Servicios Personalizados
Revista
Articulo
Indicadores
Compartir
Revista Psicopedagogia
versión impresa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.33 no.102 São Paulo 2016
ARTIGO ORIGINAL
Alterações de processos fonológicos e índice de gravidade em uma amostra de fala e de escrita de escolares de ensino público e privado
Alteration of phonological processes and severity index in a sample of speech and writing in students of public and private education
Monique Herrera CardosoI; Ana Carla Leite RomeroII; Simone Aparecida CapelliniIII
IFonoaudióloga; Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (FFC/UNESP), Marília, SP; Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da FFC/UNESP, Marília, SP, Brasil. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES
IIFonoaudióloga; Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (FFC/UNESP), Marília, SP; Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP, Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIIFonoaudióloga; Livre-docente em Linguagem Escrita; Docente do Departamento de Fonoaudiologia e Programa de Pós-Graduação em Educação e em Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (FFC/UNESP), Marília, SP, Brasil
RESUMO
Este estudo teve como objetivo comparar a ocorrência de processos fonológicos alterados e o índice de gravidade do transtorno fonológico em uma amostra da fala e da escrita entre escolares do 1º ao 5º ano dos ensinos público e particular. Participaram 300 escolares, sendo 150 de escola pública e 150 de particular, distribuídos entre 1º e 5º ano escolar, ambos os gêneros, faixa etária de 6 anos a 10 anos e 11 meses de idade. Foram aplicadas as provas de fonologia do Teste de Linguagem Infantil - ABFW, uma prova de redação temática e calculado o índice de gravidade nas duas provas. Os resultados demonstraram melhor desempenho dos escolares de ensino particular nas provas fonológicas e na escrita temática. Ao analisar o índice de gravidade, notou-se que a gravidade do transtorno fonológico foi classificada como leve em ambos sistemas de ensino. Ao se aplicar o índice de gravidade na amostra de escrita, observou-se predominantemente a classificação leve, porém nos escolares do 1º e 2º ano, tanto da escola pública quanto da particular, foi possível identificar classificação levemente moderada, moderadamente grave e grave. Os achados deste estudo contribuíram para o estabelecimento de um perfil da relação oralidade-escrita de escolares em período de alfabetização.
Unitermos: Aprendizagem. Escolaridade. Escrita manual. Transtornos da articulação. Testes de articulação da fala.
ABSTRACT
This study aimed to compare the occurrence of phonological processes altered and the phonological disorders severity index in a sample of speech and writing among students from 1st to 5th year of public and private education. 300 students participated, 150 students of public education and 150 students of private education, distributed between 1st and 5th grade level, both genders, aged between 6 years to 10 years and 11 months old. Were applied the phonology proof of Child Language Test - ABFW, proof of thematic writing and calculate the severity index in both proof. The results showed a better performance of private educational school in phonological tests and thematic writing. When analyzing the severity index was noted that the severity of phonological disorder was classified as weak in both school systems. In applying the severity index in the writing sample was observed predominantly weak classification, but the students of 1st and 2nd year of both the public school and in particular, were identified slightly moderate, moderately severe and severe classification. The findings contributed to the establishment of a profile of students from oral-written relationship in literacy period.
Key words: Learning. Educational status. Handwriting. Articulation disorders. Speech articulation tests.
INTRODUÇÃO
A capacidade da leitura e escrita envolve processos distintos, como a informação visual, fonológica e ortográfica da palavra. Para que a criança adquira leitura e escrita ela necessita passar por todos esses processos, especialmente entender que as letras representam os fonemas, isto é, que as letras correspondem a segmentos sonoros menores, compreendendo, assim, o princípio alfabético da correspondência grafofonêmica e fonografêmica1. Essa noção é fundamental para essas aquisições em uma língua cujo sistema de escrita é alfabético2,3.
Uma vez que o alfabeto é fonográfico, ou seja, é a representação gráfica do fonema, um dos aspectos fundamentais para a criança adquirir antes de iniciar a alfabetização formal e sistemática é o sistema fonológico devido suas estreitas relações com a escrita e a leitura4,5.
De acordo com a literatura6, durante o processo de aquisição e desenvolvimento do sistema fonológico é esperado que a criança apresente alguns processos fonológicos, tais como simplificação de encontro consonantal (prato/pato), ensurdecimento de plosivas (bolo/pólo), ensurdecimento de fricativas (faca/vaca), frontalização de palatal (chave/save), simplificação de consoante final (pasta/pata), entre outros. Entretanto, é por volta dos cinco anos de idade que a criança faz uso adequado do seu sistema fonológico para se comunicar com os adultos e esta, linguisticamente, pronta para fazer iniciar o aprendizado formal da linguagem escrita7. Profissionais da área da educação devem se atentar aos escolares que apresentam dificuldades quanto à aquisição dos sons da fala, pois quando não superada dentro do caráter evolutivo, denominamos de transtorno fonológico8.
O transtorno fonológico constitui uma alteração de fala caracterizada pela produção inadequada dos sons e pelo uso inadequado das regras fonológicas da língua com relação à distribuição do som e ao tipo de sílaba, resultando em colapso de contrastes fonêmicos, afetando o significado da mensagem9. Esses erros podem também afetar a habilidade da criança em manter as informações fonológicas na memória de trabalho quando necessita realizar tarefas de consciência fonológica10.
O transtorno fonológico é uma das alterações na comunicação mais comuns durante a infância, apresentando uma prevalência estimada entre 10% e 15% de pré-escolar e cerca de 4% das crianças de 6 anos de idade11,12. Vale ressaltar, portanto, que é entre a idade de seis a sete anos que os pais e professores devem ficar atentos, alterações de fala podem ser um sinal precoce de dificuldade de leitura e escrita no futuro13. A identificação precoce e o encaminhamento para a intervenção fonoaudiológica podem contribuir para a prevenção de riscos adversos às habilidades acadêmicas, linguísticas, de formação profissional e socioemocionais de crianças e adolescentes14,15.
Segundo a literatura16, há um índice para determinar o grau de gravidade do transtorno fonológico, a Porcentagem de Consoantes Corretas (PCC). Esse índice verifica o número de consoantes corretas produzidas em uma amostra de fala, de acordo com o total de consoantes contidas na amostra. Nessa análise, são consideradas como consoantes incorretas as omissões, as substituições e as distorções comuns e não comuns.
Entretanto, com o objetivo de melhorar o diagnóstico diferencial dos subtipos do transtorno fonológico, autores17 propuseram duas variantes do PCC: o PCC-Ajustado (PCC-A) que não analisa distorções comuns como erros e; o PCC-Revisado (PCC-R), que não pontua qualquer tipo de distorção.
No Brasil, estudos realizados com o português brasileiro foram feitos com essas medidas de gravidade, auxiliando tanto no processo de avaliação como na intervenção de crianças com transtorno fonológico10,18-21. Entretanto, com o intuito de se fazer uma comparação direta entre amostras de fala e de escrita, este estudo pretende fazer uso da medida de gravidade PCC-R, tanto para verificar a gravidade de alterações fonológicas na fala, mas também em uma prova de escrita. Acredita-se que os profissionais da área da educação e da saúde devem se atentar ao fato de que a habilidade de refletir sobre os sons da fala é importante para o processo de alfabetização e que, consequentemente, deve fazer parte do processo de ensino da língua escrita3.
Portanto, com base no que foi exposto anteriormente, este estudo tem por objetivos comparar a ocorrência de processos fonológicos alterados e o índice de gravidade do transtorno fonológico em uma amostra da fala e da escrita, entre escolares do 1º ao 5º ano dos ensinos público e particular.
MÉTODO
Este trabalho foi realizado após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista - CEP/FFC/UNESP/Marília-SP, sob o protocolo número 0098/2010.
Participaram deste estudo 300 escolares, sendo 150 escolares de escola pública municipal e 150 escolares de escola particular do município de Marília-SP, distribuídos entre o 1º e o 5º ano escolar, de ambos os gêneros, na faixa etária de 6 anos e 11 meses a 10 anos e 11 meses de idade. Os escolares foram distribuídos segundo o ano escolar, sendo 60 de cada ano (30 do ensino público municipal e 30 do ensino particular), denominados GIa, GIIa, GIIIa, GIVa, GVa os escolares matriculados em escola pública municipal, e GIb, GIIb, GIIIb, GIVb e GVb os escolares matriculados no ensino particular.
Como critério de inclusão os escolares selecionados não apresentavam anotações em prontuário escolar ou relato dos professores referentes à presença de nível auditivo acima dos padrões de normalidade, atraso cognitivo ou alguma deficiência física ou motora.
Como procedimentos deste estudo, primeiramente foram aplicadas as provas de fonologia do Teste de Linguagem Infantil ABFW22. A prova de imitação é composta por 39 vocábulos, enquanto a prova de nomeação é composta por 34 figuras. Durante a aplicação desse procedimento, as provas foram filmadas, utilizando a filmadora SONY DCR-SR 47, visando ao favorecimento da observação da produção articulatória do escolar para realização da transcrição fonética.
Após a aplicação das provas de fonologia, elas foram transcritas foneticamente nas folhas de registro propostas no procedimento e os processos fonológicos apresentados pelos escolares foram classificados pelas avaliadoras. Foi realizado inventário fonético para analisar e quantificar todas as substituições, omissões e distorções realizadas por cada sujeito. Os processos fonológicos foram classificados e quantificados de acordo com a produtividade de cada processo, além de verificar se estão ou não adequados para a idade dos escolares.
Somente após a avaliação, a transcrição e a análise dos processos fonológicos foram calculados os valores do PCC-R17. Foi escolhido o índice PCC-R para determinar a gravidade do transtorno fonológico, utilizado tanto na fala como na escrita, sendo que esta não apresenta distorções, apenas erros considerados omissões e substituições. O cálculo do PCC-R foi realizado pela divisão das consoantes corretas emitidas pelo total de consoantes da prova, multiplicado por 100%. Dessa forma, o transtorno fonológico é considerado leve, se o PCC-R apresentar resultado de 85% a 100%; levemente moderado de 65% a 85%; moderadamente grave de 50% a 65%; e grave se for inferior a 50%.
Para a elaboração da escrita, foi utilizada a prova denominada "Escrita temática induzida por figuras", pertencente ao instrumento Pró-Ortografia: Protocolo de Avaliação da Ortografia23. A análise da redação temática foi baseada nos critérios de análise de produção da escrita24, que inclui a análise e a interpretação dos aspectos formais e convencionais da escrita (sendo eles, uso diferenciado de letra de forma/cursiva, traçado da cursiva sem alteração, disgrafia funcional, uso de letra maiúscula e minúscula, uso de pontuação, hiposegmentação, hipersegmentação e ortografia correta), e os aspectos referentes à elaboração do texto (sendo eles, transposição da linguagem oral para a escrita, tema, descritivo, narrativo, coerência e coesão textual).
Após a análise dos critérios, foi calculado o valor do índice de gravidade, o PCC-R, para verificação dos índices de erros dos tipos substituições e omissões na escrita. O cálculo foi realizado por meio da divisão das consoantes corretas escritas, pelo total de consoantes que deveriam estar escritas corretamente, no texto elaborado pelo escolar, multiplicado por 100%. Para a determinação da gravidade do transtorno fonológico na escrita, foram mantidos os mesmos valores utilizados na oralidade.
Os resultados foram analisados utilizando o Teste de Qui-quadrado para Proporções e também o Teste da Razão de Verossimilhança. Para a análise estatística, foi adotado o nível de significância de 5% (0,050). Foi utilizado o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 17.0, para a obtenção dos resultados.
RESULTADOS
Durante a prova de imitação, pode-se observar que, com exceção da comparação entre os escolares do 4º ano (GIVa x GIVb), nas comparações onde ocorreram diferença estatisticamente significante, os escolares de escola pública apresentaram média de ocorrência de processos fonológicos superior aos escolares provenientes da escola particular.
Ao analisar a Tabela 1 de acordo com a seriação escolar, nota-se que os escolares do 1º ano da escola pública diferenciaram dos da escola particular nos processos fonológicos Simplificação de Encontro Consonantal (prato/pato), Ensurdecimento de Plosivas (bolo/polo) e Ensurdecimento de Fricativas (faca/vaca).
Os escolares do 2º ano da escola pública diferenciam dos alunos da escola particular nos processos fonológicos Frontalização de palatal (chave/save), Simplificação de Encontro Consonantal (prato/pato), Simplificação de Consoante Final (pasta/pata) e Ensurdecimento de Fricativas (faca/vaca).
No 3º ano da escola pública, os escolares se diferenciam dos da escola particular nos processos fonológicos Frontalização de Velares (caro/taro) e Simplificação de Encontro Consonantal (prato/pato).
Já no 5o ano, os escolares da escola pública apresentaram somente média de ocorrência do processo fonológico Simplificação de Encontro Consonantal (prato/pato) superior aos escolares provenientes da escola particular.
Nos demais processos fonológicos não houve diferença estatisticamente significante, evidenciando desempenho semelhante entre os escolares.
Durante a prova de nomeação nota-se, assim como na prova de imitação, que nas comparações onde ocorreram diferença estatisticamente significante, os escolares de escola pública apresentaram média de ocorrência de processos fonológicos superior aos escolares provenientes da escola particular, exceto na comparação entre os escolares do 4º ano (GIVa x GIVb), que o desempenho entre eles foi semelhante.
Ao analisar a Tabela 2 de acordo com a seriação escolar, observa-se que os escolares do 1o ano da escola pública diferenciaram dos da escola particular nos processos fonológicos Simplificação de Encontro Consonantal (prato/pato), Ensurdecimento de Plosivas (bolo/polo) e Ensurdecimento de Fricativas (faca/vaca).
Os escolares do 2º ano da escola pública se diferenciam nos processos fonológicos Frontalização de palatal (chave/save), Simplificação de Encontro Consonantal (prato/pato) e Ensurdecimento de Fricativas (faca/vaca).
No 3º ano da escola pública, os escolares se diferenciam dos da escola particular nos processos fonológicos Plosivação de Fricativas (sapo/tapu) e Simplificação de Encontro Consonantal (prato/pato).
Já no 5o ano, os escolares da escola pública apresentaram média de ocorrência dos processos fonológicos Plosivação de Fricativas (sapo/tapu) e Simplificação de Encontro Consonantal (prato/pato) superiores aos escolares provenientes da escola particular.
Nos demais processos fonológicos não houve diferença estatisticamente significante, evidenciando desempenho semelhante entre os escolares.
Durante a prova de escrita temática, nota-se que, em praticamente todas as comparações, ocorreu diferença estatisticamente significante, indicando que os escolares oriundos de escola pública apresentaram desempenho inferior nos aspectos formais e convencionais e nos aspectos referentes à elaboração do texto quando comparados aos escolares provenientes da escola particular (Tabela 3); exceto o aspecto formal e convencional da ortografia correta (AFC8) que não apresentou diferença estatisticamente em todas as comparações entre os grupos, o que indica desempenho semelhante entre os escolares provenientes da escola pública e particular.
Ao analisar o PCC-R nas provas de Imitação e de Nomeação, nota-se que em todos os grupos, tanto de escola pública como de escola particular, não há diferença entre os desempenhos dos escolares pois, para todos, a gravidade do transtorno fonológico foi classificada como leve (Tabela 4).
Entretanto, ao se aplicar o PCC-R na amostra de escrita, observa-se que o desempenho dos escolares difere, visto que embora a gravidade classificada como leve ainda foi a predominante, nos escolares do 1o e 2o ano, tanto da escola pública quanto da particular, foi possível identificar classificação levemente moderada, moderadamente grave e grave (Tabela 4).
Ao comparar o PCC-R dos grupos das escolas pública e particular nas provas de Nomeação, Imitação e Escrita, notou-se que houve diferença estatisticamente significante apenas no PCC-R da escrita entre os escolares do GIIa e GIIb, indicando desempenho inferior dos escolares do 2o ano do ensino público. Já nas demais comparações os grupos apresentaram desempenho semelhante (Tabela 5).
DISCUSSÃO
Este estudo permitiu verificar que, quando comparados os escolares de escola pública e escola particular, observa-se melhor desempenho dos escolares de ensino particular nas provas fonológicas e na escrita temática.
O desempenho inferior nas provas de fonologia apresentado pelos escolares de ensino público, quando comparados aos escolares de ensino particular, pode ser justificado pela interferência da situação socioeconômica, visto que ela desempenha um papel significativo no uso dos diferentes códigos linguísticos25-27. Outro fator seria que os escolares de ensino público apresentam contato restrito com práticas discursivas de leitura e escrita, que compromete a apropriação da ortografia natural - mecanismo de conversão fonema-grafema unívoca28-32.
Tanto na prova de nomeação quanto na prova de imitação, os escolares provenientes da escola pública apresentaram maior ocorrência do processo fonológico Simplificação de Encontro Consonantal, quando comparados aos escolares de escola particular. Esse achado corrobora artigo da literatura33, que investigou os processos fonológicos detectados em 80 crianças de sete a oito anos de idade, de escolas públicas e privadas, e observou que há mais chances de crianças de escola pública apresentarem os processos de simplificação do encontro consonantal e da consoante final do que as de escola privada. Diante desses achados, cabe aqui salientar que o tipo de escola frequentada pelo escolar é significativo na explicação da probabilidade da presença dos processos fonológicos.
Já na prova de escrita, observou-se que os escolares provenientes do ensino público apresentaram desempenho inferior aos escolares do ensino particular. Esse achado pode ser justificado pelo fato de que os escolares de ensino público deste estudo apresentaram mais processos fonológicos alterados, isto é, as crianças com transtorno fonológico podem apresentar dificuldades em consciência fonológica, memória fonológica, decodificação, ortografia e outras habilidades cognitivas, em comparação a seus pares com fala típica34. Portanto, o transtorno fonológico pode alterar a consciência sobre os segmentos sonoros da fala e a forma como a informação fonológica é utilizada, trazendo prejuízos para habilidades metafonológicas35 e, consequentemente, alterações no desenvolvimento da leitura e da escrita36.
Cabe salientar aqui, que o aspecto formal e convencional da ortografia correta (AFC8) foi o único aspecto da escrita que não apresentou diferença estatisticamente em todas as comparações entre os grupos, ou seja, indica desempenho semelhante entre os escolares provenientes da escola pública e particular. Esse achado sugere que há uma frágil fundamentação teórica e prática de seus educadores, pois, independente da rede de ensino, a escola não enfatiza o ensino da ortografia30-32,37-39.
Quanto ao PCC-R na fonologia, o desempenho dos escolares do ensino público e do particular foram semelhantes, sendo que a maioria dos escolares apresentou o transtorno fonológico de classificação leve. Entretanto, ao observar os escolares do 1º e 2º anos, oriundos tanto de escola pública quanto da escola particular, eles apresentaram a gravidade do transtorno fonológico classificada como leve, porém na escrita houve escolares que apresentaram a gravidade classificada como leve, mas também como levemente moderada, moderadamente grave e grave. Já os escolares do 3º, 4º e 5º anos apresentaram classificação leve tanto para fonologia quanto para escrita.
Esse resultado pode ser justificado se levar em consideração o desenvolvimento escolar, visto que, nos anos, o apoio na oralidade é frequente e, consequentemente, os déficits de produção de fala podem afetar negativamente a capacidade de uma criança em fazer progressos na sala de aula40,41. Com o avanço da seriação escolar, os escolares dominam progressivamente, de forma mais segura, o sistema ortográfico28,30-32 e passam, portanto, a se apoiar menos na oralidade.
O presente estudo evidenciou a diferença entre escolas pública e particular ao nível da oralidade e da escrita, pois foi possível verificar melhor desempenho tanto nas provas de fonologia quanto de escrita dos escolares de ensino particular quando comparados aos de ensino público, o que demonstra que a análise da palavra articulada em suas partes constituintes (sílabas e sons) fica prejudicada em decorrência da presença de desvios na representação fonética na memória de curto prazo, influenciando negativamente nos aspectos de produção da fala e a produção oral do texto lido41-44.
CONCLUSÃO
Pode-se concluir neste estudo que, ao comparar a ocorrência de processos fonológicos alterados em uma amostra de fala e escrita de escolares do 1o ao 5o ano dos ensinos público e particular, os escolares de ensino público apresentaram maior ocorrência de processos fonológicos alterados em todas as provas de fonologia, com destaque ao processo fonológico Simplificação de encontro consonantal, que foi evidenciado em quase todas as comparações.
O mesmo acontece ao comparar a escrita desses escolares, pois os alunos de escola pública apresentaram desempenho inferior nos aspectos formais e convencionais e nos aspectos referentes à elaboração do texto. Ressalta-se aqui que o aspecto relacionado com a ortografia foi o único em que não foi evidenciada diferença entre as redes de ensino.
Ao analisar o índice de gravidade PCC-R nas provas de Imitação e de Nomeação, nota-se que tanto na escola pública quanto na particular, a gravidade do transtorno fonológico foi classificada como leve. Entretanto, ao se aplicar o PCC-R na amostra de escrita, observa-se que, embora a gravidade classificada como leve ainda foi a predominante, nos escolares do 1º e 2º ano, tanto da escola pública quanto da particular, foi possível identificar classificação levemente moderada, moderadamente grave e grave.
Os achados deste estudo podem, além de contribuir para o estabelecimento de um perfil da relação oralidade-escrita no que se refere à ocorrência de processos fonológicos alterados em uma amostra de fala e de escrita de escolares em período de alfabetização, subsidiar futuras discussões sobre a ocorrência desses processos fonológicos alterados na fala e na escrita de escolares com dificuldades de aprendizagem e transtornos de aprendizagem.
AGRADECIMENTOS
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela concessão de bolsa de iniciação científica para a segunda autora, sob a orientação da terceira autora.
REFERÊNCIAS
1. Navas ALGP, Santos MTMS. Terapia da linguagem escrita. In: Santos MTM, Navas ALGP, Santos MTMS, orgs. Distúrbios de leitura e escrita: teoria e prática. Barueri: Manole; 2004. p.191-223. [ Links ]
2. Barrera SD, Maluf MR. Consciência metalinguística e alfabetização: um estudo com crianças da primeira série do ensino fundamental. Psicol Refl Crít. 2003;16(3):491-502. [ Links ]
3. Gindri G, Keske-Soares M, Mota HB. Memória de trabalho, consciência fonológica e hipótese de escrita. Pró-Fono. 2007;19(3): 313-22. [ Links ]
4. Camargo Z, Navas AL. Fonética e fonologia aplicadas à aprendizagem. In: Zorzi JL, Capellini SA, orgs. Dislexia e outros distúrbios da leitura-escrita: letras desafiando a aprendizagem. São José dos Campos: Pulso; 2008. p.127-57. [ Links ]
5. Capellini SA, Ávila CRB. Relation between oral and written language. In: Capellini SA, org. Neuropsycholinguistic perspectives on dislexia and other learning disabilities. New York: Nova Science Publishers; 2007. p.5-21. [ Links ]
6. Wertzner HF. Estudo da aquisição do sistema fonológico: o uso de processos fonológicos em crianças de três a sete anos. Pró-Fono Rev Atual Cient. 1995;7:21-6. [ Links ]
7. Prates LPCS, Martins VO. Distúrbios da fala e da linguagem na infância. Rev Med Minas Gerais. 2011;21(4 Supl 1):S54-S60. [ Links ]
8. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2014. [ Links ]
9. Peterson RL, Pennington BF, Shriberg LD, Boada R. What influences literacy outcome in children with speech sound disorder? J Speech Lang Hear Res. 2009;52(5):1175-88. [ Links ]
10. Goulart BNG, Chiari BM. Distúrbios de fala e dificuldades de aprendizagem no ensino fundamental. Rev CEFAC. 2014;16(3):810-6. [ Links ]
11. Dodd B. Differential diagnosis of pediatric speech sound disorder. Curr Dev Disord Rep. 2014;1(3):189-96. [ Links ]
12. Tresoldi M, Ambrogi F, Favero E, Colombo A, Barillari MR, Velardi P, et al. Reliability, validity and normative data of a quick repetition test for Italian children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2015;79:888-94. [ Links ]
13. Foy JG, Mann VA. Speech production deficits in early readers: predictors of risk. Read Writ. 2012;25(4):799-830. [ Links ]
14. Lewis BA, Avrich AA, Freebairn LA, Hansen AJ, Sucheston LE, Kuo I, et al. Literacy outcomes of children with early childhood speech sound disorders: impact of endophenotypes. J Speech Lang Hear Res. 2011;54:1628-43. [ Links ]
15. Overby MS, Trainin G, Smit AB, Bernthal JE, Nelson R. Preliteracy speech sound production skill and later literacy outcomes: a study using the Templin Archive. Lang Speech Hear Serv Sch. 2012;43:97-115. [ Links ]
16. Shriberg LD, Kwiatkowski J. Phonological disorders. I: a diagnostic classification system. J Speech Hear Disord. 1982;47:226-41. [ Links ]
17. Shriberg LD, Kwiatkowski J. Development phonological disorders. I: a clinical profile. J Speech Hear Res. 1994;37(5):1100-26. [ Links ]
18. Rossi-Barbosa LAR, Caldeira AP, Honorato-Marques R, Silva RF. Prevalência de transtornos fonológicos em crianças do primeiro ano do ensino fundamental. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(3):330-6. [ Links ]
19. Wertzner HF, Lopes CG, Galea DES, Patah LK, Castro MM. Medidas fonológicas em crianças com transtorno fonológico. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(2):189-95. [ Links ]
20. Gubiani MB, Carli CM, Keske-Soares M. Desvio fonológico e alterações práxicas orofaciais e do sistema estomatognático. Rev CEFAC. 2015;17(1):134-42. [ Links ]
21. Ceron MI, Bonini JB, Keske-Soares M. Progresso terapêutico de sujeitos submetidos a terapia fonológica pelo modelo de oposições múltiplas: comparação do progresso terapêutico. Rev CEFAC. 2015;17(3):965-73. [ Links ]
22. Wertzner HF. Fonologia. In: Andrade CRF, org. ABFW: Teste de linguagem infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. Carapicuíba: Pró-Fono; 2000. p.5-40. [ Links ]
23. Batista AO, Cervera-Mérida JF, Ygual-Fernández A, Capellini SA. Pró-Ortografia: protocolo de avaliação da ortografia para escolares do segundo ao quinto ano do ensino fundamental. Barueri: Pró-Fono; 2014. [ Links ]
24. Abaurre MBM. Linguística e psicopedagogia. In: Scoz RM, org. Psicopedagogia, o caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional. Porto Alegre: Artes Médicas; 1987. p.25-40. [ Links ]
25. Casarin MT. Estudo dos desvios de fala em pré-escolares de escolas públicas estaduais de Santa Maria - RS [Dissertação de mestrado]. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria; 2006. [ Links ]
26. Goulart BN, Ferreira J. Teste de rastreamento de alterações de fala para crianças. Pró-Fono R Atual Cient. 2009;21(3):231-6. [ Links ]
27. Mello DEW. A interferência da situação socioeconômica no processo do desenvolvimento fonológico em crianças de classes sociais e idade diferentes. Língua & Letras. 2002;1(1):75-96. [ Links ]
28. Capellini SA, Conrado TLBC. Desempenho de escolares com e sem dificuldades de aprendizagem de ensino particular em habilidade fonológica, nomeação rápida, leitura e escrita. Rev CEFAC. 2009;11(2):183-93. [ Links ]
29. Capellini SA, Butarelli APKJ, Germano GD. Dificuldades de aprendizagem da escrita em escolares de 1a a 4a séries do ensino público. Educ Quest. 2010;37:146-64. [ Links ]
30. Batista AO, Capellini SA. Desempenho ortográfico de escolares de 2o ao 5o ano do ensino privado do município de Londrina. Psicologia Argumento. 2011;29(67):411-25. [ Links ]
31. Capellini SA, Amaral AC, Oliveira AB, Sampaio MN, Fusco N, Cervera-Mérida JF, et al. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano do ensino público. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(3):227-36. [ Links ]
32. Capellini SA, Romero ACL, Oliveira AB, Sampaio MN, Fusco N, Cervera-Mérida JF, et al. Desempenho ortográfico de escolares do 2º ao 5º ano do ensino particular. Rev CEFAC. 2012;14(2):254-67. [ Links ]
33. Wertzner HF, Consorti T. Processos fonológicos detectados em crianças de sete a oito anos. Pró-Fono R Atual Cient. 2004;16(3):275-82. [ Links ]
34. Anthony JL, Aghara RG, Dunkelberger MJ, Anthony TL, Williams JM, Zhang Z. What factors place children with speech-sound disorder at risk for reading problems? Am J Speech Lang Pathol. 2011;20:146-60. [ Links ]
35. Marchetti PT, Mezzomo CL, Cielo CA. Desempenho em consciência silábica e fonêmica em crianças com desenvolvimento de fala normal e desviante. Rev CEFAC. 2010; 12(1):12-20. [ Links ]
36. Herrero SF. Desempenho de crianças com transtorno fonológico no teste de sensibilidade fonológica e de leitura e escrita [Tese de doutorado]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; 2007. [ Links ]
37. Ávila CRB, Kida ASB, Carvalho CAF, Paccoluci JF. Tipologia de erros de leitura de escolares brasileiros considerados bons leitores. Pró-Fono Rev Atual Cient. 2009;21(4):320-5. [ Links ]
38. Fusco N, Capellini SA. Comparação do nível de conhecimento das regras de correspondência grafofonêmicas entre escolares do 1º ao 5º ano do ensino fundamental. Rev Psicopedagogia. 2009;26(80):220-30. [ Links ]
39. Fusco N, Capellini SA. Conhecimento das regras de correspondência grafo-fonêmicas por escolares de 1a a 4a séries com e sem dificuldades de aprendizagem. Rev Psicopedagogia. 2010;27:36-46. [ Links ]
40. Farquharson K, Tambyraja SR, Justice LM, Redle EE. IEP goals for school-age children with speech sound disorders. J Commun Disord. 2014,52:184-95. [ Links ]
41. Welcome SE, Alton AC. Individual differences in the effect of orthographic/phonological conflict on rhyme and spelling decisions. PLoS One. 2015;10(3):e0119734. [ Links ]
42. Salgado CA, Capellini SA. Desempenho em leitura e escrita de escolares com transtorno fonológico. Psicol Esc Educ. 2004;8(2):179-88. [ Links ]
43. Barbosa T. Memória operacional fonológica, consciência fonológica e linguagem nas dificuldades de alfabetização [Dissertação de mestrado]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2005. [ Links ]
44. Protopapas A, Skaloumbakas C. Traditional and computer-based screening and diagnosis of reading disabilities in Greek. J Learn Disabil. 2007;40(1):15-36. [ Links ]
Endereço para correspondência:
Monique Herrera Cardoso
Av. Hygino Muzzy Filho, 737
Marília, SP, Brasil - CEP: 17525-900
E-mail: moniquehc@gmail.com
Artigo recebido: 3/2/2016
Aprovado: 1/4/2016
Trabalho realizado na Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (FFC/UNESP), Marília, SP, Brasil.
Fonte de auxílio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-FAPESP.