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Revista Brasileira de Psicanálise
versión impresa ISSN 0486-641Xversión On-line ISSN 2175-3601
Rev. bras. psicanál v.42 n.3 São Paulo sep. 2008
EDITORIAL
Construções
Leopold Nosek
Afinal, do que se trata, esta nossa prática? Fazemos ciência? Literatura? Filosofia? Reconstruímos lacunas do passado, recuperamos memórias, atribuímos sentidos a acontecimentos de uma vida? Damos forma a restos da história infantil? Ou criamos sentidos onde eles não existiam?
É a transferência reapresentação do passado ou acontecimento presente que traz em si toda a história atualizada? Ou, ainda, é o trajeto representativo possível a uma apresentação pulsional que se origina do próprio encontro analítico?
Tratamos, então, de recuperar uma verdade escondida, por inaceitável, e somos portanto psicanalistas em função? Ou somos partícipes de um acontecimento que busca sua construção onírica e nos tornamos analistas por permitir que isso aconteça? Se assim for, não teremos a segurança de um ator científico. Seremos construtores de sentidos parciais e, portanto, teremos utilidade como guias de mais um pequeno trajeto de vida.
Somos em nossa função quem ajuda a tornar consciente o inconsciente? Somos quem constrói, em associação com nossos pacientes, trajetos psíquicos onde eles inexistiam? Onde houver id, possa haver ego: a isto nos consignamos? Interpretamos ou construímos? Que respostas temos?
É neste espaço de questionamentos que se move este número da Revista Brasileira de Psicanálise.
Partimos todos da matriz comum que é a obra freudiana. Insuficiente e provisória, é, no entanto, a nossa base. Como em todos os movimentos que se originaram no modernismo, a psicanálise tinha também a pretensão à verdade e a se tornar um guia para a vida. Desenvolvimentos seqüentes radicalizaram trechos da obra de Freud e pretenderam também a Totalidade. Assim, muitas vezes nos vemos diante de falsas e desnecessárias dicotomias.
Exemplo disso é a oposição entre interpretação e construção na situação clínica. Não há oposição entre a primeira e a segunda tópica. Há, sim, ampliações: o inconsciente da primeira tópica, constituído de memórias, encontra seu lugar na segunda; o que ocorre é um acréscimo, com o território do id e de toda a rede conceitual que é a sua conseqüência.
Toda mudança conceitual parte da prática e, trazendo novas soluções e novos dilemas, a ela retorna. Não fazem sentido os partidarismos aplicados a trechos de nenhuma obra. Os conceitos analíticos têm margens fluidas e se constituem em complexas redes associativas. Dicotomias radicais, portanto, não fazem sentido. Merecem, sim, ser objeto de reflexão e debate.
A arte que se pretende retrato do humano correlatamente à história da psicanálise também sofre transformações. Hoje ninguém se ilude com retratos naturalistas. Os modos de representação passam por transformações viscerais. A moldura se fratura, a própria figura se desfaz numa multiplicidade de planos, comunicamos sem figurações no abstracionismo, isolamos o gestual, podemos falar recorrendo “apenas” às cores. Isolamos a luz e, assim, infinitas formas de dizer se organizam.
Faz sentido caminharmos pelas situações analíticas como se carregássemos a tiracolo uma polaróide sempre pronta para figurar os acontecimentos inconscientes? Quem representa o faz na ausência do objeto figurado? Temos o que aprender com os desafios que a arte atual nos propõe com suas novas formas de representação da realidade?
Creio que sim, podemos aprender muito com instalações, performances e assemblages de toda ordem, formas em que o sujeito e o objeto do conhecimento não constituem identidades isoladas e independentes.
Em tempos de crise de paradigmas em todas as áreas, parece boa idéia tomar contato com outras crises e outras propostas de encaminhamento. Assim, ouvimos neste número um artista e professor da Universidade de São Paulo Carlos Fajardo , e, como jamais teremos conversar no ar, suas histórias e reflexões serão debatidas por psicanalistas do nosso meio.
O que vem a calhar, pois o eixo desta edição é o 68º Congresso de Psicanalistas de Língua Francesa, que explorou justamente o tema “construções em psicanálise”. Ele também será debatido por nossos autores.
Por fim, gostaria de lembrar que está aberto o espaço das Cartas do Leitor. Convidamos a todos para o debate.
L. N.
São Paulo, novembro de 2008