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Reverso

versión impresa ISSN 0102-7395

Reverso vol.34 no.63 Belo Horizonte jun. 2012

 

Discurso de encerramento da diretoria biênio 2009/2011

 

 

Ana Cristina Teixeira da Costa Salles

 

 

No final de 2007, quando aceitamos o convite e o desafio de assumirmos a Presidência do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, fizemos uma aposta – na Psicanálise e no trabalho como sócios do CPMG, a fim de promover o crescimento e o fortalecimento de nossa sociedade em todos os seus aspectos. Tarefa difícil, mas não impossível de ser realizada.

Sendo o CPMG uma sociedade psicanalítica com objetivos científicos/culturais que visam primordialmente ao estudo, à pesquisa, ao ensino e à transmissão da psicanálise, as principais metas da nossa sociedade deveriam ser canalizadas não só para o aperfeiçoamento constante da nossa formação psicanalítica, como também para a criação de um espaço científico que possibilitasse a abertura a novos conhecimentos, promovendo a interlocução da psicanálise com outros ramos do saber e ciências afins, possibilitando a emergência do novo discurso.

Num primeiro momento focalizamos o nosso trabalho nesses objetivos. Revendo agora o que foi realizado na gestão 2007/2009 e também na de 2009/2011, concluímos com satisfação que nossas metas de aprimorar as atividades científicas e culturais de nossa sociedade foram alcançadas com êxito.

Nossa programação científica cresceu e possibilitou aos que dela participaram a oportunidade de aprimorar os seus conhecimentos psicanalíticos como também de estabelecer laços culturais em outros campos.

As aulas inaugurais contaram com a participação de psicanalistas e professores de renome nacional e internacional, como o professor Carlos Roberto Drawin, 2008, e os psicanalistas Joel Birman (2009); Malvine Zalcberg (2010) e Ana Cleide Guedes Moreira (2011).

Realizamos cursos e seminários com o Dr. Marco Antonio Coutinho Jorge, Antonio Quinet e Carlos Roberto Drawin.

Em 2008 tivemos o colóquio Psicanálise e Organizações: realizações sujeito – trabalho – organizações na contemporaneidade, em parceria com a Fundação Dom Cabral e o SEBRAE. Contamos com a importante participação do professor Joel Birman nesse evento.

Em 2009, também em parceria com a Fundação Dom Cabral e o SEBRAE, tivemos o psicanalista Markos Zafiropoulos (Paris VII) que fez importantes conferências no CPMG e nessas instituições. Em 2010 tivemos a conferência da Dra. Zorka Domic, do Hospital Marmottan (Paris) sobre Adicções.

A nossa revista Reverso fez trinta anos, voltou a ter duas edições anuais e através do trabalho primoroso de sua editora, a colega Isabela Santoro Campanário e de sua equipe, alcançou uma ótima classificação Capes/Qualis B4.

As iniciativas dos colegas responsáveis pelo “Dedo de Prosa” (Eliana Rodrigues Pereira Mendes) e por “Psicanálise, Cinema e Literatura” (Arlindo Carlos Pimenta e Márcio Lúcio Serrano) trouxeram novos ares culturais ao CPMG.

Iniciamos uma parceria com o Hospital Galba Veloso para apresentação de pacientes na disciplina de Psicopatologia, graças à iniciativa dos colegas Eliane Mussel da Silva e Arlindo Carlos Pimenta, o que tem proporcionado aos alunos a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos nesse importante estudo.

As jornadas anuais do CPMG obtiveram êxito na escolha de seus temas e na programação científica alcançando recordes de participação, inclusive entre alunos e estudantes universitários.

A biblioteca aumentou o seu acervo de livros, revistas e periódicos, realizou a digitalização das fitas VHS, preservando assim o seu patrimônio científico e cultural.

Graças ao trabalho sério e dedicado dos colegas da antiga CFPP, coordenada pela colega Vanessa Campos Santoro, uma atenção especial foi dada aos cursos do CPMG e em reuniões com os professores foram discutidas propostas para sua melhoria e aperfeiçoamento.

Os seminários livres e do texto freudiano apresentaram trabalhos bem elaborados cientificamente propiciando discussões produtivas com os participantes.

A Clínica de Psicanálise além de suas reuniões clínicas realizou as suas jornadas anuais e continua sendo um importante dispositivo na formação psicanalítica do CPMG.

Atualmente o CPMG apresenta um número expressivo de alunos nas várias etapas de sua formação, tendo iniciado recentemente uma extensão de seus cursos em Belém do Pará.

Continuamos com nossas filiações e representações junto à IFPS, CBP e Movimento Mineiro de Psicanálise afirmando a identidade do CPMG e a nossa participação extramuros.

Três novos colegas passaram a integrar o quadro de sócios da sociedade. Foram muito bem- vindos e esperamos que no futuro esse número cresça ainda mais.

Já no final de nossa primeira gestão apresentamos um novo modelo de gestão para o CPMG visando, com isso, a uma nova proposta de gerenciamento para nossa sociedade, a fim de torná-la mais moderna e eficaz na realização de seus objetivos.

Em função disso, a Diretoria foi convidada a permanecer por mais um período para implantar o novo modelo de gestão no CPMG.

E assim foi feito. A partir daí o enfoque da 2ª gestão, biênio 2009/2011, foi direcionado para essas metas.

Graças ao trabalho competente e incansável do nosso colega Flávio Eustáquio Bertelli e dos colegas que participaram da Comissão do Estatuto, o CPMG tem hoje uma nova política institucional e um novo Estatuto. Resta agora colocá-los em funcionamento.

Nesses quatro anos muito trabalho foi realizado e muito ainda falta ser feito para que a nossa sociedade se torne cada vez mais atuante, participativa e comprometida com seus ideais.

Infelizmente nem tudo são ganhos, tivemos inúmeras perdas, pois vários colegas se desligaram do CPMG, pessoas importantes que muito contribuíram para nossa sociedade. Lamentamos o fato, mas seguimos em frente com nossos projetos, pois assim é a vida.

Tivemos conflitos, crises, erros, falhas, mas também muitos acertos. Numa função de gerenciamento é impossível evitar ou escamotear essas situações.

A tarefa não é fácil, pois as sociedades psicanalíticas como todos os agrupamentos humanos estão sujeitos aos fenômenos de identificações, idealizações, coesões e cisões.

Algumas vezes, rupturas violentas acontecem demonstrando toda a força e ambivalência dos afetos, das paixões a que estamos submetidos. A história do movimento psicanalítico o atesta, mas nem por isso Freud abdicou de seus ideais.

Tais fenômenos fazem parte da vida societária, não devemos nos preocupar em demasia com eles, mas sim possibilitar a emergência de um espaço criativo que proporcione a circulação e transmissão de um saber, a troca entre pares e a transferência de trabalho em torno de um projeto comum onde as diferenças possam ser reconhecidas e respeitadas, pois a psicanálise não floresce em regimes totalitários que impossibilitam o reconhecimento da alteridade e a emergência do desejo.

A ética da psicanálise é a ética da diferença e onde isso não é reconhecido e respeitado corre-se o risco do dogmatismo, da intolerância e do preconceito.

Kruel (2006) levantou uma importante questão acerca desses problemas.

Diz ela: “Um dos maiores problemas de toda sociedade psicanalítica é lidar com os efeitos dos fenômenos de grupo tais como descritos por Freud em Psicologia das Massas e a Análise do Eu.

(...) Quais os fenômenos de grupo e quais os seus efeitos? Freud enumerou três, sempre assinalando que o indivíduo quando está em grupo perde sua capacidade de julgamento. São eles: a homogeneização, o contágio e o líder.

No fenômeno de homogeneização, as diferenças entre os membros se apagam e todos tendem a se parecer uns com os outros. A consequência é um grupo forte e coeso, mas que segrega quem pensa diferente ou tem uma aparência diferente. Se a homogeneização leva à segregação, a tolerância à diversidade e às diferenças é a defesa contra isso.

O fenômeno do contágio é também consequência da homogeneização: todos têm o mesmo discurso e quando é lançada uma palavra de ordem, todos os membros se contagiam deixando-se influenciar de imediato. A rapidez com que uma fofoca corre no grupo é um exemplo disso. A consequência do contágio é a atuação compulsiva, o agir sem pensar, que pode levar até mesmo à violência.

(...) Mas há ainda o fenômeno do líder, que tem como consequência a desresponsabilização dos membros do grupo.

Temos, nesse caso, o famoso exemplo do nazista Eichmann que justificou seus crimes de guerra dizendo estar cumprindo ordens de seus superiores. (...)Para não permitir o fenômeno do líder, só a implicação subjetiva de cada um dos membros do grupo.

Assim, a tolerância às diferenças, a atenção ao individual e a implicação subjetiva pudessem criar um coletivo que não fosse grupo.

Deveria ser essa a política das sociedades psicanalíticas? (...)O Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, no decorrer de sua longa história, como lidou com os fenômenos de grupo?”

São questões que nos interrogam e que dizem respeito à política de toda sociedade psicanalítica ao iniciar uma nova gestão e os trabalhos de qualquer Diretoria.

Mas Freud nos surpreende ainda mais quando nos fala da conhecida fábula de Arthur Schopenhauer sobre os porcos espinhos.

Dizem que Freud gostava tanto dessa história que tinha em sua mesa de trabalho uma imagem de um porco espinho de costas para suas preciosas antiguidades, agachada ao centro da escrivaninha.

O porco espinho foi um presente oferecido a Freud pelo psicólogo G. Stanley Hall, por ocasião da única visita de Freud aos Estados Unidos, em 1909.

Segundo um relato, Freud teria afirmando estar indo à América para ver um porco-espinho selvagem e fazer algumas conferências.

Eis a fábula que tanto encantava Freud.

“Um grupo de porcos-espinhos ia perambulando num dia frio de inverno. Para não congelar, os animais chegaram mais perto uns dos outros. Mas, no momento em que ficavam suficientemente próximos para se aquecer, começavam a se espetar com seus espinhos. Para fazer cessar a dor dispersavam-se, perdiam o beneficio do convívio próximo e recomeçavam a tremer.

Isso os levava a buscar novamente a companhia uns dos outros, e o ciclo se repetia em sua luta para encontrar uma distância compatível entre o emaranhamento e o enregelamento” (Luepnitz, p.14).

Essa história teve para Freud o sentido de uma aula sobre a importância dos limites.

Disse ele: “Ninguém consegue tolerar uma relação íntima demais com o próximo, pois os corpos que dão calor e protegem do frio e do desamparo, com a intrusão de seus espinhos, podem também provocar a morte.”

Tocou também em sua crença de que o amor é sempre uma questão espinhosa.

Segundo Freud, “Os dados da psicanálise mostram que toda relação afetiva, íntima, de certa duração entre duas pessoas – casamento, amizade, relações entre pais e filhos –, contém um deposito sedimentar de sentimento de aversão e hostilidade, que só escapa à percepção em decorrência do recalque” (LUEPNITZ, p.15).

(...) “a mesma coisa acontece quando os homens se reúnem em unidades maiores. Sendo frequentes as manifestações de rivalidade e hostilidade entre grupos, sejam eles de qualquer natureza (LUEPNITZ, p.15).

Além disso, o mal-estar frente a estranhos com quem temos de relacionar, a desconfiança em relação ao “estrangeiro” ou com qualquer um que ameace o nosso narcisismo evidencia a presteza a odiar e a agressividade presentes nos seres humanos.

No mal-estar na civilização Freud vai apontar o relacionamento com outros homens como uma fonte de sofrimento extremamente penosa, frente a qual surge como defesa o isolamento e o desejo de se manter a distância de outras pessoas.

Se por um lado estamos condenados a suportar os inevitáveis espinhos que toda proximidade com o outro acarreta, por outro lado, necessitamos de seu calor que nos mantém vivos produzindo os laços libidinais necessários para a manutenção da vida e emergência do desejo.

Terrível destino humano, sempre dilacerado entre Eros e Thanatos, dualismo pulsional que marca nossa existência enquanto seres falantes.

Crônica de amor e morte em que os “espinhos da linguagem”, segundo uma expressão de Marta Gerez Ambertin, “cravam-se no sujeito aproveitando seu desamparo inicial.”

Esses terríveis espinhos que interferem, mas também possibilitam o laço social, são mais terríveis quanto maior for a proximidade entre os sujeitos.

Eles operam não apenas submetendo o sujeito ao desejo do Outro como também o sitiam de forma masoquista contra si mesmo, quando “ouvir é obedecer”.

Eis o desafio de todo agrupamento humano: encontrar uma distância moderada que permita estabelecer laços sociais produtivos e criativos sem se destruir mutuamente, para pôr em prática o que Freud tanto preconizava sobre a capacidade de amar e trabalhar. Só assim conseguiremos sobreviver.

Para finalizar, alguns agradecimentos:

A todos os colegas que nos acompanharam nessa jornada, o nosso sincero agradecimento.

Aos que agora nos substituem, muita força, coragem e êxito na empreitada.

Aos funcionários do CPMG, nosso reconhecimento pelo trabalho executado, pela amizade e pelo apoio nesses quatro anos.

Aos colegas da Diretoria, agradeço a oportunidade de estarmos juntos trabalhando pelo CPMG, vencendo desafios, enfrentando dificuldades, conflitos, crises, crescendo com nossos erros, mas também com mais acertos.

No final cabe a pergunta: valeu a pena? Como disse o poeta, “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.

Obrigada pela atenção.

 

Bibliografia

FREUD, S. Psicologia das massas e a análise do eu. Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v.XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

KRUEL, Sandra Seara. Boletim Informativo Especial. Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Editorial, 2006, p.7.

LUEPNITZ, Déborah Anna. Os porcos-espinhos de Schopenhauer: a intimidade e seus dilemas. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p.13-30.