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Jornal de Psicanálise
versión impresa ISSN 0103-5835
J. psicanal. vol.53 no.99 São Paulo jul./dic. 2020
ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS FILIADOS
O futuro da psicanálise em dez minutos1
The future of psychoanalysis in ten minutes
El futuro del psicoanálisis en 10 minutos
L'avenir de la psychanalyse en dix minutes
Marcelo ViñarI; Tradução de Abigail BetbedéII
IMembro titular em função didática da Associação Psicanalítica do Uruguai (APU). Montevidéu / marvin@belvil.net
IIMembro filiado ao Instituto "Durval Marcondes" da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP)
RESUMO
Com base em seu amplo percurso e experiência pessoal como psicanalista, o autor se debruça sobre a história da psicanálise para considerar como os aspectos fundamentais da descoberta freudiana estão presentes na psicanálise dos tempos atuais. Em interlocução com analistas em formação, pondera sobre a necessidade de se desenvolver um idioma comum, entre analista e paciente, para o diálogo com pacientes borderline, enfatizando a necessidade de discussão da técnica psicanalítica tradicional para além do debate acerca da frequência de sessões semanais. Conclui que analistas de hoje e de amanhã devem continuamente aprender o ofício, e estar em contato com as mudanças tecnológicas e sociais do mundo em que vivemos.
Palavras-chave: futuro da psicanálise, história da psicanálise, formação psicanalítica
ABSTRACT
From his extensive background and personal experience as a psychoanalyst, the author looks at the history of psychoanalysis to consider how the fundamental aspects of Freudian discovery are present in psychoanalysis today. In dialogue with training analysts, he considers the need to develop a common language, between analyst and patient, for the dialogue with borderline patients, placing the need for discussion of traditional psychoanalytical technique beyond the debate about the frequency of weekly sessions. He concludes that analysts of today and tomorrow must continually learn the art and be in touch with the technological and social changes of the world in which we live.
Keywords: future of psychoanalysis, history of psychoanalysis, psychoanalytic training
RESUMEN
A partir de su amplia trayectoria de trabajo y su experiencia personal como psicoanalista, el autor examina la historia del psicoanálisis para considerar cómo los aspectos fundamentales del descubrimiento freudiano están presentes en el psicoanálisis hoy en día. En el diálogo con los analistas en formación, se plantea la necesidad de desarrollar un lenguaje común, entre el analista y el paciente, para el diálogo con los pacientes fronterizos, situando la necesidad de la discusión de la técnica psicoanalítica tradicional más allá del debate sobre la frecuencia de las sesiones semanales. Concluye que los analistas de hoy y de mañana deben aprender continuamente el oficio y estar en contacto con los cambios tecnológicos y sociales del mundo en el que vivimos.
Palabras clave: futuro del psicoanálisis, historia del psicoanálisis, formación psicoanalítica
RÉSUMÉ
À partir de sa vaste expérience de psychanalyste, l'auteur se penche sur l'histoire de la psychanalyse pour examiner comment les aspects fondamentaux de la découverte freudienne sont présents dans la psychanalyse aujourd'hui. En dialogue avec les analystes en formation, il réfléchit à la nécessité de développer un langage commun, entre analyste et patient, pour le dialogue avec les patients borderline, plaçant le besoin de discussion de la technique psychanalytique traditionnelle au-delà du débat sur la fréquence des séances hebdomadaires. Il conclut que les analystes d'aujourd'hui et de demain doivent continuellement apprendre le métier et être en contact avec les changements technologiques et sociaux du monde dans lequel nous vivons.
Mots-clés: avenir de la psychanalyse, histoire de la psychanalyse, formation psychanalytique
Seguramente escolhi este ofício - ou minha vocação nasceu - atraído por entender um mundo que fugia à minha compreensão.
Desde esse acontecimento (pessoal) adolescente mais de meio século se passou - toda uma vida -, e o progresso em elucidar a pergunta inicial (o que é o mundo e o que eu faço nele?) avançou menos do que o esperado.
Os resultados são poucos: em vez do nítido propósito inicial, me perdi em um labirinto de questões mais profundas. O consolo é coincidir com o nosso herói fundador, que sempre apontava para o desconhecido.
Para além de minha confissão pessimista, a psicanálise percorreu uma jornada extensa e enriquecedora, que fico feliz em celebrar, e, apesar de crises e presságios letais, percebo-a mais atual e necessária do que nunca.
Uma pequena semente que se tornou uma árvore frondosa. A origem foi modesta, como destaca O. Mannoni em Chave para o imaginário (1973), o triunvirato de Berta, Joseph e Sigmund, que em papéis complementares conseguem que o questionamento de um sintoma - de uma disfunção da razão - dê lugar à fundação de um dos discursos que marcaram a cultura ocidental do século XX. A psicanálise tornou-se um relato ineludível da atualidade ocidental à qual todas as classes ilustres se referem (para elogiá-la ou criticá-la) e um dos poucos caminhos alternativos diante do ressurgimento das certezas religiosas e das lideranças delirantes, típicas da atualidade.
Que a lógica racional não é o único leme de nossos comportamentos e destino, tanto individual quanto coletivamente, que paixões obscuras e outras forças internas desconhecidas nos empurram cegamente, muitos pensadores da literatura e de outras artes já sabiam, notavelmente na tragédia grega (Vernant, 1988) e na shakespeariana. Mas ocorreu ao médico de Viena sistematizar um método para observar e pensar, para explorar e descobrir pistas inéditas sobre o enlace da destrutividade e da criatividade que definem nossa espécie na escala dos seres vivos.
Entendo que essa originalidade está em vigor e é deslumbrante. Destacar-se da aporia do normal e do patológico - o princípio que sustentava a psiquiatria tradicional - e se propor a vincular normalidade e loucura, articulando criação e destrutividade, são aspectos inequívocos da descoberta freudiana. Estamos longe de haver resolvido o enigma, mas o método e a reflexão que Freud inaugurou nos põem num caminho até agora pouco percorrido.
No entanto, a história não para, e o mundo humano de hoje não é o mesmo que o fundador investigou. Ou a psicanálise acompanha os tempos atuais ou sucumbirá adorando seu passado glorioso. Até a Revolução Industrial, as mudanças sociais levavam décadas ou séculos. Hoje, na vertiginosa aceleração das mudanças tecnológicas e sociais que ocorrem desde o século XX, o sintoma e o mal-estar na cultura não são compreensíveis apenas com os critérios anteriores, aqueles vigentes na moral vitoriana. Os fundamentos podem ser os mesmos, mas a fisionomia de suas expressões muda a cada época.
Correndo o risco de uma esquematização simplista e apenas com a finalidade de promover controvérsias e explicitar nossas diferenças mais lucidamente, reconheço em nossa comunidade acadêmica dois perfis ou posições antinômicas.
Um setor conservador dos critérios vigentes na modernidade sólida, preso aos enquadres fundamentais, de 4-5 sessões semanais, que condena outras práticas como inferiores, geralmente com tom altivo e soberbo. O tema da frequência semanal é um vértice visível do escândalo.
Afirmam os participantes desse setor que apenas a alta frequência pode promover a regressão necessária para que o ouro puro da experiência freudiana irrompa. Regressão necessária para que as emoções primitivas do tempo de infans se expressem, ao vivo e em cores, no aqui, agora e comigo da transferência.
Nessa concepção, o objetivo do processo terapêutico é exclusivamente o mundo e os objetos internos, desvendando-se aí as lógicas da causalidade fantasmática. Nessa postura, a irrupção do mundo social consciente é perturbadora.
O crescimento experiencial da cidade, o aumento da anomia, a multiplicação de laços sociais múltiplos, porém, efêmeros e superficiais, e o declínio do sujeito questionador e autoteorizante da modernidade sólida, que produzia o romance familiar do neurótico, tornaram-se o motivo da consulta - tanto quanto ou mais que a queixa neurótica, substituída pela patologia do ato.
As estratégias desse encontro são diferentes do que ocorria - e continua ocorrendo - com o neurótico tradicional.
Os candidatos queixam-se da discordância entre sua prática clínica e as exigências da formação.
Novatos ou veteranos, analistas de hoje e de amanhã, devemos reaprender o ofício. E, ao afirmar o que precede, não me sinto traidor, mas herdeiro fiel da herança freudiana.
Houve um tempo - já perdido - em que a epistemologia exigia da prática clínica a rigorosa definição territorial de um método e um objeto para adquirir o status da prática científica. Hoje, em contraste, habitamos paradigmas complexos e multicausais.
Paradigmas complexos ampliam zonas de incerteza e do real incognoscível. A ciência positiva destinava-se exclusivamente a revelar a verdade de seus objetos de estudo, mas, no caso do inconsciente e da mente humana, o "umbigo" (o incognoscível) é saudável e necessário. A vida tem mais riqueza e é mais ampla que a razão discursiva.
Sofri o desdém dos defensores do ouro puro e o anátema de herege, mas considero que hoje, para explorar os interstícios da outra cena, a cena do inconsciente, requer-se um domínio mais claro da cena do pensamento consciente. Esta última é a do sujeito factual, estranho a si mesmo, vulnerável em grau variável, não apenas aos impulsos da pulsão e das identificações arcaicas, mas também à sugestionabilidade derivada da moda e das crenças, do imaginário coletivo que gera e sustenta cada cultura, na modernidade líquida (Castoriadis, 2013).
Telegraficamente e convocando o debate e a controvérsia clínica, nos estágios iniciais do encontro terapêutico com esses pacientes que chamamos de fronteiriços (borderline) ou personalidades difusas, precisamos aprender um idioma em comum para o diálogo. A relação entre a ordem material e a ordem discursiva, entre ato e palavra emocional, é, nessas estruturas mentais, diferente da que é apontada no discurso apresentando o romance familiar do neurótico.
O trabalho que nos é solicitado pela patologia do ato (anorexia, bulimia, adições, escarificações e outros transtornos) requer um aprendizado lento e longo da simbolização para levar a cabo o trânsito entre o ato e a palavra vivenciada.
Tentei compactar em um tempo reduzido o que me parece substancial nos obstáculos à psicanálise no terceiro milênio. Com respeito, mas sem nostalgia dos princípios fundadores e com acesso à multicausalidade.
Reduzir essa complexidade à frequência semanal de sessões me parece equivocado, para não usar adjetivos mais violentos. Todos tememos a trivialização da experiência freudiana (agora e no passado), mas o vigor da teoria e dos dispositivos que se utilizem são fatores diferentes da inteligência ou estupidez com que os utilizem os operadores.
Não há "oversight" ou qualquer dispositivo de vigilância que seja um antídoto para a mediocridade nem garantia de excelência. Eu acredito, sim, que trocas respeitosas e a discussão apaixonada podem dar aos participantes um melhor insight de seus erros, seja se os chamamos de pontos cegos, de baluartes ou de estupidez.
Referências
Castoriadis, C. (2013). La institución imaginaria de la sociedad. Tusquets. [ Links ]
Mannoni, O. (1973). La otra escena: clave de lo imaginario. Amorrortu. [ Links ]
Vernant, J. -P. (1988). Mythe et pensée chez les grecs. Études de psychologie historique. La Découverte. [ Links ]
Recebido em: 14/6/2020
Aceito em: 15/6/2020
1 Texto enviado pelo autor à diretoria da Associação dos Membros Filiados para discussão no Simpósio comemorativo dos 50 anos dessa associação, que ocorreu via webinar, em 1/8/2020, e teve como tema "O futuro da psicanálise".