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Revista Brasileira de Psicodrama
versión On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.28 no.2 São Paulo mayo/ago. 2020
Artigo original
Desafios ao encontro: contribuições de Moreno e Freire para a educação de jovens e adultos
Challenges of encounter: Moreno and Freire contributions to the youth and adults education
Desafíos al encuentro: Moreno y Freire contribuciones para la educación de jóvenes y adultos
Mara Solange da Silva Amaral1,*, Elizabete Cristina Costa-Renders1
1. Universidade Municipal de São Caetano do Sul - Programa de Pós-Graduação em Educação São Caetano do Sul (SP), Brasil.
RESUMO: O fazer docente das professoras e dos professores da Educação de Jovens e Adultos (EJA) apresenta em seu cotidiano múltiplos desafios relacionados a questões socioeconômicas, de saúde pública, de bem-estar, cognitivas e de relacionamento. Carrega, ainda, todo o legado histórico do combate ao analfabetismo, das desigualdades sociais e das fragilidades das políticas públicas educacionais desta modalidade de ensino. Neste cenário desafiador, aproximações teóricas entre Jacob Levy Moreno e Paulo Freire contribuem para uma leitura crítica das situações-limite presentes no dia a dia do trabalho docente. O Sociodrama, como método desta pesquisa, aponta a espontaneidade-criatividade como possibilidade para superação das densas conservas culturais instaladas e da possibilidade do Encontro.
Palavras-chave: Sociodrama, Educação de jovens e adultos, Encontro, Espontaneidade-criatividade, Profissionalidade docente.
ABSTRACT: The schooling process of teachers of the Youth and Adult Education shows multiple challenges in its daily life: socioeconomic issues, issues of public health and well-being, cognitive and relationship issues. It also carries all the historical legacy of combating illiteracy, social inequalities, and fragility of the public educational policies of this type of education. In this challenging scenario, theoretical approaches between Jacob Levy Moreno and Paulo Freire contribute to a critical reading of limit situations present in daily teaching. Sociodrama, as a method of this research, points to spontaneity-creativity as a possibility for overcoming the dense cultural conserves installed and the possibility of the Encounter.
Keywords: Sociodrama, Youth and adult education, Encounter, Spontaneity-creativity, Professional teaching.
RESUMEN: El hacer docente de las profesoras y de los profesores de la Educación de Jóvenes y Adultos (EJA) presenta en su día a día múltiples desafíos relacionados a cuestiones socioeconómicas, de salud pública, de bienestar, cognitivas y de relación. Carga, también, todo el legado histórico del combate al analfabetismo, de las desigualdades sociales y de las fragilidades de las políticas públicas educacionales de esta modalidad de enseñanza. En este escenario desafiante, aproximaciones teóricas entre Jacob Levy Moreno y Paulo Freire contribuyen para una lectura crítica de las situaciones-límite presentes en el día a día del trabajo docente. El Sociodrama, como método de esta investigación, apunta a la espontaneidad-creatividad como posibilidad para la superación de las densas conservas culturales instaladas y de la posibilidad del Encuentro.
Palabras-clave: Sociodrama; Educación de jóvenes y adultos; Encuentro; Espontaneidad-creatividad; Profesionalidad docente.
INTRODUÇÃO
Ao considerarmos os múltiplos desafios da prática docente na Educação Básica em sua ampla gama de variáveis, por vezes desencontradas, que envolvem políticas públicas, questões socioeconômicas, de saúde e de bem-estar, cognitivas e de relacionamento, dentre outras, notamos que a solução de ontem nem sempre é adequada para a equação de hoje.
Podemos acrescentar a este cenário a multiplicidade de papéis presentes no fazer docente, que vai muito além do conversar, perguntar, selecionar, ensinar, preparar ou problematizar, sendo perpassado por tarefas, não sem frequência, estranhas à educação, como, por exemplo, policiar, guardar, vigiar, enfrentar etc.
Quando visto como emprego, o trabalho docente traz consigo o conjunto das contradições típicas do campo empregatício, como conflitos e sofrimentos, especialmente causados pelo pouco reconhecimento, baixos prestígio e remuneração, além da necessidade de se ter outros cargos para compor uma renda adequada.
Em uma rápida tentativa de leitura deste quadro é até possível separar os desafios de natureza externa, como o crescente gerencialismo e a cobrança pela performatividade, e de natureza interna, como a sobrecarga, o estresse e o esgotamento, conforme afirma Parente (2016). No entanto, ambos se misturam e são facilmente evidenciados nos preocupantes índices de absenteísmo entre os trabalhadores docentes.
Ao focalizar o olhar especificamente para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), considerando sua longa e complexa trajetória no Brasil, que envolve aspectos políticos, sociais e culturais não raramente alheios aos interesses de uma educação comprometida com a formação de um indivíduo crítico, criativo e ativo na sociedade, nos deparamos com novos desafios.
Perguntamo-nos, assim, sobre caminhos e brechas possíveis de serem trilhadas pelos docentes da EJA como possibilidade de superar as barreiras e conservas culturais presentes nesse cotidiano tão desafiador.
A proposta da Socionomia, ciência dedicada ao estudo das leis sociais e grupais, apresentada pelo médico romeno Jacob Levy Moreno na primeira metade do século XX, aponta para uma visão dinâmica do ser humano e de um mundo em constante construção.
Paulo Freire, influente pensador no campo da pedagogia, ao discorrer sobre a consciência de si mesmo como ser inacabado, aborda a dialogicidade verdadeira em que todos aprendem e crescem com todos mediados pelo mundo, do reconhecimento e do respeito às diferenças para a construção de relações éticas.
Com os referenciais de Moreno e Freire, do Encontro ao Ser Mais e aliados ao Sociodrama como método, o objetivo desta pesquisa é oportunizar às professoras e aos professores da EJA a possibilidade de encontrar respostas inéditas aos desafios que se apresentam em seu cotidiano, de modo a fortalecer sua profissionalidade junto à comunidade escolar.
DO ENCONTRO AO SER MAIS
Para Moreno, o Encontro é uma das possibilidades que tornam os seres humanos pessoas verdadeiramente humanas. No Encontro ocorre o entrosamento consigo e com o outro, possibilitando o crescimento mútuo (Souza & Drummond, 2018), de tal forma que possa florescer a verdadeira integração do ser humano com os demais seres humanos e da humanidade consigo mesma (Menegazzo, Tomasini, & Zuretti, 1995). Para tal propósito, há que se superar os estereótipos técnicos, científicos e culturais dando lugar ao desenvolvimento da liberdade, da espontaneidade e da criatividade.
Refletir sobre o sentido moreniano de Encontro no contexto da profissionalidade docente da EJA, fornece-nos referenciais que podem somar novas perspectivas a este campo. Ao descrever o Encontro, Moreno (2008) ressalta que:
Ele abarca não só o amor, mas também relações hostis e de ameaça. Não é só uma relação emocional, como também o encontro profissional. . . . É o encontro no nível mais intenso de comunicação, em que os participantes não são colocados ali por uma autoridade exterior. Estão ali porque querem estar representando a autoridade extrema do caminho da autoescolha. O encontro é extemporâneo, desestruturado, não planejado, não ensaiado ocorre no impulso do momento. Ele é no momento e no aqui. É a soma total de interação entre duas ou mais pessoas, não no passado morto ou no futuro imaginado, mas na totalidade do tempo a real, concreta e completa situação da experiência. É a convergência de fatores emocionais, sociais e cósmicos, a experiência da identidade e da total reciprocidade (pp. 41-42).
Guimarães (2017), psicólogo e pesquisador argentino, dedica um capítulo de sua tese a Freire e Moreno, buscando integrar nestes a filosofia, a terapia e a pedagogia. Apesar de Moreno e Freire nunca terem se encontrado, ambos têm em comum a influência do filósofo austríaco Martin Buber. Freire, por meio da leitura deste autor, e Moreno, pelo convívio direto e trabalho em comum com Buber. As consequências deste encontro teórico são facilmente reconhecidas no campo da dialogicidade, uma vez que eles afirmam que só se pode existir com o outro e que o relacionamento é a essência da existência humana. Tanto para Freire quanto para Moreno o grande objetivo de seus pressupostos é que os seres humanos desenvolvam a autonomia, o pensamento crítico e a espontaneidade.
Freire (2015) descreve que "não é possível ao sujeito ético viver sem estar permanentemente exposto à transgressão da ética" e que, portanto, torna-se necessário "fazer tudo o que possamos em favor da eticidade, sem cair no moralismo hipócrita" dado que a ética é "marca da natureza humana" e "absolutamente indispensável à convivência humana" (p. 10). Desta maneira, é possível compreender os seres humanos como sujeitos inacabados e em contínua construção, uma vez que "o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se tornou consciente" (p. 50).
Para compreender os seres humanos como seres inacabados, há que se ter consciência desta condição. Consciência entendida não como uma divisão, como uma parte do indivíduo, mas sim de sua relação com o todo, com o mundo e de uns com os outros. Portanto, não há consciência sem mundo nem mundo sem consciência. É nesta dinâmica relacional que se criam e se recriam mundos e indivíduos.
Moreno (1974) apresenta a ideia de que uma matriz criativa-espontânea (ou estado espontâneo) deve ser o foco central do ser humano e, portanto, deve estar presente em sua vida real e em seus atos cotidianos.
A espontaneidade é a pedra angular para a saúde relacional e mental, mas, por vezes, é bloqueada e impedida de emergir. Para se mostrar, ela deve ser resgatada, exercitada e desenvolvida, tornando, desta maneira, importante ferramenta de recuperação e restituição dos seres humanos.
Este autor define espontaneidade como variações possíveis de "respostas adequadas em uma situação com graus variáveis de inovação. A novidade tem de ser qualificada segundo sua adequação in situ. Pois só a adequação do comportamento também não é medida de espontaneidade. Esta deve ser adaptada ao inusitado" (Moreno, 1993, p. 217).
Estas reflexões deveriam se fazer presentes em todos os espaços humanos, especialmente no ambiente escolar enquanto espaço de formação e de reflexão. No entanto, em meio a um cotidiano escolar tomado por rotinas extenuantes, inúmeros fazeres e tensões de diversas ordens, seria possível encontrar momentos e espaços humanos dedicados exclusivamente ao pensar, dialogar, relacionar e ser espontâneo? Qual sentido teria esse espaço escolar? Valeria a pena o esforço para criá-lo?
A concepção do ser humano, consciente de sua própria condição, aponta para a "vocação para Ser Mais" enquanto "expressão da natureza humana" (Freire, 2001, p. 50). Esta condição só é possível por meio de uma convivência que permita refletir, criticar e construir a própria realidade.
Na medida em que professoras e professores têm seu cotidiano tomado por rotinas burocráticas, prescritivas e de infinitas sequências de "tem que", sem espaços para o exercício da dialogicidade ética, sem que se possa problematizar a própria vida e sua condição nela, caracteriza-se uma situação-limite. A este respeito, Costa-Renders (2018) ressalta:
que a vivência cotidiana desta condição faz com que professoras e professores "em situação-limite, se sintam amordaçadas/os e incapazes de romper as amarras que as/os impedem de Ser Mais, em um contexto do Ser Menos, ou seja, em um sistema repleto de sinais de morte em vida." (pp. 56-57).
Situações-limite e opressivas, nas palavras da autora, constituem sinais de morte. Reverter esse quadro só é possível coletivamente e, assim, há que se criar espaços para o Encontro e para o Ser Mais.
Moreno e Freire convergem em muitos aspectos, tanto conceituais quanto na visão de homem e mundo e, em especial, na procura pela liberdade e pela espontaneidade-criatividade. Falam de uma utopia e de um ideário humano em busca do máximo de consciência possível, da Autonomia, do Ser Mais e do Encontro. Freire (1987) afirma que a liberdade "é uma conquista . . . um movimento de busca em que estão inscritos os seres humanos como seres inconclusos" (p. 17). Moreno (2008) complementa e ressalta que "na prática do ato criativo: o homem, como um meio de criação, muda continuamente seus produtos" (p. 332) e ao se mudar continuamente têm a possibilidade de escapar das armadilhas, barreiras e conservas presentes no cotidiano escolar.
A construção de respostas mais livres passa a ser uma forma de se realizar como indivíduo, como grupo e até mesmo como sociedade. No entanto, toda criação (ou ato criador) pode se cristalizar ou ser adotado como resposta ideal.
As conservas culturais, como Moreno (1993) as define, estão constituídas como objetos, comportamentos, usos e costumes que se mantêm idênticos em cada cultura. São produtos de uma sociedade, de um grupo, de uma categoria profissional ou mesmo de uma classe social. Quanto mais presentes e repetidos, mais se aproximam de uma categoria histórica que busca, na continuidade da preservação de comportamentos, resgatar os êxitos do passado. Fox (2002) critica tal postura ao afirmar: "é interessante enquanto o indivíduo vive num mundo comparativamente igual; mas o que é que ele tem de fazer quando o mundo que o cerca está em processo de mudança revolucionária?" (p. 91), sobretudo num mundo em que mudar cotidianamente e encontrar novas respostas para sobreviver caracteriza-se como equação permanente.
Pode-se, portanto, inferir que a espontaneidade-criatividade necessita das conservas culturais para superá-las e avançar. Seria ingênuo colocar atributos como bom ou ruim; ao contrário, deve-se buscar o aprofundamento e a compreensão de sua interdependência. Nas palavras de Carneiro e Rasera (2012), "a espontaneidade se opõe à conserva cultural, produto de uma sociedade caracterizada por regras, tradições, mitos e costumes, que bloqueia a manifestação da criatividade, suscitando respostas repetitivas, fixas e ordenadas" (p. 25).
OS SOCIODRAMAS
A METODOLOGIA, O CAMPO E OS SUJEITOS
A presente pesquisa foi construída a partir das indagações e das reflexões evidenciadas sobre os desafios cotidianos do docente da EJA. Optamos pela utilização da metodologia de investigação baseada no referencial teórico da Socionomia. Este estudo caracteriza-se, portanto, como uma investigação qualitativa com método sociodramático.
As pesquisadoras do campo da Socionomia, Nery, Costa e Conceição (2006), propõem a metodologia sociodramática para a pesquisa qualitativa com grupos em interação, como foco de investigação, de pesquisa ativa e de construção das significações das relações.
Tal perspectiva nos remete aos sujeitos desta pesquisa, pois somente os protagonistas da história podem descrever como têm sido afetados em suas vidas, em seus relacionamentos, nas visões sobre si e refletir sobre suas perspectivas de futuro. (Costa e Vanin, 2005)
Na pesquisa sociodramática, o pesquisador é convocado a realizar uma imersão para compreender os fenômenos o mais próximo possível da perspectiva dos sujeitos. Monteiro, Merengué e Brito (2006), ao se referirem ao papel do pesquisador, comentam que "a imersão pressupõe o abrir mão de qualquer certeza, de qualquer conhecimento e se lançar no desconhecimento, no não saber. É preciso, entretanto, ter um fio que o sustente, que ligue o pesquisador ao real, ao objetivo" (p. 69).
Os sujeitos desta pesquisa compõem um grupo de professoras e professores, que chegam à escola no final da tarde para mais um turno de trabalho, ou seja, chegam para a terceira jornada de trabalho no dia. Para as sessões de sociodrama, contamos com 25 participações no primeiro encontro, 22 no segundo, e 20 no terceiro e último encontro.
As sessões de Sociodrama foram realizadas no horário das atividades pedagógicas coletivas (HTPC) e tiveram a duração de 1h30 cada, aproximadamente. Os encontros ocorreram com intervalos quinzenais.
A unidade escolar desta pesquisa está localizada em uma das cidades da região do ABCDMRR paulista, sub-região sudeste da Região Metropolitana de São Paulo, que compreende os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. A unidade escolar escolhida oferece a modalidade EJA para todas as etapas da Educação Básica: Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio.
1º SOCIODRAMA UMA MÁQUINA EM QUESTÃO
O aquecimento iniciou com um caminhar livre e, na sequência, com objetivo de provocar maior autopercepção, foi solicitado ao grupo que se concentrasse em seus pés experimentando novas formas de se caminhar. Para cada diferente estilo de caminhada, era pedido ao grupo que se expressasse, conforme descrito a seguir.
Andar nas pontas dos pés: "Chegando em casa tarde, fiz arte, faz tempo que não faço arte, fugindo do pai". Andar com os calcanhares: "Virei criança, de salto alto não, desce do salto menina, nossa, assim dói!" Andar com a lateral externa: "Impossível, pisei onde não devia, pisei no prego". Andar com a lateral interna do pé: "Imitando o Batoré, não vou chegar nunca em lugar nenhum". Andar com pressa: "Indo pra EJA, indo pra casa na hora do almoço". Andar feliz e animado: "Último dia de aula, alunos faltaram, não vai ter aula hoje". Andar triste: "Dia do pagamento, todos os dias do mês, dar aula no 9º B".
O processo avançou e a proposta foi para se apresentarem com nome, disciplina que lecionavam, tempo de docência e algo sobre si que o grupo ainda não soubesse. Como o grupo já se conhecia, pois a maioria dos professores e professoras trabalha junto há cerca de dez anos, estes foram estimulados a compartilhar algo novo.
Observamos certo desconforto com alguns comentários como: "não tenho nada pra contar", "todo mundo me conhece bem", "mas será que é pra contar tipo um segredo?", "como assim?", "que tipo de segredo?". Até que alguém iniciou. A escuta era atenta e o envolvimento era intenso a cada novo fato. As manifestações de surpresa em descobrir algo novo sobre o colega foram percebidas pelas expressões faciais e sorrisos. Seguiu-se o clima de acolhimento diante de narrativas de perda ou fatos tristes, brilho nos olhos e expressão de alegria para eventos de superação e conquistas de objetivos, gargalhadas com as histórias mais engraçadas.
Para a etapa de dramatização, organizados em dois subgrupos, professores e professoras deveriam criar uma máquina utilizando o próprio corpo.
A primeira máquina criada foi uma esteira. Os professores se organizaram em duas fileiras. No centro, um professor caminhava lentamente pelo corredor criado, enquanto o grupo fazia movimentos circulares com os braços, como se estivessem girando uma manivela. À medida que a máquina entrava em funcionamento, eram produzidos sons com a boca, estalos e chiados para caracterizar sons de uma máquina em funcionamento.
Apoiada nas técnicas do Sociodrama, fizemos intervenções na cena, solicitando ao grupo que acelerasse o funcionamento da máquina, que chegasse ao seu máximo e o grupo respondeu aumentando a velocidade e a intensidade dos movimentos e dos sons produzidos. Em seguida, pedimos que congelassem a cena (para que interrompessem por completo os movimentos) e expressassem, em voz alta, como estavam se sentindo. Rapidamente responderam: "cansado", "exausto", "com dor no braço", "quero sair daqui", "não aguento mais ser peça de máquina". O grupo que estava assistindo a cena também se expressou: "é tenso, é sério o que eles estão fazendo, parece um retrato do nosso dia a dia, é triste."
Passamos à máquina do segundo grupo. Os integrantes se posicionaram em pé, um ao lado do outro, voltados para o centro e formaram uma meia lua. A máquina iniciou seu funcionamento da direita para a esquerda que consistia em passar dois cachecóis, um de cada vez, de mão em mão. Cada um, ao receber a peça, fazia um movimento diferente (torcia, esticava, misturava, sacudia, dobrava etc.).
Ao final da cena, uma das participantes gesticulou, como se estivesse abrindo um guarda-roupa, pegou o cachecol que estava dobrado e pronto para ser usado novamente, vestiu-o, olhou-se num espelho imaginário e saiu feliz da cena. Esta segunda máquina despertou comentários espontâneos como: "preciso disso", "quero uma pra mim", "ai que sonho", "vamos patentear", "posso colocar minha blusa também".
No momento do compartilhar, reproduzimos algumas falas: "Me senti estranho em ser parte de uma máquina, não aqui na dinâmica, mas no dia a dia mesmo. Achei bem chato a proposta da atividade, não gosto de me expor, não gosto de dinâmica, mas no fim . . . foi diferente e eu acabei gostando. Gostei de saber mais coisas sobre meus colegas, tenho coisas em comum com pessoas que nem imaginava. Fiquei com essa história da máquina na minha cabeça, não sei. Acho que revi alguns conceitos ou pré-conceitos. Estou pensativa. Achei importante dar essa parada. Estou saindo mais descansada do que cheguei. Eu também, vou até mais animado pra aula. Foi bom."
2º SOCIODRAMA - DE REPENTE UM CANTO
O segundo encontro ocorreu na sexta-feira anterior ao processo eleitoral do segundo turno de 2018. O cenário político nacional estava acirrado: de um lado, o candidato Jair Bolsonaro, do PSL, atual presidente, e do outro, Fernando Haddad, do PT. Os índices de rejeição de ambos estavam elevados, as redes sociais eram usadas como principal canal de comunicação de campanha com notícias verdadeiras e muitas "fake news", os nervos estavam à flor da pele, havia temor e incerteza do que esperar para o futuro.
Diante deste breve relato do contexto social, notamos, nesse segundo encontro, o atravessamento desses fatos para o contexto grupal e dramático como pode ser observado a seguir.
A atividade de aquecimento foi realizada com a escolha de uma figura de emoticon (objetivo intermediário), que melhor expressasse como foi a semana e como cada um estava chegando a esse encontro. Os emoticons disponibilizados foram utilizados (triste, feliz, surpreso, óculos escuros, piscadela, beijo, boca fechada, sono, doente etc.). Em uma roda, todos mostraram seus emoticons e contaram o porquê daquela escolha.
Nesta primeira rodada, as falas diziam sobre cansaço, sobrecarga de trabalho, felicidade por ser o último dia da semana, mas a maioria fez referência ao contexto político com certo pesar, em especial, por rupturas ou afastamentos ocorridos na família ou grupos de amizade em razão das diferenças políticas. Queixaram-se de atitudes extremadas, mas pareciam dispostos a enfrentar discussões acirradas em busca de mais um voto.
Na sequência, o grupo foi convidado a se juntar em duplas ou trios por meio de emoticons similares. Após alguns diálogos, pedimos para que eles congelassem a cena e observassem o que estava ocorrendo, sobre o que exatamente estavam falando e sobre o que gostariam de falar naquele dia. Após um silêncio reflexivo, um dos participantes levantou o emoticon que tinha a mão na boca e disse: "não podemos falar", e outro professor completou, "mas também não podemos nos calar" levantando o emoticon de susto.
Propusemos então uma sociometria, ficando de um lado da sala os que concordavam que "não podemos falar", e do lado oposto os que concordavam que "não podemos nos calar".
Os professores foram se juntando nesses grupos para dialogar sobre o calar e o falar e, passados quinze minutos, solicitamos que fechassem a discussão expressando-se por meio de uma música. A dramatização, então, começou com o primeiro grupo cantando "O que é? O que é?", do Gonzaguinha, com ênfase no refrão: "Viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar, a beleza de ser um eterno aprendiz".
A maneira como o grupo começou a cantar empolgou a todos que cantaram juntos em um grande coral. O segundo grupo, já aquecido, começou a cantar Maluco beleza", de Raul Seixas, com destaque para o trecho: "vou ficar, ficar com certeza, maluco beleza". Para continuar no clima de "cantoria" instalado, perguntamos se havia outras músicas que queriam cantar. Rapidamente, uma professora iniciou uma música e foi imediatamente acompanhada por todos: "Pra não dizer que não falei das flores", também conhecida como "Caminhando", de Geraldo Vandré.
Apesar de estarem em lados opostos antes do início do exercício, divididos entre os que "não podiam falar" e os que "não podiam calar", o hino da resistência, como ficou conhecida a música de Vandré, surgiu como ponto de encontro para ambos os grupos.
No momento do compartilhamento deste segundo sociodrama, as emoções eram intensas, mobilizaram-se com as músicas, descobriram-se cantores, identificaram pontos comuns, conseguiram cantar juntos apesar das diferenças, trocaram ideias sobre seus medos e incertezas em relação ao futuro da EJA naquela escola, do Brasil e deles próprios.
3º SOCIODRAMA É POSSÍVEL UM ALUNO SER PROFESSOR
Começamos a rodada com as falas iniciais a partir de folhas de papel colorido, disponibilizadas para demonstrarem os sentimentos de como estavam chegando. As expressões eram de cansaço, de preocupações com atribuições de aulas para o próximo ano "o que será que vai acontecer com a gente?"; ansiedade com o acúmulo de tarefas para a conclusão do semestre "será que vou dar conta?"; expectativas pelo feriado (a ocorrer na semana seguinte) para colocar as pendências em dia; expectativa positiva pelo final do ano escolar "ufa, mais um ano concluído"; sentimentos de gratidão "tive uma ótima semana, finalizamos um projeto em outra escola e foi bem legal, toda a comunidade se envolveu, teve festa e até corrida de rua"; decepção total, por ter recebido o salário no dia anterior e já estar sem nenhum tostão; preocupação com as mudanças em curso na escola: "será que vai mesmo fechar a EJA aqui ou vai mudar pra outro lugar?"
Partimos para o aquecimento específico e, organizados em três grupos, os professores e professoras foram convidados a refletir sobre as condições climáticas como metáforas do cotidiano (Souza & Drummond, 2018). Deveriam conversar sobre o que estava ensolarado, nublado e tempestuoso na visão dos educandos, dos próprios professores e da gestão da escola.
As conversas ocorreram com seriedade e em um clima reflexivo. Segue um resumo desse momento importante.
Para os educadores, clima ensolarado: férias, abono, décimo-terceiro salário, estudantes interessados, estudantes disciplinados e com vontade de aprender, quando o "aluno-problema" falta. Clima nublado: corrigir provas, lançar faltas no sistema, repor aulas, ter estudantes desinteressados, ser professor substituto (aulista). Clima chuvoso: substituir outros professores que faltaram, ter que improvisar ou inventar um conteúdo quando tem que juntar turmas, salário atrasado, estudantes que não acreditam no próprio potencial, estudantes que desistiram de aprender.
Para os educandos, clima ensolarado: boas notas, férias, aulas dinâmicas, educadores dinâmicos, aulas vagas. Clima nublado: atividades valendo notas, provas surpresas, ficar de recuperação e levar advertência. Clima chuvoso: reprovação e notas baixas.
Para a gestão, clima ensolarado: ter o quadro de professores completo, estudantes disciplinados, um dia sem problemas na direção. Clima nublado: resolver problemas de comunicação entre educadores e educandos, mediar conflitos entre alunos e inspetores. Clima chuvoso: absenteísmo dos educadores, afastamento dos educadores e número elevado de faltas no mesmo dia.
À medida que os grupos iam se expressando, surgiam comentários, desabafos sobre suas dificuldades e a dureza dos tempos atuais permeados por certo saudosismo de tempos melhores. Convidamos o grupo a aprofundar um pouco mais o tema, solicitando que eles pensassem em uma cena do cotidiano que pudesse expressar os principais obstáculos, barreiras ou desafios e iniciamos uma dramatização.
O cenário escolhido foi uma sala de aula. Alunos em seus lugares, professor tentando dar aula, mas foi insistentemente impedido por uma aluna que chegou atrasada e interrompeu a aula de maneira ruidosa. Sentou-se de costas para o professor, mobilizou os demais alunos. Conversava alto, fazia piada, fazia as unhas, mostrava o que comprou, vendia coisas que estavam em sua bolsa. Outros alunos se dispersavam e ficavam no celular e outros, ainda, ficaram com o olhar perdido. O professor ia tentando estratégias diferentes, mas todas sem sucesso.
A cada nova abordagem ou estratégia testada pelo professor, a cena era congelada para um solilóquio. Os professores, vivendo o papel de estudantes, capricharam nos detalhes cênicos e se divertiram. Sobre os solilóquios: "tô nem aí", "o papo aqui tá muito bom", "tô me divertindo", "aula é chato", "deixa eu terminar aqui, já já presto atenção". Já na vivência do papel de professor, os sentimentos eram de frustração, incompetência, incômodo, tristeza, vontade de fugir, ausência de sentido: "não é pra isso que deixo minha filha bebê em casa."
A cena foi congelada inúmeras vezes e todos queriam tentar ou testar uma nova abordagem no papel de professor, todas sem êxito ou com pequeno sucesso. A tensão e a seriedade aumentaram no grupo e o sentimento de frustração se instalou também entre os alunos. Fizemos uma breve reflexão neste momento sobre o que efetivamente queriam os estudantes. Em vez de responder verbalmente, testamos novas cenas.
Nesse processo, descobrimos que os estudantes queriam ser ouvidos, respeitados em sua individualidade, queriam afeto, aula, mas de outros jeitos. Quando perguntamos sobre o significado disso para os professores, o sentimento foi o mesmo: estudantes e professores desejavam a mesma coisa.
Invertemos os papéis de professor-aluno e testamos mais uma possibilidade, desta vez dando voz para os alunos e para o professor.
Os personagens da estudante-bagunceira e do professor, ao inverterem os papéis, começaram diferente. O professor cumprimentou a aluna e perguntou: "está tudo bem com você?". A pergunta surpreendeu a aluna, que se sentou e respondeu algo sobre seu dia em tom mais tranquilo. O professor perguntou para os demais alunos "e vocês como estão hoje?". O clima mudou, todos se escutaram e um estudante perguntou "e você professor, como está?".
O professor se emocionou. Congelamos a cena e perguntamos pelos sentimentos presentes: "estou sendo respeitado", "existo", "estou sendo ouvido", "há tranquilidade", "estou curioso em saber sobre as pessoas". Encerramos a cena neste momento entendendo ter encontrado uma resposta espontânea para aquela cena.
No compartilhamento desse encontro as palavras foram: "leve", "foi bom", "saudosista", "encorajado", "feliz", "tudo bem", "grato por este espaço", "sentimento de respeito por meus colegas", "é bom falar o que sentimos", "reflexivo", "sentindo-me um pouco estranho".
DESAFIOS AO ENCONTRO
Compreender as conservas culturais instaladas, abrir espaço para a dialogicidade, propiciar encontros, acolher emoções, criar possibilidades, pensar novas respostas, novos olhares não são tarefas simples, mas são essenciais. Do contrário, não teremos processos humanizantes, não teremos processos educativos.
Durante o acompanhamento dos sujeitos desta pesquisa em sua rotina escolar, foi possível observar que eles chegam e saem sempre apressados, com passos rápidos, pouco conversam ou conversam enquanto caminham pelos corredores, muito pouco ou nada trocam sobre si mesmos. São papos de curta duração, diálogos rápidos porque estão sempre de passagem de uma sala para outra, de um prédio para outro, de uma aula para outra, de uma escola para outra, são docentes-passageiros.
Neste sentido, Arroyo (2007), ao falar sobre a EJA, relata que "os adolescentes, jovens e adultos não fazem percursos individuais, nem percursos de agora" (p. 29). Entendemos que o mesmo se aplica aos docentes da EJA, uma vez que eles não fazem percursos individuais, mas sim de um coletivo em intenso movimento, um coletivo de docentes-passageiros.
Devemos considerar a espontaneidade como única possibilidade de proporcionar a oposição e o rompimento das conservas culturais. Estas se constituem das regras, tradições, mitos e costumes que bloqueiam a manifestação da criatividade e garantem respostas padronizadas, esperadas, fixas e repetitivas. Nisso encontramos um aspecto positivo e até útil, que é garantir a memória dos fatos, a herança, como uma categoria histórica (Fox, 2002). No entanto, jamais deve provocar o distanciamento ou a imobilidade da capacidade individual e coletiva de dirigir a própria vida e a própria história.
Por outro lado, a conserva cultural, quando se mostra com toda sua pujança, instiga uma potência de igual proporção daqueles e daquelas por ela impactados. A tomada de consciência deste fato é imperativa. A vivência e o enfrentamento dos conflitos é que podem tornar possível a espontaneidade, a construção coletiva de saídas.
A tarefa é hercúlea e, diante da impossibilidade de reversão deste quadro, o que se constata são educadores da EJA vivendo em situações-limite. Encontramos em Moreno (2008) a afirmação de que "o ponto mais vulnerável de nosso universo atual é a incapacidade humana de se defrontar com . . . a conserva cultural" (p. 331). Freire (2015), por sua vez, aponta para os processos de "negação do direito de Ser Mais" (p. 73), como elemento intrínseco e próprio da natureza humana. Este é o panorama com o qual nos deparamos nesta unidade da EJA.
A fragilidade nos vínculos foi particularmente revelada no primeiro encontro de Sociodrama, quando os docentes se mostravam surpresos, emocionados, identificados, dentre outros sentimentos, diante dos fatos e breves histórias narrados por seus colegas. A fala "não tenho nada para contar" pode ser reveladora de uma resistência, desconforto ou até mesmo da condição de "ser menos". Menos importante, menos vivido, menos eficiente e, até mesmo, menos necessário.
Ainda neste encontro, as máquinas revelaram, por meio dos gestos, sons e posturas, um fazer docente mais automatizado, mecânico e esvaziado de humanidade com pouca espontaneidade. A falta de espontaneidade-criatividade no desempenho de um papel faz com que o indivíduo apenas atue neste papel e não o represente de maneira autoral e espontânea, condição que Fator (2010) esclarece afirmando que a falta de espontaneidade criadora pode ocorrer "porque o indivíduo está em um campo tenso, ou seja, vivenciando uma situação ameaçadora, ou porque sua espontaneidade está em um estado patológico, distorcendo suas percepções, dissociando a representação dos papéis e contra papéis e interferindo na integração do eu" (p. 4).
Na medida em que o trabalho aumenta e se torna mais exigente, os trabalhadores-docentes sentem-se em um campo tenso e ameaçador continuamente. Em um cenário em que apenas os mais competentes e competitivos sobrevivem, de acordo com as regras do capitalismo (Piolli, 2011), o desempenho do papel e contra o papel docente vai se tornando mecânico e prescritivo. São como peças e engrenagens de máquinas que, como tal, com o esforço repetitivo, se desgastam, quebram, podendo ser facilmente substituídas.
Estamos falando aqui do esforço pessoal empreendido por cada docente, por vezes inócuo, mas que produz sofrimento. Mesmo assim, eles não desistem, tais quais suas máquinas, aceleram, desaceleram, fazem ajustes internos, arranjos familiares, tomam decisões, mobilizam-se, mesmo que raramente sejam reconhecidos. Isto pode levá-los ao adoecimento. Piolli (2011) complementa esta afirmação ao considerar que "o não reconhecimento da contribuição e do esforço do indivíduo causa o seu sofrimento e afeta a construção da identidade social e pode levar ao adoecimento mental ou somático" (p. 176).
Sofrimento e adoecimento acabam por traduzir tentativas de resistência e enfrentamentos individuais deste cotidiano, os quais precisam, no entanto, ser abandonados para dar espaço ao enfrentamento coletivo, como o realizado pelos professores e professoras no coral do segundo encontro de Sociodrama, que em uníssono perguntou sobre a vida: "O que é? O que é? É alegria ou lamento?"
E o contra canto, afinado, logo respondeu com a mensagem de alerta "enquanto você se esforça pra ser um sujeito normal, do fundamental" e completou "vou ficar, ficar com certeza maluco beleza". Tratamos aqui do esforço, do risco de ficar maluco, do tornar-se mais espontâneo. Por fim, todos cantaram juntos o hino da resistência, convocando para a ação: "Vem vamos embora, que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer", denunciando, assim, a força e a vontade pelo Ser Mais.
A prática desta abertura, com seu resultado exitoso, pôde ser observada no terceiro encontro de sociodrama, por meio do empenho dos professores e professoras, em suas várias tentativas, até encontrarem uma saída, uma brecha, um ato espontâneo que pudesse mudar a situação com a estudante-desafiadora. Depois de inúmeras tentativas, já cansados e apoiados pela técnica da inversão de papéis, experienciar o Encontro e com ele devolver ao espaço pedagógico o "clima para continuar sua atividade específica e com a qual restaurara o direito dos estudantes e o seu de prosseguir a prática docente" (Freire, 2015, p. 102).
Atos, espaços e momentos como estes, que geram o saber coletivo, que oportunizam a superação coletiva de obstáculos, deveriam ser rotineiramente cultivados e vivenciados, pois a "importância desses gestos que se multiplicam diariamente nas tramas do espaço escolar, é algo sobre o que teríamos de refletir seriamente" (Freire, 2015, p. 44). Entretanto, na medida em que esta prática não é sustentada na rotina escolar, não encontra espaço físico e temporal para se estabelecer. Resta, então, o adoecimento docente como uma conformação de denúncia da desumanização, da opressão e do silenciamento.
A Socionomia salienta que, mesmo dentro de um contexto social que nem sempre é propício à fluidez da espontaneidade, o ser humano continua em um movimento constante de "vir-a-ser".
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Moreno (1974) relata que, das civilizações mais primitivas até as altamente desenvolvidas, há uma importante sabedoria que consiste em "atribuir às forças do grupo um papel decisivo na estruturação da vida social" (p. 27). O autor complementa, afirmando que um grupo só pode existir se mantiver relações de "reciprocidades positivas entre seus membros". Isso irá lhes garantir um sistema de relações saudáveis, estimulará a busca coletiva por soluções aos seus problemas e propiciará a espontaneidade-criatividade.
Desta maneira, importa que se cultivem e que sejam nutridas as relações entre os professores e professoras da EJA. Suas faltas constantes denunciam suas ausências. Os elevados índices de absenteísmo podem traduzir a necessidade da fuga do contexto e do próprio convívio grupal, evidenciando a urgência de se resgatar a potência do grupo.
Em face do exposto, ao nos perguntarmos sobre caminhos e brechas possíveis de serem trilhadas pelos docentes da EJA como possibilidade de superar os desafios e conservas culturais que impedem o Encontro. Aprendemos nos sociodramas realizados que sim, há caminhos possíveis, favorecidos pela espontaneidade-criatividade. Nos encontros realizados, favoreceu-se a construção de vínculos de confiança, permitiu "o enxergar" o outro e, por consequência, sentir-se reconhecido e pertencente a um coletivo.
Não se trata de vínculos ou convívios superficiais, mas sim, de construção de laços capazes de fortalecer suas ações e o enfrentamento do contexto, favorecendo a espontaneidade-criatividade e o desenvolvimento da indispensável amorosidade freiriana. Para isso, há que se abrir ainda mais espaços de ação-reflexão. Por meio da troca de experiências, da reflexão crítica sobre a prática e, consequentemente, do constituir-se enquanto grupo e enquanto sujeitos reflexivos, consciente, críticos, dialógicos, conhecedores de si, de sua história, de sua cultura, de seus conflitos, capazes de avaliar a sua ação e por fim transformá-la continuamente.
Dialogando com esta proposta, temos a esperança, destacada nos textos de Paulo Freire com o sentido de ação e de possibilidade de intervir para melhorar. Por vezes, o termo possa suscitar a pergunta: pelo que esperar em meio a tantos desafios e situações-limite?
Cabe lembrar que a essência da esperança é, antes de tudo, um apelo ao caminhar, para seguir pelos caminhos da vida, afinal, esperança não é esperar, e sim caminhar. A ética da alegria fundamentada no psicodrama de moreno implica na passagem das paixões tristes às alegres, da fraqueza à força, da passividade às possibilidades.
Tal evidência nos foi espontaneamente oferecida pelo canto uníssono entoado pelos professores e professoras da EJA, convidando-os a si próprios, a todos e todas: "Vem, vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora não espera acontecer". O hino da resistência está vívido, pulsante e é entoado com alegria. "Caminhando e Cantando", título popular desta canção, traz os verbos no gerúndio, forma verbal que indica uma ação em curso, indica vida e, apesar dos desafios, indica a possibilidade e a esperança de novos Encontros.
CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
Conceitualização: Amaral, MSS e Costa-Renders, EC; Metodologia: Amaral, MSS; Redação de Investigação - Minuta Original: Amaral, MSS; Redação - Revisão e Edição: Amaral, MSS e Costa-Renders, EC; Recursos: Amaral, MSS; Supervisão: Costa-Renders, EC.
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*Autor correspondente: mara.amaral@prof.uscs.edu.br
Recebido: 05 Nov 2019 – Aceito: 03 Mar 2020
Editora de Seção: Leila Kim