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Aletheia

versión impresa ISSN 1413-0394

Aletheia  n.26 Canoas dic. 2007

 

ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO

 

Avaliação de desempenho como um instrumento de poder na gestão de pessoas

 

Performance evaluation systems as power instrument in the human resources management

 

 

Patrícia Bento Gonçalves PhiladelphoI,II,*; Kátia Barbosa MacêdoIII,**

I UNIP. Faculdade Ávila
II Faculdades Objetivo
III Universidade Católica de Goiás

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo apresenta resultados de uma pesquisa que enfocou a avaliação de desempenho (AD) como um instrumento de poder utilizado na gestão de pessoas. Realizou-se um estudo de caso que utilizou entrevistas individuais com 14 participantes, sendo 4 diretores e gerentes e 10 trabalhadores da área administrativa e operacional. Para análise dos dados, utilizou-se a análise gráfica do discurso de Lane (1985). A análise dos dados indicou que os participantes (diretoria) percebiam as políticas de gestão de pessoas permeadas pela ideologia dominante como uma forma de garantir a competitividade da empresa no mercado. Já os trabalhadores a percebiam como a possibilidade para o desenvolvimento profissional e a promoção. Os dados sugerem que os resultados da AD eram utilizados na gestão de pessoas apenas quando sustentavam/confirmavam as práticas e decisões da diretoria relacionadas às políticas de pessoal. Assim, a AD pode ser considerada um instrumento de poder na gestão de pessoas, porém tendo seu uso limitado a fatores externos à técnica quando subsidia as ações dos diretores.

Palavras-chave: Avaliação de desempenho, Gestão de pessoas, Poder.


ABSTRACT

The research focused on the system of evaluation of performance (PE) as a method for human resources (HR) management in a family business. It is a case study that used semi-structured interviews as instrument for collecting data. The interviews were carried out individually with fourteen people; four of the group being managers and directors and ten operational administrative workers. The technique for data analyses was the speech graphic analysis by Lane (1985). The data indicated that the participants (directors) perceived the human resources policies permeated by the dominant ideology, as a way of guaranteeing the competitiveness of the organization in the market. The PE were perceived by workers as a possibility for professional development and promotion. The results suggest that the PE was only used as an instrument of HR management while their results confirmed the directors’ practices and decisions concerning HR policies. The PE could be a management instrument, used limited by policies and interests outside the technique.

Keywords: Family business, Evaluation of performance, Administration of people.


 

 

Introdução

O modo de gerenciamento das pessoas nas organizações depende do modelo de gestão adotado e do paradigma industrial predominante em determinado período. Heloani (2003) afirma que, a partir deste ponto de vista, as organizações passam a ser vistas como produto da realidade socioeconômica, por reproduzirem os princípios de organização do trabalho vigentes e influenciarem o ambiente num movimento de mútua transformação.

Tornou-se necessária alguma forma de coordenação destas partes para a sinergia se desenvolver, e assim levar o sistema a funcionar harmonicamente. “... a teoria dos sistemas nos ensina que as partes e interações de um sistema, não existem por si mesmas. Na verdade, elas existem para atingir as metas maiores do sistema, as quais são estabilidade, crescimento e adaptabilidade” (Muchinsky, 2004, p. 238).

Fica clara a necessidade de a organização planejar e coordenar seus processos de trabalho, para que atinja seu objetivo. Fato este que independe do paradigma que predomina.

Segundo Gil (2001), o enfoque sistêmico na gestão dos recursos humanos pressupunha a existência de subsistemas interdependentes (seleção, treinamento, cargos e salários, avaliação de desempenho, e outros). Estes se comunicavam entre si, e criavam uma dinâmica interna própria ao sistema, o que implicava na concepção da organização como um sistema maior que tem na administração de recursos humanos um subsistema.

O autor refere que transformações socioeconômicas mundiais de globalização da economia, desenvolvimento tecnológico, evolução das comunicações e competitividade, dentre outras, fizeram com que as organizações passassem a enfocar o trabalhador, não mais como uma força produtiva, mas sim como uma pessoa na sua totalidade. Assim sendo, as pessoas tornaram-se, para as organizações, parceiras em seu desenvolvimento e crescimento, para garantir sua sobrevivência e competitividade frente ao novo cenário socioeconômico mundial.

Assim, as pessoas são tratadas pelas organizações como partes que contribuem com seus conhecimentos, habilidades e aptidões para manter a harmonia e funcionamento integrado dos subsistemas que compõem o sistema organizacional. Surge então a concepção de gestão de pessoas como um modelo de gestão que conduz as pessoas ao alcance dos objetivos organizacionais, denominado inicialmente de administração de recursos humanos e posteriormente de gestão de pessoas.

Segundo Ribeiro (2005), a área de Recursos Humanos (RH) tem como objetivo principal administrar as relações interpessoais existentes na organização e desta com as pessoas. O autor menciona que as políticas de RH contribuem para melhoria das relações entre empregador e empregados, a partir do entendimento das pessoas como parceiras de negócios, e não mais como recursos empresariais. Esta nova visão do papel do trabalhador e contribuição ao desenvolvimento organizacional exigiu que as organizações adequassem seu modelo de gestão à otimização de seus processos administrativos. Ribeiro assinala:

Em uma época em que a globalização, a competição, o forte impacto da tecnologia e as célebres mudanças se tornaram os maiores desafios externos, “a vantagem competitiva das empresas está na maneira de utilizar o conhecimento das pessoas, colocando-o em ação de modo rápido e eficaz, na busca de soluções satisfatórias e de novos produtos e serviços inovadores” (Ribeiro, 2005, p.1).

O autor citado refere-se à globalização como um processo que promove forte impacto de mudança e grande movimento por qualidade e produtividade nas organizações. Neste cenário as principais vantagens competitivas das organizações são as pessoas, responsáveis pela manutenção e conservação do status quo.

Bohlander, Sherman e Snell (2003) consideram que a expressão ‘recursos humanos’ implica que as pessoas têm capacidades para impulsionar o desempenho organizacional, de maneira conjunta aos demais recursos organizacionais, tais como: financeiros, materiais, informações, entre outros.

Para Dutra (2001) e Fischer (2001), o conceito de gestão de pessoas é uma nova terminologia utilizada pelos que estudam e praticam a gestão de RH nas organizações. Percebe-se uma busca por explicar o motivo das pessoas serem vistas como vantagem competitiva para as organizações e convencê-las disto, como forma de obter delas o que de fato interessa às organizações; dedicação e desempenho para garantir lucro. Sob esta perspectiva, a terminologia recursos humanos foi substituída pela expressão ‘gestão de pessoas’, com o argumento de que as pessoas não são recursos, o que legitima a noção das pessoas ser vista como participantes do desenvolvimento da organização como um todo.

Compreende-se, então, que o conceito de gestão de pessoas, aplicado às organizações, revela em seu sentido semântico da palavra gestão, a direção, coordenação de pessoas ao alcance dos objetivos organizacionais. Para Andrade, “A organização que pretende alcançar a excelência deve estabelecer estratégias da gestão de pessoas visando à obtenção de um clima de trabalho propício ao alto desempenho empresarial” (Andrade, 2004, p.12).

Assim, pode-se afirmar que existe uma produção teórica relacionada à gestão de pessoas que desenvolve um discurso ideológico e legitimador de algumas práticas de gestão. Estas demonstram ter como objetivo maior, conceber a exploração e alienação do trabalhador do que realmente promover sua participação e desenvolvimento.

Fischer (2001) compreende o modelo de gestão de pessoas como um conjunto constituído por políticas, práticas, padrões de ações e instrumentos, utilizados pelas organizações para produzir e direcionar comportamentos no ambiente de trabalho. Comentou que pesquisas realizadas demonstraram que nove entre 10% das empresas pesquisadas afirmaram ter no modelo de gestão de pessoas preocupação em alinhar as políticas de RH à estratégia do negócio.

Para Staat (1994), a ênfase no relacionamento entre as pessoas faz voltar a atenção para o processo de organização do trabalho, o qual é contínuo e dinâmico, pois retrata realmente a forma na qual as pessoas fazem sentido em seu ambiente de trabalho por comparação, discussão e transformação das visões individuais e compreensão da organização. Para ele, o ingresso das pessoas numa organização implica no estabelecimento de um contrato psicológico, onde uma série de expectativas, as quais um membro e a organização têm de cada um, e cada membro estabelece então, com a organização, um contrato diferente.

O fato do trabalhador não alcançar o desempenho esperado pela organização pode ser considerado como uma quebra do contrato psicológico estabelecido entre ele e a organização. A grande dificuldade na manutenção do contrato psicológico, segundo Staat (1994), é que usualmente este reflete uma disparidade no poder.

Como conseqüência, as diretrizes para formulação e implantação de programas de Avaliação de Desempenho são inspiradas na percepção e no reconhecimento do desempenho humano como fator impulsionador do sucesso da organização. “As pessoas ao desenvolverem sua capacidade individual, transferem para a organização seu aprendizado, capacitando a organização para enfrentar novos desafios” (Dutra, 2002, p. 126).

Conclui-se, então, que as organizações, para se manterem competitivas e adaptadas ao contexto socioeconômico, buscaram adotar ferramentas de gestão de pessoas, que contribuíssem ao contínuo aprimoramento do desempenho organizacional.

A seguir, será discutida a avaliação de desempenho sob a perspectiva de ser um instrumento de poder na gestão de pessoas utilizada para controle do desempenho individual e organizacional.

Avaliação de desempenho, um instrumento de poder na gestão de pessoas

Pontes (1991) definiu avaliação de desempenho (AD) como uma estratégia organizacional utilizada pelas organizações para acompanhar o trabalho, os objetivos propostos para os profissionais e fornecer feedback para as pessoas.

No entanto, observa-se que, há diferenças entre as percepções dos trabalhadores e dos dirigentes de uma organização sobre a AD. Para os primeiros, a AD é um instrumento de pressão ao seu empenho no trabalho, enquanto que para os outros, esta serve (ou deveria servir) de base orientadora ao desenvolvimento pessoal e profissional dos trabalhadores. Na verdade, estas percepções guardam entre si o ponto comum de controle da produção, permeado pela ideologia dominante do período fordista e taylorista, como forma de garantir a existência das organizações no mercado de trabalho.

Segundo Souza (2003), a partir da década de 1980, o contexto de negócios e os desafios da competitividade obrigaram as organizações a considerarem a necessidade de implantar sistemas de desempenho alinhados aos novos paradigmas de gestão. No entanto, o autor fez referência à década de 1990, como período em que foram desenvolvidas pesquisas voltadas a transformar a AD num instrumento de gestão, para promover a efetividade organizacional. Souza (2003) relatou, ainda, que a AD passou a fazer parte de um modelo de gestão dos trabalhadores centrado em resultados, sendo utilizado para verificar a contribuição do trabalhador, a partir da aplicação de seu conhecimento, capacidades e habilidades no resultado organizacional.

Lucena (1992) expôs que o contexto social relacionava-se ao ambiente externo das organizações e influenciava diretamente na forma destas se estruturarem internamente. A autora afirmou serem as pessoas responsáveis por manter as organizações em ritmo produtivo. Comentou que desenvolver a qualificação e o potencial das pessoas, com foco no alto desempenho e comprometimento com os resultados desejados, era o grande desafio organizacional neste contexto. Definiu desempenho como a atuação de um trabalhador diante do cargo que ocupa na organização, e ainda afirmou que os cargos têm, especificados em seu conteúdo, as responsabilidades, tarefas e desafios que lhes são atribuídos. “O desempenho pode ser reconhecido como a manifestação concreta, objetiva do que o empregado é capaz de fazer. É algo que pode ser definido, acompanhado e mensurado” (Lucena, 1992, p.29).

Muchinsky (2004) concluiu que os sistemas de AD formais proporcionam uma base racional às decisões em RH, e que seus resultados podem ser aplicados às diversas áreas de gerenciamento.

Todo trabalhador espera que seu gerente faça periodicamente uma análise de seu desempenho. Esta seria uma forma do trabalhador saber como sua atuação na organização está sendo visualizada. “A avaliação de desempenho é o momento esperado pelo funcionário para que alguém fale de seu desempenho” (Ribeiro, 2005, p. 295).

Sob esta perspectiva, Freitas (2005) comenta que a concepção da organização sobre desempenho influencia diretamente na elaboração do instrumento de AD, coleta de dados e objetivos da avaliação. Menciona, ainda, que os problemas inerentes a esses instrumentos estão relacionados à definição de desempenho adotada pela organização.

Para atingir o propósito de promover a comunicação das expectativas de desempenho, as organizações adotam sistemas de AD. Estes, ao serem implantados na dinâmica organizacional, permitem que por meio do diálogo entre gerência e trabalhadores, os indicadores de desempenho da organização tornem-se conhecidos por todos. A definição dos indicadores de desempenho é determinada pelos dirigentes, o que deixa implícita a vigência da ideologia organizacional.

Para Bonetti, Descendre, Gaulejac e Pagés (1993), a ideologia organizacional se refere a um sistema de representação do qual se servem os detentores do poder para mascarar e ocultar a realidade. Deste modo, os autores afirmam que a ideologia organizacional não se encontra explícita nos discursos produzidos pela direção da organização.

A ideologia tem como função essencial reforçar a dominação e não apenas mascarar as relações de produção. O trabalho implica na adesão dos trabalhadores ao sistema organizacional, que traduz o sistema de valores e filosofia de trabalho da organização. É a existência de um sistema estruturado e de uma filosofia global que leva à adesão.

Sob esta perspectiva, os autores citados afirmam que o poder está enraizado na prática cotidiana das organizações, e que as políticas de RH são práticas ideológicas do poder. Consideram que os dispositivos operacionais das políticas de RH e a ideologia da organização funcionam como maneiras de interiorizar comportamentos e princípios que os legitimam.

Alguns teóricos vêem o poder como um recurso, outros como uma relação social caracterizada por algum tipo de dependência. A maior parte deles assume como ponto de partida a definição de Dahl, citado por Clegg (1989), onde o poder envolve habilidade para conseguir que outra pessoa faça alguma coisa que, de outra forma, não seria feita. Pode-se compreender, então, o poder como meio de solucionar conflitos de interesses, influenciando quem consegue o quê, quando e como.

Segundo Foucault (1979), o poder existe em suas práticas ou relação de poder. “... o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona... Não é objeto, uma coisa, mas sim uma relação...” (p.14). Desta forma, o poder produz; produz o real, produz domínios de objetos e rituais de verdade. O poder possui uma eficácia produtiva, uma riqueza estratégica, uma positividade.

O que interessa ao poder é gerir a vida dos homens, controlá-los em suas ações para que seja possível e viável utilizá-los ao máximo, aproveitando suas potencialidades e utilizando um sistema de aperfeiçoamento econômico e político. Tem um objetivo ao mesmo tempo econômico e político, tornar os homens dóceis politicamente e aumentar sua força de trabalho. Foucault chamou este tipo específico de poder de disciplinar... É uma técnica, um dispositivo, um mecanismo, um instrumento de poder, ou métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade (Foucault, 1967/79).

Para Friedberg (1997): “Em todo o campo de ação, o poder pode definir-se como a troca desequilibrada de possibilidades de ação, ou seja, de comportamentos entre um conjunto de atores individuais ou coletivos” (p.115). Essa definição acentua a natureza relacional e não transitiva do poder. O poder não é um atributo e não pode ser possuído. Não é um bem que se possa levar. Tal como o amor e a confiança, o poder é inseparável da relação pela qual ele se exerce, e que liga entre si pessoas concretas à volta de objetivos específicos. Entra-se numa relação de poder porque se deve obter a cooperação de outras pessoas para a realização de um projeto, seja ele qual for. O poder é inerente à autoridade e é legitimado pelas regras.

E as funções positivas pelas quais se explica a emergência das convenções, das normas e das regras não devem nunca levar a esquecer a natureza estratégica e, portanto fundamentalmente política da interação humana que conduz à corrosão dessas convenções, normas e regras logo que foram criadas, reorganizando o contexto e recriando espaços de oportunismo. “Uma regra sem a relação de força que suporta torna-se sempre, a prazo, uma forma vazia” (Foucault, 1986, p. 150).

O sistema de regras da organização codifica a realidade e a atividade dos indivíduos. Este sistema de regras se legitima pelas práticas no plano organizacional, isto é, pelo sistema de valores que corresponde ao quadro de referências que orientam as ações dos trabalhadores. Os fundamentos para elaboração e definição dos critérios e/ou indicadores de desempenho escapam a quem estes se aplicam, e os procedimentos são legitimados por princípios e práticas ideológicas da organização: “Paralelamente, ao reforço do investimento do indivíduo dentro da organização sobre o indivíduo se acentua” (Pagés & cols., 1993, p. 105).

Para eles, a entrevista de desempenho é um dispositivo comum nas empresas. Para eles, a avaliação traduz-se por uma nota atribuída pelo gerente ao seu subordinado da qual dependerá seu salário, acrescentando que a entrevista de avaliação é apresentada como um diálogo franco e aberto, no qual é oportunizada a troca de feedback.

Assim, a entrevista de avaliação leva o trabalhador mais a um exame de consciência do que a uma análise de seus resultados. Nela, o que é considerado são os esforços do trabalhador em ser um bom empregado. Este dispositivo operacional de RH favorecia o domínio da organização sobre o aparelho psíquico dos trabalhadores.

Pode-se, então, considerar que a entrevista de desempenho entendida como uma regra da organização para obter a cooperação do trabalhador para alcançar os objetivos estratégicos, é um instrumento de poder inerente à autoridade e legitimado pelas regras.

Conclui-se, que as organizações utilizam sistemas de AD para mensurar a forma como o trabalho é realizado em determinado período, e tem neste sistema um método de controle do desempenho das pessoas. Percebe-se nesta posição estar implícita a utilização da AD como um instrumento de poder que controla e direciona o comportamento dos trabalhadores, como forma de apresentar o discurso ideológico das organizações voltado ao desenvolvimento das pessoas.

Sendo assim tem-se a AD como um instrumento de poder na gestão de pessoas utilizada para controlar e direcionar o comportamento e conhecimento dos trabalhadores, em prol dos objetivos organizacionais, permeados pela ideologia dominante das organizações.

 

Método

Sendo um estudo de caráter descritivo e exploratório que caracteriza o estudo de caso, é possível, adotando esta forma de pesquisa qualitativa, que o pesquisador aprofunde seus estudos numa realidade específica (Triviños, 1987). É importante ressaltar, entretanto, que não se pode objetivar generalizações com este tipo de estudo e sim descrever e analisar as informações coletadas no contexto da empresa pesquisada.

A presente pesquisa refere-se a um estudo de caso realizado numa empresa da área de construção civil, há 23 anos no mercado de Goiás, abrangendo também os mercados de São Paulo (capital e interior) e Brasília. Em seu histórico da administração de RH, há registros de um programa de AD que foi modificado por mais de três vezes.

Para levantamento de informações foram realizadas entrevistas semi-estruturadas visando identificar qual a percepção dos trabalhadores da empresa a respeito do programa de AD utilizado. Esta técnica de coleta de dados permitiu orientar os tópicos propostos pela pesquisa, pois seguiu uma estrutura prévia definida pelo pesquisador sem impossibilitar que surgissem novos questionamentos em seu desenvolvimento.

A população investigada abrangeu todos os trabalhadores da empresa, na época da coleta de dados, considerando os níveis hierárquicos da direção, gerência e trabalhadores do nível administrativo e técnico operacional.

Os participantes foram escolhidos intencionalmente, e considerou os trabalhadores que atendessem aos requisitos de: antiguidade mínima de 2 anos (fato que possibilitaria que estes tivessem participado de pelo menos dois processos de avaliação na empresa); atuantes na matriz em Goiânia (pela facilidade de acesso) e que fossem ocupantes de cargos administrativos e operacionais.

Com base nestes critérios, os participantes da pesquisa foram 14, sendo 4 ocupantes de cargos de diretoria e gerências e 10 trabalhadores da área administrativa e operacional, por atenderam aos requisitos acima mencionados.

Dos participantes, em relação à faixa etária, 10 tinham entre 31 a 40 anos, dado que indica uma composição de trabalhadores jovens. Em relação ao tempo de serviço, dos quatorze participantes: quatro tinham mais de 10 anos na empresa, admitidos entre 1990 e 1994; seis foram admitidos no período que corresponde ao intervalo de 1995 a 2000, e três foram admitidos posteriormente. No que se refere à escolaridade, dos quatorze participantes, onze eram profissionais com nível superior completo, um com nível superior incompleto e dois com ensino fundamental completo.

As entrevistas seguiram um roteiro semi-estruturado, elaborado com base nas seguintes categorias: políticas e práticas de RH; significado de AD; o programa de AD na empresa e seu desenvolvimento; os resultados das avaliações realizadas.

Os participantes foram convidados a participar da pesquisa, e assinaram o termo de consentimento, sendo que todas as recomendações éticas do comitê de ética foram rigorosamente seguidas. Após o consentimento, as entrevistas foram realizadas individualmente, na organização e no horário de trabalho, previamente acordado.

As informações coletadas foram analisadas pela técnica de análise gráfica do discurso, desenvolvida por Lane (1985). Na análise gráfica do discurso, o discurso é reproduzido graficamente, mantendo-se as setas e os números que indicavam a relação e a seqüência de forma a se poder ler a entrevista tal qual fora produzida. Assim, é possível detectar os núcleos de pensamento, referente à relação entre pensamento e linguagem. A técnica de análise do discurso torna a análise simples, pois através da descrição dos núcleos encontrados e das unidades significativas relacionadas a eles, podem-se levantar dados relacionados à percepção que a pessoa ou o grupo de pessoas elaborou, com suas contradições, com suas rupturas o que permite detectar elementos ideológicos que permeiam seu discurso.

Os resultados da análise do discurso serão apresentados considerando as seguintes categorias norteadoras: as políticas e práticas de RH; a percepção do sistema de AD; a implantação do sistema na empresa e os motivos e alterações e, finalmente, a utilização dos resultados da AD nas decisões administrativas da empresa.

 

Resultados

No que se refere às políticas e práticas de RH, diretores e gerentes afirmaram que elas estavam em processo de reestruturação, pois as consideravam falhas e buscavam melhorias. No discurso pôde-se observar que para os diretores da empresa as políticas e práticas de RH eram constantemente revisadas para poder melhorar a forma de condução dos trabalhadores em suas atividades. Ao serem questionados quanto a políticas e práticas específicas da área de RH relacionaram-nas com as promoções, treinamento e desenvolvimento, benefícios, cargos e salários e demissões.

• Considerando a promoção: os participantes que ocupavam cargos gerenciais relataram ser esta lenta e desmotivadora, enquanto que os que ocupavam cargos diretivos a consideravam gradual, pois buscavam quantificar o desempenho para habilitá-los a uma promoção.

• Considerando o treinamento e desenvolvimento, afirmaram que estava excelente;

• Considerando os benefícios e incentivos, afirmaram que se baseavam no mercado, apesar de não haver registro de pesquisas de mercado;

• Considerando cargos e salários, afirmaram que também se baseavam no mercado, sem considerar os resultados da AD;

• Ao abordarem as demissões, apenas afirmaram que elas eram definidas considerando os interesses da diretoria, ou seja, aspectos relacionados pelo poder. Alguns trechos de seus discursos esclarecem:

... estamos passando por uma reformulação nesta área... estamos terceirizando o departamento de RH, A política de RH sempre existiu... estava falha, muito aquém do que a empresa precisava, ver se melhora (discurso de um diretor).

Hoje, não... tá meio confuso pra mim ... Mas hoje falar assim,... Exatamente como funciona eu não sei. Não, várias vezes questionei sobre isso, mas nunca obtive uma resposta satisfatória (discurso de um trabalhador administrativo operacional).

Por outro lado, o discurso dos trabalhadores administrativos e operacionais em relação às políticas e práticas de RH da empresa foi de que estas eram confusas, sem uma definição clara, pouco divulgada e que desenvolviam ações com programas específicos. Revelaram ainda que, no momento da pesquisa, estavam em reestruturação, e que a área de RH estava sendo terceirizada.

No que se refere ao sistema de AD, o discurso dos trabalhadores indicou certo descompasso entre as percepções dos diretores e gerentes e dos trabalhadores da área administrativa e operacional.

Para diretores e gerentes, este era um mecanismo de aperfeiçoamento, que permitia adequar às necessidades de RH da empresa. Representava também uma forma de controle e alinhamento dos trabalhadores aos objetivos organizacionais, rápido, objetivo e utilizando pontuação. Relataram que o sistema apresentava como vantagens e benefícios o alinhamento da empresa, a possibilidade de alcançar os objetivos organizacionais e justificar concessão de aumento e promoção salarial. Alguns trechos de seus discursos esclarecem:

... querer aumento. É para a gente dar aumento... ter uma correspondência de melhoria de desempenho desta pessoa... dá ou não dá aumento ... justificar pra essa pessoa o porquê, o motivo, que foi para ajudar as pessoas na sua formação ... é realizado através de formulário superior / funcionário. Até hoje ela é realizada da mesma forma, ... formulário com os itens ...o que a gente espera que os funcionários, os pontos ... deficiências ... virtudes ..analisa os pontos ... (diretor).

Para os trabalhadores da área administrativa e operacional, esta era uma prática formal, que era percebida como uma ordem a ser cumprida, e que sabiam que representaria uma forma de pressão para aumentar o desempenho, burocrática, sem histórica, sem padrão de indicadores, que não gerava resultados, mas poderia oportunizar o crescimento profissional. Como vantagens e benefícios mencionaram a possibilidade de promoção, aperfeiçoamento das virtudes, diminuição das deficiências, permitir a abertura a críticas e motivá-los ao crescimento profissional. Alguns trechos de seus discursos esclarecem:

Eu gosto.. é um momento que você senta com seu coordenador para avaliar o que você fez ...cresceu, melhorou... Eu acho isso excelente, você pode medir o esforço que você tá fazendo aqui no dia a dia, você é avaliado por seu superior imediato, acho que contribui... fiquei meio constrangido, levei pro lado pessoal... pensei que ... se não fosse bem avaliado, seria demitido, dispensado.... no papel lindo maravilhoso, se fosse bem usado funcionaria, porém da forma que é feito não funciona...às vezes eu acho que ela fica assim muito na teoria, fica difícil de realizar, não se envolve com o negócio...(trabalhador administrativo operacional).

Quanto aos motivos para implantação do programa, diretores e gerentes afirmaram que a implantação ocorreu para incentivar o diálogo entre chefias e subordinados, uma forma sistemática de pontuar o desempenho e justificar o aumento e promoção salarial. Para os trabalhadores administrativos e operacionais, os motivos para implantação do sistema visavam oportunizar o crescimento, permitir a troca de feedback com o superior e conhecer a opinião do avaliador em relação ao desempenho do avaliado.

No que se refere às diversas alterações ocorridas no programa de AD da organização estudada, diretores e gerentes relataram que estas foram realizadas visando adequação e minimização das dificuldades encontradas em sua operacionalização, uma forma de simplificar, tornar ágil e adequar os objetivos do sistema ao contexto global. Os trabalhadores administrativos e operacionais relataram que as alterações foram feitas em virtude da dinâmica de RH da empresa. Modificou-se o teor das perguntas, a abordagem passou de individual para grupal e os formulários foram simplificados e mais específicos.

Quanto aos resultados da AD, diretores e gerentes afirmaram que possibilitavam melhoria do clima organizacional, avaliava o coordenador, reconhecia a melhoria do desempenho e incentivava o diálogo. No entanto, os trabalhadores administrativos e operacionais relataram que os resultados nem sempre ajudavam, estes não eram acompanhados, mas poderiam possibilitar melhorias do próprio empenho, promoção e alteração de atitudes e comportamentos, se fossem efetivamente utilizados.

Trata-se de um discurso até certo ponto ideologicamente comprometido, tendo em vista que representa os interesses da organização, e também pelo fato de ter sido elaborado pelos participantes da cúpula. Estes relataram que os resultados da AD direcionavam o reajuste salarial; promoções; plano de ações para melhoria como indicação para treinamentos e estágios e para a demissão. Os dados levantados indicaram que os resultados da AD direcionaram totalmente o reajuste salarial; parcialmente as promoções e as demissões (havendo outros critérios não claramente definidos presentes no processo decisório); não indicaram planos de ações para melhoria e que indicaram totalmente as demissões. O principal motivo alegado refere-se ao aumento de custo com pessoal (não visto como investimento), o que implicaria em não disponibilizar mais verbas para ações de melhoria. Seguem alguns trechos do discurso dos participantes:

... contribui pras pessoas que querem crescer... o processo na empresa não funciona como deveria ... o resultado da AD tinha que ser mostrado, o reconhecimento de sua avaliação. Contribui sem dúvida, precisa é a empresa valorizar mais as técnicas de RH, a avaliação eu vejo como ferramenta pra ser usada para promover este crescimento profissional (trabalhador administrativo operacional).

No entanto, os trabalhadores relataram que os resultados da AD nem sempre eram considerados, mas poderiam possibilitar melhorias do desempenho; relataram que não haviam recebido nenhuma informação mais detalhada da descrição e análise de seu cargo e dos cargos que deveriam avaliar, e que as informações sobre os formulários haviam sido transmitidas apenas oralmente.

Também relataram que as entrevistas de AD eram realizadas apressadamente, que os chefes preenchiam depressa os formulários, e que os resultados das avaliações nem sempre eram considerados para promoções, não existiam critérios de promoção claramente definidos. Seguem trechos de relatos dos trabalhadores:

Resultados... Conheço, é na hora que a gente vai fazendo, já vai falando... Resultado da minha avaliação?... informalmente no momento da conversa. Se já aconteceu alguma mudança? ... Não (trabalhador administrativo operacional)

No discurso dos trabalhadores, os participantes declararam que não se sentiam seguros na organização, ao dizer que nunca sabiam quando iam ser dispensados. Afirmaram que não existiam critérios formais de avaliação de desempenho, para promoção ou um plano de cargos e salários na organização, ficando na responsabilidade do departamento de recursos humanos e das chefias a elaboração informal destas atividades.

 

Discussão

Observam-se, nos relatos apresentados, indícios da utilização da AD como uma prática ideológica de poder por meio das políticas de RH, de acordo com a abordagem de Pagés e cols. (1993) ao estudarem o poder nas organizações. Em seus estudos, os autores consideraram que os dispositivos operacionais das políticas de RH e a ideologia da organização funcionam como maneiras de interiorizar comportamentos e princípios que os legitimam. Comentaram, também, ser a entrevista de avaliação apresentada como um diálogo franco e aberto, onde se oportuniza a troca de feedback, porém na prática observa-se que a consideração do gerente para com o não atendimento à expectativa do desempenho por parte do trabalhador pode levar à demissão.

No que se refere às críticas e alteração às quais o programa de AD da empresa pesquisada foi submetido, cabe uma análise mais dinâmica. É importante salientar que as pessoas são levadas a entrar em uma relação de poder para que possam obter a cooperação de outras na realização de um projeto. Assim, nas empresas, tanto os seus sócios, representados por seus diretores, quanto os seus trabalhadores possuem uma relação de interdependência, onde estão intrincados objetivos individuais e organizacionais nem sempre congruentes.

Várias críticas foram direcionadas aos programas de AD da empresa pesquisada. Diante das críticas, a atitude dos diretores foi solicitar mudanças e alterações nos formulários, modo de aplicação, sem alterar a concepção ou mesmo o grande problema do programa: o uso não adequado ou parcial dos resultados da AD, o que gerou frustração nos trabalhadores e comprometimento dos resultados esperados pela diretoria.

Percebe-se que uma das expectativas explícitas da diretoria em relação aos trabalhadores era obter obediência, entendida como a resposta automática e pronta, de forma estereotipada. “Pensar como a diretoria” apareceu como uma proposta da diretoria para os trabalhadores. Os gerentes obedeciam visando obter recompensas e promoções, pois havia estrutura autocrática, e as decisões consideravam o bom comportamento, muito mais que bons resultados na AD ou eficácia.

Após várias alterações do processo de AD na empresa estudada, sem que fossem alcançados os resultados esperados, os diretores da empresa resolveram terceirizar todo o processo, desativando a área de RH, o que remete ao questionamento sobre o nível de envolvimento e comprometimento real da cúpula com a área de RH, bem como também em relação aos limites e contribuições possíveis dos programas de AD.

Desse modo, os dados levantados reafirmam os posicionamentos de Ribeiro, Pagès (1993), Foucault (1996), Freitas (2005), Gramignia (2002) e Pontes (1991), indicando que as práticas organizacionais relacionadas ao uso dos resultados da AD representam práticas de poder e que são resultado também de aspectos relativos à cultura organizacional. No caso da empresa pesquisada, aspectos das relações de poder.

 

Conclusão

Pode-se afirmar que o objetivo foi alcançado na medida em que permitiu elucidar o papel das relações de poder frente à gestão de RH enfocando a AD, como fator limitador do processo.

O discurso oficial (da diretoria) defende a importância da AD, mas algumas de suas ações e práticas demonstram seu caráter limitador das ações de diretores e gerentes em relação à gestão de pessoas, causando assim certo incômodo ou dissonância entre as políticas de RH e as práticas gerenciais.

De outro lado, o discurso dos trabalhadores envolvidos no processo apontou falhas e lacunas, inicialmente nos formulários, treinamentos, e posteriormente criticando abertamente o (mau) uso dos resultados da AD pela diretoria e gestores de RH, o que gerou insatisfação e descrédito em relação ao programa.

Os dados do presente estudo corroboram com os de Ribeiro (2005), no que se refere a AD, sendo as relações de poder componente organizacional que impacta no desempenho humano das organizações, pois refere-se a variáveis do ambiente interno capazes de afetar o desempenho de forma positiva ou negativa, tanto no desempenho real quanto ao uso (ou não uso) adequado que o gestor de pessoas faz dos resultados do processo de AD.

No estudo realizado foi constatado que as críticas e constantes alterações nos programas de AD da empresa pesquisada se referiam muito mais ao fato dos resultados da AD se constituírem como obstáculo para as ações da diretoria, que, de forma autoritária e centralizadora, decidia (desconsiderando resultados da AD) em detrimento de aspectos pessoais, o que gerava resultados dissonantes das políticas de RH.

Vale aqui retomar o posicionamento de Pagés e cols. (1993), que consideraram que os dispositivos operacionais das políticas de RH e a ideologia da organização funcionam como maneiras de interiorizar comportamentos e princípios que os legitimam.

Conclui-se, portanto, que a AD na empresa era utilizada como recurso ideológico, geradora de um discurso legitimador de práticas de gestão de pessoas tecnicamente corretas, porém que camuflam ações autoritárias, centralizadoras e excludentes exercidas pela diretoria que considera seus interesses particulares.

Como motivos para críticas e constantes alterações no processo de AD, surgiam, de um lado, a complexidade e extensão dos formulários (manifesto), e, de outro, o fato de os resultados da AD se constituírem como obstáculos às ações desviantes dos princípios ideológicos da empresa em relação à política e prática de gestão de pessoas praticadas pela diretoria.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: pdelphoss@uol.com.br

Recebido em outubro de 2006
Aceito em abril de 2007

 

 

* Patrícia Bento Gonçalves Philadelpho: psicóloga; especialista em Gestão de Empresas pela Universidade Católica de Goiás; Mestre em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás; professora da Faculdade Ávila, da UNIP e Faculdades Objetivo.
** Kátia Barbosa Macedo: psicóloga; especialista em Dinâmica de Grupos pela Universidad de Comillas-Espanha. Master em Psicologia Aplicada a las Organizaciones pela EAE-Barcelona; Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás; Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; professora da Universidade Católica de Goiás.

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