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Revista Brasileira de Psicodrama
versión On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.21 no.1 São Paulo 2013
ARTIGOS INÉDITOS
Original Articles
Psicoterapia Psicodramática grupal em clínica privada: terapeutas e seus desafios
Psychodramatic group psychotherapy in the private practice: therapists and their challenges
Ana Paula de FreitasI; Antonio Luis Tychonski RussonII
I Psicóloga, psicodramatista supervisora-didata, mestre em Psicologia Aplicada, docente na Casa das Cenas e no Centro Universitário do Triângulo (Unitri), em Uberlândia, MG
II Psicólogo psicoterapeuta, psicodramatista supervisor-didata e professor da Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP).
RESUMO
Este trabalho investigou como a Psicoterapia Psicodramática Grupal tem acontecido nas clínicas privadas de dez psicoterapeutas brasileiras de Minas Gerais, São Paulo e Goiás. Entre outras categorias criadas a partir da análise dos conteúdos das respostas, foram analisados o tempo de atuação e a idade dessas profissionais Tem havido dificuldades na criação e na manutenção de grupos psicoterapêuticos, em virtude de fatores como dificuldades relacionadas aos próprios clientes, às condições socioeconômicas e culturais, e ao próprio psicoterapeuta. A psicoterapia de grupo em clínicas privadas deverá ser reconfigurada para que possa se difundir mais, atingindo, assim, uma parcela ainda maior da população que busca ajuda profissional para os relacionamentos interpessoais. Cabe aos psicoterapeutas psicodramatistas continuar acreditando no potencial terapêutico dos grupos, para recriá-lo em nossos tempos.
Palavras-chave: Psicoterapia. Grupo. Psicodrama. Clínica privada.
ABSTRACT
This paper investigates how psychodramatic group psychotherapy has ensued in ten Brazilian psychotherapists' private practice in Minas Gerais, São Paulo and Goiás. Based on the information gathered, aspects such as psychotherapists' age, and work experience were analyzed, among others. The results indicate that psychotherapists experienced difficulties with the setting up and maintenance of psychotherapeutic groups, due to factors such as difficulties related to the clients themselves, to the socioeconomic and cultural environment, and to the psychotherapist themself. Group psychotherapy in private practice needs to be restructured in order to be better disseminated, and to be able and reach an even larger portion of the population who are seeking professional help for their interpersonal relationships. Psychodrama psychotherapists need to keep on believing in the therapeutic potential of groups, in order to re-create them to the needs of our present times.
Keywords: Psychotherapy. Group. Psychodrama. Private practice.
INTRODUÇÃO
As diversas práticas de psicoterapeutas psicodramatistas brasileiros, em diferentes setores, acontecem em dois grandes eixos de atuação profissional: as esferas pública e privada. Na esfera pública, a literatura refere o desenvolvimento de grande parte das intervenções psicoterapêuticas grupais (atos ou processos) utilizando a metodologia psicodramática, como as universidades e as prefeituras (DINIZ et al., 2000; VOLPE; FRANCO, 2007; CONCEIÇÃO; AUAD, 2010; FLEURY; GAIOLLA, s/d) ou em centros socioculturais e Organizações Não Governamentais (ONGs) (MAZZOTA, 2010; MOTTA; ESTEVES; ALVES, 2011). Esses relatos confirmam o vigoroso desenvolvimento da psicoterapia de grupo, como previa Moreno, ao enfatizar que "a teoria do grupo e o diagnóstico do grupo prepararam o caminho e acompanharam a cadência das necessidades de aplicação em rápida expansão" (MORENO, 1997, p. 380).
Contraditoriamente, no setor privado, observa-se que os atendimentos psicoterápicos grupais não vêm tendo a mesma trajetória. Não é raro ouvirmos sobre as dificuldades da formação de grupos entre os psicodramatistas, dificuldades estas que têm se estendido à prática da Psicoterapia de maneira geral, não obstante seus comprovados benefícios. Investigar a Psicoterapia na sua prática pretendeu, então, colaborar com o esclarecimento parcial dessa aparente contradição. A discussão sobre o referido tema visa subsidiar os trabalhos de outros diretores/ terapeutas para assumirem esse papel, ou desempenhá-lo de forma mais espontânea e criativa, engajados politicamente, e comprometidos com a ética profissional.
Uma primeira questão volta-se para a pouca visibilidade das psicoterapias grupais nos serviços privados. A falta de mão de obra especializada ou o desconhecimento da população não parecem explicar a ausência dos grupos, haja vista a grande quantidade de profissionais que se formam todos os anos nas quase 30 escolas ligadas à Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap), bem como a divulgação do Psicodrama através de congressos, jornadas regionais ou publicações científicas.
Uma análise bastante pertinente ajuda a esclarecer a questão. Fonseca (1999, 2000) acredita que a Psicoterapia de grupo viaja na contramão da cultura atual, permeada pelo que ele nomeia como síndrome cultural narcísica do fim do século: o fato de tanto a Psiquiatria como a Psicologia produzirem e reproduzirem valores da nossa atual cultura, como o individualismo, o conservadorismo, a objetividade e a rapidez (1999, p. 7-11). Nessa reflexão, o autor lembra o paradoxo do atual momento cultural que, se por um lado propõe hábitos saudáveis de vida, de preocupações ambientais, por outro revela traços hipocondríacos e narcísicos, em que a limpeza, a ordem e a beleza passam a ser a meta idealizada (Fonseca, 2000, p. 198). A ideia de vida em comunidade é substituída pelo espaço privado de cada um, o que certamente se estende à maneira como entendemos nossos problemas emocionais. Analisando as diferenças entre a Psicoterapia individual e grupal, Fonseca esclarece que "a psicoterapia individual apresenta características que a grupoterapia não tem: exclusividade e aconchego" (idem, p. 202). De fato, há dificuldades emocionais que devem ser cuidadas no espaço psicoterapêutico individual, e é possível que o paciente que procura um consultório privado deseje essa exclusividade e dela necessite. Considerar dividir o espaço terapêutico com estranhos pode parecer ameaçador, como acontece quando temos medo das pessoas desconhecidas nos espaços públicos das cidades. Isso pode também parecer menos eficaz ou "perda de tempo e dinheiro", perdas inconcebíveis em nossos tempos. Por outro lado, continua Fonseca, "a Psicoterapia de grupo oferece o que a individual não possui: inserção relacional na rede grupal e observação por meio dos múltiplos olhares terapêuticos do grupo" (FONSECA, 2000, p. 202). Portanto, auxilia a dinâmica individual e grupal, tal qual Moreno também já analisava (Moreno , 1993, p. 74). Com a comunicação virtual e em tempo real nas "redes sociais", a habilidade da convivência grupal, torna-se mais e mais necessária. E, novamente, a contradição aparece: as dificuldades em se relacionar no mundo "real" versus as inúmeras interações diárias no mundo "virtual". Tema instigante, a ser explorado em outro momento.
Na prática privada, é o diretor de grupo quem terá a iniciativa para começar um grupo. Assim, é importante que se conheçam suas características e motivações para essa atividade. No método psicodramático, o diretor é o terceiro instrumento (MORENO, 1997, p. 19). Ele tem três funções: produtor, terapeuta e analista. Moreno assim descreve o diretor de grupo:
O diretor de grupo deve ter não só a experiência do analista, mas também, a presença de espírito e a coragem de colocar em jogo toda a sua personalidade no momento preciso para preencher o âmbito terapêutico com seu calor, sua empatia e sua expansão emotiva. Em outras palavras: ele não está isolado do paciente, nem o paciente dele. Ambos são membros de um pequeno grupo. O terapeuta coloca-se no meio de seu grupo e deve, portanto, desenvolver uma forma particular de "personalidade de grupo" (MORENO , 1993, p. 26).
Em que consiste essa personalidade? Quais os elementos necessários, além de sólida formação teórica e do treinamento apropriado? Se ela pode ser desenvolvida, quais as características a ser "treinadas"? Fleury entende que é indispensável que o diretor conheça suas limitações pessoais a fim de favorecer a cocriação. Assim, ele pode "acolher suas características humanas e, dessa forma, sentir-se esperançoso com o potencial do ser humano para o desenvolvimento" (Fleur y, 1999, p. 57).
As referidas "limitações pessoais" nos remetem ao conceito moreniano de expansividade afetiva. Esse conceito, incorporado à Sociometria a partir das experiências de Moreno em Hudson, refere-se à capacidade que nossas emoções têm de se espalhar e se distribuir (MORENO, 1934/1994, vol. II, p. 153). Segundo Moreno, é possível medir a expansividade afetiva de um indivíduo, bem como treiná-la (Moreno , 1934/1994, vol. II, p. 153-156). Afirma que, embora ninguém possa ser pressionado além do seu limite orgânico, as limitações relacionadas à expansividade afetiva devem-se à falta de habilidade funcional em utilizar todo o alcance desse limite orgânico. A expansividade afetiva de um psicoterapeuta, em consultório privado, deveria ser considerada também na formação e na manutenção de um grupo.
Knobel (1996, p. 52-55), em excelente artigo sobre a direção grupal, assinala que cada líder grupal tem a própria expansividade afetiva e social, ou seja, funciona em um limite próprio de absorção de liderados, no caso dos membros do grupo. A autora ressalta ainda a importância de o coordenador de grupo conhecer essa característica, bem como as fases do desenvolvimento grupal.
Ainda sobre essas características, Perazzo (1980) entende que a interação sociométrica entre o diretor/terapeuta (e o ego-auxiliar ou a unidade funcional) e o grupo é um dos fatores decisivos na motivação para a continuidade ou o abandono do grupo psicoterapêutico. Essa interação nem sempre é explicitada nas análises psicodramáticas. Ressalta, inclusive, a necessidade da escolha sociométrica, tanto por parte do terapeuta quanto do cliente, no intuito de chegar a uma mutualidade nessa dupla complementar (PERAZZO, 1980, p. 28-29).
Tendo em vista essas reflexões, buscamos compreender se a dificuldade na formação de grupos tem sido vivida por outros profissionais. A presente investigação teve como objetivo principal entender como os psicoterapeutas psicodramatistas têm desenvolvido o trabalho com grupos em suas clínicas privadas e, como objetivos específicos: a) identificar os diretores de grupos psicoterapêuticos psicodramáticos; b) examinar os critérios de escolha para a formação de um grupo em clínica privada; c) investigar as dificuldades atuais para o trabalho em grupo.
RESULTADO E DISCUSSÃO
A pesquisa foi do tipo descritiva. Através da rede de conhecimentos da pesquisadora, foram contatados psicoterapeutas psicodramatistas brasileiros que atendem ou atenderam a grupos em consultórios privados. O contato inicial aconteceu por telefone e/ou endereço eletrônico (e-mail). Após o consentimento dos participantes, as entrevistas foram realizadas pessoalmente, nos consultórios dos sujeitos ou, então, respondidas e enviadas por e-mail. As respostas foram analisadas e discutidas de duas formas. Para tabular algumas informações quantitativas, foi empregado o cálculo percentual simples. Foram também utilizadas algumas categorias criadas a partir da análise dos conteúdos das respostas das pessoas entrevistadas, tendo como referência epistemológica a fenomenologia existencial. O conhecimento gerado pela pesquisa foi permeado, portanto, por uma intencionalidade, pela intuição e pela intersubjetividade da pesquisadora (WESCHSLER , 2007).
Dois questionários foram elaborados: o primeiro, com perguntas sobre o trabalho com grupos, que incluía detalhes sobre o tipo de grupo atendido, configuração do grupo, contrato, e possíveis dificuldades na formação destes. O segundo, com perguntas sobre o perfil da psicoterapeuta, como idade, tempo de formação, formação em Psicodrama. As entrevistas só tiveram início depois que foram fornecidas as devidas explicações por parte da pesquisadora e obtido o consentimento dos sujeitos.
Foram enviados e-mails para aproximadamente 30 psicodramatistas, dos quais a maior parte não respondeu. Foram entrevistadas 10 psicoterapeutas, todas mulheres, graduadas em Psicologia e com formação em Psicodrama realizada em instituições ligadas à Febrap. Cada uma foi identificada por uma letra e um número: (P1), (P2), (P3), (P4), (P5), (P6), (P7), (P8), (P9) e (P10). Duas psicoterapeutas atuam na região da Grande São Paulo; uma, no interior de Goiás, e as demais atuam no interior de Minas Gerais. Cinco das dez entrevistas foram realizadas pessoalmente, nos consultórios das entrevistadas.
No perfil das entrevistadas, foram considerados: a idade, a graduação, a formação em Psicodrama e o tempo de atuação das psicoterapeutas. Essas informações foram descritas nas tabelas a seguir:
A maioria das psicoterapeutas (70%) encontra-se na meia-idade, e todas têm considerável experiência clínica, o que faz supor que acompanham o movimento psicodramático brasileiro há bastante tempo. Isso contribui para a riqueza e a diversidade das experiências relatadas. Quanto à formação em Psicodrama, todas as 10 entrevistadas completaram a formação. Uma completou apenas o nível I; duas, o nível II; e três completaram o nível III. Quatro entrevistadas não obtiveram titulação. Esse fato parece espelhar as dificuldades relacionadas à escrita dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) das diversas formações, o que pode estar sendo minimizado nos últimos anos, em decorrência das diretrizes curriculares estabelecidas pela Diretoria de Ensino e Ciência da Febrap, a partir da última década.
Em relação ao número de grupos psicoterapêuticos atendidos, não foi possível estabelecer uma média fidedigna, pois duas respostas foram extremas: uma das entrevistadas (P9) respondeu que não sabia, e outra, com vasta experiência no atendimento de famílias por mais de duas décadas (P3), atendeu a 208 grupos – 200 famílias. Quatro entrevistadas (P2, P5, P6, P10) atenderam de um a dois grupos. As outras respostas tiveram alguma semelhança: uma entrevistada (P7) atendeu a 6 grupos, outra (P1), 8 grupos. As entrevistadas (P4 e P8) atenderam, respectivamente, a 14 e 20 grupos. As respostas revelam a diversidade de experiências da amostra.
Com base nos relatos, os tipos de grupos psicoterapêuticos já atendidos pelas entrevistadas na clínica privada foram: a) famílias (Sociodrama familiar): os atendimentos são iniciados, em geral, a partir do atendimento a um dos membros que já se encontra em psicoterapia individual; algumas vezes, porém, um ou dois membros da família tomam a iniciativa de procurar o terapeuta para o atendimento aos demais. b) grupos de adultos: formados a partir dos pacientes que estão em Psicoterapia individual com a terapeuta e são convidados por ela para entrar em um grupo já existente ou, então, para compor um novo grupo; c) grupos de adolescentes: formados de maneira semelhante ao grupo de adultos, mas, em geral, mais diretivo, quer dizer, os temas trabalhados nas sessões são eventualmente trazidos pelos membros ou propostos pela diretora, a partir de demandas relacionadas ao grupo em questão. d) grupos tematizados: foram mencionados dois grupos atendidos de acordo com o critério de doença: um grupo de obesos e outro de diabéticos, o que já confirma a tendência a esses tipos de grupo em contextos específicos de tratamento, tal como sinalizado por Bechelli e Santos (2004), ao apontarem para o aumento da procura pelos grupos, especialmente, em contextos específicos de tratamento, como o atendimento a pacientes com determinada condição médica ou social.
1. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS GRUPOS
Depois de as psicoterapeutas falarem sobre suas experiências, foi pedido a elas que escolhessem um grupo que já haviam atendido a fim de descrevê-lo. Dos dez grupos escolhidos, dois foram grupos naturais (famílias) e os demais grupos sintéticos (formados com pessoas desconhecidas entre si). Faz-se aqui uma diferenciação: os grupos familiares têm por objetivo atuar na dinâmica das relações do grupo natural, enquanto nos grupos psicoterápicos sintéticos, cada membro busca sair de sua angústia ou dificuldade relacional com seu mundo. A média de participantes foi de 6,3 participantes, com as respostas que variaram de 3 a 10 participantes por grupo. A maioria dos grupos (80%) foi dirigida somente pelo psicoterapeuta, houve apenas dois grupos com codireção, no caso, com outro colega psicodramatista. Esse resultado confirma a dificuldade do trabalho em codireção ou unidade funcional no campo privado, provavelmente, por questões financeiras, pois os honorários pagos a dois profissionais dificultam ainda mais o processo.
Em relação aos critérios para a escolha dos participantes, seis foram mencionados. Os três primeiros são os critérios mais citados: a) Ser/ Ter sido cliente em Psicoterapia individual: todas as psicoterapeutas foram unânimes em mencionar que a indicação para a Psicoterapia em grupo vem da própria clientela que está em Psicoterapia individual. b) Objetivos do grupo: para a maioria das entrevistadas, o grupo deve ter uma meta de trabalho semelhante e conhecida de todos, como no caso de grupos tematizados (grupos de gestantes, diabéticos etc.), de grupos de alunos da formação em Psicodrama, ou com dificuldade nas relações familiares, no caso dos grupos familiares. c) Idades semelhantes: Muitas psicoterapeutas utilizam-se desse critério para iniciar um grupo em suas clínicas. A única faixa etária mencionada, porém, foi a adolescência, pois, segundo uma das entrevistadas (P5), o trabalho tem características específicas, que requerem uma homogeneidade etária maior do que um grupo de adultos, por exemplo, do qual podem fazer parte adultos jovens e maduros.
Os outros três critérios foram: d) Nível de transtorno mental: clientes com transtornos mentais graves, como o caso de pessoas com psicoses, não são indicados para grupos de pessoas que não apresentam esses transtornos. e) Análise da rede social: as psicoterapeutas P1, P7 e P8 mencionaram o fato de atenderem em cidades do interior, em que há maiores chances de as pessoas serem conhecidas e, eventualmente, isso ser desfavorável para a composição de um grupo. f) Menor custo: somente uma entrevistada (P6) mencionou o menor custo da Psicoterapia, ao falar de um grupo familiar, em que um dos critérios para a viabilidade do processo foi o fato de os honorários da terapeuta poderem ter sido divididos pela família. Ao contrário do que se supunha inicialmente, o baixo custo não parece estar relacionado à maior demanda de clientes. Esse assunto será discutido com mais detalhes ao analisarmos, mais adiante, as dificuldades para a formação de grupos.
A configuração dos grupos diz respeito ao funcionamento de entrada e saída dos membros, e do formato das questões a ser tratadas – se um grupo é tematizado ou não. Neste item, houve também grande variedade de respostas. Em termos da frequência, a maioria (90%) tem encontros semanais. Com exceção dos dois grupos familiares mencionados, que obviamente são fechados, os demais são considerados grupos abertos ou semiabertos. Isso quer dizer que eles iniciam com o número determinado de pessoas e podem vir a receber novos membros no decorrer do processo. Esses novos integrantes podem aumentar o tamanho do grupo ou entrar no lugar de algum membro que deixou o grupo. Em geral, essa entrada é proposta pelo diretor, porém é amplamente discutida com os integrantes, e eventualmente, até autorizada (ou não) por eles, respeitando-se a Sociometria grupal.
Em relação ao contrato de trabalho, há prevalência de um contrato verbal, em que são propostos itens relacionados a: horário, faltas e atrasos, desistência, duração do processo, honorários do terapeuta, sigilo das questões tratadas pelo grupo. Outros itens isoladamente mencionados foram: falar sobre o objetivo do trabalho e pedir para não fumar durante a sessão. No caso de um grupo de adolescentes, há também o contrato verbal com pais ou responsáveis, e também avaliações periódicas, feitas em forma de reunião com os pais, sem a presença dos adolescentes. Houve também uma entrevistada (P3) que mencionou ter discutido o contrato individualmente, antes do primeiro encontro do grupo. Essa forma de contrato não difere das formas habituais de contrato de uma Psicoterapia individual.
2. DIFICULDADES PARA A FORMAÇÃO DE GRUPOS PSICOTERAPÊUTICOS
Na opinião da maioria das entrevistadas, tem havido grande dificuldade em formar grupos psicoterapêuticos hoje em dia, especialmente, grupos originários da própria clientela de Psicoterapia individual. Somente uma das entrevistadas (P1) informou não ter percebido maior dificuldade nos dias de hoje em comparação com a época em que iniciou sua formação e começou a atender grupos, há aproximadamente duas décadas. Do total de respostas mencionadas, podemos dividi-las em três grandes categorias: a primeira, dificuldades relacionadas aos próprios clientes. A segunda, dificuldades relacionadas às condições socioeconômicas e culturais, e uma terceira, dificuldades relacionadas ao próprio psicoterapeuta.
2.1. Dificuldades relacionadas aos próprios clientes
A maior parte das respostas foi relacionada nesta categoria. As entrevistadas acreditam que o medo de expor os problemas pessoais é o fator que mais dificulta a formação de grupos psicoterapêuticos. Haveria medo de socializar-se, de perder o espaço privado. Esse fato já era observado por Moreno, quando analisava que "a perda da intimidade pessoal significa perda de prestígio e é por isso que as pessoas, intimamente vinculadas em uma situação, temem ver-se à luz de uma análise face a face (preferem o tratamento individual)" (MORENO, 1997, p. 374).
Segundo uma das participantes: "não temos tido o hábito de estar em espaços comunitários, de compartilhar com outras pessoas" (P10). Para (P1): "as pessoas estão sem paciência para esperar o tempo do outro". Houve, ainda, menção ao medo do cliente de não receber a atenção devida, uma vez que a atenção do psicoterapeuta é dividida entre todo o grupo. Aqui, manifestam-se claramente as prerrogativas da síndrome cultural narcísica (FONSECA, 2000, p. 202). Um problema mencionado por duas entrevistadas (P1 e P6) foi a dificuldade em achar horários comuns ao grupo, quando do recrutamento dos membros para a formação de um novo grupo.
2.2. Dificuldades relacionadas às condições sociais, econômicas e culturais
Nesta categoria, ficaram as respostas em que fazem menção às representações que as pessoas têm de um grupo psicoterapêutico. "As dificuldades encontram-se relacionadas a preconceitos em relação à Psicoterapia de grupo", analisa (P7), ressaltando que o fato de atuar em uma cidade do interior contribui para esses preconceitos. Aliás, a atuação em uma cidade pequena, em que há mais chances de que as pessoas se conheçam mais, foi mencionada por mais duas entrevistadas (P8 e P9) como um fator de dificuldade para a formação de grupos. A entrevistada (P3) mencionou que muitas pessoas confundem o trabalho em grupo com suas experiências e suas vivências religiosas, que também são grupais. Isso também contribuiria para uma imagem negativa da Psicoterapia de grupo, no sentido de confundir os objetivos do trabalho
Essas manifestações não são exclusivas de uma cultura interiorana: Sarmento (2006), um grupanalista português, cita, basicamente, os preconceitos advindos das falas dos próprios clientes, que estão relacionadas também às suas dificuldades de relacionar-se, como a ideia de que o terapeuta vai ter menos tempo para o cliente ou que não vai conseguir falar na frente dos outros. Somente uma das entrevistadas (P4) mencionou a viabilidade financeira, porém contextualizando a dificuldade que o aluno de Psicodrama teria para pagar o curso de formação e a terapia simultaneamente. Mesmo com o provável menor custo, como mencionado anteriormente, nem os clientes "leigos" (pessoas que não são alunas de Psicodrama) parecem estar se beneficiando da Psicoterapia de grupo, uma vez que esta não tem acontecido tão frequentemente, no caso desta amostra. Obviamente, devemos considerar esse fator relacionado aos outros, como os medos individuais dos espaços comuns (comunitários).
2.3. Dificuldades relacionadas ao próprio psicoterapeuta
As respostas desta categoria foram interessantes e esclarecedoras. Para (P3), "embora o grupo seja mais produtivo para terapeuta e clientes, ele demanda maior disposição terapêutica". Essa disposição está relacionada à maior exigência física e emocional, pois, em sua opinião, um grupo é mais exigente e mais cansativo de atender. Relacionado a essa disposição/ não disposição, é interessante apontar um paradoxo vinculado à idade do terapeuta. Se, por um lado, o terapeuta mais jovem se beneficia das condições físicas para os atendimentos grupais, é o terapeuta mais velho e mais experiente quem supostamente teria melhores condições emocionais (expansividade social/afetiva) para "acolher" um ou mais grupos.
Já (P8) acredita que "o mais importante é a abertura do terapeuta para estar convicto que a construção dessa relação (terapeuta-clientes) só se faz a partir da compreensão de que, desde o momento em que me propus a atender um grupo, passo a fazer parte dele e ele também passa a fazer parte da minha vida". As análises vão ao encontro do que Moreno afirma a respeito do papel do terapeuta, enfatizando que este "é também um membro do grupo e como tal também seus problemas pessoais podem, ocasionalmente, ser objeto de uma discussão terapêutica" (MORENO, 1993, p. 78). O resultado é a maior vulnerabilidade e a possível dificuldade para concretizar projetos de atendimentos a grupos, de forma espontânea.
Para (P4) há, muitas vezes, desejo do terapeuta de atender em Psicoterapia bipessoal preferencialmente à grupal. Supõe-se que o fato pode estar relacionado com a maior "facilidade" do atendimento, e a menor exposição do terapeuta. Essas reflexões confirmam integralmente a importância da expansividade afetiva do terapeuta na decisão da formação de um grupo a partir de seus clientes (ou do recebimento de grupos fechados, como é o caso dos grupos familiares).
Ainda nessa categoria, encontramos duas opiniões em relação à formação profissional: para (P6) e (P7), é necessário melhor formação para atuar nesta área e que o psicoterapeuta precisa passar pelo próprio processo como cliente em um grupo para poder dirigir um grupo. Andaló (2001), inclusive, alerta para a importância da compreensão crítica do processo grupal por parte do coordenador de grupos a fim de evitar a banalização e o tecnicismo. Por isso, a importância de uma formação consistente e de um conhecimento profundo sobre seu papel, bem como da maneira como percebe o trabalho grupal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa buscou evidenciar as práticas de um pequeno grupo de profissionais como forma de obter um pequeno mapa das experiências de psicoterapias psicodramáticas no Brasil. Sendo um estudo inicial, modelos semelhantes de pesquisa poderão ser realizados com amostragem maior. O formato das psicoterapias processuais de grupo desenvolvidas por nós, brasileiros, é baseado no modelo da grupoterapia psicanalítica, com a ideia de processo grupal – encontros semanais com grupos fechados, tempo indefinido etc. Do mesmo modo que fizemos essas adaptações, criamos também a Psicoterapia bipessoal processual, e assim fomos ajustando o Psicodrama à nossa realidade. Ora, se os modelos foram adaptados a determinada época, a contemporaneidade parece solicitar novos modelos, criados ou recriados tendo em vista nossa inesgotável fonte espontâneo-criativa. Para ter o seu lugar no mundo atual, a Psicoterapia de grupo, provavelmente, deverá ser reconfigurada, como já está acontecendo, por exemplo, com os grupos tematizados, com objetivo de tratar um problema específico (grupo de diabéticos, de pessoas com transtornos alimentares etc.). Poderemos, então, vislumbrar uma clínica possível, que consiga atingir uma parcela ainda maior da população que tenha carência de cuidados em seus relacionamentos interpessoais. Nós, psicodramatistas, temos "a faca e o queijo nas mãos": Moreno nos legou um poderoso instrumento transformador, e cabe a nós, que acreditamos nesse potencial, recriá-lo em nossos tempos.
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Endereço para correspondência
Ana Paula de Freitas
Rua Felisberto Carrijo, 679 Fundinho
Uberlândia, MG CEP 38400-204
e-mail: apfreitas@trilhasat.com.br
Antonio Luis Tychonski Russo
Rua Manoel de Paiva, 249 Vila Mariana
São Paulo, SP CEP 04106-020
e-mail: altrusso@gmail.com
Recebido: 03/01/2013
Aceito: 01/04/2013