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Jornal de Psicanálise

versión impresa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.44 no.81 São Paulo dic. 2011

 

FORMAÇÃO PSICANALÍTICA

 

Repercussões de uma experiência

 

Repercussions of an experience

 

Repercusiones de una experiencia

 

 

Josefina Paulon1

Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo - SBPSP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Um relato subjetivo da experiência vivida pela autora no Grupo de Trabalho – GT Especificidade do método psicanalítico, coordenado por Ruggero Levy2 e Elizabeth Chapuy3 no Congresso Didático do XXIII Congresso Brasileiro de Psicanálise em Ribeirão Preto, ocorrido entre 07 e 10 de setembro de 2011. Destaca-se a proposta metodológica, que possibilitou a construção do tecido associativo alcançado nesta experiência.

Palavras-chave: Material clínico "vivo", Tecido associativo, Grupo de Trabalho.


ABSTRACT

This paper refers to a personal and subjective narrative, experienced by the author in the Working Party Psychoanalytic method specificity, coordinated by Ruggero Levy and Elizabeth Chapuy at the Didactic Congress of the XXIII Brazilian Congress of Psychoanalysis in Ribeirão Preto, Brazil, held between the 7th and 10th September, 2011. It highlights the methods that made possible the construction of an associative tissue achieved in this experience.

Keywords: "Live" clinical case, Associative tissue, Working party.


RESUMEN

La autora presenta un relato de la experiencia subjetiva vivida en el Grupo de Trabajo – GT Especificidad del método psicoanalítico, dirigido por Ruggero Levy y Elizabeth Chapuy en el Congreso Didáctico del XXIII Congreso Brasileño de Psicoanálisis en Ribeirão Preto, realizado entre el 07 y 10 de septiembre de 2011. Se destaca la propuesta metodológica, así como la construcción del tejido asociativo alcanzado en esta experiencia.

Palabras clave: Material clínico "vivo", Tejido asociativo, Grupo de trabajo.


 

 

Só aos poucos é que o escuro fica claro...
(Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)

 

Domingo pela manhã, desfaço as malas levadas ao Congresso da FEBRAPSI em Ribeirão Preto. Certa inquietude levou-me a pensar sobre por que teria despertado tão cedo, apesar do cansaço pós Congresso.

"Só aos poucos ..." fui me aproximando das extensas anotações escritas durante o exercício clínico, chamado no Brasil de Grupos de Trabalho, do qual participei levando material clínico para discussão. Invadida por uma mescla de sentimentos que dizem respeito ao antes, ao durante e ao depois comecei a escrever sobre os ecos dessa experiência.

Aceitei o convite para participar desse GT sobre a Especificidade do método psicanalítico, sem nada saber sobre ele. Apesar de péssima nadadora, mergulhei. Sinto o perigo de afogamento neste momento, frente à intensidade das lembranças, bem como das limitações que minha escrita e memória vão encontrar para transmitir essa vivência.

A primeira informação recebida era que se tratava de uma novidade: a implantação, a pedido da Associação Brasileira dos Candidatos – ABC, de atividades clínicas e de GTs, as Working Parties, para os candidatos. Semelhante ao que já está acontecendo nos congressos internacionais, o Congresso Didático do XXIII Congresso da FEBRAPSI ofereceu os seguintes GTs: a) Especificidade do método psicanalítico, exclusivo para candidatos; b) Métodos comparativos, composto por candidatos e analistas; c) Microscopia da sessão analítica, exclusivo para candidatos. O assunto sobre as várias modalidades de GTs fora abordado amplamente na Revista Brasileira de Psicanálise, 44 (3), 2010. Não consegui ir à fonte nesse primeiro momento, pois os clamores de qual material clínico eu levaria para o GT se impuseram!

Um sinal recebido sobre a possibilidade de volta de um ex-analisando, que passo a chamar de N, disparou lembranças. Além da função de abertura de campo para eu re-pensar sobre esta experiência no GT, o sinal também funcionou como resto diurno, e o sonho desta longa história analítica foi aos poucos se revelando.

Lembrei-me das idas e vindas de N. Esse movimento de descontinuidade em relação ao processo analítico fez que eu o acompanhasse em diferentes momentos de minha formação. As tentativas de escrever sobre esse caso clínico, tanto no primeiro como no segundo relatório, foram infrutíferas. Além de teorias, uma citação poética – que colocarei no final deste trabalho – foi sentida como a mão e a luva na história desta análise. Mas N parecia não permitir que eu o situasse em qualquer perspectiva: teórica ou poética. Pelos mais variados motivos, interrompia e voltava. Num dos seus retornos, após muito conversarmos ele considerou a minha ideia no sentido de que outra voz fosse ouvida e eu o encaminhei.

Imersa nessas lembranças, um email recebido de Ruggero Levy sobre as características do material clínico a ser apresentado no GT foi sentido por mim como um balde de água fria: "o importante é que seja um material 'vivo', de uma análise com a qual estejas envolvida no momento... sem identificação, sem história, sem observações sobre o processo..."

Mais "vivo" do que esse material havia se transformado... impossível! Porém N não estava em análise: seu material clínico não poderia ser levado para discussão do GT. Comecei então a transcrever sessões dos analisandos atuais. O processo não caminhava; ora a censura, ora a possibilidade de o analisando ser identificado e outras questões interferiam na continuidade do trabalho.

E eu voltava a pensar em N. O que fazer com meu desejo? Por ironia o tema do Congresso era "Limites – Prazer & Realidade", justamente o meu dilema nesse momento. Mesmo assim, encaminhei o material clínico de N com a seguinte observação: "apesar deste analisando estar afastado no momento, trata-se de uma história muito longa, 'viva' para mim e, acredito, ainda não terminou". Lancei os dados e, para conter a angústia da espera, iniciei a leitura dos artigos publicados na Revista Brasileira de Psicanálise, citada anteriormente.

"Só aos poucos..." me apropriei das questões abordadas pelos GTs, em suas diferentes propostas. Os GTs de caráter essencialmente clínicos foram criados na Federação Europeia de Psicanálise (FEP), em 2000, com o objetivo de encontrar novas formas de reflexão a respeito da Metodologia da investigação em psicanálise. A leitura também me esclareceu sobre a proposta do GT que participaria: Especificidade do tratamento psicanalítico hoje. Tal proposta foi criada em 2006 por Evelyne Séchaud enquanto presidente da FEP (2004-2008), cinco anos após a criação das primeiras Working Parties propostas por David Tuckett.

Dentre os vários aspectos focalizados no artigo de Séchaud, Frisch e Bleger (2010), "A especifidade do tratamento psicanalítico hoje", publicado pela Revista Brasileira de Psicanálise já referida, destaco trechos com os quais me identifiquei e que dizem respeito ao percurso escolhido por mim para este relato.

Este método de trabalho é inspirado, com variações, no de Norman e Salomonsson (2005), e também no de Donet (2005). Baseia-se em uma analogia entre a sessão de análise e sua narrativa num grupo que reage à escuta e "trata" tanto da contratransferência do analista quanto de aspectos desconhecidos da transferência do paciente (Séchaud et al., 2010, p. 54)

A pesquisa sobre a especificidade do tratamento psicanalítico hoje implica numa reflexão epistemológica sobre os meios de permanecer o mais próximo possível do método psicanalítico inventado por Freud. … O intercâmbio interanalítico através do modo de associação livre pode constituir um novo campo de investigação psicanalítica, fora da ideia de supervisão ou de dinâmica de grupo (Séchaud et al., 2010, p. 53)

A introdução do método de Salomonsson contribuiu enormemente para a qualidade da discussão: mais do que se centrar no paciente e na troca paciente/analista, os participantes tecem suas associações a partir do material e das intervenções dos outros participantes. O trabalho se faz a partir do material escutado, que se torna progressivamente um tecido associativo ao qual cada participante traz suas reflexões, suas ideias e suas hipóteses. Desta maneira, é tecido um trabalho de pensamento próximo do pensamento do sonho, mais do que um trabalho de reflexão de processo secundário (Séchaud et al., 2010, p. 58)

A aproximação com os aspectos acima mencionados, além de ressaltar a importância em participar dessa experiência clínica, intensificou minha expectativa, salientando a riqueza que essa vivência poderia oferecer. É claro que outros pontos também considerados por Séchaud et al. (2010) provocavam angústia: o silêncio exigido do analista; a longa discussão por dois dias; saber do intenso movimento de crítica associado às tentativas de impedir a continuidade dessa proposta, logo em seguida à sua aprovação pela FEP.

Contudo os pensamentos e lembranças em relação a N continuavam: será que o encaminhei por ser um analisando silencioso e carente de sonhos e por um esgotamento de recursos oníricos meus? Se minha hipótese estivesse correta, não haveria melhor oportunidade do que o levar para este grupo sonhante.

Finalmente a resposta: o material clínico de N fora aceito; era necessário complementá-lo com sessões que contivessem movimento contratransferencial e sonhos. Encaminhei as sessões solicitadas, entretanto, quanto aos sonhos, não pude fazê-lo já que essa era a principal carência de N.

Na sequência o pedido para que eu fizesse a escolha de quatro sessões, duas de cada período dentre as que haviam sido enviadas. Até então eu imaginava que essa tarefa não seria feita por mim e devo dizer que foi mais um momento difícil desse processo. Após boa batalha com minha ambivalência, fiz o recorte do material clínico e encaminhei ao Ruggero Levy. Foi nesse momento da seleção das sessões que comecei a me fazer perguntas em relação:

– ao material escolhido por mim: conseguiria transmitir a emoção vivida após tantos anos?

– ao tecido associativo: seria possível essa construção onírica proposta pelos autores?

– ao tratamento da contratransferência: como seria a abordagem de tão delicada situação?

Continuei até a véspera do Congresso, ora lendo sobre GTs, Working Parties, ora dialogando com o que eu imaginava que poderia acontecer durante a experiência. Posso dizer que elaborei um trabalho paralelo, que passo a chamar de "minha defesa teórica" sobre os movimentos clínicos das sessões encaminhadas.

Mesmo sabendo que a proposta do GT sobre a Especificidade do tratamento psicanalítico hoje não tem como objetivo o foco teórico, eu não conseguia conceber que isto não fosse aparecer em algum momento. No entanto, devo dizer que essa "defesa teórica" está guardada, semelhante ao que acontece com as várias teorias com as quais nós analistas nos envolvemos, na tentativa de conter o desamparo vivido no aqui e agora da sessão.

Chegou o dia do GT: eu iria trabalhar com 18 candidatos, dois coordenadores e um observador. Eu não conhecia nenhum deles. Entramos na sala, ajudei os coordenadores a fazer um círculo com as cadeiras. Fui comunicada sobre a importância do meu silêncio após a leitura do material, e também sobre o cuidado que deveria ter nos intervalos para que nenhuma informação sobre o caso clínico fosse transmitida. A oportunidade de falar por meia hora eu teria no final dos dois dias de atividade.

O fato de não conhecer ninguém facilitou a decisão em manter o meu olhar abaixado, anotando os "sonhos" dos colegas sobre o processo analítico de N. Essa postura, além de conter o desamparo sentido pela impossibilidade de uma troca de olhar, poderia também me ajudar a não esbarrar em comunicações não verbais.

E começamos o trabalho com o Ruggero Levy dando as instruções; Elizabeth Chapuy complementando e solicitando que por questões do idioma se falasse o mais devagar possível. Também foi informado ao grupo sobre o papel silencioso do observador Zelig Libermann4.

Pediram-me para ler a primeira sessão. Em seguida, a solicitação para que eu lesse um pouco mais devagar. Minha impressão era de que não conseguiria atender ao pedido; a emoção sentida me fazia acelerar a leitura. Tratava-se de uma sessão extra solicitada pelo analisando, depois de ter rompido o namoro e tentado passar o final de semana na praia. Como não conseguiu, invadido pela angústia, retornou a São Paulo. Parte do grupo me acolhia dizendo que poderia ser um momento novo da análise e da relação, e que eu fizera bem em conceder ao N a sessão extra; parte me colocava em "xeque", considerando que talvez o melhor seria não ter facilitado o encontro para que N pudesse viver essa dor. Nesse momento eu pensei na possibilidade do grupo estar dividido entre as posições teóricas de Klein e Winnicott, mas outros aspectos da sessão analítica ganharam destaque na discussão do GT: a solidão do analisando, seu desamparo, a falta de lugar no mundo, o silêncio e o mau humor como defesa. Foi alentador ouvir do grupo sobre esses elementos conhecidos e tão amplamente discutidos no percurso dessa análise. Um pouco de alívio... Eu tinha conseguido transmitir o clima e os sentimentos dessa sessão.

E continuamos. Minha impressão é de que os coordenadores foram "soltando linha", pontuando os caminhos propostos pelo grupo; em vários momentos a ênfase recaía sobre a possibilidade da criação de imagens para N.

Foi emocionante quando os primeiros alinhavos imagéticos foram acrescentados ao tecido associativo através dos filmes: Alfie, O quarto do filho e Estrela solitária. Até o término dessa primeira parte, após mais ou menos três horas, muitas associações dos participantes do GT relacionaram imagens aos elementos contidos na sessão apresentada. Entretanto, às vezes, a questão da sessão extra ainda surgia como pálido pano de fundo.

A pausa para o intervalo foi difícil no início, especialmente por não poder falar sobre N quando a maioria dos sub-grupos que foram se formando tocava nesse assunto. Eu vivia uma situação paradoxal de pertinência e não pertinência. Aos poucos as pessoas foram se aproximando; um clima lúdico e de continência foi se instalando; muitas brincadeiras surgiram! Entre elas a possibilidade de o grupo descobrir o hotel onde eu estava hospedada. O intuito era ler a pasta de N que eu bravamente segurava.

Voltamos para a sala, algumas pessoas atrasaram-se. Após um pouco de espera me solicitaram a leitura do material. Tratava-se de uma última sessão antes das férias, ocorrida após um mês em relação à anteriormente apresentada. Nessa sessão N pediu para a analista ajudá-lo a ligar uma sessão a outra, alegando que muitas vezes não conseguia se lembrar de aspectos conversados. "Emprestei" minha memória a N, o que remeteu a uma dupla opinião no grupo. Desta vez eu pensei: Bion e Winnicott? Ainda nesse encontro uma intervenção minha deixou transparecer que N tivera outro momento analítico comigo, o que provocou surpresa no grupo.

Os participantes falaram de sentimentos de desencontro em relação ao material lido anteriormente, e N também apresentava nessa sessão uma desconexão, pedindo para a analista ajudá-lo a ligar pontos. Além disso, os coordenadores apontaram a ruptura provocada pelo intervalo. Uma frase foi falada no grupo em tom de decepção "uma onda levou tudo o que eu havia construído sobre N". Além de pensar nesta situação que vivemos o tempo todo em nosso cotidiano analítico, estava impactada com essa possibilidade de experiência no aqui e agora do GT. Outros elementos difíceis que eu conseguira transmitir para o grupo permitiram aprofundar questões sobre continuidade-descontinuidade, perda de memória de N versus memória da analista, o silêncio de N como um ausente-presente, vazio, identidade sexual e de self.

E novas imagens, dessa vez ligadas ao filme La luna e aos livros O perdido e Cem anos de solidão, surgiram ampliando ainda mais o tecido onírico associativo, jogando para os bastidores a questão sobre se eu deveria ou não ter "emprestado" a minha memória a N.

Terminamos as atividades desse primeiro dia. Fui para o hotel pensando na relação que fora apontada pelo grupo entre a letra "N", que eu escolhera para nomear o analisando, e o infinito, em paralelo com a potencialidade das inúmeras imagens que foram associadas e que possibilitariam ampliar a visão não só do caso clínico de N, mas também de vários outros.

Na manhã seguinte, apresentei duas sessões, apontando minhas dificuldades contratransferenciais. Inicialmente li uma primeira sessão e após o intervalo fiz a apresentação da segunda sessão. O tema em ambas era sobre as tentativas da mãe de N para "entrar" no processo analítico. Apesar de contestar as interferências da mãe, N chegou a pensar, a partir de uma ideia dela, na possibilidade de passar para uma terapia em grupo, para melhor lidar com suas inibições. Muitos aspectos foram discutidos no GT: o receio de N da aliança entre as mulheres (analista e mãe), as tentativas da mãe de invadir todos os espaços, a desvalorização que ela fazia da figura paterna – a potência de N abalada pela mãe fálica.

O grupo parecia cansado e no limite do não saber, começaram a questionar: afinal que idade teria N, ainda vivendo essas questões com a mãe? E os coordenadores, eles teriam informações sobre o caso? E quanto a mim, por que estava brava e com o olhar abaixado? O movimento contratransferencial que surgiu no GT foi de tal ordem que, por um segundo, eu saí do papel silencioso dizendo que eu não estava brava, a situação é que era difícil.

Foram momentos delicados e ricos. Ainda penso nas críticas e questionamentos apontados e também no momento contratransferencial vivido no aqui e agora com o grupo. No final da discussão surgiram novas imagens, ligadas ao mito de Tântalo, ao texto Dorotéia de Nelson Rodrigues e ao filme Gênio indomável, enriquecendo ainda mais o tecido associativo.

Após mais ou menos dois dias de mergulho no silêncio, pude falar no GT. Invadida de início por sentimentos de estranheza, respondi a algumas perguntas realizadas pelo grupo a respeito das interrupções e da idade de N, na época das sessões relatadas. Contei então que algumas interrupções aconteceram devido a viagens: intercâmbio na adolescência e trabalho quando adulto jovem, havendo a necessidade de socorrê-lo, fazendo sessões por telefone. Porém, outras vezes, quando eu imaginava que tudo estava caminhando, N desaparecia.

Num dado momento, lembrei-me da brincadeira do grupo sobre a possível captura da pasta que continha o material clínico de N e perguntei aos coordenadores se poderia mostrar um desenho de quando o conheci aos 6 anos de idade: na margem inferior de uma folha de papel sulfite uma minúscula casinha, sobre ela o vazio, na margem superior uma tênue linha azul.

Ao rever aquela representação gráfica de profundo vazio fiquei emocionada, o que aconteceu também com a maioria dos participantes do grupo. Os coordenadores assinalaram a riqueza do tecido associativo alcançado pelo grupo; ele fora construído sobre aquela imensidão de vazio. E um novo impacto no grupo aconteceu, quando souberam que, caso N volte para a análise, estará com quase 40 anos. Ao falar para o grupo que as sessões apresentadas foram vivenciadas pela dupla há mais ou menos 15 anos, ofereci a leitura da citação poética a que me referi no início deste texto e que tantas vezes me remete a essa história analítica.

Quantas vezes, para mudar a vida, precisamos da vida inteira, pensamos tanto, tomamos balanço e hesitamos, depois voltamos ao princípio, tornamos a pensar e a pensar, deslocamo-nos nas calhas do tempo com um movimento circular como os espojinhos que atravessam o campo levantando poeira, folhas secas, insignificâncias ... . Outras vezes uma palavra é quanto basta. (Saramago, 1986, p. 66)

Continuei e falei ainda para o grupo que era assim que eu me sentia em relação a N. Para algumas questões, como vestibular ou emprego, bastou uma palavra, mas quando alguma aproximação afetiva acontecia, o medo de se perder no outro provavelmente o invadia e N partia. O grupo, nesse momento, fez outra associação da letra "N" escolhida por mim, mas dessa vez relacionada ao nada. E mais uma lembrança que não falei no GT, pois surgiu agora: N na infância tinha um sonho recorrente em que o perigo era ser tragado pelas ondas do mar.

Voltando agora às extensas anotações que coloquei no início, fico impressionada ao ver que apesar do silêncio participei ativamente do grupo; mesclados aos sonhos dos colegas, aparecem na escrita as minhas observações, sonhos e também os lapsos e interrupções nos momentos de maior angústia.

Quanto à escuta, muitas vezes eu reconheci na fala do grupo a pertinência a alguma filiação teórica analítica. Quando algo esbarrava em dogmatismos que pudessem romper o clima de "sonho", ainda ecoam em mim as palavras do Ruggero Levy: "Não trabalhamos com certo ou errado: trabalhamos com hipóteses vivendo uma construção do que conseguimos fazer".

Para finalizar, agradeço ao grupo e aos coordenadores pela oportunidade de participar de tão rica experiência. Quando me foi dada a palavra no início do GT, disse que meu intuito era poder colaborar para o desenvolvimento da formação dos candidatos; o que não sabia era da experiência transformadora que o GT traria também para mim.

Nada melhor para encerrar do que uma fala de Bion (1992), num seminário clínico, que tão bem cabe no relato da experiência do GT e no tema "Os tempos da psicanálise" deste número do Jornal.

Nós não encontramos ainda qual é o tempo analítico! Quem sabe algum dia irá existir um calendário psicanalítico pelo qual nós poderemos datar o material. Nasceu ele antes? Foi ele pós-maturo ou foi ele prematuro? … eu não sei que calendário ou qual relógio que a psicanálise usa. (Bion, 1992, p. 12)

 

Referências

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Tuckett, D. (2010). O que são Grupos de Trabalho e o que podem fazer. Revista Brasileira de Psicanálise, 44 (3), 15-32.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Josefina Paulon
Rua Baltazar da Veiga, 24 | Vila Nova Conceição
04510-000 São Paulo, SP
Tel: 3842-l368
E-mail: paulonjosy@ig.com.br

Recebido em: 21/10/2011
Aceito em: 1/12/2011

 

 

1 Membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo SBPSP.
2 Membro efetivo da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre SPPA.
3 Membro da Sociedade Psicanalítica de Córdoba.
4 Membro Associado da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre SPPA.

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