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Revista Psicopedagogia
versión impresa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.36 no.111 São Paulo sept./dic. 2019
ARTIGO DE REVISÃO
A atuação do psicopedagogo na escola: um estudo do tipo estado do conhecimento
The psychopedagogue activity in school: a study of the state of knowledge
Camila CampagnoloI; Fernanda Figueira MarquezanII
IProfessora da Rede Pública Estadual e Municipal de São Pedro do Sul/RS. Graduada em Pedagogia - Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); Especialista em Gestão Educacional/UFSM e Mestre em Políticas Públicas e Gestão Educacional/UFSM, Santa Maria, RS, Brasil
IIProfessora Adjunta do Curso de Pedagogia, e Mestrado em Ensino de Humanidades e Linguagens (MEHL), Universidade Franciscana (UFN), Santa Maria, RS, Brasil
RESUMO
O estudo teve como objetivo analisar as publicações recentes sobre o psicopedagogo escolar, no sentido de compreender de que forma o psicopedagogo tem se inserido na escola, como se dá a sua atuação no contexto escolar, como ele desenvolve seu trabalho, quais as relações que estabelece com os demais atores escolares (equipe gestora, professores, estudantes, pais/responsáveis). A metodologia apoiou-se na pesquisa bibliográfica do tipo Estado do Conhecimento, o levantamento dos dados se deu por meio de publicações em artigos da Revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPP) - versão on-line, com a utilização de três palavras-chave: 'psicopedagogia escolar'; 'atuação do psicopedagogo'; 'trabalho psicopedagógico'. Como resultado, foram selecionados sete artigos relacionados à escola e definidas três categorias de análise: o psicopedagogo, o aluno e o professor. As conclusões apontam que o psicopedagogo é um profissional necessário e muito importante em diferentes abrangências dentro da escola, que precisa ter conhecimentos específicos de diferentes áreas profissionais, como os transtornos mentais e psicológicos de comportamento e as questões sociais que interferem na aprendizagem e, principalmente, compreender o funcionamento como um todo do ambiente e das especificidades do ambiente escolar.
Unitermos: Professor. Aluno. Escola. Psicopedagogo. Estado do Conhecimento.
SUMMARY
The study had as objective to analyze the recent publications on the school psychopedagogue, in order to understand how the psychopedagogue has been inserted in the school, how does his work in the school context, how he develops his work, what relationships he establishes with the rest school actors (management team, teachers, students, parents/guardians). The methodology was supported in the bibliographic research of the State of the Knowledge, the data were collected through publications from article in on-line Journal of the Brazilian Association of Psychopedagogy (Revista Psicopedagogia) - with the use of three keywords: school psychopedagogy, psychopedagogical performance and psychopedagogical work. Seven articles related to the school were selected and so defined three discussion topics: the psychopedagogue, the student and the teacher. The conclusions show that the psychopedagogue is a necessary and important professional in different areas within the school and that it must have specific knowledge at different professional areas such as mental and psychological disorders of behavior, social issues that interfere in learning and understand the functioning of the environment and the specifics of the school environment as a whole.
Keywords: Teacher. Student. School. Psychopedagogue. State of Knowledge.
INTRODUÇÃO
A atuação docente em um ambiente educacional requer do profissional discernimento de que é um desafio permanente, pois precisa estar atento a múltiplas questões, possibilidades, interesses, e tem-se observado cada vez mais desafios, como: dificuldades de aprendizagem, novas configurações familiares, falta de investimento financeiro para manutenção das escolas, sobrecarga de trabalho dos professores. Diante de tal contexto, no que diz respeito à atuação profissional, os professores precisam dar conta da aprendizagem científica, sem desconsiderar as questões sociais, culturais e políticas, que podem interferir no desenvolvimento intelectual e social da criança. Assim, é necessário que os professores estejam em constante formação, para que seja possível ter melhores condições de trabalho no ambiente escolar. Dentro dessa perspectiva, a Psicopedagogia surge como uma possibilidade abrangente e qualificada para auxiliar na difícil e instigante tarefa de educar.
Para definição do termo, a Psicopedagogia é uma profissão que tende a ser bastante abrangente, pois é capaz de atuar em espaços escolares e não escolares - como clínicas, hospitais, assim como com diferentes personagens humanos. Sabe-se que ela surge da necessidade de se desenvolver estudos dentro do campo da aprendizagem. Isso porque estamos vivenciando, nas últimas décadas, a universalização da educação básica, e é nesse ambiente que se percebe com mais facilidade quando as crianças apresentam algum tipo de dificuldade no aprender algo novo.
Paín1 apresenta estudos pertinentes sobre a aprendizagem, e a define em diferentes dimensões: a biológica, a cognitiva e a social. Isso implica, segundo a autora, na compreensão de que existem várias possibilidades de caminhos que justifiquem dificuldades em aprender, e, desse modo, é preciso estudar, reconhecer, identificar de forma sensível todas as dimensões para ajudar a criança em suas questões individuais.
Assim, como o termo já induz, a Psicopedagogia surge de diferentes conhecimentos em diversas áreas de atuação, como a pedagogia, a psicologia, a filosofia, a área médica e a linguística. É a partir desses vários campos de conhecimento que se define a profissão, conforme o que Azevedo2 afirma:
A Psicopedagogia em seu desejo de conhecer mais sobre o outro, para poder ajudá-lo a vencer suas dificuldades, superar seus problemas de aprendizagem e compreender os elementos que interferem nesse processo, em busca da autoria de pensamento, tem como o seu maior desafio: aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a ser (p. 72).
É possível, então, afirmar que a Psicopedagogia abrange questões amplas, mas que possui um norte bem definido. Esse direcionamento, quanto ao tema norteador, não significa dizer que as áreas de atuação são restritas, principalmente devido às diferentes ambientações em que se precisa desenvolver a aprendizagem humana. Dentro das suas duas principais áreas de atuação, estão a clínica e a institucional.
Sobre a Psicopedagogia clínica, conforme leitura de Bossa3, compreende-se esta como uma linha de trabalho que tem como área de atuação clínicas ou hospitais. O trabalho clínico tem como principal objetivo, segundo a autora, transformar os limites em possibilidades, a partir do trabalho individual. Assim, é possível, a partir de atividades singulares e diagnósticos que atuam diretamente na dificuldade específica de uma pessoa, com o intuito de definir estratégias e mecanismos de intervenção, auxiliar na sua aprendizagem.
Já a área da Psicopedagogia institucional atua diretamente dentro do ambiente escolar, e, conforme descrito por Haas & Carvalho4, o trabalho do psicopedagogo institucional é o de mediador na relação aluno-professor. Portanto, o que acontece na escola será observado e avaliado por ele, não com a intenção de criticar e apontar erros, mas com o intuito de realizar um levantamento das metodologias e das práticas pedagógicas, visando prevenir eventuais problemas, transtornos ou dificuldades de aprendizagem.
É possível observar que, na realidade escolar hoje, perante inúmeras questões diferentes, há um crescente número dessas dificuldades e problemas relacionados à aprendizagem na escola. Diante disso, o psicopedagogo escolar surge como uma possibilidade de desenvolver, dentro de um espaço multidisciplinar, plural e fundamentalmente organizado, diferentes possibilidades de apresentar caminhos para auxiliar o professor no ambiente de sua sala de aula.
Sendo assim, o trabalho psicopedagógico é uma possibilidade necessária no contexto da escola e, por ser uma profissão relativamente nova, pode haver confusão e dificuldade em delimitar onde e até que ponto o profissional pode atuar nesse espaço, assim como tentar descobrir qual tem sido a prática desenvolvida por esse profissional.
Isso porque comumente são feitos relatos de que o campo de atuação profissional do psicopedagogo nem sempre é bem delimitado e definido por este profissional e/ou pelos demais profissionais da educação (professores, gestores, coordenadores pedagógicos, supervisores escolares). Da mesma forma, o que pode ser observado também é a falta de uma legislação norteadora que regulamente o trabalho do psicopedagogo institucional, principalmente por ser esta uma profissão nova no ambiente escolar.
Assim, diante desse contexto, este estudo objetivou analisar as publicações recentes sobre o psicopedagogo escolar, no sentido de compreender de que forma o psicopedagogo tem se inserido na escola, como se dá a sua a atuação no contexto escolar, como ele desenvolve seu trabalho, quais as relações que estabelece com os demais atores escolares (equipe gestora, professores, estudantes, pais/responsáveis). Como forma de ação, optou-se pela pesquisa bibliográfica do tipo Estado do Conhecimento, o levantamento dos dados se deu por meio de publicações em artigos da Revista Psicopedagogia, publicação da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPP) - versão on-line (http://www.revistapsicopedagogia.com.br).
MÉTODO
O desenvolvimento da pesquisa ocorreu a partir de um embasamento metodológico que tem como objetivo analisar as produções científicas sob a ótica de que maneira ocorre a atuação do psicopedagogo na escola, procurando entender quais as relações que se estabelecem entre esse profissional e os demais integrantes do ambiente escolar.
Para tanto, optou-se pela pesquisa bibliográfica do tipo Estado Conhecimento, em que se refere à compreensão da necessidade de se organizar, dentro de um período de tempo, informações e conhecimentos já produzidos sobre um determinado objeto de estudo. O Estado do Conhecimento, conforme Morosini & Fernandes5, identifica, registra e categoriza produções científicas com o intuito de se desenvolver reflexões e sínteses de uma determinada área de estudo, a partir de um tema específico.
Como o objetivo desta pesquisa foi analisar as publicações recentes sobre o psicopedagogo escolar, procurou-se escritas que pudessem descrever quais atividades, ações, projetos que são realizados por esse profissional. Para isso, decidiu-se realizar a pesquisa na principal rede oficial de relacionamento de psicopedagogos no Brasil, a Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPP). Lá, foi encontrada a versão on-line da Revista Psicopedagogia (http://revistapsicopedagogia.com.br/). A decisão por utilizar essa fonte de pesquisa foi pelo fato de se ter acesso irrestrito, além de ser totalmente confiável e o centro das publicações da área.
A partir de então, fez-se uma primeira análise geral da revista, com o intuito de reconhecer como se organizam e selecionam as produções científicas publicadas. Percebeu-se que existem tipos diferentes de publicações: artigo original, artigo especial, artigo de revisão, estudo de caso e resenha, entre outros. Diante da diversidade de tipos de publicações, foi necessário definir o foco do trabalho, assim, delimitou-se a pesquisa nos 'artigos originais'.
Como forma de encontrar dados e subsídios para que se pudesse responder ao problema de pesquisa, foram definidas três palavras-chave: 'psicopedagogia escolar'; 'atuação do psicopedagogo'; 'trabalho psicopedagógico'.
Finalmente, para realizar a análise e a discussão dos dados, foi definida a utilização da análise de conteúdo. Neste estudo, buscou-se fundamentos nos estudos de Bardin6: a pré-análise, a exploração de material e o tratamento dos resultados. A pré-análise indica que é preciso sistematizar as ideias iniciais e estabelecer indicadores de estudo, organização de materiais e o que Bardin6 chama de "leitura flutuante", que significa esse primeiro contato e leitura dos materiais coletados que trarão as primeiras hipóteses de estudo.
Após a exploração do material, sugere-se sua categorização, quando é possível classificar e constituir conjuntos elementares. A autora define algumas qualidades que a categorização precisa possuir, como: exclusão mútua, homogeneidade, pertinência, objetividade, fidelidade e produtividade.
Na pesquisa, utilizou-se como pré-análise a leitura básica de todos os artigos originais encontrados a partir das palavras-chave definidas. Isso porque é preciso ter embasamento e conhecimento para definir os passos pensados a seguir. Como a autora sugere, o próximo passo necessário é a categorização da pesquisa, que no caso deste estudo foi a definição e discussão acerca de três categorias de análise: o psicopedagogo, o aluno e o professor.
RESULTADOS
Num primeiro levantamento, foi possível fazer um balanço inicial dos trabalhos publicados pela Revista Psicopedagogia. É importante salientar que se optou por abranger todos os trabalhos, independentemente de ano de publicação, para se ter uma visão mais abrangente do trabalho psicopedagógico escolar, independentemente do tempo. Para melhor visualizar, o Gráfico 1 apresenta a primeira identificação dos trabalhos:
Assim, obteve-se, em um primeiro levantamento, 28 publicações selecionadas para desenvolver esta pesquisa. Dentro destes, foi preciso eliminar seis artigos originais repetidos.
Em uma próxima etapa, iniciou-se a leitura dos 22 artigos selecionados. Foi preciso conhecer e identificar os autores, e de que locais os trabalhos haviam sido escritos, a fim de se definir um rumo específico para o artigo aqui desenvolvido. Ao retomar o questionamento que orienta este estudo, foi necessário identificar e selecionar os artigos de acordo com o local de atuação do psicopedagogo, para que se tivesse apenas aqueles desenvolvidos no ambiente escolar.
Sendo assim, o Gráfico 2 apresenta os locais de atuação e de estudo dos artigos originais selecionados:
Ao selecionar apenas os artigos produzidos a partir do ambiente escolar, a fim de continuar a busca em responder o questionamento aqui proposto, é preciso analisar os nove trabalhos restantes. Ao fazer a leitura dos dois artigos situados na Universidade, percebeu-se que estes não possuem dados ou relevância no trabalho do psicopedagogo na escola, mas abrangem questões mais específicas de formação profissional em duas diferentes pesquisas. Isso significa que foi preciso também eliminar esses artigos.
Chegamos aos sete artigos originais que possuem estudos referentes às questões escolares e à atuação do psicopedagogo no ambiente da escola.
Como definição de análise, organizaram-se três categorias de análise focadas nos atores da escola em que o enfoque de cada pesquisa vislumbrou de forma mais abrangente: o psicopedagogo; o aluno e o professor. É importante salientar que as divisões das categorias não significa dizer que os artigos não circulam entre os atores de forma livre e inter-relacionando-se (Gráfico 3).
Todos os textos foram produzidos a partir de atividades qualitativas realizadas em ambientes escolares em diferentes locais brasileiros e buscaram responder inquietações dos autores através de instrumentos variados que pudessem construir dados importantes para a qualidade educativa.
DISCUSSÃO
A primeira categoria definida como psicopedagogo traz o artigo que desenvolve uma pesquisa direta com os psicopedagogos atuantes em escolas particulares de Santa Maria - RS. O artigo intitulado "Espaços psicopedagógicos na escola: legitimados ou urgentes?" foi publicado em 2014. As autoras Brum & Pavão7 realizam entrevistas com três profissionais, a fim de conhecer suas atuações dentro do ambiente escolar, principalmente em relação ao diagnóstico e à intervenção dos problemas de aprendizagens apresentados pelas crianças. Os principais resultados encontrados demonstram a importância de uma relação próxima com os alunos e sua família para que haja melhor investigação da não aprendizagem, principalmente porque há associações dos problemas de aprendizagem com questões familiares.
O importante para acontecer o trabalho da psicopedagoga é a parceria da família do sujeito e, se preciso, o acompanhamento de outros profissionais de outras áreas afins concernentes ao problema básico do não aprender. Na maioria das vezes, o problema de aprendizagem está totalmente ligado à família e se torna um grande mistério descobrir. O conhecimento científico e a dedicação do profissional da Psicopedagogia pode ajudar a desvendar o que está escondido. (Brum & Pavão7, p. 117).
É possível observar nessa pesquisa quão importante é o psicopedagogo atuar de forma efetiva dentro da escola, como forma de trabalhar diretamente com os alunos que precisam de diagnóstico, de intervenção, de ações preventivas e, principalmente, como forma a orientar professores e as famílias sobre as soluções mais positivas de auxiliar na aprendizagem da criança3.
Cabe ao psicopedagogo perceber eventuais perturbações no processo aprendizagem, participar da dinâmica da comunidade educativa, favorecendo a integração, promovendo orientações metodológicas de acordo com as características e particularidades dos indivíduos do grupo, realizando processos de orientação. Já que no caráter assistencial, o psicopedagogo participa de equipes responsáveis pela elaboração de planos e projetos no contexto teórico/prático das políticas educacionais, fazendo com que os professores, diretores e coordenadores possam repensar o papel da escola frente a sua docência e às necessidades individuais de aprendizagem da criança ou, da própria ensinagem (Bossa3, p. 23).
Nesse sentido, é possível perceber que o psicopedagogo perpassa por entre os diferentes atores escolares com um olhar sensível às possíveis inquietações que tendem a dificultar a aprendizagem da criança. Dessa forma, é preciso, na categoria a seguir, dar um enfoque naquele que sente e vivencia na pele a dificuldade de aprendizagem, que é o aluno.
A segunda categoria apresenta dois artigos que tiveram como enfoque de pesquisa o aluno. Com objetivos diferentes, os dois trabalhos utilizaram-se de metodologias que tinham como enfoque conhecer a realidade escolar da criança e fazer uma análise dos comportamentos de alunos referentes às suas inquietações.
Como primeira pesquisa, a autora Saravali8 teve o objetivo de diagnóstico, a fim de investigar as relações dos alunos com dificuldade de aprendizagem com os colegas de sala de aula. Por meio da coleta de dados com alunos e professoras de turmas que tinham crianças com dificuldades de aprendizagem, foi possível afirmar que há uma exclusão social desses alunos no ambiente escolar.
Esse tipo de pesquisa, na qual se tem como objetivo apenas o diagnóstico, tem sua importância quando mostra de forma efetiva os dados sociométricos, para que o professor tenha uma visão mais real da forma como seus alunos se relacionam. Não é preciso atender apenas questões de conhecimento de conteúdo, mas observar também aprendizagens sociais que os alunos apresentam e que precisam aprender. Esse papel, dentro de uma instituição escolar, apresentará, com certeza, resultados positivos no futuro, quando esses alunos se tornarem adultos capazes de socializar com as diferenças de forma mais efetiva. Saravali8 reforça e apresenta como papel importante do psicopedagogo compreender que:
[...] na medida em que se investiga sobre a interação social estabelecida pela criança com dificuldade de aprendizagem na sala de aula, muito se pode fazer para melhorar e contribuir diante de um quadro de exclusão ou rejeição, por exemplo. O psicopedagogo institucional deverá orientar a ação do professor e essa ocorrerá num nível preventivo e não somente remediador (Saravali8, p. 222).
Desse modo, entende-se que esse papel do psicopedagogo é necessário quando se tem claro que, na aprendizagem, é mister pensar não somente nas questões biológicas ou cognitivas. As relações sociais precisam estar presentes no olhar sensível do psicopedagogo para a criança.
Nessa direção, o profissional terá condições de trabalhar, de desenvolver com os demais atores escolares metodologias capazes de ajudar a criança que apresenta dificuldades de aprendizagem, assim como a turma em si, no momento em que desenvolve atividades capazes de trabalhar não somente os conteúdos, mas também as relações sociais.
O segundo artigo desta categoria foi apresentado por Portilho & Küster9. As autoras fazem parte de um grupo maior de pesquisa, intitulado Psicopedagogia: Aprendizagem/ensino, que tem como leque maior a investigação de estratégias de aprendizagem utilizadas pelas crianças no processo de alfabetização. O trabalho aqui apresentado faz parte dessa pesquisa, com foco específico na linguagem das crianças durante a alfabetização; como metodologia foi utilizado um protocolo de observação desenvolvido pelo grupo de pesquisa. As autoras apresentaram como resultado uma discrepância entre a oralidade e a escrita das crianças participantes da pesquisa, também apontaram que há uma relação estabelecida entre as estratégias utilizadas pelos alunos com a modalidade de ensino do professor regente da turma.
Pensamos que os resultados deste estudo representam importante contribuição para um melhor entendimento dos complexos processos cognitivos das crianças nessa etapa de seu desenvolvimento. Podem igualmente servir de apoio estratégico ao aperfeiçoamento da mediação do professor, desde que este reconheça seu importante papel de aprendiz neste processo. Finalmente, cumpre destacar a necessária e possível relação de confiança que se deve estabelecer entre o psicopedagogo e os professores envolvidos para fazer frente aos desafios que o processo formativo representa. (Portilho & Küster9, p. 28).
Assim, valorizar o trabalho institucional dentro do processo de alfabetização tem ação importante, pois é no início do processo escolar que muitas das dificuldades de aprendizagem aparecem entre crianças. Além de que, há a necessidade desse acompanhamento e parceria entre o professor e o psicopedagogo, como mediadores envolvidos no processo de aprendizagem dos alunos.
No momento em que psicopedagogo e professor entendem que a alfabetização é o primeiro processo complexo escolar, em que, provavelmente, será possível visualizar entre os pares os diferentes tempos e condições de aprender, é pertinente o trabalho interdisciplinar.
Pensando na importância dessa relação, a terceira categoria tem como principal ator da pesquisa o professor. Como primeiro artigo a ser apresentado, torna-se importante reforçar a ideia de uma boa relação entre o psicopedagogo e o professor. Diante disso, o artigo fez uma crítica em relação aos relatórios psicopedagógicos e a sua utilidade frente ao trabalho diário do professor com alunos com diagnóstico de deficiência mental.
Gurgel10 apresenta como objetivo da pesquisa a investigação dos relatórios psicopedagógicos referentes ao auxílio para o trabalho do professor na sala regular, e a metodologia utilizada foi a partir da análise desses relatórios e de entrevistas com os professores regentes. Como resultado, a autora apontou que esses relatórios são insuficientes dentro de suas informações, assim como são carentes de análises e de interpretações sobre histórico e contexto do problema do aluno.
A autora valoriza e enfatiza que os relatórios são essenciais e possuem questões cruciais na vivência escolar da criança, quando afirma que:
Um relatório escrito, datado e assinado, é carregado de sentidos e o mais comum deles é o de portador de uma verdade científica que não precisa ser pensada, pois, foi formulado por uma equipe de especialistas que adotam como paradigma os preceitos de uma avaliação despersonalizada e cientificamente validada. Está se falando de palavras que definem destinos. (Gurgel10, p. 38).
É importante a crítica dessa pesquisa para que seja possível pensar sobre a importância desse instrumento de trabalho do psicopedagogo para a escola e sobre como a falta de uma estrutura adequada pode ser negativa para o trabalho do professor. Estar presente no cotidiano da escola, trazer orientações para os docentes e abranger um bom e completo histórico das dificuldades de aprendizagens dos alunos parece ser essencial para o relatório do psicopedagogo institucional.
Nessa categoria ainda se delimitam mais três artigos referentes ao professor; estes possuem como característica comum a metodologia utilizada para obter os dados com os docentes, que foi o uso de questionário. Cada um, dentro de sua individualidade, vem trazer dados importantes para subsidiar a importância do psicopedagogo institucional, agindo com todos os atores escolares.
Os autores Valle et al.11 buscaram discutir sobre a Psicopedagogia, o estresse e os distúrbios do sono do professor, desenvolvendo, em sua pesquisa, questões para observar três aspectos de análise do estresse: o pessoal, o ocupacional e o do ambiente de trabalho. Esse instrumento foi aplicado em 165 professores da rede pública de ensino da cidade de Poço de Caldas, MG, com o objetivo de investigar quais fatores relacionam-se aos sintomas de estresse e aos distúrbios de sono dos profissionais envolvidos na pesquisa.
Dentre as questões mais importantes que foram encontradas no trabalho apresentado, está a observação de que o professor possui um papel que o sobrecarrega frente às expectativas de alunos, colegas e comunidade escolar. Isso leva a pensar na vulnerabilidade do professor a enfrentar complexas pressões que existem na sua vida profissional, tanto em relação às suas condições de trabalho quanto em relação à falta de apoio das famílias dos alunos, ao excesso de trabalho e à insatisfação salarial11.
É preciso desenvolver espaço para o relacionamento interpessoal que prioriza o respeito, a compreensão das dificuldades, a cooperação de cada um e o esforço conjunto de solidariedade. Portanto, o psicopedagogo precisa orientar o melhor dos esforços, sempre por meio de ações integradas, para conscientizar a ação social, inclusive os organismos públicos de ação social e instituições educacionais, sobre a importância de lidar com o estresse e com os distúrbios do sono. (Valle et al.11, p. 243).
O trabalho do psicopedagogo, na pesquisa no ambiente escolar, vem para auxiliar e apresentar um parâmetro de questões relevantes e necessárias para a educação. É possível conhecer o ambiente de trabalho, as dificuldades encontradas e a busca por resultados que possam auxiliar nessa questão.
Os autores Frederico Neto et al.12 desenvolveram uma pesquisa com 104 professores, a partir da organização de um questionário fechado com 15 perguntas sobre diferentes questões que abrangessem o objetivo de perceber qual a visão dos professores da rede pública de sete escolas da cidade de São Paulo sobre dificuldades de aprendizagem, procurando abranger todos os anos do Ensino Fundamental e do Médio.
Os resultados obtidos e discutidos na pesquisa demonstram pontos importantes que dificultam um melhor atendimento aos alunos com dificuldades de aprendizagem, como, por exemplo, a falta de interesse e de instrução dos pais, a dificuldade dos professores em atender, de forma mais individual, esses alunos e, no Ensino Médio, foram citados problemas com o comportamento dos alunos.
Assim, como destacam os autores Frederico Neto et al.12 (p. 35), esses estudos "[...] permitem a visibilidade dos professores que, por um lado, concebem a dificuldade de aprendizagem como algo muito frequente na sua prática cotidiana e, por outro, reconhecem obstáculos e lacunas ao seu enfrentamento".
Diferentemente do artigo anterior, que tratava somente do professor, esse demanda questões mais relacionadas aos alunos com dificuldades de aprendizagem. É importante ao psicopedagogo perceber, de forma mais específica, quais as maiores dificuldades recorrentes nas escolas, para que seja possível propor ações direcionadas.
Finalmente, o último trabalho a ser apresentado foi publicado por Patti et al.13. Por meio da aplicação de questionário semiestruturado com 27 professores de duas escolas públicas estaduais de São Paulo, buscou-se investigar qual a relação existente entre a motivação e o desempenho desses docentes. Os resultados da pesquisa demonstram que a principal motivação docente é o aluno, sendo esse o principal foco de interesse do trabalho do professor, o que leva a entender que a principal queixa também está relacionada à falta de comprometimento e respeito do aluno ao professor. Além disso, a falta de políticas públicas adequadas apresenta-se como uma dificuldade marcante em relação ao desempenho docente.
Patti et al.13 (p. 60) reforçam que "[...] esse trabalho indica possibilidades a ser testadas em estudos futuros nesta mesma direção de analisar aspectos motivacionais que levam um indivíduo a se tornar professor e os impactos no processo de aprendizagem". Principalmente pelo fato de que a aprendizagem deve ser o foco principal do trabalho de todos os atores escolares.
CONCLUSÃO
Para compreender de que forma o psicopedagogo tem se inserido na escola e identificar quais as possibilidades de atuação do psicopedagogo no ambiente escolar, foi realizada uma pesquisa em artigos originais na Revista Psicopedagogia que pudessem auxiliar nessa busca. Durante o estudo, foram selecionados sete artigos originais que puderam contribuir para encontrar a resposta ao objetivo, que foram organizados dentro de três diferentes categorias de trabalho: o psicopedagogo, o aluno e o professor.
Na primeira categoria, foi possível visualizar o trabalho efetivo do psicopedagogo dentro da escola, com as suas principais contribuições para a aprendizagem dos alunos, que são trabalhar tanto na atuação terapêutica quanto na preventiva. Essa percepção indica o quanto é importante que o psicopedagogo enquanto profissional esteja presente continuamente no cotidiano da escola.
Já, na segunda categoria, o enfoque estava no aluno, com a intencionalidade de perceber quais as necessidades de trabalho com os principais atores de atuação do psicopedagogo. Os resultados permitiram elucidar as duas principais frentes do profissional na escola, quanto ao trabalho com o aluno: a questão social e a questão da aprendizagem. Estar presente na escola auxilia os atores escolares a encontrar soluções que sejam adequadas de forma individual, percebendo as questões particulares dos alunos para que possam crescer positivamente em suas diferentes aprendizagens.
Finalmente, a terceira categoria procurou visualizar as atividades psicopedagógicas do ponto de vista do professor. Aqui, perceberam-se algumas das dificuldades encontradas pelo docente em seu ambiente de trabalho e, consequentemente, possíveis intervenções psicopedagógicas para melhor desenvolvimento da escola de atuação. Isso se dá pelo fato de as pesquisas demonstrarem diferentes olhares sobre o professor, como por exemplo: as dificuldades encontradas no trabalho de forma abrangente, as dificuldades na atuação pedagógica com alunos com dificuldades de aprendizagem, as motivações que se têm na profissão e as questões abrangentes no cunho administrativo, pessoal, pedagógico e profissional.
Ter um olhar sensível aos colegas que estão na mesma empreitada é uma possibilidade de trabalhar e melhorar o ambiente de trabalho, o que muitas vezes pode ser o primeiro passo para o sucesso escolar.
Todas as colocações observadas nas pesquisas estudadas neste artigo levam a apontar que o psicopedagogo é um profissional necessário e muito importante em diferentes abrangências dentro da escola. Há nos trabalhos sugestões de que os profissionais trabalhem, principalmente, com atendimentos de alunos que tenham queixas de não aprendizagem, em espaços fora da sala de aula.
O psicopedagogo precisa ter conhecimentos específicos de diferentes áreas profissionais, como os transtornos mentais e psicológicos de comportamento, as questões sociais que interferem na aprendizagem e, especialmente, compreender o funcionamento como um todo do ambiente e das especificidades da escola. Isso porque o profissional precisa ter um olhar abrangente sobre o que existe ao redor da criança com dificuldade de aprendizagem, para que possa desenvolver seu trabalho.
Geralmente, as crianças que apresentam dificuldade de aprendizagem precisam de encaminhamentos na área da saúde, para que uma investigação e possíveis tratamentos possam ser feitos para ajudá-la em suas dificuldades; ter o psicopedagogo na escola é de grande ajuda para que se possa ter melhor discernimento sobre o fato de que melhores caminhos e profissionais precisam ser acionados.
No ambiente escolar e na sua atuação de forma mais efetiva, uma das principais atividades do psicopedagogo quando recebe informações sobre um aluno que apresente dificuldades de aprendizagem é fazer uma avaliação psicopedagógica e construir um relatório para que se possa ter uma descrição fiel e completa das questões sociais, psicológicas e educacionais da criança para que a partir daí se definam e organizem atividades direcionadas que possam auxiliá-la nas questões em que apresenta maior dificuldade. Isso significa também que o psicopedagogo precisa estar em sintonia e com constante conversação com os professores que atuam diariamente com a criança, para que possa auxiliar dentro das necessidades individuais.
Seu trabalho tem como possibilidade auxiliar todos os envolvidos na aprendizagem, assim como sua própria atuação precisa ser valorizada. Isso porque também foi possível observar nos trabalhos analisados que apenas um deles apresenta o psicopedagogo institucional atuando dentro da escola de forma efetiva. Nas demais, sugere-se sua importância ou aponta-se suas deficiências, mas não apresenta de fato os profissionais em atuação direta na escola.
A Psicopedagogia, por ser uma profissão interdisciplinar, tem condições de auxiliar a escola também com os gestores (direção, coordenação, supervisão), principalmente nas relações sociais que acontecem na escola e como afetam a aprendizagem, e também com o trabalho preventivo, um ponto essencial que não deve ser esquecido. É preciso, além de remediar, prevenir.
Nessa questão, um dado importante da pesquisa mostrou que a participação familiar, e a falta dela, é um apontamento que precisa ser valorizado e observado com mais atenção. O psicopedagogo, por trabalhar com as crianças com dificuldade de aprendizagem de forma mais individual, pode e deve trazer a família para participar, compreender e ajudar a criança no que for necessário. Conhecer o ambiente familiar, e as relações interpessoais que a criança vivencia diariamente tende a ser um instrumento psicopedagógico importante para sua aprendizagem.
Talvez o maior desafio do psicopedagogo na escola seja o de inserir-se em um ambiente já organizado e delimitado com funções já estabelecidas. Por não ser parte integrante da equipe gestora e não ter regência de classe, o psicopedagogo tem o papel pedagógico de estar em todos os ambientes, tenho um olhar sensível às dificuldades enfrentadas para encontrar as soluções mais adequadas para que o principal foco - o aluno - tenha crescimento e direcionamento correto para suas aprendizagens.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência:
Camila Campagnolo
Universidade Franciscana (UFN)
Rua dos Andradas, 1614 - Centro
Santa Maria, RS, Brasil - CEP 97010-032
E-mail: kmila_sps@hotmail.com
Artigo recebido: 8/4/2019
Aprovado: 11/9/2019
Trabalho realizado na Universidade Franciscana (UFN), Santa Maria, RS, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver..