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versión impresa ISSN 0102-7395
Reverso vol.36 no.68 Belo Horizonte dic. 2014
ARTIGO
O que da verdade se pode dizer sobre o trauma?
What from truth can we say about trauma?
Vanessa Campos Santoro
Círculo Psicanalítico de Minas Gerais
RESUMO
Através de um caso clínico a autora questiona o papel da fantasia no trauma e a noção de verdade para a psicanálise.
Palavras-chave: Trauma, Sedução, Fantasia, Desejo, Verdade histórica, Verdade material.
ABSTRACT
Through a clinic case, the author’s questions the fantasy’s role and the notion of truth for the psychoanalysis.
Keywords: Trauma, Seduction, Fantasy, Desire, Historical truth, Material truth.
Recebi alguns anos atrás a mãe de Sílvia, de 6 anos. Estava em processo de separação do marido a quem acusava de assediar sexualmente a filha. O caso me foi encaminhado pela advogada da vara de família, pois a mãe pedia um laudo psicológico que comprovasse os danos causados pelo assédio do pai e justificasse sua reivindicação de proibir as visitas dele. O pai negava com veemência o assédio e não se conformava de não estar com a filha.
Sílvia falava pouco, mas desenhava o tempo todo. Muitas cores, borboletas, casas, sol, típico desenho infantil. Espontaneamente dizia da saudade do pai que a levava ao parque e concertos na praça. Estava bem na escola e aprendeu a ler com facilidade. A mãe se baseava numa fala de Sílvia – “Papai fez dodói” – quando a criança chegara em casa com o vestido manchado de sangue. Segundo o pai, ela caíra e ralara o joelho, que, de fato, estava machucado. Sílvia foi interpelada pela mãe com insistência e depois pela advogada do Tribunal, mas nada acrescentou além de relatar que estava correndo, caiu, e o pai não acudiu de pronto, pois estava lendo jornais.
Estive várias vezes com os pais, separada e conjuntamente, enquanto atendia Sílvia. O objetivo materno para esse atendimento era o laudo psicológico que comprovasse o assédio, o que evidentemente não foi feito.
Marcada a audiência com o juiz, fui arrolada como psicóloga de Sílvia. O juiz me perguntou se houvera assédio do pai. Disse-lhe que as provas que tinha eram os desenhos infantis que ficaram anexados ao processo e que nada diziam de uma situação traumática. A criança clamava pelo pai e não apresentava nenhum distúrbio alimentar ou de sono, ia muito bem na escola e na socialização. Contudo, reforcei a necessidade do atendimento psicoterápico, principalmente pela guerra entre os pais, o que dividia muito a criança. O juiz não concedeu o pedido de visita assistida, o que irritou muito a mãe, que só manteve Sílvia em atendimento até a obtenção do laudo judiciário.
Mas nas sessões quinzenais com os pais, a mãe deixa escapar que tinha sido assediada aos 10 anos pelo irmão mais velho e que os pais não viram nem fizeram nada quando souberam. Não acreditaram nela. Encaminhei-a para análise, o que ela não fez. Afinal, ela não conseguiu ressignificar seu próprio trauma sexual ao não ser ouvida pelos pais, e nesse processo contra o marido suas acusações não tiveram credibilidade junto ao juiz.
Isso nos faz perguntar: De quem era o trauma e de que maneira Sílvia ficará marcada pela fantasia materna?
Há pouco tempo assisti ao filme A caça (2012), do diretor dinamarquês Thomas Vinterberg, que relata as vicissitudes de um professor escolar com a ambivalência amor/ódio, e ciúme de uma aluna que o denuncia como assediador. A direção da escola acredita na menina e afasta o professor do cargo. Ele passa a ser malvisto pela comunidade e perde a credibilidade entre vários amigos. O filme tem um final trágico.
Tudo isso nos faz pensar no trauma, no papel da fantasia e principalmente no conceito de verdade para a psicanálise.
Trauma
Encontramos na obra de Freud duas teorias do trauma. A primeira, apresentada em seus escritos de 1892 a 1897, assinala que o trauma psíquico ou sua lembrança age como um corpo estranho – estranho ao psiquismo. Era o tempo de Breuer, da analogia entre histeria e neurose traumática e da divergência entre eles, que culmina com a Psicoterapia da histeria, em que Freud ([1893-1895] 1976) propõe uma estrutura onde o trauma é o fator importante. A segunda é a reafirmação do caráter sexual dos traumas psíquicos vivenciados precocemente pelo sujeito, postulando serem necessários dois tempos para que, num efeito a posteriori, o trauma se constitua. No primeiro tempo há a sedução da criança por um adulto, sem que isso a excite sexualmente. No segundo tempo, após a puberdade, um acontecimento que pode ser insignificante desperta, por meio da cadeia associativa, lembranças do primeiro evento, produzindo um efeito traumático, com incremento da excitação sexual e desprazer.
Ao conceito de traumático em Breuer, que o fazia depender dos estados hipnoides, Freud contrapõe dizendo que, se uma cena qualquer desencadeava sintomas, isso se dava em função de uma remissão associativa a outra cena anterior. O traumático se organiza em cenas formando uma trama complexa. Essas cenas se entrelaçam formando pontos nodais onde se entrecruzam duas ou mais cadeias.
A abordagem psicoterápica também muda de foco. Em vez de catarse, ab-reação e acontecimentos isolados, trata-se agora de avançar até as primeiras cenas traumáticas de conteúdo sexual, partindo-se dos sintomas e por meio das cadeias associativas.
Em As neuropsicoses de defesa (1894) e A etiologia da histeria (1896), textos prévios à descoberta da sexualidade infantil, Freud já postula a origem sexual e infantil da neurose. A hipótese freudiana conecta essa memória inconsciente com a memória infantil e com as cenas originárias de gozo traumático que o sujeito esqueceu – recalcou. De fato, como o gozo poderia não ser traumático?
Na famosa carta a Fliess, de 21/09/1897, Freud expressa seu descrédito no relato de suas clientes e na primeira teoria do trauma, a teoria da sedução – “a sua neurótica”. Apesar de na História do movimento psicanalítico Freud se referir a esse período como de “desconcerto total” e de “perda de apoio na realidade”, ele extrai daí um fato novo, uma virada: o papel da fantasia. As fantasias se destinam a encobrir, embelezar e elevar a atividade autoerótica dos primeiros anos de infância. Assim, por trás delas é trazida à luz toda a vida sexual infantil.
Sedução e trauma integrados na primeira teoria do trauma sofrem destinos diferentes no desdobramento da obra de Freud, que, na realidade, nunca os abandonou. A ideia de sedução vai se relacionar à presença do Outro materno nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905) e na Conferência XXXIII (1933 [1932]). Aqui a figura da mãe aparece como primeiro sedutor do qual nenhum de nós escapa.
Retomando tópicos e princípios já expressos no Projeto para uma psicologia científica (1895), Freud postula, em 1920, os conceitos de pulsão de morte e compulsão à repetição. A partir daí propõe uma segunda teoria do trauma, tendo como referência o excesso pulsional não integrado. Em Além do princípio do prazer Freud ([1920] 1976) propõe o modelo da vesícula de substância excitável, com a qual o organismo vivo é comparado. Aqui também é descrito um escudo protetor ou paraestímulos entre o meio externo e a cadeia representacional. Nesses textos a dor e o trauma estão ligados a uma ruptura ou efração do escudo protetor. A diferença é que a ruptura na dor seria limitada e de grande extensão no trauma.
A articulação do traumático com o pulsional reafirma a importância do ponto de vista econômico e enfatiza o fator energético da pulsão. O traumático corresponde à pulsão que escapa ao domínio do simbólico, ou seja, a força pulsional sem representação, energia livre ou desligada, pulsão de morte que, produzindo efeitos psíquicos, não se submete às articulações representacionais. Desde então a teoria da fantasia recalcou aquela do trauma, mesmo que essa guerra jamais tenha sido vencida.
Posteriormente, em Inibições, sintomas e ansiedade (1926 [1925]), Freud dá continuidade à teoria energética do trauma (o pulsional como traumático) propondo a hipótese de um trauma primordial articulado à ideia de uma angústia originária. O protótipo da situação traumática que produz a angústia automática é um estado de desamparo que corresponde ao desvalimento e à dependência do recém-nascido, impossibilitado de realizar a ação específica e pôr fim à tensão, ou seja, à posição de objeto.
Seja como for, a sedução traumática da primeira teoria e o desamparo da segunda se referem ambos ao confronto do corpo ou, melhor dizendo, da carne com a palavra, entre o real e o simbólico. Na sedução, o Outro portador da palavra e da ordem do sexual marca a carne (Bejahung) com os enigmas da sexualidade e do inconsciente, sedução que ocorre sobre um fundo de desamparo do qual o grito é a fronteira entre o excluído e o representado.
Em síntese, o trauma tem uma forma particular de se apresentar no psiquismo como uma impressão que, enquanto marca do acontecimento, desencadeia um intenso rastro excitatório que produz efeitos psíquicos.
A emergência de um sentido traumático difere radicalmente da interpretação de um sintoma, desde que a impressão traumática não atinja a qualidade de significante nem sofra os destinos dos representantes pulsionais. Trata-se de uma construção sobre as marcas de uma experiência devastadora indizível.
Como seria possível “apreender psicanaliticamente” o trauma se ele não se apresenta ou se ele se define por seu caráter de inassimilável?
Finalmente, um trauma pode ter aspectos estruturantes e desestruturantes. Assim, os traumas convocam o recalque como defesa frente à angústia de castração, frente ao terror, e o excesso pulsional se integra na estruturação do aparelho psíquico. Haveria uma ressignificação das impressões traumáticas precoces em sucessivos a posteriori (retranscrições) e, assim, o traumático pode ser metaforizado no campo representativo e na potencialidade fantasmática.
O herdeiro da teoria traumática freudiana é Ferenczi que, como Lacan, trabalha também os efeitos desestruturantes do trauma, os quais se referem ao impedimento de retranscrição, ao desligamento e aos efeitos de angústia. Para Lacan, o trauma constituinte do ser humano é a linguagem, que preexiste a ele, marca seu corpo com significantes e determina sua posição e seu lugar. Não há eu no nascimento. O desejo dos pais antecipa um sujeito e lhe atribui suas próprias fantasias, base das futuras identificações.
Segundo Ana Maria Rudge,
[...] o eu é necessariamente um biógrafo de si mesmo e a narrativa que consegue forjar com esses restos do que foi vivido e do que foi ouvido é fundamental para a sua permanência ao longo das peripécias e traumas que a vida impõe (RUDGE, 2009, p. 65).
Lacan, na Conferência de Genebra sobre o sintoma, assim se expressa:
Muito antes de Freud que a linguagem, essa linguagem que não tem absolutamente nenhuma existência teórica, intervém sempre sob a forma do que chamo, com uma palavra, que desejei que estivesse o mais próximo possível da palavra lalação – “alíngua”..., qualquer que seja ela, na qual alguém recebeu uma primeira marca (LACAN, [1975] 1985).
Ele acentua ainda que, pelo modo como a língua é falada e entendida em sua particularidade, alguma coisa reaparecerá nos sonhos, nos tropeços, em todo tipo de formas de dizer. É nesse “moterialisme” (mot = palavra) que reside a tomada do inconsciente.
No Seminário R.S.I. o trauma é retomado em torno do horror; um buraco (trou) em torno do qual os significantes se organizam, o “troumatisme” que advém do recalque originário e funda o inconsciente, isso que marcado não se lembra.
Não se pode esquecer, contudo, o aspecto contingente do trauma e o efeito devastador com que certas irrupções do real incidem na vida do sujeito. O encontro com o real pede novos arranjos e impulsiona a mudança. Muitas vezes é isso que faz o sujeito procurar uma análise. Então o trauma é a entrada na linguagem, e depois tudo o que fica fora da linguagem é traumático.
A verdade
Embora em sua obra Freud não tenha se ocupado da verdade enquanto conceito, esse tema perpassa todo o seu pensamento, e poderíamos dizer que é um dos fios condutores de suas pesquisas. Ele registrava os primeiros casos clínicos com cuidado, buscando a verdade dos relatos que deveriam corresponder à realidade.
Para o cientista Freud deveria ser a realidade factual e empírica. Foi dessa forma que elaborou a teoria da sedução – a sua neurótica – causando-lhe profunda decepção verificar que não correspondia à realidade. Mas Freud não recua e valoriza a fantasia e a sexualidade infantil. Mesmo quando ainda acreditava na sua neurótica, a fantasia já era concebida como obstáculo ao alcance da suposta cena real da sedução.
Na Carta 68 (21/05/1897) – Rascunho L – nos diz:
[...] Pois as fantasias são fachadas psíquicas construídas com a finalidade de obstruir o caminho para essas lembranças. As fantasias servem, ao mesmo tempo, à tendência de aprimorar as lembranças, de sublimá-las. São feitas de coisas que são ouvidas e posteriormente utilizadas; assim, combinam coisas que foram experimentadas e coisas que foram ouvidas, acontecimentos passados (da história dos pais e dos ancestrais) e coisas que a própria pessoa viu. Relacionam-se com coisas ouvidas, assim como os sonhos se relacionam com coisas vistas (FREUD, [1897] 1977, p. 335. Grifos do autor).
Então as fantasias seriam fachadas psíquicas produzidas para impedir o acesso às recordações. Freud e todos os psicanalistas se deparam na clínica com essas questões: falso ou verdadeiro? Realidade ou fantasia? Até que ponto se poderia considerar uma lembrança um fato ocorrido ou pura construção?
Freud distingue o plano da realidade material e o plano da realidade psíquica, que assume para o sujeito o valor de verdade. Portanto, existe um externo (realidade efetiva) e um interno (realidade psíquica), esta última decisiva no campo das neuroses e psicoses.
Quando fala em verdade, Freud se refere a um fato ter acontecido ou não, ou seja, ao âmbito do que ele chama “verdade material” e na “verdade histórica”, que é composta pelas experiências na realidade material acrescidas das representações das pulsões que são as fantasias do desejo e as defesas que a distorcem, já que todo esse processo é inconsciente e sofre recalcamento.
As construções realizadas em uma análise são compostas de verdade histórica e ficção. As ficções seriam justamente distorções e construções sobre as hiâncias dessa verdade sobre o material esquecido. Assim, o recordar é composto ao mesmo tempo de acesso ao material recalcado, mas também da produção de algo que não estava dado, um novo saber ressignificado a posteriori, produto da recordação de algo esquecido (recalcado) associado a algo até então inexistente.
Freud passa a se preocupar menos em descobrir a verdade material como arqueólogo e se interessa mais pela reconstrução ou construção feita pelo analisante de sua verdade histórica. Conclui que, em extensão maior do que imaginava, somos, de fato, feitos da mesma substância dos sonhos.
Na busca por critérios de verdade, Freud elabora uma diferença radical entre ideias de realidade e fantasia. A fantasia como defesa está presente desde o período da teoria da sedução, mas era concebida como obstáculo ao alcance da suposta cena real de sedução.
As fantasias se constituem, nesse contexto, como algo a ser atravessado para que se chegue às lembranças traumáticas, consideradas, então, ficções inconscientes formadas por amalgamação e distorção. As lembranças das cenas originais são falsificadas pela fragmentação que incide sobretudo nas relações cronológicas. Nessa perspectiva, a fantasia é uma formação psíquica defensiva, como a amnésia e as lembranças encobridoras.
Aos poucos, contudo, a fantasia vai adquirindo um duplo papel: como impedimento fictício ao acesso à verdade insuportável, contra a qual a defesa foi erigida, e como a verdade imaginária cujo contorno compõe o sintoma. A fantasia ganha, assim, importância na composição do sintoma como fantasia de desejo.
Além do mais, a fantasia passa a ter proeminência sobre a verdade material, pois as fantasias têm realidade psíquica em contraste com a realidade material, e gradualmente, diz Freud, aprendemos a entender que no mundo das neuroses a realidade psíquica é a realidade decisiva.
Lacan dá muita importância ao conceito de verdade e o relaciona com o conceito de realidade. A realidade está relacionada ao significante, isto é, é construída pela linguagem. A realidade para Lacan não seria a realidade exterior, descrita por Freud, tampouco o conjunto das coisas e dos objetos apreensíveis pela palavra.
Ela é sempre psíquica, possuindo um caráter de construção singular do sujeito desejante. Ela é representada no Seminário A lógica da fantasia (1966-1967) através da estrutura topológica da banda de Moebius que, como sabemos, embora aparentemente seja uma forma de duas bordas e duas faces (uma externa e outra interna), possui apenas uma superfície. Desejo e realidade são duas faces de uma mesma superfície: o sujeito. A realidade é uma montagem do simbólico e do imaginário, e encobre o real, que é entrevisto como a máscara da fantasia. O que circula é o desejo.
No Seminário XVII, O avesso da psicanálise, Lacan ([1969-1970] 1992) trabalha o conceito de verdade retomando as concepções de Lévi-Strauss acerca da relação entre mito e linguagem. Lacan diz que o mito é o que melhor encarna o semidizer, que é a lei interna de toda enunciação de verdade. Portanto, a noção de verdade em Lacan se relaciona à estrutura do inconsciente enquanto campo sem contradição e ao campo da enunciação ex-sistente ao sentido. Procura-se a verdade na dimensão do real.
Para Lacan, uma recordação completa dos fatos, uma apreensão da verdade histórica ou uma narrativa cronológica dos fatos não interessam ao psicanalista. O importante é a forma como cada sujeito conta sua história através de um discurso articulado por significantes, pois é aí que se coloca o sujeito propriamente dito – o do inconsciente da enunciação. “Sempre digo a verdade: não toda, porque dizê-la toda não se consegue [...] faltam palavras” (LACAN, [1970] 2003, p. 508). É justamente por esse impossível que Lacan descola a verdade que provém do real, do saber, ou seja, a verdade atesta uma impossibilidade, uma limitação do universo do discurso.
Onde ou como se pode situar esse limite de discurso, de saber? O que está contido no dizível? O que da verdade se pode dizer? Como se articula o real com a verdade de forma que não se possa dizê-la toda?
A questão da enunciação enquanto relacionada ao sujeito do inconsciente é fundamental para qualquer tentativa de responder a essas questões. O inconsciente real ex-sistente ao sentido não é um lugar a ser acessado que contenha saber, mas antes é um produtor de saber.
Ele denuncia um impossível, um limite a tudo saber sobre a verdade enquanto proveniente do real do inconsciente. Algo da verdade sempre escapa ao saber. É, então, impossível dizê-la toda, pois surge um produtor que nunca se esgota, que não cessa de não se inscrever. Essa impossibilidade de discurso se relaciona ao que Lacan chama de “discurso que não seria do semblante”.
Daí a necessidade de pensar uma escritura a partir do conceito de letra que faz o litoral entre o saber – os significantes, o semblante, o gozo e o real. A noção de letra demonstra isso que faz borda entre o que se pode articular como discurso e o que não se inscreve. Um litoral entre o saber e algo sempre fugidio.
Retomando o caso de Silvia, tive notícias dela pela psicóloga do Tribunal. Silvia na época, com 16 anos, fizera um intercâmbio de um ano fora do país e na volta optou por morar com o pai, que se casara de novo e tinha mais um filho. A mãe não se casou e se estabeleceu profissionalmente. Em relação ao passado, parece-nos que a mãe utilizou de um suposto acontecimento atual na época (o assédio à filha) para tentar ressignificar seu próprio trauma infantil.
Trata-se de sempre dizer aquilo que não se pode dizer. O que nos faz escandir o provocante título:
O que da verdade se pode dizer sobre o trauma?
O que da verdade se pode dizer?
O que da verdade?
Verdade?
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Endereço para correspondência:
Rua Levindo Lopes, 333/1008 - Savassi
30140-911 - Belo Horizonte - MG
E-mail: vansantoro@uol.com.br
Recebido em: 15/09/2014
Aprovado em: 22/09/2014
SOBRE A AUTORA
Vanessa Campos Santoro
Psicóloga. Psicanalista. Sócia do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.