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Revista Brasileira de Psicanálise

versión impresa ISSN 0486-641Xversión On-line ISSN 2175-3601

Rev. bras. psicanál v.42 n.1 São Paulo mar. 2008

 

DIÁLOGO

 

Carlos Vogt: entrevista

 

Interview: Carlos Vogt

 

Entrevista: Carlos Vogt

 

 

Carlos Alberto Vogt graduou-se em letras na Universidade de São Paulo. É mestre em lingüística geral pela Université de Besançon (França) e doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas/Unicamp, instituição de que foi reitor no período de 1990 a 1994. Sua vida acadêmica inclui passagens por universidades como a Mcgill (Canadá), a South Florida (eua) e a Nacional de Tucumán (Argentina). É professor titular da Unicamp, onde coordena o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo e é diretor de redação da revista eletrônica de divulgação científica Com Ciência, produzida pelo Labjor. É também editor-chefe da revista Ciência e Cultura, publicada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência/2002 a 2007, foi presidente da Fapesp. É o atual titular da Secretaria de Ensino Superior do Estado de São Paulo.*

 

RBPA Revista Brasileira de Psicanálisevem realizando entrevistas com profissionais de várias áreas do conhecimento, para tratar do estado atual de desenvolvimento de cada uma delas, suas crises, impasses e pontos de contato com a psicanálise. É sobre esses temas que gostaríamos de conversar com você.

CARLOS VOGTDe alguma maneira, essa conversa já vem acontecendo desde que fizemos o número da revista Pesquisa Fapespsobre a psicanálise, no qual tratamos da psicanálise em relação à neurociência, à cultura, à natureza. Não acredito muito em crise. Acredito mais em transformação e mudança. O processo do conhecimento é dinâmico. As diferentes ciências ou formas de conhecimento vão desenvolvendo novas metodologias, vão incorporando instrumentos, artefatos, equipamentos e tecnologias que permitem grandes avanços e abrem novas possibilidades de desenvolvimento. Todos eles vão modificando esse enorme campo, ao qual não pertencem propriamente. Uma parte pertence àquilo que é próprio do campo estruturado da ciência– ou do conhecimento organizado–, outra é residual em relação a esse campo em cada momento histórico.

É a idéia da epistemologia de [Charles Sanders] Peirce, na qual se tem o signo, o interpretante e o conjunto de interpretantes e estes vão ampliando o campo das condições de modificação do próprio conhecimento contido no objeto estruturado da ciência ou de um conhecimento organizado. É um pouco a idéia da epistemologia do começo do século xx, sobretudo depois da filosofia da linguagem e da lingüística: a idéia de que é possível transferir para as ciências humanas os princípios de organização do objeto do conhecimento, do objeto da ciência. De que se pode criar esse objeto, dar a ele statusepistemológico e, por meio do objeto, simular o fenômeno. Quanto maior a capacidade de simulação do objeto, mais compreensiva, explicativa e preditiva é a ciência, e assim por diante. Então essa dinâmica supõe de fato uma dinâmica de transformação.

A meu ver, outra coisa importante (só pra gente ir botando uns aperitivos na conversa) é que o modelo positivista sobre o qual se assentou o conhecimento desenvolvido no século xix tem origem no século xviii, no racionalismo iluminista. Esse modelo positivista considera a verdade de forma absoluta, a ponto de permitir que daí derive uma ideologia da crença na verdade científica, uma crença praticamente religiosa. A igreja positivista acabou levando a isso. Isto é, com o desenvolvimento da matemática, da lógica modal, ela foi sendo posta em xeque, até a formulação dos modelos científicos decorrentes em parte das grandes transformações provocadas pela própria ciência: o relativismo de Einstein, a física quântica, enfim, tudo o que se pensava já ser conhecido, já estar definido, determinado. O mundo aristotélico em vigência, as leis da mecânica, Newton, tudo o que se dava por resolvido não o estava mais. Porque havia Max Planck, havia a teoria quântica, havia as partículas, a física, e isso mudava tudo. Do ponto de vista do conhecimento, essas mudanças acompanham as grandes transformações culturais e artísticas do começo do século xx e alteram os paradigmas da ciência, ou seja, da verdade considerada de forma absoluta, como um fim alcançável. Cai a idéia de que a verdade está no mundo e de que é preciso, então, descobri-la no mundo.

Seria necessário substituir essa noção por uma visão inteiramente estatística, probabilística. Você apenas se aproxima da verdade, mas não a alcança a não ser por eliminação das hipóteses que vão se desmonstrando falsas e, assim, possibilitando um conhecimento maior das estruturas intelectuais que permitem conhecer o mundo. Em momento algum se está falando do mundo; está-se falando do conhecimento do mundo e das condições de produção desse conhecimento, das estruturas intelectuais, das estruturas mentais. Como se apreende, como se descobre isso? Quanto mais você fala do mundo, mais está falando de você. Isso muda tudo, na ciência e em tudo mais. A psicanálise, no final do século xix, começo do xx, surge com uma força– que eu diria arrasadora– em relação aos modelos de tratamento da mente, a tudo o que se conhecia na época, mesmo em relação ao que o próprio Freud tinha ido estudar com Charcot. Tudo isso, na dinâmica do conhecimento, integra campos que fundamentam o nascimento da psicanálise.

Acho que psicanálise e literatura são inseparáveis, pois ambas nascem exatamente do exercício da imaginação. Isso é bonito e instigante, sobretudo para um homem que, a partir da fabulação do mundo, se esforça por construir um modelo de interpretação. É algo extremamente poético, de uma enorme força explicativa, e que tem como princípio ou célula de organização a metáfora e as figuras de linguagem de modo geral– de fato, principalmente a metáfora. Assim, é uma visão analógicado mundo. E, sendo analógica, no melhor sentido do termo, penso que se contrapõe, epistemologicamente, às construções de interpretações do mundo e de nós mesmos ditas digitais, todas elas baseadas na lógica binária.

A ciência tem um compromisso não só com a demonstração, mas também com a experimentação. Quando se diz que a física é uma ciência experimental, isso tem muita força; significa que se pode demonstrar a verdade de um fenômeno, de uma análise, e também que isso pode ser simulado em laboratório. Pela simulação, pela experimentação, você consegue avaliar as conseqüências de um projeto. A dinâmica desse processo mexe com os campos do conhecimento, porque você amplia o objeto, ou amplia o que pode caber no objeto estruturado do conhecimento e da ciência. Quanto mais você amplia o objeto, mais aumenta o residual. Não que o residual se esgote, pois o fenômeno é inesgotável, quer dizer: nossa tarefa está fadada a não se completar. Não se trata de fracasso, mas estamos fadados a não conseguir completá-la, porque, quanto mais incorporamos, maior é o residual que produzimos, e é o residual que constitui a nossa atração e o nosso fascínio por aquilo que conhecemos.

Acho essa dinâmica muito interessante. Não vejo crise propriamente. O que há é um processo de transformação que se acelera até por causa das tecnologias que foram sendo incorporadas às pesquisas, às formas de produção do conhecimento. Por exemplo, a ressonância magnética– o avanço que ela trouxe à neurociência! O que a genômica e a proteômica avançaram com a bioinformática! É extraordinário. São instrumentos que surgem e modificam a capacidade de domínio do conhecimento nessas áreas.

Há também a dinâmica desse processo. Daí os modelos explicativos sofrerem eles próprios uma constante transformação. Essa dinâmica tem a ver com aquela história de que não se prova a verdade. O máximo que se consegue é provar a falsidade de uma proposta, de uma hipótese. O trabalho se dá sempre por aproximação da verdade, o que relativiza tudo. Mas não é que a ciência tenha abdicado do propósito de dominar o conhecimento. Ela talvez tenha renunciado à idéia de que o conhecimento seja ele próprio uma representação objetiva de leis que estão no mundo. E se essas leis dizem respeito a estruturas intelectuais com as quais nós entendemos e compreendemos, então a psicanálise adquire um papel mais importante ainda nesse processo.

RBPGostaríamos que falasse mais sobre a oposição entre o digital e o analógico?

CARLOS VOGTDo ponto de vista lingüístico, e puxando um pouco a fruta para a minha fruteira, haveria dois modelos explicativos do processo de desenvolvimento da linguagem. Um deles seria mais um modelo rousseauniano, analógico, em que a metáfora é a forma constitutiva do processo. Nesse caso, o uso literal da linguagem seria uma derivação de algo que não estaria propriamente na origem. A literalidade da linguagem se relacionaria ao uso específico da linguagem em condições específicas– à linguagem científica, com todas as suas regras style='font-size:11.0pt; color:red'>. Outra vertente, mais racionalista, mais na tradição da gramática universal de Chomsky, diz o contrário. Diz que a linguagem tem uma estrutura lógica, que essa estrutura representa estruturas do pensamento e que a estrutura lingüística reproduz essas estruturas do pensamento. Só que nesse ponto ainda não havia a linguagem matemática, a lógica moderna. Ao longo desse processo, essas estruturas do pensamento passarão a ser representadas na forma de linguagem matemática– da qual as línguas naturais possuem algumas propriedades, mas elas próprias não representam esse fundamento.

Seja num caso, seja no outro, a estrutura é digital. É binária, tem sujeito e predicado, e é sempre arborescente. Porque você precisa ter, dentro da metodologia de construção, a possibilidade de decomposição analítica. Para proceder à análise, é preciso acreditar que há elementos primordiais e constitutivos, que esses elementos se combinam segundo regras específicas de sintaxe e que essa combinação sintática gera sentido. E o sentido gerado é um sentido literal.

RBPO que significa “literal”?

CARLOS VOGTSignifica que, se alguém diz “O dia está quente”, isso será verdadeiro ou será falso conforme a verificação daquilo que é descrito por esse enunciado. Tudo o que não é literal é conotação, é derivação. Então há dois caminhos: ou você considera que a origem é poética, metafórica, analógica– e o sentido literal é uma construção e um uso específico–, ou considera que o sentido original é literal, sendo o sentido figurado, poético, uma construção posterior, parte do uso, mas não parte constitutiva da estrutura própria da linguagem. A estrutura da linguagem é sempre binária nesse sentido; é uma estrutura 0/1.

RBPO psicanalista pode ouvir do paciente que“o dia está quente hoje” e ter a licença de entender que ele está falando de sexo.

CARLOS VOGTÉ claro.

RBPE isso seria impossível na primeira estrutura, que é a do conhecimento.

CARLOS VOGTExato. Do ponto de vista lógico, o intertexto, a entrelinha, a alusividade da linguagem, tudo isso é derivação, são usos derivados. Existem, mas fazem parte, digamos assim, da pragmática, não da sintaxe nem da semântica propriamente. Fazem parte da forma pela qual o usuário se apropria disso. Afirmar o contrário significa dizer que o sentido fundamental, ele próprio, já é pragmático, o que supõe a relação do que é dito com o que isso representa no mundo e a inter-relação dos interlocutores. Não há representação sem apresentação. Ninguém consegue dizer algo sobre alguma coisa sem simultaneamente dizer algo sobre si e sem representar algo sobre o interlocutor com quem fala. Isso cria uma dinâmica de sentidos explícitos e implícitos, um jogo. A psicanálise trabalha exatamente aí; ela trabalha a tessitura dos sentidos. Para uma explicação racionalista, lógica, não há outro jeito a não ser considerar que certas coisas são constitutivas da linguagem, tal como o são no caso das linguagens artificiais: basicamente, os elementos mínimos, as regras de combinação desses elementos (as quais compõem a sintaxe) e as regras que relacionam o que é combinado com aquilo que é dito– ou seja, a relação de significação de sentidos. O resto é derivado, é social, é circunstancial, depende do contexto, da situação. Mas pode-se inverter essa formulação e dizer que o sentido é originalmente poético, figurado. Então, você põe a pragmática dentro da constituição do lingüístico ou da linguagem, e assim por diante.

É preciso lembrar que falamos da ciência tal como a conhecemos hoje, mas a ciência, como instituição, nasceu no século xviii. Em nenhum dos casos se está dizendo que não existe o uso figurado. A questão é o quê antecede o quê. Como a visão científica pressupõe a possibilidade de análise, é preciso haver elementos mínimos. Se não houver, a ciência se suicida. Ela cai no abismo do buraco negro. Por que é necessário o big bang? A teoria da origem do universo considera que existe um princípio, uma unidade, e que aí vem um bum!– aquilo explode, estilhaça e cria o universo. Esse universo não é um amontoado de partículas. Ele se organiza segundo leis, segundo regras de combinação e funcionamento. Por isso é que não cai. E, se cai, se explica por que cai, enfim. Mas isso supõe o elemento e a combinação. Uma coisa interessante– e eu penso na psicanálise– é a filosofia analítica, a filosofia inglesa, sobretudo.

RBPBertrand Russell?

CARLOS VOGTDesse ponto de vista, sem esquecer o Russell, talvez seja interessante considerar a contribuição que alguns filósofos poderiam trazer para os estudos em torno das relações entre linguagem e psicanálise– Austin, Strawson, Searle (este, americano) e mesmo o egiptólogo Alan Gardiner, com o livro The theory of speech and language, de 1932.

Um enunciado lingüístico, ao mesmo tempo em que diz alguma coisa sobre algo– aquilo que eu falei–, mostra a forma pela qual aquilo que é dito é dito. Ele diz alguma coisa sobre si mesmo. Um enunciado afirmativo como “o dia está quente” faz uma afirmação sobre um estado de coisas do mundo e diz ao interlocutor que é uma afirmação, um statement, que não é uma ordem, que não é uma pergunta. Assim, a comunicação só é possível porque, ao mesmo tempo em que você diz algo sobre alguma coisa, você sempre indica, sempre mostra alguma coisa sobre o enunciado. Nós dizemos: “O dia está quente– e isto é uma afirmação”. Em todo enunciado, existe então uma espécie de sentido implícito que evita confusão quanto às intenções comunicativas dos interlocutores.

Há um filme do Kubrick, um dos meus preferidos, chamado Barry Lyndon. É a história de um arrivista no século xviii, de um impostor que anda à caça de fortunas. O filme é muito triste, muito bonito e muito bem feito, narrado em duas chaves: a chave do contar e a chave do mostrar. Quando os episódios são contados, tudo se passa rapidamente: então aconteceu isso e mais isso e mais aquilo, pronto. Depois, os mesmos episódios são mostrados. E aí fica muito claro: não é o fato o que mais importa; o que importa é a vivência do fato, é o modo como cada personagem viveu o acontecimento, é a forma como cada um vivenciou as perdas, as alegrias, os enganos, os desenganos e assim por diante. Isso é muito bonito!

Henry James, o irmão do filósofo do pragmatismo, William James, usa muito esse recurso. Ele tinha uma obsessão: a experiência do americano fora dos Estados Unidos, o americano europeu circulando ali pela Itália, pela Inglaterra. (Tanto que acaba recebendo a cidadania inglesa no final da vida.) Ele escreveu alguns romances que tratam dos americanos na Europa e dos europeus nos Estados Unidos, e em todos eles procura inserir o leitor na trama, como parte da construção da intriga, do enredamento da vida dos personagens. É um escritor com estilo parecido com o de Machado de Assis sob muitos aspectos. Ele mostra, faz as coisas acontecerem diante de você. O Proust é outro em que essa questão de mostrar tem uma força enorme. Narrar, contar, não importa muito. O que importa mais é exatamente esse algo que se alonga da vivência do personagem.

Essa distinção é interessante, porque nos permite ver um esforço lógico para entender como é que se articulam o explícito e o implícito na linguagem, isto é, o que é dito é sempre explícito e o que é mostrado é sempre implícito. Essa relação é que permite a construção de significações em vários níveis. Para os psicanalistas, isso sem dúvida é fundamental.

RBPVocê parece ter tido um desenvolvimento atípico: é um humanista, um homem da literatura, poeta em primeiro lugar, mas desenvolveu uma grande ligação com a ciência, com a administração da ciência, dos recursos para a ciência, com a política da ciência. E parece transitar de um lado a outro de maneira muito cômoda, muito à vontade. Como foi isso?

CARLOS VOGTMinha fascinação foi sempre a literatura, a poesia. O interesse pela questão da ciência do ponto de vista epistemológico veio por causa da lingüística. Em 1968, 69, eu fazia pós-graduação em literatura, era orientando do professor Antonio Candido. Estávamos na Maria Antonia, mas depois houve lá a guerra com o ccc [Comando de Caça aos Comunistas] e acabamos indo para a Geografia e História. E apareceu nesse momento a possibilidade de ir para a Unicamp, onde estava sendo criado o Departamento de Lingüística no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Quem me deu a sugestão foi o professor Antonio Candido e também o professor Albert Audubert [1929-2006], que era o catedrático da cadeira de francês e trabalhou ali uns catorze anos. Até então eu dava aula em cursinho, trabalhava, estudava, e naquela época não havia bolsas com a facilidade de hoje. Era mais complicado.

Eu estava doido para ir embora, ir para a França. A idéia do Fausto Castilho, que estava criando o departamento, era mandar um grupo fazer lingüística matemática na França, porque era a época do estruturalismo, aquela coisa da lingüística como modelo das ciências humanas, de tratamento científico das humanidades. Consegui uma bolsa da Fapesp e fui. Lá comecei a me interessar pela relação entre linguagem matemática e lógica. Li um texto style='font-size:16.0pt;color:black'>do [Gilles] Granger, um epistemólogo importante, sobre o Peirce. Até escrevi depois um ensaio comprido chamado “Palavra envolvente”, em boa parte baseado no Granger, no Peirce e no Saussure. Fui me interessando pelas relações e pelas indagações das proximidades, das distâncias, das diferenças, e aí comecei a fazer semântica, até porque enxerguei ali um lugar onde eu poderia abrigar meu vício literário.

Li também um lógico francês de que gosto muito até hoje e que também já morreu, o Robert Blanché. É um lógico muito preocupado em criar modelos de explicação lógica para as ciências humanas. Ele tem um livrinho que é um primor, As estruturas intelectuais. “Livrinho” porque é pequeno. Ali ele faz uma construção sobre a lógica das proposições, propõe o problema da organização dos conceitos a partir da teoria clássica da oposição das proposições. Usa o quadrado lógico de Apuleio, a oposição de proposições universais e particulares, afirmativas e negativas, vai sofisticando a coisa e cria um modelo de representação das estruturas intelectuais que é um modelo para o entendimento de como nós percebemos o mundo. Em todas as culturas, há uma estrutura ternária e de oposições do tipo branco, negro e cinza, verde, vermelho e amarelo, moral, imoral e amoral– você tem sempre um triângulo. E isso é mais fascinante ainda quando se pensa na poesia, na construção poética.

Fiquei mais interessado quando li um livro do [Roman] Jakobson e de um foneticista americano, Morris Halle,fundamentals of language. Nesse livro, o Jakobson apresenta uma teoria dos universais lingüísticos do ponto de vista das estruturas fonêmicas, toda ela baseada em dois triângulos de oposições: das vogais a e u e das consoantes p, t e k. É o mesmo triângulo de que falava o Blanché. Uma das representações é aquele triângulo do verde, vermelho e amarelo, como os sinais de trânsito: o verde é siga, o vermelho é pare, o amarelo é nem siga nem pare. É como moral, imoral e amoral, preto, branco e cinza, sim, não e talvez. É um triângulo sempre! Ele mostra como esse conjunto de oposições se dá por qualidades físicas, sonoras, das vogais e das consoantes, e te permite estruturar todo o conjunto de fonemas que estão presentes como matriz de todas as línguas. Todas! Você tem então um modelo produtivo e explicativo. É extraordinário!

Mas a paixão mesmo apareceu para mim com o Lévi-Strauss, que conviveu com o Jakobson nos Estados Unidos durante a guerra. Daí as afinidades entre o pensamento dos dois. Bem, depois fui ler as Mitológicasdo Lévi-Strauss. O próprio título já é fantástico, porque mitológicasé a lógica dos mitos. Você vê que, por mais diferenças de tempo e espaço que existam entre diferentes culturas, encontramos nelas as mesmas estruturas narrativas, todas aquelas de que falávamos aqui. São as estruturas intelectuais que estão presentes na nossa organização mental e, conseqüentemente, na nossa capacidade de enxergar as coisas de uma maneira e não de outra. O binarismo é muito forte em todos nós. Sempre trabalhamos com o sim e o não, com o zero e o 1.

Com isso, acho que fui montando a ilusão– vamos chamar assim– de que se pode tentar ver como a ciência é poética e como a poesia é científica. Gosto desse esforço de entendimento, gosto de brincar com isso.

Estou com um livro de poesia que vai ser publicado agora, no início do ano [Poesia reunida. São Paulo: Landy, 2008]. São seis livros reunidos e mais um sétimo, novo. Há um poema ali– é mais um texto, na verdade– em que faço uma brincadeira. No túmulo do Newton, na Inglaterra, na Abadia de Westminster, existe um poeminha escrito por Alexander Pope [1688-1744]: Nature and Nature’s law lay hid in night./ God sad “Let Newton be” and all was light. Em tradução poeticamente livre, temos: A Natureza e as suas leis jaziam na noite escondidas./ Disse Deus “Faça-se Newton” e houve luz nas jazidas. Uma outra versão do elogio de Pope foi escrita por Aaron Hill [1685-1750], seu desafeto literário, e diz assim: O’er Nature’s laws God cast the veil of night./ Out blaz’d a Newton’s soul and was light. Em português, também em tradução poeticamente livre, teremos: Sobre as leis da Natureza Deus lançou da noite o manto escuro./ Fora ardia um princípio essencial de Newton e era dia puro.

Os versos de Pope acabaram sendo usados no best-sellerde Dan Brown– O código da Vinci– e se tornaram parte da trama do livro, que envolve poeta e o físico no túmulo dele, em Westminster. Com as leis de Newton, até a metade do século xix pensava-se que a física havia concluído a sua tarefa e que em breve a ciência teria respostas definitivas sobre os mistérios do mundo. Mas, com as descobertas de Max Planck, com o nascimento da física quântica, com o trabalho de Einstein e sua teoria da relatividade, todas as certezas ficaram abaladas. Então, SirJohn Squire [19984-1958], que era poeta, crítico e jornalista, acrescentou dois versos ao epitáfio de Pope para Newton. Dois versos que, ironicamente, falam dos transtornos provocados nas certezas da época pelas descobertas de Einstein: It did not last: the Devil howling “Ho!/ Let Einstein be!” restored the status quo. Traduzindo: Durou pouco: o Diabo uivando “Oh!/ Einstein seja feito!” restaurou o status quo.O mundo é feito de mudanças: achei que eu também podia emendar as antigas reverências com uma nova irreverência:

Nature and Nature’s law lay hid in night.
God said “Let Newton be” and all was light.
It did not last: the Devil howling “Ho!
Let Einstein be!” restored the status quo.
After a while, playing dice, thinking they were free
In the space-time they started singing “What will be, will be!”

A natureza e as suas leis jaziam na noite escondidas.
Disse Deus “Faça-se Newton” e houve luz nas jazidas.
Durou pouco: o Diabo uivando “Oh!
Einstein seja feito!” restaurou o status quo.
Passado um momento, jogando dados em livre pensar,
No espaço-tempo todos cantavam “O que será, será!”

Brincando com essas coisas, focalizando a atualidade, fiz essa outra emenda, e o epitáfio acabou virando um poeminha de seis versos. Tudo era escuro até que apareceu Newton e fez-se a luz. Depois, apareceu o Einstein e chamou o demônio de volta– é a dúvida, a incerteza etc. Eu brinco com essa história do acaso, do Mallarmé, e digo que eles finalmente se reuniram e agora estão por aí no Universo, jogando dados e cantando “O que será, será”...

Mas voltando à pergunta: meu trabalho de administrador aconteceu um pouco por acaso. Fiz uma carreira acadêmica na Unicamp, tornei-me chefe de departamento, vice-reitor, depois reitor, e então aos poucos você vai pegando o jeito. Eu gosto de mexer, de organizar, de fazer as coisas. Esse é um lado meu que até certa altura estava oculto para mim mesmo. Acho que só era percebido pelos meus pais– pelo pai, sobretudo. Ele queria que eu viesse para São Paulo fazer administração de empresas na Getúlio Vargas, mas eu já dizia que queria ser professor de português. Eu tinha um professor no ginásio, vivo até hoje, que é poeta também, o Cyro Armando Catta Preta. Foi o responsável por despertar em mim a paixão pela leitura, pelo texto, isso que pega você num momento e não solta mais. Gruda.

RBPA Fapesp há mais de quatro décadas vem apoiando todos os setores de ciência e tecnologia. Com a experiência de ter dirigido a instituição por mais de cinco anos, gostaríamos que nos falasse sobre o que significa estimular a produção do conhecimento com a finalidade de gerar riqueza, uma das preocupações de sua gestão.

CARLOS VOGTEssa é uma questão complexa. Tem muito a ver com a lógica da própria produção do conhecimento no mundo contemporâneo, com a idéia de que, numa sociedade global como a nossa, é preciso buscar a possibilidade de transformar o conhecimento em riqueza, isto é, agregar valor. É isso que a tecnologia permite, levando ao desenvolvimento de produtos derivados desse conhecimento. O conhecimento adquirido pode adquirir valor comercial, e isso pode acontecer rapidamente ou não. Várias descobertas da física quântica, por exemplo, foram incorporadas numa série de tecnologias que hoje estão aí na nossa vida e nem nos damos conta. Nós, no mundo acadêmico, vivemos essa lógica do modo inverso: para nós, é fundamental também perguntar como se pode transformar a riqueza em conhecimento. É o outro lado da história. Essa dinâmica faz parte de uma equação que insistimos em tentar resolver. São os grandes desafios do conhecimento no mundo contemporâneo: como transformar conhecimento em riqueza e, inversamente, como transformar riqueza em conhecimento. E, além do mais, como fazer isso preservando o meio ambiente, prestando atenção ao desenvolvimento sustentável–outro dos nossos grandes desafios–, preservando a qualidade de vida, respeitando os princípios de responsabilidade social e ética? Hoje as empresas começam a incorporar esse conceito de responsabilidade, ou pelo menos ideologicamente, no discurso, e passam a seguir as normas técnicas que estabelecem restrições em nome da ética e da responsabilidade social. Por exemplo, empresas que respeitam o estatuto da criança e não usam o trabalho infantil. Várias entidades cuidam desse aspecto, como o Instituto Ethos e a Fundação Abrinq.

A Fapesp pratica aquilo que Pasteur dizia e que eu gosto de repetir: não existe ciência pura e ciência aplicada. Ciência aplicadanão existe. Existe, sim, ciência e aplicações da ciência. Um conhecimento científico que hoje não tenha nenhuma aplicabilidade, daqui a dez, vinte anos poderá ser muito útil. A Fapesp, uns vinte anos atrás, tinha um investimento praticamente zero nos programas tecnológicos. Hoje, do orçamento total, cerca de 15% são investidos em programas de desenvolvimento tecnológico, na parceria universidade-empresa. Isso é parte do esforço de transformação de conhecimento em riqueza. São os grandes desafios atuais: o desafio tecnológico, o desafio ecológico e o desafio pragmático-social.

RBPVocê tomou posse no cargo atual, de secretário do Ensino Superior, dizendo que faria uma gestão ao abrigo da poesia. O que isso significa?

CARLOS VOGTO queprecisamos buscar em todo e qualquer processo educativo é a formação integral do ser humano. Aí podemos pensar em ter uma inscrição poética no sentido mais amplo da expressão. Não são apenas os resultados que interessam, mas também a qualidade das formas como chegamos a eles. É importante manter uma visão crítica permanente sobre esses processos.

RBPSua ida para esse cargo se deu em meio à grave crise da USP e a fortes debates, especialmente em relação à questão da autonomia da universidade, e a anunciada vinculação da Fapesp a esta Secretaria.

CARLOS VOGTFui para esse cargo a partir da minha participação nos esforços em busca de solução para a última grande crise da USP. Como tenho um bom relacionamento não só com a Unicamp, mas também com a USP e com a Unesp, com os colegas, com os pesquisadores– e conheço muita gente–, acredito que contribuí um pouco para apaziguar a situação, ajudando a encontrar uma solução para o impasse. Com o pedido de demissão do professor Pinotti, fui convidado para o cargo pelo governador [José Serra]. Acredito que o processo crítico em relação à Secretaria acabou tendo um resultado benéfico para a universidade. O decreto declaratório promulgado pelo governo esclareceu o conceito e as condições de exercício da autonomia dessas instituições, eliminou as dúvidas que existiam sobre o tema. A autonomia universitária é uma condição essencial para que o ensino superior público cumpra sua função e realmente atinja aquilo a que se propõe. A Fapesp e as universidades desenvolvem trabalhos conjuntos: 60% dos recursos destinados ao fomento à pesquisa da Fapesp são destinados às três universidades públicas de São Paulo. Não faz sentido estarem separados. Todos ganham por estarem na mesma secretaria.

Neste momento, estamos com um projeto importante na Secretaria, um programa  que chamei de UniveSP – Universidade Virtual do Estado de São Paulo–, que no fundo é um programa de expansão do ensino superior público no Estado de São Paulo, utilizando as tecnologias de comunicação e de informação, em que estão envolvidas televisão, internet e atuação presencial. Minha idéia era montar isso como um programa consorciado das três universidades, e as três já assinaram o termo de compromisso. É uma verdadeira construção que vem sendo realizada. Há todo um lado artesanal, os modelos etc., e um lado poético também: a crença de que você vai mexer na concepção do ensino, do ensino à distância e mesmo na do ensino tradicional, e não só ampliá-lo. Todo o material que será criado e disponibilizado na internet será feito com as universidades. É um programa das universidades que será gerido pela secretaria. E em março nós vamos estar no ar.

Será um programa em três módulos. Um deles será um módulo pedagógico, que é para capacitação, formação, qualificação formal dos professores em atividade. O pessoal do ensino infantil, do ensino fundamental que está atuando, muitas vezes não tem formação, não tem qualificação formal. Isso será feito com a USP e com a Unesp e esse módulo logo estará funcionando. Outro será um módulo central, que é o principal, o da graduação. Aí você terá português, matemática, inglês, informática, computação e também as ciências: biologia, química, física para formar professores de ciências. A urgência disso é indiscutível. Formaremos professores de ensino médio, dos quais temos grande carência. As universidades não formam quase ninguém como professores em ciências básicas. Formam biólogos, físicos, cientistas, mas não professores. O último módulo é aquele que chamamos, grossomodo, de pós-graduação. É a especialização em educação continuada, treinamento, atualização.

RBPO projeto será desenvolvido juntamente com a tv Cultura?

CARLOS VOGTSim, com a tv Cultura. A composição será esta: Univesp, que é o programa, e a Secretaria, que é a gestora do programa. Existirá então a Univesp núcleo USP, Univesp núcleo Unicamp, Univesp núcleo Unesp, a Fundap (Fundação do Desenvolvimento Administrativo) e a Fundação Padre Anchieta, que é a tv Cultura. Está bem interessante, tem dotação orçamentária, é um projeto do governo do Estado e que o Governador Serra tem apontado como uma de suas prioridades no Estado. E o aluno terá contato com os professores, pois uma parte das atividades vai ser presencial. Vamos instalar também uma linha 0800.

RBPSaber que haverá atividades presenciais é tranqüilizador. Nós somos antigos: se a gente não tiver luz elétrica, não fará falta no que fazemos, podemos sempre acender uma vela. E o ensino é assim, feito um a um, com presença plena. Que lugar isso ainda tem? É o lugar de uma presença marginal, talvez, como o da formação de um artista, de um atleta, e não de um profissional da atividade de massa. Como você vê o nosso campo de atuação? Se a psicanálise faz parte de um universo de conhecimento, o que se passaria se tivéssemos o ímpeto de participar de uma renovação?

CARLOS VOGTAcho que isso também entraria no processo da transformação de que falávamos. Vejam as crianças, os jovens: eles nascem e crescem com o universo mental estruturado em relações que mantêm intensamente com um mundo de símbolos, de representações, de imagens. É um audiovisual constante. É televisão, internet, computador etc. Existe um texto de Merleau-Ponty sobre as formas da percepção e sobre como o cinema interfere e modifica as formas de percepção– coisas da simultaneidade, Eisenstein. Podemos imaginar o que acontece com a capacidade perceptiva dos jovens, mas é claro que algo ocorre com a nossa também, e acho inevitável que a gente incorpore essas metodologias. Hoje, mesmo numa atividade presencial, uma atividade de ensino, se o professor vai lá e fica só com o giz e a lousa, o aluno começa a não entender.

RBPImagine uma aula de filosofia hoje, daquelas em que o professor falava quatro horas seguidas.

CARLOS VOGTE imagine então as aulas de ciências! Mas claro que temos todos os recursos disponíveis por aí e, mesmo, nós já temos uma disposição para isso. Isso para a psicanálise como ciência, como teoria. Já para a psicanálise como forma terapêutica, aí eu não vejo, não consigo ver como poderia ser. Mas para o ensino dos fundamentos, da construção conceitual, metodológica, por que não? Por que não seria possível, durante parte do processo de formação, usar esses recursos?

RBPVocê falou sobre as estruturas de abordagem do conhecimento. Há duas situações completamente diferentes para as crianças: uma coisa é acompanhar com atenção um conto de fadas na televisão ou em dvd; outra coisa é ouvir no colo uma história narrada por alguém. Parece que existem aí diferentes estruturas de apropriação ou de modelos metafóricos em jogo. Sabemos como os livros infantis são maravilhosos agora, mas, ainda que uma história seja contada sem imagens, quando alguém começa o Era uma vez...Isso tem um poder enorme sobre a criança, um poder do qual ela raramente escapa.

CARLOS VOGTAs formas de interação vão se modificando porque sempre tivemos nossas relações mediadas pelas interposições simbólicas. Nossas relações se dão sempre por intermediação, nunca são diretas. Temos uma mediação permanente e fortíssima, cada vez maior. Há símbolos circulando por todo o tempo. Ela cresce no universo das crianças, com a enorme exposição delas às facilidades oferecidas pela televisão, pela Internet e assim por diante. Elas já não têm uma hora especial, àquela hora de estar no colo ou no berço para viver o conto de fadas. A criança mesma liga o dvd e começa a ver um arremedo dessas histórias. Vejam isso da audiência por teleconferência que a Justiça quer incorporar como prática corrente para evitar transportar os presos. Qual o problema? Há juízes que resistem a essa idéia, porque precisam estar face a face com o preso, estar ali, interagir.

Outro problema é que nesses meios circula uma enorme quantidade de lixo, sem nenhum conteúdo útil. Lá no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo fazemos uma revista mensal, a Com Ciência (www.comciencia.br), há uns dez anos já. Ela tem cerca de 850.000 visitações por mês. Todo dia 10 atualizamos o conteúdo. O número atual é sobre os primatas. É enorme o número de estudantes que usam a revista como material de referência para trabalhos escolares. Sabemos disso pelo perfil que mantemos dos usuários.

RBPVocê tem um grande interesse no jornalismo científico, não é? A divulgação é uma área que também interessa à psicanálise, não estamos aqui fazendo uma revista? Como funciona esse laboratório que você mencionou?

CARLOS VOGTO Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) pertence ao Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade da Unicamp e busca formar profissionais em jornalismo científico com atividades de pós-graduação e pesquisa. Há um grande interesse pela ciência, pelas relações da ciência com a sociedade, pelos impactos causados pelo desenvolvimento da ciência, pelo papel da ciência como forma de organização da vida social, dos valores sociais. O Laboratório está atento às mudanças na mídia impressa e eletrônica e pesquisa atentamente as questões referentes ao jornalismo científico. De uns tempos para cá começou a ocorrer um fenômeno, que é o dos cientistas escritores: um grande cientista resolve fazer um esforço para narrar à ciência do seu ponto de vista, não para seus pares, mas para o público geral. Como o Stephen Jay Gould, evolucionista, o Carl Sagan, astrônomo, o Richard Dawkins, biólogo, e muitos outros. Eles saem da lógica binária, de uma representação científica, com todas as implicações que isso tem, para um esforço analógico.

O que é isso? É o esforço de tornar os conceitos sensíveis, de tentar traduzir por metáfora aquilo que é conceitualmente de grande abstração lógica. É algo muito interessante porque nós, leitores comuns, diante de determinada ciência, não estamos equipados para o nível de abstração que essa ciência exige, para penetrarmos no esoterismo de sua linguagem. Então vem o cientista e diz: vou tentar pegar isso e traduzir em metáforas que possam tornar sensíveis seus conceitos. É um bruto esforço poético, porque se trata de sair de conceitos abstratos, da ciência que for, da forma lógica, matemática, e tentar produzir uma metáfora que torne o seu conceito sensível, de modo que ele possa ser vivenciado pelo leitor comum.

RBPCom objetivos diferentes, é claro, o Freud de alguma maneira fez isso na narrativa de seus casos clínicos, que em vários momentos são extremamente poéticos.

Você vem trabalhando há tempos na área de jornalismo científico e é ligado a várias publicações importantes, como a revista Pesquisa Fapesp. Um leitor comum pode encontrar ali um artigo que trata, por exemplo, de uma pesquisa sobre o pau-brasil e é capaz de entender quase tudo. Na área da psicanálise, temos dificuldades com isso, em fazer esse trânsito, isto que você chama de “esforço poético”. Com a sua experiência e o contato que vem mantendo com a psicanálise, como você vê a possibilidade de desenvolver esse tipo de linguagem?

CARLOS VOGTÉ possível um esforço nessa direção, sem dúvida, e seria um desafio muito interessante construir uma revista, um veículo de divulgação da psicanálise. Seria interessante reunir um grupo de psicanalistas dispostos a discutir a idéia de montar uma publicação com esse espírito: sem perder a qualidade, sem perder a seriedade teórica e metodológica e, ao mesmo tempo, com o objetivo de se fazer conhecer. Porque se fazer conhecer é diferente de convencer.

RBPHá uma coisa curiosa no seu currículo: você concorreu a um festival da canção?

CARLOS VOGTAh, isso faz parte também. Em 1968, na tv Tupi, eu conheci o Fernando Faro, o Baixo, que é um produtor de televisão fantástico e um grande conhecedor de música popular brasileira. Fui procurá-lo levando uma música que eu tinha feito com um amigo meu– ele a música e eu a letra– para o i Festival Universitário de Música Popular Brasil. Conheci um monte de cantores, Alaíde Costa entre eles. Nossa música, Senhora de luar, era inspirada nas cantigas de amor e tinha uma melodia também muito calcada na música medieval, no Renascimento. O Damiano Cozzela fez um arranjo fantástico e ganhamos o terceiro lugar no festival. Concorri de novo no ano seguinte e fiquei em quarto. Aí fui para a França, fazer lingüística. Quando fui vice-reitor da Unicamp, levei o Faro para lá, como coordenador de um programa que se chamava Aquarelas do Brasil, uma série de shows de mpb que terminava no final do ano com um baile com a orquestra do Silvio Mazzuca. Nós chamávamos o Cauby Peixoto, o Nelson Gonçalves, a Ângela Maria, o Jamelão. E depois o Instituto de Artes convidaria o Faro para dar aula no Departamento de Música, na graduação de música popular.

Foi assim.

 

 

*Entrevista realizada em 12 de novembro de 2007, na sede da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, com a participação de Alan Victor Meyer, Inês Zulema Sucar, Leopold Nosek, Maria Ângela Moretzsohn e Maria Aparecida Quesado Nicoletti.

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