa tríade: orgia imaginária, intervenção do pai real, castração simbólica" (Lacan, [1968-1969] 2008: 235).

Em intensa atividade autoerótica, Hans começou a demonstrar um grande interesse pelo seu "faz-pipi". Passou, então, a fazer uma investigação sobre a presença ou a ausência de um "pipi" em objetos animados e inanimados e principalmente sobre a presença deste na mãe. Hans estava engajado em uma relação na qual o falo começou a desempenhar um papel evidente em suas fantasias. Ao mesmo tempo, seu pênis começou a se agitar e Hans começou a se masturbar. Eis que se precipita a angústia. É o que vem perturbar essa relação harmoniosa com a mãe. Lacan esclarece:

O que é que muda, quando nada de crítico acontece na vida do pequeno Hans? O que muda é que o seu próprio pênis começa a tornar-se alguma coisa completamente real. Seu pênis começa a agitar, e a criança começa a se masturbar. O elemento importante não é tanto que a mãe intervenha neste momento, mas que o pênis se tenha tornado real. Este é o fato concreto da observação. A partir daí, devemos nos perguntar se não existe uma relação entre este fato e o que aparece então, isto é, a angústia (Lacan, [1956-1957] 1995: 231).

A partir do momento em que as exigências da pulsão entram em jogo, seu pênis real surge como lugar onde o gozo se localiza. O sujeito emerge enquanto dependente do desejo do Outro, o que determina sua necessidade de se localizar diante do desejo da mãe. Ele tenta encontrar uma resposta ao enigma do desejo materno, já que não consegue metaforizar o amor da mãe pelo pai. Ao contrário, Hans se vê confrontado com o desejo devorador da mãe e vira presa das significações do Outro.

Segundo Lacan ([1956-1957] 1995), o aparecimento, imaginário para o sujeito, da figura devoradora da mãe como encarnação do desejo do Outro constitui o ponto de partida para a eclosão da fobia do pequeno Hans. Como a angústia não é sem objeto, a função da fobia é substituir o objeto radicalmente inconsciente da angústia por um significante que provoque medo. A angústia sinaliza a presença do desejo do Outro. O objeto fóbico é menos inquietante do que este desejo.

O que poderia apaziguar esse jogo imaginário do engodo fálico entre mãe e filho, que Lacan ([1956-1957] 1995: 232) chama de "orgia imaginária", seria a reinscrição de seus excessos, na ordem simbólica, por meio do complexo de castração. A intervenção do pai real, que introduziria a ordem simbólica, a lei. Na medida em que o pai real interveio, por intermédio do pai simbólico representado por Freud, a fobia alcançou uma cura satisfatória (Lacan, [1956-1957] 1995: 235; grifos do original). Com a fantasia do bombeiro, Hans exprime de maneira clara que alcançou a significação da castração sob a forma de uma história articulada: "O bombeiro veio; e primeiro ele retirou o meu traseiro com um par de pinças, e depois me deu outro, e depois fez o mesmo com o meu pipi" (Freud, [1909] 1980: 105; grifos do original).

Com a última fantasia de Hans, a ansiedade que foi provocada pelo seu complexo de castração também foi superada, e suas dolorosas expectativas receberam uma transformação mais feliz: "Sim, o doutor (o bombeiro) veio, ele de fato levou seu pênis - mas apenas para dar-lhe um maior em troca" (Freud, [1909] 1980: 107; grifos do original). Lacan exemplifica através desse caso o embaraço do pequeno Hans no momento em que o gozo fálico vem se associar ao corpo. Quando seu "faz-pipi" se agita, também a angústia se precipita.

 

OS SEMBLANTES: SEXUAÇÃO E AMOR

Em 1971 (2009), no Seminário 18, De um discurso que não fosse semblante, Lacan desenvolve que o primado do falo implica na impossibilidade da relação de sexo a sexo, de um "ser macho" a um "ser fêmea", só autorizando a relação no registro do semblante. Assim, o falo, ali onde é esperado como sexual, só aparece como falta e é essa a sua ligação com a angústia. O autor chama a atenção para o caráter de semblante da relação sexual. Mostra que no comportamento sexual humano, tal como no filo animal, a copulação se dá a partir de um jogo de exibição entre o macho e a fêmea. O que diferencia o comportamento sexual humano é o fato de que o semblante é veiculado por meio do discurso. É no engodo de parecer ter ou ser o falo que o encontro entre os sexos se torna viável, isto é, é na medida em que o sujeito acredita que aquilo que lhe falta ele encontrará do lado do outro que ele pode fazer desse outro o objeto de seu desejo.

O homem dirige seu desejo para uma mulher acreditando que o falo perdido pode ser recuperado no corpo feminino. É nessa via que a mulher encarna a função de objeto a para o desejo masculino. Contudo, no jogo dos semblantes, o homem finge ter o que ele não tem e que, na verdade, deseja. Por esse motivo, encarna o ideal masculino do herói. A demanda masculina comporta a identificação com a posição viril do herói, porém como potência desde sempre perdida.

Na relação dos desejos sexuados, a falta fálica da mulher vê-se convertida no benefício de "ser o falo", isto é, aquilo que falta ao Outro. Esse "ser o falo" designa a mulher como aquela que, na relação sexuada, é convocada ao lugar do objeto. É desse lugar de objeto que a mulher pode ter acesso ao que é da ordem do desejo, uma vez que é por essa via que a castração se coloca para ela. O encontro entre o homem e a mulher é um encontro sempre faltoso e desvela o falo na posição de - φ. Ao se deparar com a negativização do falo, o homem se precipita na angústia e se dirige à mulher como objeto do desejo, acreditando que é do lado dela que o falo se encontra. O encontro com a falta do falo é problemático para o homem, pois deixar que a mulher veja que ele deseja é deixar ver o que ele não tem. É nesse sentido, como vimos, que Lacan ([1962-1963] 2005: 210) formula que no reino dos homens há sempre a presença de certa impostura. Na corte amorosa, o homem faz semblante de ter o falo que não tem. Se, para entrar na dialética fálica, o homem abre mão do que tem, no encontro com o outro sexo faz semblante de ter o que não tem.

Lacan aponta, assim, no decorrer da sua obra, a impossibilidade de escrever a relação entre os sexos. Para a psicanálise, a relação entre os sexos não se baseia no ideal de complementaridade. O encontro entre um homem e uma mulher não se baseia na realização genital, mas na falta apontada pela ausência do falo. O que o real do sexo vai trazer é essa discordância fundamental entre os sexos. Esse mal-estar decorrente da impossibilidade da relação entre os sexos é estruturante, e isso aparece de uma maneira dramática para o adolescente (Lacan, [1974] 2001).

É na adolescência, com o retorno sobre os conflitos do complexo de Édipo, que se consolidará a posição sexual do sujeito. A adolescência é o momento em que o sujeito se vê confrontado com a possibilidade do encontro com o Outro sexo. As circunstâncias em que acontece esse encontro com o parceiro sexual presentificam o modo como, nesse segundo tempo, a castração foi simbolizada e validada, que no caso do homem se coloca pelo uso que se pôde fazer da função fálica.

Lacan ([1962-1963] 2005: 282) estabelece um vínculo entre a maturação do objeto a e a puberdade. E, como vimos, isso se coloca de maneira distinta para homens e mulheres. Embora a função fálica esteja em jogo para ambos os sexos, a constituição do objeto a não se dá da mesma maneira no homem e na mulher. Assim, em um primeiro momento, o que está em jogo é o modo como o sujeito assume uma posição sexuada - a inscrição dos significantes "homem" ou "mulher" - e, em um segundo momento, a assunção das insígnias da virilidade e da feminilidade.

Para entrar na dialética fálica, o menino tem que se deparar com o fato de que "não tem" aquilo que "tem". Assumir uma posição viril implica em abrir mão do narcisismo do órgão. O primeiro nó do desejo masculino com a castração se dá no momento em que o a se desprende, cai de i (a), a imagem narcísica. É nesse momento que a falta apontada pelo falo se coloca para o sujeito pela primeira vez. O homem experimenta no mecanismo da tumescência e da detumescência do pênis a verdade da castração. O pênis faz semblante do falo, contudo evidencia na detumescência que, no ápice do encontro sexual, o falo se apresenta como ausência.

O que está em jogo na lógica masculina da sexuação é o falo como objeto perdido que se visa recuperar. Lacan mostra, aí, a importância da transmissão paterna do semblante fálico. É o pai, como exceção que funda a regra, que desvela para o sujeito a impossibilidade de ter o falo de outro modo que não seja pela falta, ao mesmo tempo que instaura a possibilidade de se utilizar das insígnias fálicas como semblante. Se o pai falha ao transmitir a dimensão do semblante, no qual o falo se inscreve, o sujeito fica preso na crença de que é possível ter o falo de outro modo que não seja por sua ausência. A hipótese que desenvolvemos nesta pesquisa é que, nesses casos, é pela via da transgressão que se coloca para esses sujeitos a possibilidade de ter o falo e gozar dele, mas trata-se de um gozo não regulado pela castração.

 

O DECLÍNIO DOS SEMBLANTES NA CONTEMPORANEIDADE

O discurso contemporâneo abalou os semblantes que davam sustentação às diferenças sexuais. O imperativo contemporâneo, "é proibido proibir!", propagou o ideal de equivalência entre os sexos e entre as gerações. Isso teve a consequência de enfraquecer a função dos semblantes no aparelhamento do gozo. Os laços de família modernos, tais como Freud os reconhecia no complexo de Édipo, eram laços hierárquicos na célula familiar. O pai de família representava a moral, a lei e a tradição e fazia a função de um Outro consistente. O Outro, hoje, não proíbe nada, incita a gozar, a ir além dos limites da moral repressiva. A antiga função paterna, de agente da castração, de dizer não ao excesso e ao gozo, foi deslocada pelos novos discursos psicológicos e pelos movimentos de igualdade entre os sexos (Coelho dos Santos, 2001).

Como afirmam Miller e Laurent (1998), estamos na época do Outro que não existe. O gozo emerge sob a pura forma de um real sem lei. Um gozo não regulado pela castração, desarticulado do gozo fálico, surge como efeito do imperativo: goze! Quando o Outro, com suas insígnias, não existe para orientar os rumos da vida, o sujeito fica à mercê de um gozo desvairado, que não se ordena segundo a permutação dos discursos. A queda dos ideais precipita o sujeito numa desordem tal que o que aparece é um gozo não regulado pela castração e que retorna em ato. Lacan ([1962-1963] 2005) afirma que a verdade em jogo no acting out não se liga à substituição significante, porque não conta com a estrutura metafórica. Ela se torna, então, "objeto à deriva, uma verdade sem amarração".

Miller (2004: 11) ressalta, ainda, que o supereu freudiano produziu o interdito, o dever, a culpabilidade, termos que "fazem o Outro existir". Ao contrário, a inexistência do Outro no mundo contemporâneo, na medida em que faz o sujeito sair à caça do maisde-gozar, produz um supereu tirano, que nos obriga imperativamente a gozar. Como Lacan ([1972-1973] 1982) ressaltou no Seminário 20, o que o supereu diz é "Goze!". Esse, segundo Miller, é o supereu da nossa civilização.

Percebemos, hoje, a dificuldade dos jovens de se localizarem no mundo sem a sustentação dos ideais. À medida que a dimensão da impossibilidade da relação sexual é apagada, o sintoma neurótico se revela uma saída insuficiente para as dificuldades do sujeito diante do mal-estar do desejo. O psicanalista é confrontado a sintomas diferentes dos sintomas clássicos. Para Jacques-Alain Miller e Laurent (1998), nesta clinica prevalece um "fazer" no lugar do "dizer", pois o ato suplanta o dito, engendrando "patologias do ato". A toxicomania, o envolvimento em atos infracionais, o uso abusivo de álcool, as situações de risco em que o jovem, muitas vezes, se coloca sem pensar evidenciam as vacilações e o embaraço que o sujeito experimenta em tomar posse do atributo fálico. Os atos aparecem, então, como um modo de resposta aos impasses do sujeito frente à castração. A experiência do amor na adolescência se apresenta muitas vezes na vizinhança da violência. Porque a relação sexual não existe, é preciso que o sujeito a faça existir por meio de significantes, sintomas, fantasias e sonhos. Quando não é possível produzi-la nesse campo - que é o do inconsciente enquanto sujeito suposto saber - é como ato que se produzirá uma resposta.

 

O AMOR E OS IMPASSES DA SEXUAÇÃO NA GÊNESE DO ATO INFRACIONAL NA ADOLESCÊNCIA1

2, aos 15 anos, foi preso ao tentar furtar3 um colar de uma mulher na rua. Depois de cumprir vinte dias da medida socioeducativa de internação provisória, foi beneficiado com outra medida socioeducativa de liberdade assistida. Foi recebido no serviço de Psicologia do Degase no período de novembro de 2007 a maio de 2008. Logo na primeira entrevista, Elton diz que "achou bom ter que conversar com um psicólogo, porque o Juiz mandou". Sua mãe, durante o acompanhamento, confessou-se muito decepcionada e surpresa com o que o filho fez. Quando soube que ele foi preso, sentiu raiva e pena. Conta que apaixonou-se pelo pai de Elton aos 14 anos. Foram morar na casa dos pais dele, quando engravidou aos 16 anos. O relacionamento com o parceiro já não ia bem, quando engravidou de sua segunda filha. Descobriu que ele tinha outra mulher, tiveram uma "briga feia" e ele bateu muito nela. Depois desse dia, resolveu que ia deixá-lo. O pai de Elton não deixou que ela o levasse consigo. Então, mudou-se apenas com a segunda filha, ainda bebê, para o mesmo bairro. Elton ficou sob os cuidados da avó paterna. O pai foi morar com a outra mulher e ficava muito tempo sem dar notícias.

Elton, por sua vez, quando contava entre oito e nove anos, viu no jornal da tarde, na televisão, uma reportagem sobre a prisão do pai, que estaria envolvido em uma tentativa de assalto a banco. A avó desligou a televisão e o mandou sair da sala. Não se falou mais no assunto. Quando falava ao telefone com o pai, que ficou vários anos preso, não lhe perguntava sobre o ocorrido e, como todos os demais, evitava falar sobre o assunto. Sua mãe testemunha que foi depois da prisão do pai que Elton começou a apresentar problemas na escola. Foi encaminhado para tratamento psicológico. Com o tratamento, melhorou, mas depois voltou a "aprontar". A avó não aguentou "tantos problemas" e pediu que ele fosse morar com a mãe. Aos 14 anos, ele foi morar com a mãe. A avó, então, resolveu lhe contar o que realmente acontecera com o pai. O pai era "bandido" e matou uma pessoa nessa tentativa de assalto. Aos 15 anos, pouco tempo depois, o adolescente praticou o ato infracional.

O rapaz falava pouco nas sessões. Às vezes desenhava e, através de seus desenhos, falava da namorada, do cumprimento da medida socioeducativa etc. Certa vez desenhou um jogador de futebol com roupas da Nike e um grande colar com a inicial do seu nome. Falou do ato praticado. Não sabia dizer por que o cometeu. Foi uma "besteira". Não estava pensando em fazer o que fez, mas quando desceu do ônibus e viu a moça com o colar resolveu pegá-lo. "Eu já estava querendo um colar há um tempão... acho bonito... meus amigos falavam que era tranquilo, mole, fui tentar e deu nisso.... mas não vou fazer mais...".

O ato infracional somente se esclarece quando ele é remetido aos seus impasses na vida amorosa. Excessivamente envolvido com uma namorada, conta que brigou feio, quase bateu nela, pois ela foi ao baile sozinha. "Mulher minha não faz isso". Agora, não queria saber dela. Ela ficava procurando por ele, mas ele não respondia. Iria namorar a prima dela, que sempre "deu mole" para ele. Tempos depois começou a namorar a prima. Outro relacionamento marcado por brigas de ciúmes. Quando brigavam ficava com a "cabeça quente", tinha que sair de perto para não bater nela e acabava estourando com os colegas. Estava saindo com outra garota. Diz que ela é muito ciumenta. Ela está sempre achando que ele "dá mole" para outras garotas e ele acha tudo muito engraçado, deixa que ela pense isso, pois não tem nada demais, homem pode ter outras garotas.

 

ALGUMAS CONCLUSÕES

Esse caso é um exemplo do trabalho que um adolescente precisa efetuar para "bancar o homem" e fazer a corte às meninas como convém ao seu papel. As identificações viris, quando não são reguladas pela transmissão efetiva de um pai ao seu filho, são facilmente confundidas com exibições de força e violência. Neste caso, o pai estava ausente nesse momento crucial da entrada na puberdade, como também se encontrava preso em consequência de um assalto e um homicídio. O outro ponto igualmente problemático diz respeito à não-separação do objeto incestuoso. Quando foi preciso eleger uma menina, entre outras, como objeto de seu desejo, o rapaz se mostrou muito embaraçado. Num primeiro momento, ele acha que pode ter todas. Este direito ao gozo desvencilhado da castração vai conduzi-lo diretamente ao conflito sem mediação possível com um outro imaginário. Ele tem ciúmes, quase bate na namorada, imagina que tem um rival. Este último é sua imagem no espelho. Se ele pode ter todas as meninas, qualquer outro rapaz também pode pretender o mesmo direito. Por esta razão, afirmamos que o ato infracional não é um ato de rebeldia contra a lei simbólica, é uma atuação que surge como resposta ao real das exigências pulsionais da sexuação na adolescência, revelando o embaraço diante do atributo fálico.

Embaraçado pelas suas questões amorosas quando tem que realizar algo da identificação sexuada, viril, o significante do Nomedo-Pai falha e aparece o acting out como uma manifestação do inconsciente. Quando precisa se identificar a algo do pai na adolescência para construir uma posição entre outros homens, ele não consegue se servir do pai. O pai matou alguém e foi preso, e a mãe também lhe diz que saiu de casa porque o pai bateu nela e tinha outras mulheres. No legado desse menino, quanto à escolha amorosa, ele tem um pai que bate na mãe e tem muitas mulheres. Elton ataca uma mulher na rua na tentativa de pegar um colar de ouro. Como aparece em seus desenhos, o colar é o signo de poder, dinheiro e sucesso com as mulheres. Ele constitui uma identificação baseada naquilo sobre o que não se pode falar: os crimes do pai. Como salienta Lacan ([1954] 1998: 390), aquilo que é subtraído pelo sujeito da possibilidade da fala vai aparecer no real.

Neste caso que apresentamos, quando o rapaz formula a equação "filho-escolha de uma mulher", a castração entra em jogo. Reconhece, então, a importância de eleger uma mulher como causa de seu desejo-ser o falo para aquela mulher - para que ela possa desempenhar ser o objeto a para o homem que ele é. Dividido (), o homem se dirige à mulher elevando-a à condição de objeto a causa do desejo. É na posição de objeto a - um dos termos que figura no fantasma do homem (◊ a) - que a mulher responde à contingência do encontro no amor, em suplência à relação sexual que não existe. Ao eleger uma mulher como causa do seu desejo e, com isso, encobrir a angústia provocada pelo - φ, presentificado como castração, Elton inaugura um modo de suplência para a ausência da relação sexual.

Elton consegue, então, lançar mão de uma certa impostura na relação amorosa. Deixa que a namorada pense que ele "dá mole" para outras garotas, mesmo que isso não aconteça. Como na relação entre os sexos não está em jogo a complementaridade, mas o semblante, pela via do semblante Elton torna possível o encontro entre os sexos.

O encontro com um analista na instituição permitiu que Elton traduzisse em palavras o que aparecia realizado em ato, construindo um saber em torno desse real, que aponta para a impossibilidade de se representar a relação sexual, a complementaridade entre os sexos, o gozo absoluto.

 

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Notas

1 Este caso foi apresentado no encontro "Samparioca" promovido em São Paulo pelo Instituto de Psicanálise Lacaniana (IPLA/SP) e Núcleo Sephora de Pesquisa e no III Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e IX Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental.

2 O nome usado para identificar o caso é fictício.

3 Ato infracional análogo ao artigo 155 do Código Penal: "Subtrair para si ou para outrem coisa alheia, móvel".

 

 

Recebido em maio de 2011
Aceito para publicação em junho de 2011

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