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Aletheia
versión impresa ISSN 1413-0394
Aletheia no.30 Canoas dic. 2009
ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO
Aspectos psicológicos da cirurgia de amputação
The psychological aspects of amputation surgery
Letícia Macedo Gabarra; Maria Aparecida Crepaldi
Universidade Federal de Santa Catarina
RESUMO
O trabalho do psicólogo com pessoas amputadas é crescente, em virtude das questões de saúde da população, tais como o aumento da expectativa de vida e de comorbidades. O objetivo do artigo é apresentar uma revisão da literatura sobre os aspectos emocionais presentes na vida de pacientes submetidos à amputação de membros. Primeiramente foram descritos os tipos de amputações de membros, apontando as causas, incidência e níveis da operação no corpo; em seguida a implicação da relação médico paciente na decisão pela cirurgia; e posteriormente, buscou-se relacionar e discutir os aspectos emocionais relacionados com a amputação através pesquisas e estudos da área. Considera-se que os aspectos emocionais têm destaque no processo de amputação, porém existem lacunas a serem pesquisadas no campo da Psicologia, para o embasamento das intervenções e atuações adequadas às reais demandas nesta área.
Palavras-chave: Amputação de membros, Aspectos psicológicos, Psicologia da saúde.
ABSTRACT
The Psychologist's work with amputees is increasing due to Public Health issues such as an increase in life expectancy and co-morbidities. The objective of this article is to present a review of the available literature related to emotional aspects associated with amputee patients. Firstly the types of limb amputations were described indicating their causes, incidence and the extent of surgery. Secondly the implications of the doctor/patient relationship on the decision to undergo surgery are considered. Finally an attempt is made to relate and discuss the emotional aspects of amputation with reference to research and studies in this area. In consideration of the fact that emotional aspects are given special attention in amputation cases, it is clear that additional psychological research is needs to provide a better basis for interventions and actions, adapting them to actual demands in this field.
Keywords: Limb amputation, Psychological aspects, Psycological health.
O processo cirúrgico e os estados emocionais
As cirurgias fazem parte dos procedimentos mais antigos da medicina, em tempos pregressos considerava-se uma vitória sobreviver a uma operação (Luccia, Goffi & Guimarães, 1996). Através do desenvolvimento da medicina e das tecnologias biológicas, houve um incremento nos materiais cirúrgicos, nas técnicas operatórias, na formação dos médicos, nas condições gerais dos centros cirúrgicos, concomitante a essas melhorias o procedimento cirúrgico passou a ser planejado conforme as necessidades de cada pessoa, considerando a capacidade de cicatrização e tratamento das estruturas comprometidas, visando à cura e a melhora na qualidade de vida.
A pessoa submetida a uma cirurgia sente-se fragilizada e emocionalmente instável, possui uma falta de controle da situação, a incerteza de como será a operação, dúvidas sobre o pós-cirúrgico, medo de sentir dor, de se tornar incapacitado, de morrer, da mutilação, de "não voltar" da anestesia e fantasias sobre como ficará seu corpo (Sebastiani & Maia, 2005).
A ansiedade e os medos anteriores à cirurgia são descritos pelos autores como esperados, visto que o paciente se depara com uma circunstância desconhecida e necessita entregar seu corpo aos cuidados dos profissionais de saúde (Ismael & Oliveira, 2008; Luccia & cols., 1996; Sebastiani & Maia, 2005; Stoddard, White, Covino & Strauss, 2005). A dor pós-operatória, a sensação de incapacitação, a perda da independência, a separação da família, o afastamento do trabalho, a ferida cirúrgica são citados como fatores desencadeantes da ansiedade pré-operatória. Porém, destaca-se que a ansiedade e o medo quando em graus elevados podem dificultar a recuperação pós-cirúrgica, afetando seu conforto, qualidade de vida e medicação utilizada e posterior adesão ao tratamento (Stoddard & cols., 2005).
A atuação do psicólogo pode ocorrer antes, durante e depois da cirurgia; sendo a última dividida em pós-operatório imediato e tardio, e que cada um destes momentos possui peculiaridades. As possibilidades de intervenção psicológica variam conforme a especificidade do paciente e de sua família, da doença, da equipe médica, da estrutura hospitalar - centro cirúrgico, unidade de terapia intensiva, equipamentos e medicações disponíveis; entre outras coisas (Ismael & Oliveira, 2008; Sebastiani & Maia, 2005).
Na literatura encontram-se pesquisas e relatos de experiência na área da Psicologia referentes aos tipos de cirurgias específicas, como por exemplo, cirurgias cardíacas (Mahler & Kulik, 1995); cirurgias plásticas (Vianna, 2004); ortopédicas (Clode-Backer, Draper, Raymond, Haslam & Gregg, 1997); transplantes (Garcia, Souza & Holanda, 2005); cirurgias vasculares (Cavalcanti, 1994a, 1994b; Gallagher & Maclachlan, 2001; Lange & Heuft, 2001; Oaksford, Cuddihy & Frude, 2005), proctologia (Renzi, Peticca & Pescatori, 2000), gástricas (Santos, Santos, Melo & Alves Jr, 2006), ortognáticas (Santos, Neme & Tavano, 2000), bariátrica (Marchiolli, Marchiolli & Silva, 2005; Quadros, Bruscato & Branco Filho, 2006). Em comum estes autores explicitam fatores que precisam ser considerados na prática psicológica: o tipo da doença, a possibilidade cirúrgica, os riscos relativos a esta, a dimensão do órgão ou membro atingido, a escolha do anestésico, a idade do paciente, a existência de outras patologias, a experiência de cirurgias anteriores, adoecimentos e perdas.
Lange e Heuft (2001) pontuam que a indicação da intervenção do psicólogo deve ser pautada nas necessidades individuais de cada paciente. Neste sentido, os autores colocam que o trabalho é complexo ao englobar questões sociais, psíquicas e biológicas, necessitando da cooperação dos diversos especialistas envolvidos no processo cirúrgico. A atuação da psicologia na equipe interdisciplinar é considerada importante para atuar com o paciente, sua rede de apoio e com a equipe de saúde, visando a minimização de sofrimentos decorrentes da hospitalização, do adoecimento e do procedimento cirúrgico, proporcionando desenvolvimento da autonomia e co-responsabilização no processo de tratamento (Ismael & Oliveira, 2008; Romano, 1999; Sebastiani & Maia, 2005).
A atuação da Psicologia com pessoas amputadas tornou-se uma demanda crescente, em virtude das condições de saúde da população. O aumento da perspectiva de vida, advento da modernização da medicina, da biotecnologia e das condições sócias históricas atuais, acarretou a incidência de doenças crônicas e de comorbidades. Neste contexto, as doenças vasculares, o diabetes mellitus, o fumo, a hipertensão, entre outros são fatores de risco para a amputação de membros (Gambá, Gotlieb, Bergamaschi & Vianna, 2004; Jorge Borges, Brito, Santos, & Thirone, 1999; Nunes, Resende, Castro, Pitta, Figueiredo, & Miranda Jr, 2006). O número de amputações vem crescendo nos países ocidentais devido principalmente à doença arterial periférica, que ocasionam a obstrução arteriosclerótica, dificultando o fluxo sanguíneo distal (Luccia & cols., 1996).
O processo de retirada de um membro engloba uma complexidade de fenômenos psicológicos e de interações da tríade paciente-família- equipe. Nesse sentido, esse artigo trata de uma revisão de literatura sobre os aspectos emocionais presentes na vida de pacientes submetidos à amputação de membros. Realizou-se uma busca nos bancos de dados medline e bvspsi; utilizou-se os descritores "amputação", "aspectos emocionais" e "psicologia". A busca incluía artigos no idioma inglês e português. A partir dessa busca foram selecionados artigos que enfocassem pesquisas e reflexões teóricas sobre amputação de membros inferiores e os fenômenos emocionais decorrentes desta cirurgia. O presente artigo irá apresentar a revisão de literatura de forma sistematizada, iniciando pela caracterização das amputações de membros; em seguida a implicação da relação médico paciente na decisão pela cirurgia; e posteriormente, pretende-se relacionar e discutir os aspectos emocionais relacionados com a amputação.
Características da amputação de membros: causas, incidência, níveis de amputação
A utilização do termo amputação em cirurgia refere-se à retirada de um órgão ou de parte dele, situado numa extremidade, como língua, mama, intestino, reto, colo uterino, pênis e membros (Luccia & cols., 1996). Atualmente, estas cirurgias são reconstrutivas, pois, visam restaurar o membro doente, de forma que a cirurgia é planejada para que o coto se transforme em um membro útil para posterior reabilitação (Luccia, 2003; Luccia & cols., 1996).
As condições que levam a amputação de membros são: a) infecção incontrolável, em geral em situação de emergência; b) dor crônica em pacientes com doença vascular sem outras possibilidades terapêuticas; c) ossos e partes moles destruídos de forma irrecuperável devido a doenças vasculares ou traumatismo; d) tumores malignos ou benignos; e) deformidades com implicações funcionais que podem melhorar com o uso de próteses; f) deformidades estéticas que podem ser minimizadas com a prótese (Luccia & cols., 1996; Kruspki & Nehler, 2003; Marshall & Stansby, 2007).
Prioritariamente as amputações ocorrem por três razões: doenças crônicas, como diabetes e doenças vasculares; tumores benignos e malignos; acidentes traumáticos relacionados a veículos automobilísticos, acidentes de trabalho e assaltos (Fitzpatrick, 1999). As amputações decorrentes de doenças vasculares e diabetes atingem mais a população com idade superior a 60 anos, enquanto os jovens passam por esta perda em virtude de tumores e acidentes (Fitzpatrick, 1999; Nunes & cols., 2006).
Nunes e cols. (2006) pesquisaram fatores predisponentes para amputação de membros inferiores em 80 pacientes diabéticos internados com pés ulcerados no estado do Sergipe. Estes autores identificaram que 55% destes pacientes evoluíram para algum tipo de amputação, sugerindo que a doença arterial seja um dos principais fatores de risco para ulceração de pés e amputação de extremidades inferiores.
Gambá e cols. (2004) estudaram os fatores associados a amputações de extremidades inferiores e diabetes no município de São Paulo. Nesta pesquisa constatou-se a associação entre amputação e o hábito de fumar, indicando que o tabaco exerce função ativa na etiologia das doenças vasculares. As autoras citadas alertam que a amputação em pessoas diabéticas é um procedimento cada vez mais comum e se tornou um problema de saúde pública no Brasil e no mundo.
A incidência de amputações no mundo é imprecisa e, segundo Luccia e cols. (1996), é um dado estatístico difícil de obter. Apenas no período de guerras havia registros mais precisos dos hospitais militares. Krupski e Nehler (2003) referem que com o aumento da perspectiva de vida, a população tem desenvolvido mais doenças arteriais e a diabetes mellitus, sendo estas doenças as maiores causadoras de amputação de membros na vida de pessoas civis atualmente. Corroborando com estas informações, Nunes e cols. (2006) referem que a população diabética tem 15 vezes mais chances de serem submetidos à amputação comparativamente com as pessoas que não possuem a doença.
A amputação pode ocorrer em diferentes níveis, como por exemplo: dedos, acima ou abaixo do joelho, nível da perna. O nível é determinado pela avaliação do potencial de cicatrização do membro associado com o potencial funcional para o paciente. Geralmente preserva-se o máximo possível para a posterior reabilitação do paciente, com o uso de próteses (Krupski & Nehler, 2003).
A relação médico-paciente na decisão de amputar
Tem se tornado a cada dia mais importante no domínio da Psicologia da Saúde, a preocupação com a comunicação de diagnósticos que se configurem como "más notícias". De acordo com Alves de Lima (2003), más-notícias são aquelas que alteram drástica e negativamente a perspectiva do paciente em relação ao seu futuro e neste tipo de comunicação o médico tem, obviamente, um envolvimento capital. Por esta razão tratar de aspectos emocionais é também preocupar-se com a relação médico-paciente e as decisões em torno deste tipo de comunicação.
A decisão de amputar deve ser definida com cautela pela equipe médica e neste processo decisório a comunicação com o paciente é fundamental. Fitzpatrick (1999) salienta que o médico precisa estar aberto para dúvidas e esclarecimentos sobre os quais o paciente queira perguntar, estabelecendo uma comunicação aberta. Neste processo de comunicação médico-paciente, este autor, coloca alguns pontos fundamentais na postura da equipe médica: atenção individualizada do cirurgião com o paciente; ter escuta ativa, com a capacidade de observar os detalhes; abrir espaço para perguntas e responder honestamente, facilitando a aliança terapêutica; o uso de linguagem acessível, ter fotos, vídeo e materiais de leitura sobre a cirurgia e sua reabilitação posterior, para oferecer ao paciente a sensação de controle e estimular a participação ativa no processo de decisão.
No período pré-operatório a meta da equipe de saúde é conseguir o paciente ativo na descoberta do processo de tratamento, para que participe com autonomia desde a decisão de amputar até a reabilitação posterior (Fitzpatrick, 1999). Em casos de doenças vasculares, antes de oferecer a possibilidade de amputação, a equipe deve tentar salvar o membro, sendo a amputação a última possibilidade de tratamento. A comunicação com o paciente sobre as tentativas de salvar o membro e a impossibilidade disto deve ser franca, explicitando as consequências a curto e longo prazo da realização ou não desta cirurgia, descrevendo os benefícios da cirurgia em relação a dor e a possibilidade de prótese. A cirurgia só ocorre com o consentimento do paciente (Doherty & Demling, 2003; Fitzpatrick, 1999).
Cavalcanti (1994b) destaca a entrevista pré-operatória como fundamental, objetivando informar o paciente sobre o que esperar da cirurgia, os benefícios e prejuízos, esclarecer dúvidas sobre temores relacionados à operação, garantir os cuidados realizados para prevenir riscos ou complicações. Segundo a autora, a comunicação deve ser honesta e realística, avaliando a aceitação e compreensão das informações recebidas, bem como assegurando os cuidados posteriores e suporte para enfrentar as situações que ocorrerão.
A comunicação sobre a amputação desperta o sentimento de perda e luto (Cavalcanti, 1994a), compara-se a perda do membro com a perda de uma pessoa querida. Parkes (1975) realizou esta comparação entre grupos de pessoas amputadas e grupo de viúvos e verificou que em ambas as situações os indivíduos reagiam com o estado de torpor, esta era a reação emocional imediata, bem como referiam memórias invasivas, evitação de lembranças e sensação de presença. Com o passar do tempo estes sintomas diminuíam e as pessoas retornavam ao trabalho, no entanto o grupo de amputados tinha taxas menores de retorno laboral e continuavam mais preocupados com a perda de seu membro do que o grupo de viúvos (Parkes, 1975,1998). Contudo, o luto pela perda do membro não é aceito socialmente como o luto pela morte de um ente querido, visto que a sociedade não espera que o indivíduo fique enlutado pela perna como ficaria por sua esposa (Parkes, 1998).
A elaboração do luto se inicia antes da cirurgia ocorrer e pode durar por tempo indeterminado. Fitzpatrick (1999) considera que o processo de aceitação da amputação se inicia frequentemente com períodos de descrença, torpor, preocupação, irritação, choro, insônia. Neste período a pessoa pode ter a sensação que sua independência e seus planos serão inalcançáveis para sempre. Gallargher e MacLachlan (2001) utilizaram a técnica de grupos focais com pessoas amputadas e estas relataram que no período após a cirurgia tinham o sentimento de desolamento, estresse, sensação que precisariam parar de fazer o que faziam, equivalente a adaptação ao processo de luto pela perda de algo precioso.
A perda física encontra-se permeada por aspectos sociais e psicológicos, e representa algo irrevogável, de forma que pessoa amputada necessita atribuir um sentido para este evento (Dunn, 1996). Após a amputação ocorre o processo de adaptação à perda do membro e adaptações físicas, que incluem nível de habilidade funcional, dor no coto, dor fantasma1 do membro amputado; e as adaptações psicológicas, relativas às reações emocionais como ansiedade, depressão, irritação, tristeza, desapontamento, sentimento de culpa, autoimagem ansiosa e desconforto social (Fitzpatrick, 1999; Gallargher & MacLanchlan, 2001; Horgan & MacLanchlan, 2004). Horgan e MacLachlan (2004) descrevem fatores associados com o ajustamento psicológico, como causa, nível e tempo de amputação, dores, o uso ou não de próteses, fatores sócio-demográficos. Os autores supracitados referem que estes fatores relativos ao ajustamento psicológico precisam ser considerados na relação médico paciente, para que a mesma ocorra de forma estimular o vínculo entre estes, possibilitando maior adesão ao tratamento e reabilitação.
Aspectos psicológicos e a amputação de membros
Os sintomas depressivos são mencionados como frequentes em pessoas com amputação, pois essas apresentam tristeza, pesar, episódios de choro, isolamento social, perda de apetite, dificuldade para dormir, entre outros (Wald & Álvaro, 2004). Alguns sintomas, como a tristeza e o pesar, são respostas esperadas após a perda do membro, porém a depressão clínica possui maiores implicações, visto que precisaria ser rapidamente percebida e tratada, por representar um risco significativo para o aumento de morbidade e mortalidade nesses pacientes (Fitzpatrick, 1999). Horgan e MacLachlan (2004) realizaram uma revisão da literatura sobre adaptação psicossocial em amputados, em que sugerem que os estudos sobre depressão em pessoas amputadas possuem resultados variados, dificultando achados conclusivos. Segundo as autoras, as pesquisas utilizam metodologias diferentes, com diversidade de instrumentos para mensurar depressão, dificultando a comparação entre elas. Assim sendo, as autoras fizeram um agrupamento dos estudos baseados no tempo de amputação: até dois anos, de dois a 10 anos, entre 10-20 anos, e entre 20- 30 anos.
Existem poucas pesquisas sobre os efeitos da amputação nos anos iniciais após a cirurgia (até dois anos), tais estudos evidenciam sintomas depressivos durante a hospitalização e imediatamente após a amputação (Horgan & MacLachlan, 2004). A depressão logo após a perda do membro pode ser considerada uma reação natural. Fitzpatrick (1999) destaca que neste período inicial é difícil determinar se o diagnóstico é de depressão maior ou se é uma resposta de adaptação ao processo de amputação. Os sintomas depressivos após o período de hospitalização são relacionados com o baixo nível de mobilidade, a restrição de atividades, o sentimento de vulnerabilidade e baixas condições de saúde em geral.
Os estudos sobre o período após dois anos de amputação apresentam dados incongruentes. As pesquisas que utilizam a escala Center for Epidemiological Studies Depression Scale (CES-D) evidenciam altas taxas de depressão enquanto outras pesquisas com populações em situações similares e com o uso de escalas diferentes apresentam baixos escores de depressão. Horgan e MacLachlan (2004) sugerem que a escala CES-D possa superestimar as taxas de depressão, apresentando dados com falso positivo.
A ansiedade durante a hospitalização mostra-se como uma reação ao adoecimento e as implicações da doença e da internação, os sintomas ansiosos surgem devido à incerteza do diagnóstico e tratamento, bem como sobre a evolução clínica da doença (Botega, 2006). A falta de controle, a relação com a equipe de saúde, os procedimentos dolorosos fazem parte do contexto hospitalar e são geradoras de ansiedade (Fitzpatrick, 1999). A revisão de literatura realizada por Horgan e MacLachlan (2004) confirma que a ansiedade em pessoas amputadas nos dois primeiros anos é elevada, principalmente durante a hospitalização imediatamente após a amputação. Os estudos compilados pelas autoras evidenciam que nos anos seguintes as taxas de ansiedade entre pessoas amputadas e a população em geral são equivalentes.
Os distúrbios de autoimagem corporal, como percepção distorcida e negativa sobre a aparência física, são relacionados com altas taxas de ansiedade (Fitzpatrick, 1999; Horgan & MacLachlan, 2004; Wald & Álvaro, 2004). Estes distúrbios podem ser observados em pessoas amputadas, através de comportamentos de evitação por contato visual com o membro amputado, negligência no autocuidado do coto. Rybarczyk, Nicholas e Nyenhuis (1997) descrevem que alguns amputados expressam embaraço, vergonha e até mesmo aversão ao seu próprio corpo. Estas reações negativas podem interferir no processo de reabilitação, autocuidado e aumentar o isolamento social (Wald & Álvaro, 2004).
A autoimagem corporal foi relacionada pelos participantes da pesquisa de Gallargher e MacLanchlan (2001) com o desconforto social, eles referiram que as pessoas olham primeiro para a ausência dos seus membros para depois olharem seus rostos. Horgan e MacLachlan (2004) descrevem que as pessoas amputadas podem se sentir diferentes dos outros, pertencentes a um grupo estigmatizado. A relação entre restrição de atividades e desconforto social foi apontada por Horgan e MacLachlan (2004), destarte o preconceito sentido pelos indivíduos amputados promova mal estar e a diminuição de suas atividades sociais, gerando maior isolamento social.
A sensação de isolamento e estigma surge com a percepção de discriminação pela sua condição física. Rybarczyk e cols. (1997) refletem que o estigma social é presente em muitos grupos sociais, porém ressaltam a possibilidade de alguns indivíduos amputados utilizarem o mecanismo de defesa da projeção de seus sentimentos negativos sobre os outros, visto que conscientemente não aceitam estes sentimentos e os transportam para outras pessoas ou para a sociedade como um todo, culpando-os pela suas dificuldades.
No processo de adaptação à amputação, os indivíduos precisam se ajustar às mudanças físicas, psicológicas e sociais advindas da perda do membro incorporando estas no seu novo senso de self e na autoidentidade. Parkes (1975,1998) refere que o sentimento de mutilação entre as pessoas amputadas é frequente, principalmente no início, porém que elas aprendem a descobrir suas restrições e suas possibilidades, construindo um novo conceito de self, interferindo em sua visão pessoal de si. Horgan e MacLachlan (2004) indicam lacunas existentes neste campo de pesquisa, e sugerem tratar-se de uma área que deveria ser mais estudada, sobretudo para que a ciência psicológica pudesse contribuir efetivamente para o bem estar das pessoas afetadas.
A causa da amputação é um potencial mediador da adaptação psicológica, devido a diferentes reações entre as pessoas que são amputadas em razão de traumas e as que perdem o membro em decorrência de doenças vasculares (Fitzpatrick, 1999). Nos casos de acidentes que levam a amputação, a cirurgia ocorre, na maioria das vezes de forma inesperada e o tempo para assimilação prévia do evento pode ser inexistente. Diferentemente, nos casos de doenças vasculares, o paciente pode inclusive solicitar a amputação em virtude da quantidade de dor e a ineficácia dos tratamentos medicamentosos para o alívio à dor (Horgan & MacLachlan, 2004; Rybarczyk, Edward & Behel, 2004).
As perdas devido a acidentes e tumores ocorrem com mais frequência em jovens, período do ciclo vital de muitas atividades e a constante busca pela independência, consequentemente a amputação em jovens pode representar uma ruptura no seu desenvolvimento e a dificuldade de aceitação maior em relação às pessoas idosas (Fitzpatrick, 1999).
Alguns autores referem que quanto mais jovem mais difícil a adaptação, principalmente em relação à restrição de atividades, considera-se que o idoso tem a oportunidade gradual de se habituar à restrição de atividades ao longo da vida e dos adoecimentos crônicos, e podem se adaptar melhor com a amputação, suas limitações motoras e o aumento da dependência (Horgan & MacLachlan, 2004; Rybarcyk & cols., 1997).
O nível da amputação, ou seja, a altura do membro onde ocorre a cirurgia; é um preditor importante para a reabilitação, isto devido aos tipos de próteses e a adaptação ao coto. A restrição de atividades está altamente relacionada com o nível de amputação e com a possibilidade de reabilitação posterior. As amputações acima do joelho são relacionadas com baixa reabilitação e alta restrição de atividades (Horgan & MacLachlan, 2004). A relação entre nível de amputação e o ajustamento psicológico posterior é descrito por Rybarcyk e cols. (1997). Segundo os autores, quanto mais alto for o nível da amputação em membros inferiores, mais pobre é o ajustamento psicológico, e em amputações bilaterais (nos dois membros inferiores) isto é ainda mais acentuado.
A dor fantasma também pode ser um dificultador na adaptação psicológica e no processo de reabilitação motora. A dor fantasma refere-se à sensação de dor na parte perdida do membro amputado, pode se apresentar de diferentes formas como um ardor, um aperto, uma dor que pode variar de intensidade e frequência (Demidoff, Pacheco & Sholl-Franco, 2007). A etiologia da dor fantasma pode ser associada com os aspectos psicológicos e com a base fisiológica. Os aspectos psicológicos referem-se a imagem corporal construída pelo indivíduo através das suas experiências, com a amputação surge a dificuldade de adaptar-se e aceitar a nova imagem corporal, relutando em manter o corpo integro (Demidoff & cols., 2007). O aspecto fisiológico está associado à reorganização cortical central após a perda do membro, visto que o córtex cerebral possui a representação de cada região do corpo e após a amputação a área referente ao membro perdido permanece representada no córtex, dificultando o fim da sensação corporal (Demidoff & cols., 2007; Hanley, Jensen, Ehde, Hoffman, Patterson & Robinson, 2004). Gallagher, Allen e MacLachlan (2001) referem que a ocorrência da dor fantasma varia de 46 a 90 % entre as pessoas amputadas e a sensação pode durar minutos, horas ou dias e existem casos de dores contínuas.
Os aspectos psicológicos, como ansiedade e estresse, antes da amputação podem ser preditivos da dor fantasma posteriores, bem como os casos de pacientes que recebem pouco suporte emocional antes da cirurgia, que por sua vez, referem mais dores fantasmas (Flor, 2002). A dor fantasma pode ser prevenida se os pacientes forem encorajados a expressar os sentimentos de perda e sofrimento, visto que esta dor pode ser entendida pelo valor fisiopatológico e, também, como uma tentativa de reintegração corporal (De Benetto, Forgione & Alves, 2002).
No entanto, Horgan e MacLachlan (2004) argumentam que os resultados das pesquisas que relacionam ansiedade, depressão e dor fantasma são variados e inconclusos, visto que os resultados dos estudos nesta área mostram dificuldade em determinar a natureza precisa da relação entre dor fantasma e aspectos psicológicos. A ressalva que eles fazem é que as pessoas amputadas com dor fantasma são afetadas por estresses cotidianos, ansiedade e depressão, igualmente a outras pessoas sem amputação, e pode evoluir para outras síndromes de dor crônica como o restante da população. Neste sentido, Wald e Alvaro (2004) ressaltam que os fatores psicológicos são importantes na etiologia e na manutenção das dores fantasmas, visto que a dor pode ser exacerbada com o aumento de ansiedade, fadiga e limitação de suporte social.
Outra dor que pode estar presente após a amputação é a dor no coto, esta envolve sensações de dor no local da amputação (Gallagher & cols., 2001). Horgan e MacLachlan (2004) destacam que a dor no coto é diretamente associada com depressão. Estes autores indicam que a dor no coto dificulta as atividades diárias e diminui o bem estar psicológico. A experiência de dor residual no coto é um atributo do processo de amputação que pode contribuir para o estresse e impedir o uso de prótese (Gallagher & cols., 2001).
A dor fantasma e a dor no coto podem tornar-se dores crônicas, encadeadas por um ciclo vicioso de estresse e sofrimento psicológicos, falta de condição física, restrição de atividades, comportamentos disfuncionais, dependência de medicações e serviços de saúde (Wald & Alvaro, 2004). Ambas as dores podem interferir no processo de reabilitação, no uso de próteses, aumento das atividades e retorno ao trabalho (Gallagher & cols., 2001; Horgan & MacLachlan, 2004).
Os pesquisadores têm associado a amputação com diversas dificuldades psicológicas, como por exemplo, as taxas de depressão e de ansiedade. Oskasford e cols. (2005) fazem uma retrospectiva histórica das pesquisas neste campo e indicam que as pesquisas focalizam nas psicopatologias associadas à amputação, porém a partir da década de 90 alguns estudos verificaram que a amputação pode ser vista de forma positiva, como uma oportunidade psicológica de crescimento.
Dunn (1997) enfocou sua pesquisa nos fatores psicológicos que têm efeito de auxiliar na adaptação da amputação, considerou que as pessoas possuíam bem-estar quando tinham baixos níveis de depressão e altas taxas de autoestima após a amputação. O estudo foi realizado com 138 amputados e teve como resultado que 77% consideraram aspectos positivos após a perda do membro. As categorias mais presentes foram: encontrar o lado benéfico da amputação (60%), e redefinição de eventos e reavaliação da vida (35%). Entre as pessoas que referiram os aspectos positivos ocorreram poucos casos de depressão e quando presente, em níveis baixos.
A adaptação positiva ocorre quando o indivíduo fundamenta seu mundo interior nas qualidades não físicas e no seu senso de valores intrínsecos (Rybarcyk & cols., 1997). Estes autores descrevem alguns fatores que colaboram para esta adaptação positiva, como o humor, o suporte social, as relações afetivas. Porém, explicitam que existem poucos estudos que enfocam nesta perspectiva da adaptação positiva, ainda prevalecem às pesquisas sobre os aspectos negativos. Os fatores de personalidade e as estratégias de coping são fundamentais para a compreensão do processo de adaptação à amputação (Rybarcyk & cols., 1997).
Estratégias de enfrentamento da amputação
O coping, em pessoas com amputação de membros, é um processo de envolve múltiplas demandas, físicas e psicológicas (Oskasford & cols., 2005). Coping é definido por Antoniazzi, Dell'Aglio e Bandeiras (1998, p.274) "como o conjunto das estratégias utilizadas pelas pessoas para adaptarem-se as circunstâncias adversas". Na literatura anglosaxã denomina-se estratégia de enfrentamento para esse conjunto de estratégias, termo utilizado no Brasil para designar coping (Cerqueira, 1999).
Oskasford e cols. (2005) investigaram as estratégias de coping em pessoas amputadas há 6 meses, 1 ano e 5 anos. Os autores identificaram cinco categorias de coping entre os participantes: fuga psicológica (fumo), solicitação de suporte (familiar e cônjuge), humor, avaliação cognitiva (comparação com pessoas em situações piores, aceitação, otimismo), coping prático (manutenção de independência, continuar reabilitação física). As estratégias variaram conforme o tempo de amputação, ao longo do primeiro ano após a perda do membro, as estratégias de humor diminuíram, e o uso de estratégias práticas aumentaram. Nos participantes com 5 anos de amputação, a solicitação de suporte diminuiu, menos coping prático e menos avaliação cognitiva. O humor foi a estratégia de coping prevalente entre os participantes independente do tempo de amputação.
A diminuição de coping de avaliação cognitiva entre os participantes com mais tempo de amputação pode sugerir, segundo Oskasford e cols. (2005), uma mudança positiva genuína na vida destas pessoas. Os autores referem que isto pode confirmar o estudo de Dunn (1997), ao afirmar que as pessoas amputadas encontram aspectos positivos em suas experiências e gerando melhorias no desenvolvimento do self destes indivíduos. Novas pesquisas precisam ser realizadas, enfocando as estratégias de enfrentamento e as características individuais, como autoestima, otimismo, capacidade criativa, que auxiliam no crescimento psicológico (Dunn, 1997; Oskasford & cols., 2005).
A relação entre o uso de estratégias de coping e a dor fantasma são apontadas por alguns estudos (Jense, Ehde, Hoffman, Patterson, Czerniecki & Robison, 2002; Pucher, Kickinger & Frischenschlager, 1999), indicando que conforme o tipo de estratégia de enfrentamento utilizada o indivíduo pode ter a presença ou ausência da dor fantasma. A perspectiva biopsicossocial da dor fantasma foi verificada por Jense e cols. (2002) que indicaram fatores específicos na adaptação da dor fantasma, como pensamentos catastróficos, suporte social, solicitação de respostas pelos membros da família. Estes fatores modificam-se com o passar do tempo da amputação e tem associação com o tipo de apoio social que a pessoa tem disponível, bem como com o nível de depressão existente.
O bem estar de pessoas amputadas foi relacionado com o suporte social, verificando que a rede de relações pode favorecer a manutenção da saúde mental (Resende, Cunha, Silva & Souza, 2007). No entanto, os autores verificaram que existem poucas pesquisas enfocando o apoio social e a amputação (Resende & cols. 2007), assim como existem lacunas nos estudos sobre coping e o processo de amputação, principalmente enfocando as características de personalidade da pessoa amputada e o suporte familiar e social (Horgan & MacLachlan, 2004). Estes autores referem que em sua pesquisa bibliográfica não encontraram nenhum estudo sobre os mecanismos de suporte social no processo de adaptação em amputados e poucos estudos sobre impacto na personalidade em pessoas com perda de membros.
Salienta-se a necessidade de novos estudos referentes às estratégias de coping que podem contribuir para a adaptação positiva em pessoas amputadas (Rybarcyk & cols., 1997). As pesquisas longitudinais são indicadas como fundamentais para a compreensão do processo de adaptação, a curto e longo prazo, incluindo os aspectos internos dos participantes, como a subjetividade e a experiência individual, utilizando informações e narrativas qualitativas (Rybarcyk & cols., 1997).
Considerações finais
A presença de aspectos emocionais, tais como ansiedade, depressão, estratégias de enfrentamento, autoimagem, reintegração corporal; no processo de amputação torna-se evidente nos estudos apresentados anteriormente. No entanto os autores indicam lacunas metodológicas como a realização de pesquisas que utilizem instrumentos padronizados para avaliar ansiedade, depressão e coping, a criação de pesquisas qualitativas e longitudinais para o aprofundamento vertical nos aspectos emocionais; assim como alguns temas precisam ser ampliados, por exemplo, as redes de apoio familiar, social e institucional, as características de personalidade no processo de adaptação à amputação, as relações familiares após a amputação (Horgan & MacLachlan, 2004; Resende & cols., 2007; Rybarcyk & cols., 1997).
A Psicologia nesta área mostra-se essencial tanto na pesquisa como no campo da intervenção, o papel do psicólogo na equipe interdisciplinar pode auxiliar o paciente e sua família no período anterior a cirurgia, durante a hospitalização, no período de adaptação e na reabilitação psicossocial. Iniciando pela entrevista pré-cirúrgica, verificando a condição psicológica do paciente para enfrentamento de todo o processo que o levará a mudanças em sua vida; preparando-o para a operação e oferecendo apoio constante ao paciente e sua família. Sem contar com a importância do papel do psicólogo na mediação das interações paciente-família e equipe de saúde. Consideram-se necessárias, portanto, as pesquisas no Brasil para a adequação às necessidades sócio-culturais, investigando-se também as redes de apoio institucional e social no pós-cirúrgico imediato e tardio das pessoas amputadas.
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Endereço para correspondência
E-mail: leticiagabarra@gmail.com
Recebido em outubro de 2008
Aceito em setembro de 2009
Letícia Macedo Gabarra - Psicóloga (Hospital Universitário-HU/UFSC); Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Psicologia da UFSC.
Maria Aparecida Crepaldi - Psicóloga; Doutora em Saúde Mental( UNICAMP); Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia -Departamento de Psicologia (UFSC); Pesquisadora do Laboratório de Psicologia da Saúde, Família e Comunidade - Labsfac (UFSC).
1 A sensação de dor no membro amputado denomina-se de dor fantasma. Dor é considerada um construto subjetivo multidimensional que envolve componentes sensoriais, afetivos, cognição, autônomos e comportamentais; uma experiência com variações individuais com interferência de fatores psicológicos, sociais, contextuais e biológicos (Wald & Alvaro, 2004).