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Aletheia
versión impresa ISSN 1413-0394
Aletheia vol.49 no.2 Canoas jul./dic. 2016
ARTIGOS EMPÍRICOS - PSICOLOGIA
Vulnerabilidade, saúde mental e clínica-escola: uma resposta de atenção à população
Vulnerability, mental health and school-clinics: a response to attention to population
Alice MaggiI; Aline Machado da RosaI; Clarissa Giuliani SchererI; Cláudia A. BisolI; Jaqueline Wendland; Letícia Borges PolettoI; Priscila Minhoni MoreiraI
I Universidade de Caxias do Sul
RESUMO
O objetivo do estudo é descrever as características da população encaminhada à clínica-escola, no momento da triagem, contemplando as possíveis condições de vulnerabilidade. Trata-se de uma pesquisa exploratória na qual foram analisadas 120 fichas de triagem, correspondentes aos atendimentos realizados no Serviço de Psicologia no ano de 2012. Foi possível identificar que o gênero masculino foi o mais frequente entre os usuários atendidos, e em relação à idade metade dos usuários tinham até dez anos de idade, sendo que, desses 50% apresentaram queixas escolares. O principal encaminhamento realizado foi a psicoterapia individual em 89,2% dos casos. A psicoterapia individual constituiu-se em uma das possibilidades de intervenção que se oferece como proteção à saúde mental diante do contexto vulnerável que se apresenta.
Palavras-chave: Vulnerabilidade, Saúde mental, Clínica-escola.
ABSTRACT
The objective of the study is to describe the characteristics of the population forwarded to the school clinic, at the time of screening, contemplating the possible conditions of vulnerability. This is an exploratory research with 120 sorting chips during the year of 2012. It was possible identify the most frequent profile: boys until age 10, half of them presenting schoolar difficulties. The main referral was the individual pshychotherapy . The individual psychotherapy may be understood as a possibility to approach the mental health and the contexto of vulnerability.
Keywords: Vulnerability, Mental health, School-clinics.
Introdução
O conceito de vulnerabilidade abrange a ideia de que o sujeito vulnerável é aquele que ainda não sofreu consequências, mas encontra-se em situações que colaboram para que tais riscos aconteçam (Guareschi, Reis, Huning & Bertuzzi, 2007; Sánchez & Bertolozzi, 2007; Nichiata, Bertolozzi, Takahashi & Fracolli, 2008). A vulnerabilidade tem sido descrita por pesquisadores relacionados às ciências sociais e da saúde, explorando tanto o âmbito teórico como sua aplicabilidade, por exemplo, na pesquisa biomédica, ciências sociais, saúde mental e no cuidado com o indivíduo (Massad et al., 2009; Kalibala, Schenk, Weiss & Elsond, 2012).
Portanto, encontra-se circunscrito não somente a grupos específicos como aos desastres quando uma expressiva parcela da população é atingida por uma situação que exige estratégias que contemplem um atendimento resolutivo a grandes grupos, mas também ao conceito de proteção. Isso porque a psicologia tem se dedicado a investigar os desdobramentos das situações adversas, livre de preconceitos patologizantes e tentando dar um sentido para as mesmas (Cardona, 2001; Delor & Hubert, 2000; Filgueira, 2001; Gontijo & Medeiros, 2009; Levine et al., 2004; Nichiata, Bertolozzi, Gryschek, et al., 2011; Sánchez & Bertolozzi, 2007; Zaniani & Boarini, 2011).
Atualmente, vulnerabilidade e proteção têm se constituído em temáticas recorrentes de inúmeros estudos de Psicologia, envolvendo desenvolvimento, psicopatologia do desenvolvimento, situações e populações de risco, resiliência, etc. As ações em saúde mental devem contemplar situações de vulnerabilidade justamente pelo potencial que podem agregar ao desfecho.
O conceito de vulnerabilidade, como tal, tem sido utilizado de maneira indistinta, nem sempre respeitando fronteiras e aplicações, sendo, portanto, indicada esta discriminação a fim de, efetivamente, nortear práticas que possam ser permanentemente avaliadas e corrigidas, oferecendo serviços de excelência à população que busca atendimento na área da saúde mental. A análise da vulnerabilidade não visa caracterizar uma única causa, mas compreendê-la nas dimensões individual e coletiva. Por isso, conhecer tal movimentação no contexto da clínica-escola potencializa uma melhor articulação entre os focos e as estratégias de intervenção.
Os estudos de vulnerabilidade têm ganhado destaque, principalmente na área de saúde mental. Em um estudo sobre vulnerabilidade e proteção, Maggi (2009) destaca que tais conceitos estão permeados pelo desafio imposto ao risco e, também, que a única forma de trabalhar com o risco é oferecer proteção a ele, encontrando alternativas para trabalhar com as variáveis próprias de tais contextos. Bisol e Tapia (2012), em um estudo sobre o conceito de risco, ressaltam que conhecer as variáveis relacionadas ao sujeito, sejam elas sociais, sociopolíticas, culturais históricas, permite entender não somente as questões do risco, mas as possíveis ações protetivas neste contexto.
A escolha pelo estudo e análise de tais conceitos no contexto da clínica-escola justifica-se na medida em que permite a qualificação do atendimento. Por se tratar de uma clínica-escola, em que se formam futuras psicólogas e psicólogos, alia assistência e formação profissional.
A literatura sobre clínica-escola tem se dedicado mais comumente a detalhar os motivos de consulta, adesão e abandono, características sociodemográficas da população alvo. Além disso, alerta para que a Universidade se deixe transformar pela relação com a comunidade e não que a comunidade fique à disposição do ensino (Marcos, 2011).
Sassi e Maggi (2007) detalharam também as demandas da psicologia escolar, usando das fichas de estágio da clínica escola. Nessas fichas eram registradas as demandas das escolas por meio da direção e ou professores e a correspondente ação do estagiário sempre supervisionado pela Professora também Psicóloga. As autoras ressaltam a importância de se investir em pesquisa para que se aproximem as questões da psicologia aos serviços prestados comunidade, abordando, portanto, tanto as problemáticas individuais como institucionais.
Objetivos
O estudo teve como objetivo descrever as características da população encaminhada à clínica-escola, no momento da triagem, contemplando as possíveis condições de vulnerabilidade. Pretendeu mapear os motivos de consulta e os encaminhamentos feitos a partir da triagem.
Método
Trata-se de uma pesquisa exploratória em que foram analisadas 120 fichas de triagem, correspondentes aos atendimentos realizados no Serviço de Psicologia no ano de 2012. Tal Serviço integra-se a rede municipal de saúde, recebendo encaminhamentos das Unidades Básicas de Saúde com demandas na área psicológica, independente da faixa etária. O número de estagiários e professores supervisores envolvidos varia de acordo com o movimento das matrículas a cada semestre. As autoras foram devidamente autorizadas a realizarem a pesquisa nos prontuários do serviço.
Optou-se pelas metodologias quantitativa e qualitativa na análise das fichas de triagem, preenchidas no momento da triagem por Psicóloga contratada como Técnica da clínica-escola. Apenas as fichas de triagem corretamente preenchidas do ano de 2012 foram analisadas.
Os dados registrados nas fichas de triagem foram digitados em uma planilha. A seguir, as informações quantitativas como idade, sexo, escolaridade e qualitativas, como motivo da consulta e encaminhamento foram devidamente sistematizadas.
Priorizaram-se os cruzamentos entre os motivos de consulta correspondentes a cada faixa etária, a fim de visualizar o que corresponderia a infância, considerando o impacto que queixas potencialmente impactam ao longo do desenvolvimento.
Quanto aos adultos, também interessava conhecer as características dos que buscam um serviço de saúde mental, ou seja, a parte da queixa, a escolaridade e ocupação.
Os dados sociodemográficos e quantitativos foram analisados por meio de estatística descritiva (Software SPPS, versão 19 for Windows), apresentados em tabelas e gráficos, e os dados qualitativos, organizados em categorias temáticas, sendo os motivos de consulta categorizados em quatro áreas onde são ressaltadas as dificuldades quanto aos: processos cognitivos, comportamentos afetivos, relacionamento interpessoal e distúrbios orgânicos.
Resultados
Diversas variáveis foram analisadas a partir das fichas de triagem. Quanto ao gênero dos usuários do sistema, os resultados indicam que 61 dos pacientes são masculinos (57,5%) e 49 femininos (42,5%), residentes em diferentes bairros da cidade que correspondem às zonas norte (48,3%) e sul (47,5%) e que, por isso mesmo, têm como referências 35 Unidades Básicas de Saúde de um total de 46 que abrangem o município.
Metade dos usuários tem até dez anos de idade, como observado na figura 1, e destes, trinta (50%) apresentam queixas escolares, sendo que essas correspondem a categoria dificuldades nos processos cognitivos. Os motivos de consulta encontram-se na tabela 1.
Tais resultados são relevantes para que se conheça a população envolvida, já que os mapeamentos de tais questões articulam-se aos potenciais riscos inerentes ao grupo. Analisaram-se também os encaminhamentos dados aos pacientes predominando a psicoterapia individual em 89,2% dos casos, dos quais 30,8% foram indicados para realizar simultaneamente outros tipos de acompanhamento conforme Tabela 2.
A análise dos dados correspondente às idades e os motivos de busca de atendimento indicou a prevalência na faixa etária entre 0 e 10 anos com queixas correspondentes a processos cognitivos, sendo constatada associação significativa (p=0,024), pelo Teste Exato de Fisher (Software SPPS, versão 19 for Windows).
Referente à população adulta, foram analisados 29 (24%) dos 120 casos distribuindo-se entre 21 a 40 anos (62%), 41 a 60 (34%) anos e acima de 60 anos (3%). Quanto à escolaridade, 15 (51%) informaram ensino fundamental incompleto e a ocupação e/ou profissão compatível com técnico de nível médio e trabalhos diversos. Destaca-se o reduzido número de anos de escolaridade e a ocupação nem sempre qualificada e especializada. Tais informações devem ser consideradas com parcimônia, uma vez que não foram levantados os rendimentos individuais e/ou familiares. Não foram encontradas diferenças significativas entre o cruzamento das demais variáveis.
Discussão
Para Felício e Pessini (2009), quando se trata de saúde mental, a vulnerabilidade está relacionada a uma relação terapêutica que busque ver se o paciente tem condições para tomar certas decisões no que tange sua própria existência. A psicoterapia individual constituiu-se em uma das possibilidades de encaminhamento que se oferece como proteção à saúde mental diante do contexto vulnerável que se apresenta. Quando se trata de crianças, reconhecer e atender o mais precoce possível às dificuldades apresentadas promoveria a saúde mental ou minimizaria os agravos dos problemas apresentados. Aliado a isso, Maraviesky e Serralta (2011) constataram, também, o predomínio dos atendimentos individuais em detrimento dos grupais, em seus estudos sobre o perfil de uma clientela de clínica escola, atribuindo conduta ao estilo de formação do universitário de no Brasil.
De acordo com Santos (2006), a busca de crianças com dificuldade escolares é o enfoque de grande parte das clínicas escola e, segundo ele, esse sintoma esconde outras questões de vulnerabilidade na infância, como, por exemplo, comportamento agressivo, nervoso, dificuldades em prestar atenção rebeldia por situações de violência em casa.
A análise realizada corroborou com os achados de outros estudos (Maraviesky & Serralta, 2011), quando afirmam que a busca por atendimento nas clínicas escola é predominantemente de crianças em idade escolar.
Lermoni (2006) ressalta que crianças de 0 a 4 anos têm uma grande dependência dos adultos e necessitam deles para tratar suas questões de vulnerabilidade biológica, psicológica e social. A autora também destaca que trabalhar nas clínicas com as crianças que estão na primeira infância pode reduzir os riscos de vulnerabilidade na adolescência e vida adulta. Portanto, quando se trata de crianças, reconhecer e atender o mais precoce possível às dificuldades apresentadas promoveria a saúde mental ou minimizaria os agravos dos problemas apresentados (Andrade et al., 2005).
Quanto aos encaminhamentos de crianças com dificuldades escolares, Ferreira e Marturano (2002) alertam que crianças com baixo desempenho escolar tendem a ser mais vulneráveis para a inadaptação ao seu meio social. Em função disso, enfatizam a importância de ações preventivas para as crianças, em que a psicoterapia individual pode ser uma alternativa para a prevenção de futuras adversidades.
Os resultados permitem afirmar que a condição de vulnerabilidade, quanto à saúde mental, situa-se no fato das crianças apresentarem sinais e sintomas de sofrimento psíquico que potencialmente podem se ampliar para outras dificuldades. Sapienza e Pedromônico (2005), ao estudarem o risco, a proteção e a resiliência no desenvolvimento da criança e do adolescente, ressaltam alguns eventos estressores tanto da criança como da família que colocam a criança em risco para problemas de desenvolvimento que, por sua vez, também se articulam ao conceito de saúde mental.
A condição psicossocial, por outro lado, não foi suficientemente explorada, na ficha utilizada como instrumento. Não constavam dados sobre a renda mensal familiar ou ocupações dos pais e/ou responsáveis, constituindo-se, portanto, uma limitação do estudo.
Apesar dessa limitação considera-se que os resultados foram atingidos no sentido de descrever as características da população encaminhada à clínica-escola, no momento da triagem, contemplando as possíveis condições de vulnerabilidade. Mapeou os motivos de consulta e os encaminhamentos feitos a partir da triagem.
Espera-se que, com esse estudo, seja possível monitorar as zonas consideradas mais vulneráveis no município, através da qualificação dos instrumentos aplicados por ocasião do ingresso na clínica-escola, precisando com mais exatidão o território a que pertence.
Quanto aos adolescentes, no que tange a vulnerabilidade, Strelhow, Bueno e Câmara (2010) ressaltam que se deve mudar o foco, identificando não somente as situações de risco e vulnerabilidade a que ele está exposto, mas a potencialidade dessa fase da vida, sendo um momento de mudanças e de reconhecer potencialidades. Nesta direção os estudos de Guareschi et al. (2007) detalham uma intervenção na condição de vulnerabilidade com adolescentes por meio de um programa do trabalho educativo.
Bosi e Maggi (2010) ressaltam a importância de que o psicólogo tenha as suas ações voltadas desde a prevenção de situações consideradas problemáticas até as práticas curativas, exigindo, do profissional da Psicologia, ações mais reflexivas. Logo, a dificuldade escolar das crianças remete a ações tanto preventivas como curativas não exclusivamente voltadas a elas próprias, mas a todos os envolvidos, como, família, professores, entre outros.
O fato de o presente estudo detalhar as características e os motivos de consulta de usuários de outras faixas etárias e o território a que pertencem potencializa futuras ações da clínica-escola, no sentido de propor intervenções psicológicas cada vez mais alinhadas com a amenização das queixas e, mais ainda, a possível prevenção de sua manifestação. Ao especificar a localização dos usuários por zonas territoriais, facilitam-se os encaminhamentos entre os serviços e o vínculo com a rede de saúde.
Os resultados também viabilizam a conversa da equipe multiprofissional envolvida tanto no serviço como na rede de saúde, proporcionando ações inter e transdisciplinares (Gleriano & Cohn, 2013; Gadelha, Machado, Lima & Baptista, 2011; Vieira Filho & Nóbrega, 2004). A conversa multiprofissional e a facilitação dos encaminhamentos relacionam-se ao conceito de matriciamento, em que a política do sistema de saúde foca os cuidados com individuo em paralelo ao suporte de equipes, ampliando as possibilidades de intervenção no sistema de saúde municipal (Nascimento & Oliveira, 2010; Spink, 2010).
Referências
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Endereço para contato
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E-mail: amaggi@ucs.br
Recebido em: agosto de 2015
Aprovado em: agosto de 2016
Alice Maggi: Graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutorado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professora no Curso de Psicologia da Universidade de Caxias do Sul. Curso de Psicologia. Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130 – Bairro Petrópolis. CEP 95070-560. Caxias do Sul/RS. Brasil. Telefone: (54) 99789752.
Aline Machado da Rosa: Aluna do curso de Psicologia da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Universidade de Caxias do Sul. Rua Bento Gonçalves 1253. Ap. 24. CEP 95020412. Caxias do Sul/RS. Brasil. Telefone: (54) 3025 2103.
Clarissa Giuliani Scherer: Graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria. Mestrado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora da Universidade de Caxias do Sul. Curso de Psicologia. Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130 – Bairro Petrópolis. CEP 95070-560. Caxias do Sul/RS. Brasil. (54) 3218 2100.
Cláudia Alquati Bisol: Graduação em Psicologia pela Universidade de Caxias do Sul. Doutorado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora no Curso de Psicologia da Universidade de Caxias do Sul. Curso de Psicologia. Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130 – Bairro Petrópolis. CEP 95070-560. Caxias do Sul/RS. Brasil. (54) 3218 2100.
Jaqueline Wendland: Graduação em Psicologia. Doutora. Université Paris Descartes. Institut de Psychologie. 71 Avenue Édouard Vaillant. 92774 Boulogne – Billancourt. France. (51) 3711 2818.
Letícia Borges Poletto: Graduação em Psicologia pela Universidade de Caxias do Sul, Psicóloga CRP 07/16677. Mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul PPGEdu/UCS. Universidade de Caxias do Sul. Hospital Geral – UCS. Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130 – Bairro Petrópolis. CEP 95070-560. Caxias do Sul/RS. Brasil. (54) 3218 7200.
Priscila Minhoni Moreira: Aluna do curso de Enfermagem da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Universidade de Caxias do Sul. Rua da Glória, 106. Bairro Cruzeiro. CEP 95074-210. Caxias do Sul –RS. Brasil. (54) 9683 56 68.