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versión impresa ISSN 0102-7395

Reverso vol.37 no.69 Belo Horizonte jun. 2015

 

ARTIGO

 

Guimarães Rosa e a figuração do trauma: leitura de Hiato, de Tutameia

 

Guimarães Rosa and the figuration of trauma: an analysis of Hiato, from Tutameia

 

 

Edson Santos de Oliveira

Universidade Federal de Minas Gerais
Círculo Psicanalítico de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Pretende-se fazer uma leitura do conto Hiato, da obra Tutameia, de Guimarães Rosa, partindo da noção de trauma em Freud e Lacan, enfatizando a sua impossibilidade de representação. Espera-se demonstrar que o trauma, nesse conto, faz parte de um projeto rosiano de depuração da escrita que envolve a letra, no sentido lacaniano de litoral.

Palavras-chave: Trauma, Hiato, Letra, Guimarães Rosa.


ABSTRACT

This article aims at analyzing the tale Hiato, from the work Tutameia, by Guimarães Rosa, under Freud and Lacan’s notion of trauma, emphasizing its impossibility of representation. It is expected to show that the trauma, in the tale Hiato, is part of a Rosian Project of writing depuration which involves the letter, in the lacanian sense of coast.

Keywords: Trauma, Hiato, Letter, Guimarães Rosa.


 

 

O trauma tem sido utilizado como uma ferramenta importante nos estudos das ciências humanas, e seu alcance não se prende ao plano individual. No século XX, presenciamos diversas catástrofes: a Primeira e a Segunda Guerra, o Holocausto, a guerra no Vietnã e no Golfo, sem contar os eventos traumáticos dos últimos anos, cujo clímax foi a derrubada das duas torres do World Trade Center. Nosso século é de pós-catástrofe e, como afirma Seligmann-Silva (2005, p. 63), “[...] estar nesse tempo significa habitar essas catástrofes”.

Nessa perspectiva, a própria mídia acaba [...] reencenando a ‘cena catastrófica’ que todos nós já vivemos em nossos ‘processos’ de individuação (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 63-64).

Seligmann-Silva, citando Bohleber, afirma que o trauma não pode ser pensado independentemente da noção de realidade traumática. Nos estudos literários, ele está presente de antemão tanto objetiva como subjetivamente (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 64).

Pode o trauma ainda ser entendido como conceito operacional, principalmente se levarmos em conta o seu caráter de representação precária, isto é, a simbolização não consegue apreendê-lo em sua totalidade. A experiência do Shoah, o massacre dos judeus, foi tão traumática que se aproxima do irrepresentável. Essa experiência foi encenada pelo cineasta Claude Lanzmann. O crítico Gérard Wajcmann ressalta a importância da tela em branco do filme para evocar o caráter irrepresentável dessa catástrofe (WAJCMANN, 2000, p. 32).

Érica Resende (2010), ao descrever o trauma, enfoca-o numa perspectiva do paradoxo, reconhecendo assim sua impossibilidade de representação. Segundo a autora, o trauma

[...] é sentido, mas não compreendido, [...] é refratário à linguagem, mas exige ser comunicado, não admite ser incorporado à normalidade, mas insiste em se perpetuar na memória, requer ser esquecido, mas é sempre relembrado e revivido. O trauma destrói certezas, abala verdades e altera nossa concepção espaço-temporal do mundo e de nós mesmos (RESENDE, 2010, p. 222).

Neste trabalho, tentaremos demonstrar como o trauma está envolvido na depuração da escrita em Guimarães Rosa. Inicialmente vamos fazer um ligeiro percurso desse conceito em Freud e em Lacan para depois realizar a leitura do conto Hiato, de Tutameia, última obra do escritor mineiro. Em nossa leitura tentaremos relacionar o trauma com a escrita em ponto de letra na obra rosiana. A noção de letra está sendo entendida no sentido de litoral, segundo Lacan.

Para Freud, no começo de sua obra, o trauma está ligado ao sexual (teoria da sedução). Numa segunda fase, o psicanalista austríaco abandona sua ‘neurótica’, relacionando-o às fantasias inconscientes e à realidade psíquica. Em Inibições, sintomas e angústia (1926 [1925]), associa o trauma à angústia de castração. Em Moisés e o monoteísmo (1939 [1934-1938]), acompanha os efeitos traumáticos através de gerações. Nessa linha, o trauma não estaria apenas restrito à história pregressa no plano individual, mas coletivo (BOKANOWISKI apud FAVERO, 2009, p. 11-13).

Para Lacan, o trauma do sujeito está na sua relação com a linguagem que o precede. Na sua constituição, o sujeito depende do significante. Importa ainda ressaltar que as experiências traumáticas tendem a se repetir. Sabemos que o que marca a pulsão é a repetição. Lacan, na esteira de Aristóteles, estabelece a diferença entre dois tipos de repetição: a tiquê e o autômaton. Este parece estar mais próximo do acaso, de uma causa acidental. Aquela com o que é produzido seja pela natureza, inteligência ou um fim que não esteja ao alcance do homem (GUELLER, 2005, p. 11). Na tiquê se dá a repetição como encontro com o real, que deve ser entendido como aquilo que não pode ser assimilado. O real, enquanto inominável, está sempre relacionado ao engano. Desse modo, a repetição nunca é a mesma, mas sempre diferencial, devendo ser enfocada como fracasso, isto é, como o impossível de ser plenamente representada. Real e trauma têm, pois, uma estreita relação, como afirma Lacan:

Não é notável que, na origem da experiência analítica, o real seja apresentado na forma do que nele há de inassimilável – na forma do trauma, determinando toda a sua sequência e lhe impondo uma origem na aparência acidental? (LACAN, [1964] 1973, p. 57, grifo do autor).

Assim, o trauma seria

[...] o encontro faltoso com a tiquê, um encontro essencial que demanda o novo, mas que nem por isso é totalmente assimilável (FAVERO, 2009, p. 134, grifo nosso).

Sendo o sujeito lacaniano efeito de linguagem, ele só pode ser constituído no campo do Outro. O trauma corresponderia à entrada desse sujeito no meio significante. Afirma Favero que a palavra trauma vem do grego – traumatikós – e significa cicatriz, “[...] algo que pode ser curado, mas que muitas vezes deixa cicatrizes” (FAVERO, 2009, p. 171). Como cicatriz, é necessário à estruturação do sujeito,

[...] ferida constitutiva (recalque originário), que tenta se fechar pela organização de uma neurose que estabelece o sujeito como dividido (FAVERO, 2009, p. 171).

Como vimos, trauma e real, no último Lacan, estão estreitamente ligados e têm um denominador comum: o irrepresentável. Enfocado como categoria incapaz de ser plenamente representado, devido ao excesso de real, o trauma está relacionado à noção de letra, entendida como litoral, marcando [...] o limite da leitura, o ponto onde o sintoma do leitor não se comunica com o sintoma em análise (PINTO, 2008, p. 157).

A letra, entendida como litoral, oscilando entre o real e o simbólico, o traumático e o mínimo que se diz do trauma, pode ser, assim, uma boa ferramenta para o estudo de obras literárias, já que ao mesmo tempo que embaça, cifrando, permite algum escoamento do sentido, decifrando.

Tutameia é uma obra tecida numa escrita fragmentária, frustrando as expectativas daquele leitor que busca significados. Há contos desse livro que resistem a um resumo, sendo construídos em forma de garrancho, como é o caso de narrativas como Arroio das Antas, Lá nas campinas, Zingaresca, além de outras. Texto de nicas, nonadas, costurado com pedaços de frases que se encaixam em outras narrativas, povoadas de personagens que se deslocam de um conto para outro, com oscilante foco narrativo, esse livro é o ponto ótimo de depuração da escrita de Guimarães Rosa.

Na obra rosiana, esse processo de desnarrativização é apenas rabiscado timidamente em Sagarana, no conto São Marcos (quando o narrador escreve nomes de reis assírios nos caules de bambus), toma ligeira consistência em Primeiras estórias (Nenhum, nenhuma) e algumas novelas de Corpo de baile (Cara de bronze, O recado do morro, Dão dalalão) continua em Grande sertão: veredas, culminando em Tutameia. É nessa confluência do trauma com a letra, desaguando na impossibilidade da representação, que pretendemos ler o conto Hiato, uma das narrativas em que Guimarães Rosa chega ao osso da linguagem.

Hiato (ROSA, 1972) narra o encontro de dois vaqueiros – o jovem Põe-Põe e o velho Nhácio – com um touro, que surge do cerrado de modo imprevisível, amedrontando os dois homens. Assustado com o choque traumático, Nhácio resolve abandonar a campeação.

Hiato, em fonologia, é a combinação de duas vogais, o que possibilita uma separação dos fonemas na sílaba. É um corte silábico, um buraco no meio da palavra. Ora, o título do conto tem sintonia com o significado do vocábulo “trauma”. Lacan faz um trocadilho com as palavras traumatisme e troumatisme, querendo acentuar a dificuldade de representação desse conceito. Trou, em francês, significa buraco.

Favero (2009, p. 171) afirma que

[...] o trauma se constitui como um buraco, um troumatisme ao ser contornado pelas formações do inconsciente, como se fosse o umbigo do sonho.

No caso do conto rosiano, Nhácio se encontra com um touro que o traumatiza, fazendo um buraco em sua vida, levando-o a abandonar as atividades de vaqueiro. O touro parece evocar algo que ficou recalcado. Como animal do sertão, é familiar ao sertanejo, mas sua aparição repentina traz também uma pitada de estranho – unheimlich – de irrepresentável e que não se dá a ler.

O trauma só acontece no a posteriori, quando o evento é ressignificado. Na narrativa rosiana, há uma passagem que descreve claramente esse processo, enfocado como recordação embaçada e recalcada:

Errático, a retrotempo, recordava-se sobre nós o touro, escuro como o futuro, mau objeto para a memória (ROSA, 1972, p. 62, grifo nosso).

A expressão “escuro como o futuro” acena para o enigma do fato. Já o fragmento “mau objeto para a memória” remete à resistência diante de algo desagradável que ficou recalcado.

Como vimos, o trauma, na obra lacaniana, está estreitamente relacionado ao real, principalmente a partir de 1960

Real e trauma se aproximam tanto em alguns momentos do ensino lacaniano, ao ponto de o trauma por diversas vezes se apresentar como uma variante do conceito de real (FAVERO, 2009, p. 153).

Em Hiato, a recordação do fato assustador vivido por Nhácio nos leva a aproximar essas duas categorias, como se pode constatar no trecho que segue:

Remoto, o touro, de imaginação medonha – a quadratura da besta – ingenerado, preto empedernido. Ordem de mistérios sem contorno em mistérios sem conteúdo. O que o azul nem é do céu; é de além dele. Tudo era possível e não acontecido (ROSA, 1972, p. 62).

Releiamos o trecho e observemos como a camada sonora do texto mimetiza o elemento traumático. A violência do acontecimento – o surgimento inesperado do touro – se insinua nos fonemas oclusivos (/b/, /k/, /d/, /t/) e nos encontros consonantais seguidos de vibrantes: /dr/ e /pr/, presentes em expressões como “quadratura da besta”, “preto empedernido”. A última expressão citada (“preto empedernido”) conota uma imagem de dureza de pedra, presente no vocábulo “empedernido”. O touro que surge de repente é como uma pedra que esmaga o vaqueiro no plano psíquico, acenando ainda para o inassimilável.

É interessante notar ainda que, na recordação do trauma, o autor faz um jogo de palavras, colocando o vocábulo “desamparadeiro” em vez de ‘despenhadeiro’: “Empatara-nos, aquele, em indisfarce, advindamente; perseguia-nos ainda, imóvel, por pavores, no desamparadeiro” (ROSA, 1972, p. 63 grifo nosso). O neologismo “desamparadeiro” possibilita duas leituras: os vaqueiros estão próximos de um ‘despenhadeiro’ e ao mesmo tempo ‘desamparados’ diante da recordação do touro.

Vale notar que o vocábulo “despenhadeiro” vem de des+penhar; ‘penha’ significa pedra e é a raiz da palavra. Relendo o conto, percebemos que o touro é descrito como “preto empedernido”, isto é, preto, duro como pedra. No deslizamento de significantes temos, então, no neologismo “desamparadeiro”, associado ao vocábulo “despenhadeiro”, um exemplo de inscrição do trauma via letra, oscilando entre o Real e o Simbólico. Em outros termos, o touro, é comparado a uma pedra negra e dura (“preto empedernido”), que esmaga metaforicamente o vaqueiro Nhácio, levando-o ao ‘desamparo’ como se estivesse à beira de um despenhadeiro. A fusão do real com o traumático se instaura, assim, brilhantemente na condensação do neologismo “desamparadeiro”.

Releiamos ainda outro fragmento, magistralmente descrito, ressaltando a intensidade traumática. Nesse trecho, não há como separar a prosa da poesia, já que em Tutameia, como afirma Rosa, “cada palavra pesa”:

[...] do capim alto aquele surgiu. Foi e – preto como grosso esticado pano preto, crepe, que e quê espantoso! – subiram orelhas os cavalos. Touro mor que nenhuns outros, e impossível, nuca e tronco, chifres feito foices, o bojo, arcabouço, desmesura de esqueleto total desforma (ROSA, 1972, p. 62-63, grifos nossos).

O pavor, o susto dos vaqueiros diante do touro que surge inesperadamente, é sugerido num trabalho minucioso de linguagem.

No plano morfológico, o surgimento repentino do animal é evocado na repetição da sua cor (“preto como grosso esticado pano preto”) e no uso do pronome demonstrativo “aquele”, que substitui a palavra “touro”, remetendo ao recalque e à dificuldade de representação do bicho medonho.

Na camada fonológica, o medo é ainda insinuado pela aliteração de fonemas oclusivos e vibrantes como /r/, /g/ /p/, /k/, /t/: “Preto como grosso esticado pano preto, crepe”. O som gerado pelo movimento dos chifres do touro é magnificamente descrito pela aliteração de fonemas constritivos fricativos /f/ e /s/: “chifres feito foices” , acentuando a imagem do corte, através do substantivo “foice”. O peso do trauma é ainda morfologicamente acentuado por vocábulos que estão ligados ao campo semântico de enormidade, presente em substantivos e adjetivos como “arcabouço”, “desmesura”, “espantoso”, “mor” “impossível”, ”total” “desforma”.

No plano sintático, esse mesmo corte se dá também, em todo o conto, através do uso do travessão e de frases curtas, separadas por ponto ou vírgula, como se o aparecimento do touro sugerisse uma fenda produzida, corte que ficará como uma cicatriz, um buraco, um trou, que levará o velho Nhácio a abandonar a profissão de vaqueiro.

Se o real é feito de cortes, como afirma Lacan no Seminário 6 (LACAN apud FAVERO, 2009, p. 165) é porque existe algo que vai além da consciência do sujeito. Isso faz com que ele se encontre nesses cortes.

Na narrativa rosiana, o título – Hiato – que já é sugestivo, acena para o corte não só fonológico mas também psicanalítico. É no corte produzido pelo touro que o real se impõe permitindo, assim, a reinscrição do trauma, levando o vaqueiro ao desamparo e a abandonar a profissão. Há algo de irrepresentável, de assombroso, que se inscreveu como letra e que, ao retornar à lembrança do vaqueiro, através do aparecimento do animal, não pode ser expresso em palavras:

Nhácio ora desabria sacudidos dizeres, enrolava mais silêncio, ressofrido. O touro, havendo, demais, exorbitante, suas transitações, e no temeroso ponto, praça ao acaso (ROSA, 1972, p. 62, grifos nossos).

A expressão “sacudidos dizeres”, entendida como falar em cortes, em hiatos, é intensificada por outra, “silêncio ressofrido”, remetendo à dificuldade de representação traumática evocada pelo vocábulo “silêncio” e o retorno da dor, marcado pelo prefixo “re” na palavra “ressofrido”. No plano da macroestrutura, a narrativa vai sendo construída em cortes, com o foco oscilante entre a primeira e a terceira pessoa, com verbo ora na terceira do plural, ora na terceira do singular, seguido do índice de indeterminação “se”.

Esses cortes, como vimos, se dão também na camada fônica, morfossintática e semântica. Ainda no plano semântico, merece registro o significado da palavra touro: “inteiro”, “não castrado”, segundo o dicionário. Assim, a juventude do touro desafia a vitalidade do velho Nhácio. Para Nhácio, o surgimento inesperado do animal nos leva a levantar uma hipótese: acena para algo da castração que ficou recalcado. Não é gratuita a descrição dos chifres do ruminante, comparados a uma foice: “Touro mor que nenhuns outros, e impossível, nunca e tronco, chifres feito foices [...]” (ROSA, 1972, p. 61). O touro estabelece um corte na vida do vaqueiro, mudando o rumo de sua vida, remetendo a algo que ficou recalcado e que não tem tradução.

Um dado significativo no conto é a diferença de idade entre os dois vaqueiros. Nhácio é bem mais velho que Põe-Põe. Pode-se dizer que seu trauma decorre da incapacidade de conciliar o velho com o novo. Nhácio representa a experiência sertaneja, a previsibilidade. Põe-Põe está começando a vida de vaqueiro. O domínio que o primeiro sertanejo supunha ter da realidade, na lida sertaneja, é completamente quebrado, e ele não dá conta de representá-la ao se encontrar com o animal. As experiências acumuladas no trato com os bois é desmantelada, criando um hiato em sua vida, castrando suas certezas.

Nesse sentido, Põe-Põe representa o novo. Ele se põe, isto é, se apoia no vaqueiro mais velho, está em processo de aprendizagem e já sentiu também uma experiência anterior de um trauma: o assassinato de seu pai. Já Nhácio, sendo seu mestre, é apresentado como aquele que conhece a verdade no cotidiano sertanejo.

A palavra “Ignácio” vem de ignis, em latim, e significa fogo, luz, verdade. Para Inácio, a aparição súbita do touro negro é um hiato em sua travessia, uma escuridão, rompe com suas expectativas, desafia seu saber de vaqueiro. Daí sua mudez, seu balbuciar, seu silêncio, a paralisação de seu corpo diante do inesperado. O fogo de sua experiência (ignis) é surpreendido pela escuridão traumática, o touro.

Importa ressaltar que há, durante todo o conto, um jogo de claro/escuro, espécie de contraponto ao evento traumático que vem à consciência como um relâmpago, mas que se recolhe à escuridão, ao inconsciente.

No início do conto, antes do surgimento do vacum, o narrador afirma: “[...] o céu sol, massas de luz, nuvens drapuxadas [...]” (ROSA, 1972, p. 61, grifo nosso). Um pouco à frente insiste: “Ia tudo pelo claro” (ROSA, 1972, p. 61, grifo nosso). Na descrição do touro que surge, predomina o escuro: “[...] preto como grosso esticado pano preto” [...] (ROSA, 1972, p. 61, grifo nosso). E quase no final da narrativa:

De onde vem então o medo? Ou este terráqueo mundo é de trevas, o que resta do sol tentando iludir-nos do contrário? (ROSA, 1972, p. 63).

Em Hiato podemos perceber um exercício sutil de depuração da escrita em Guimarães Rosa. Tematizando o trauma, o escritor mineiro escreve restos, traços, letras que não se dão a ler e que também permitem decifração. Ironicamente ele nos presenteia com tutameias de escrita, que devem ser lidas de modo acurado, nos interstícios de sons e silêncios, de lapsos e hiatos.

 

Referências

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WAJCMAN, G. L’art, la psychanalyse, le siècle. In: LACAN, l’écrit, l’image. Paris: Flammarion, 2000.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Rua Hum, 15/201 - Nova Pampulha
33937-280 - Belo Horizonte - MG
E-mail: edson-so@uol.com.br

Recebido em: 09/02/2015
Aprovado em: 16/02/2015

 

 

Sobre o Autor

Edson Santos de Oliveira
Professor da UFMG-EBAP-Letras.
Candidato em formação no Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.

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