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Aletheia
versión impresa ISSN 1413-0394
Aletheia vol.53 no.2 Canoas jul./dic. 2020
https://doi.org/10.29327/226091.53.2-11
DOI 10.29327/226091.53.2-11
RELATOS DE EXPERIÊNCIA - PROMOÇÃO DA SAÚDE
Humanizando sentidos entre a psicologia e a enfermagem: relato de intervenção em uma U.T.I neonatal
Humanizing signs between psychology and nursing: intervention report in a neonatal intensive care center
Sara Helen Kolachi1, I; Ana Paula Sesti Becker2,II; Maria Aparecida Crepaldi3, II
ICentro Universitário de Brusque, UNIFEBE
IIUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
RESUMO
O relato de experiência teve como objetivo desenvolver práticas de humanização que promovam a saúde na equipe de Enfermagem de uma UTI Neonatal em um hospital catarinense. Participaram da atividade, sete profissionais; destes, três eram enfermeiros(as) e quatro eram técnicas de Enfermagem. Realizaram-se encontros semanais com duração de uma hora, cujo método estruturou-se em três módulos denominados: Módulo 1: Autocuidado; Módulo 2: Trabalho em Equipe e Módulo 3: Processos reflexivos. Para o alcance dos objetivos estabeleceram-se técnicas de dinâmicas de grupo e rodas de conversa. Os resultados possibilitaram novas reflexões sobre o autoconhecimento, troca de saberes entre os profissionais, bem como estratégias de resolução de conflitos. Sugere-se a continuidade de intervenções que preconizem a humanização, não somente nesse contexto, mas em diversos serviços de assistência à saúde.
Palavras-chave: Humanização; Práticas de saúde; Intervenção.
ABSTRACT
The experience report aimed to develop humanization practices that promote health in the Nursing team of a Neonatal ICU in a hospital in Santa Catarina. Seven professionals participated in the activity; of these, three were nurses and four were Nursing techniques. Weekly meetings were held for one hour, and the method was structured in three modules: Module 1: Self-care; Module 2: Teamwork and Module 3: Reflective processes. Techniques of group dynamics and conversation wheels were established to reach the objectives. The results allowed for new reflections on selfknowledge, exchange of knowledge among professionals, as well as conflict resolution strategies. We suggest the continuation of interventions that advocate humanization, not only in this context, but also in several health care services.
Keywords: Humanization; Health practices; Intervention.
Introdução
A hospitalização na Unidade Terapêutica Intensiva Neonatal (UTIN) provoca diversas implicações para todos envolvidos no processo: desde o recém-nascido que carece de cuidados intensivos, seus familiares e a equipe de saúde. A UTIN constitui-se como um espaço específico para o tratamento de recém-nascidos (RN) pré-termos ou não, que apresentam uma condição de saúde grave ou potencialmente grave com risco de morte (Ministério da Saúde, 2012).
De modo geral, a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, costuma ser associada a um ambiente frio e hostil, com a presença de situações de sofrimento e a iminência da morte. Por destinar-se à uma internação de pacientes com patologias graves, os quais demandam cuidados contínuos, por uma equipe especializada, e aparelhagem específica para a monitorização, diagnóstico e terapia, esse contexto pode predispor ao pequeno paciente, condições potencializadoras de estresse e vulnerabilidade (Barreto & Inoue, 2013). Pela exposição intensa à luz, ruídos, estímulos nociceptivos por meio de procedimentos clínicos invasivos e dolorosos, é constante nessa rotina hospitalar, um desgaste físico e emocional por parte de todos os envolvidos, o que se estende aos familiares e à equipe de saúde responsável (Silva, Marinho & Santos, 2016; Maia, Silva & Ferrari, 2014; Reichert, Lins & Collet, 2007).
Do ponto de vista dos familiares, a UTIN desencadeia sentimentos ambivalentes e pode caracterizar-se, ao mesmo tempo, como um ambiente de esperança e de medo (Silva, Menezes, Cardoso & França, 2016). Esperança, por aguardar resultados positivos no tratamento de seu filho, aumentando assim, as chances de sobrevida e restabelecimento completo. Medo, pela angústia e receio dos riscos inerentes aos quais os pacientes estão submetidos; além do sentimento de impotência e insegurança, gerados pela separação do bebê e sua condição adversa, logo após o seu nascimento (Inácio, Vollmann, Langaro & Silva, 2015), quando o hospital não oferece condições para a permanência dos pais.
Já para a equipe de profissionais que trabalha nesse contexto, em especial à equipe de Enfermagem, há que se atentar aos diversos estímulos estressantes vivenciados em sua prática laboral. Oliveira, Lopes, Vieira e Collet (2006) apontam que a jornada de trabalho exaustiva, norteada por um ritmo acelerado; exigência de eficiência na execução de técnicas e manipulação de máquinas e equipamentos sofisticados; descanso restrito ao longo do dia; dupla jornada de trabalho e intensa responsabilidade na realização de tarefas, para um público que apresenta especificidades muito delicadas na expressão de suas angústias, irritações e medos, torna ainda mais complexa a sua atuação.
Por vezes, a modalidade de cuidados prestados pela equipe de enfermagem na unidade é o cuidado integral, o qual segue o cumprimento das prescrições médicas. Todavia, é o enfermeiro que assume, na maioria das vezes, o atendimento integral ao paciente em seu turno de trabalho. Tal assistência, rompe com a divisão de tarefas e centraliza no profissional uma sobrecarga de tarefas e responsabilidades, que poderiam ser equilibradas quando existe a operacionalização de um trabalho em equipe (Melo et al., 2016; Gaíva & Schochi, 2004). Para tanto, observa-se a tendência na realização de trabalhos coletivos na área da saúde, o que nem sempre se constitui como um trabalho em equipe. Pode-se refletir, que a atuação em uma equipe interdisciplinar não deve se pautar apenas no agrupamento de profissionais de áreas distintas, atuando coletivamente; mas em promover uma articulação entre os profissionais, capaz de integrar diferentes saberes e intervenções no atendimento prestado ao paciente e seus familiares.
Além dos entraves ocupacionais, delimitados pela cultura institucional e hospitalar vigentes, torna-se um desafio, para a equipe de saúde, estabelecer uma assistência efetiva que se destine à inserção da família no cuidado neonatal. Tal cenário é dificultado pela escassez de recursos, falta de sensibilização e instrumentalização dos profissionais que possam dar conta das demandas que se apresentam no processo de trabalho e a ausência de reflexões críticas que tem embasado a atenção à saúde, nesse contexto. Além disso, não se pode perder de vista as relações de poder presentes no ambiente de trabalho, especialmente nos conflitos que muitas vezes, prejudicam os trabalhos entre enfermeiros e técnicos de enfermagem (Melo et al., 2016; Junqueira, Campos, Silva & Barbosa, 2015).
Não obstante a tantos desafios apontados, torna-se fundamental destacar o impacto emocional ao qual o profissional da área da saúde é confrontado diariamente. Em relação à equipe de enfermagem no contexto da UTIN, é comum o aparecimento de queixas associadas ao estresse e ao sofrimento psíquico (Oliveira et al., 2006); tendo em vista os conflitos e frustrações gerados pelo acompanhamento do sofrimento junto ao paciente. Além disso, o manejo com a dor e a morte na prematuridade, podem se tornar questões delicadas e potencializadoras de angústia na prática hospitalar (Inácio et al., 2015).
Com base em tais reflexões, é oportuno discutir as ações de saúde com vistas à humanização da assistência em UTINs, a fim de promover práticas mais humanizadoras desde o atendimento prestado ao paciente e seus familiares, sem perder de vista, o cuidado estendido às necessidades de todos os profissionais envolvidos nesse processo. Dessa forma, o conceito de humanização adotado pelas autoras, corresponde ao proposto pelo Ministério da Saúde com a Política Nacional de Humanização (Humaniza SUS), que consiste no comprometimento com a qualidade dos serviços de atenção à saúde, de forma integral e universal. Consiste, portanto, na valorização da dimensão subjetiva e social do paciente, destacando-se o respeito às questões de gênero, etnia, religião e cultura (Ministério da Saúde, 2004).
No que se refere à humanização no cuidado Neonatal, o Ministério da Saúde legitima diversas ações, as quais relacionam-se às individualidades, à garantia de tecnologias que promovam a segurança do recém-nascido e o acolhimento ao bebê e sua família, com ênfase no cuidado voltado para o desenvolvimento e psiquismo, a fim de facilitar o vínculo pais/bebê durante sua permanência no hospital e após a alta (Silva, Linhares & Gaspardo, 2018; Reichert et al., 2007).
Por entender a humanização como um fenômeno sistêmico que permeia todos os envolvidos na efetivação de suas práticas, aponta-se que os profissionais da saúde se tornam agentes facilitadores nesse processo. O que também implica, no reconhecimento ao profissional da saúde; buscando como foco, o acolhimento às suas demandas, capaz de incitar políticas assistenciais que lhe tragam suporte técnico e emocional para o fortalecimento de suas ações.
A partir deste vislumbre, este estudo apresenta como objetivo geral desenvolver práticas de humanização que promovam a saúde na equipe de Enfermagem de uma UTI Neonatal em um hospital catarinense. E como objetivos específicos: a) Refletir sobre o autocuidado, rotina laboral, limites e recursos encontrados na prática profissional; b) Estimular o trabalho interdisciplinar e a troca de saberes entre os profissionais, bem como estratégias de resolução de conflitos entre a equipe de saúde; e c) Identificar as crenças subjacentes à atuação profissional, tais como: saúde, doença, morte e hospitalização.
O referencial teórico proposto nesse relato de intervenção foi o Pensamento Sistêmico, uma vez que pensar sistematicamente permite considerar o sujeito dentro de seu contexto (Grandesso, 2000). Isso implica, compreender as ações dos profissionais de saúde no contexto no qual exercem as suas atividades, uma vez que esta realidade não é estática e depende de um conjunto de fatores que devem ser analisados. Por conseguinte, busca-se intervir em um espaço sob um olhar complexo que considere a dinâmica das redes de relações contextuais e interpessoais (Gomes, Bolze, Bueno & Crepaldi, 2014).
Método
Contexto
O local em que o trabalho foi realizado é em uma UTI Neonatal de um hospital catarinense no Vale do Itajaí. Em 2014, a instituição adquiriu uma estrutura para o setor de UTI Neonatal, disponibilizando nove leitos para atender recém-nascidos. A Equipe de saúde conta com oito médicos neonatologistas, três enfermeiras e quatro técnicas de Enfermagem.
A proposta de trabalho desenvolveu-se no contexto de um programa de estágio curricular do curso de Psicologia, vinculado a uma universidade privada. Inicialmente, delineou-se o campo para atuação, o qual foi supervisionado por uma psicóloga hospitalar e a professora orientadora, respectiva à universidade. Na sequência, delineou-se o Plano de Ação, descrito na seção dos procedimentos, o qual foi estruturado com base nas demandas apontadas pela instituição.
Participantes
Fizeram parte da atividade prática proposta, sete (7) profissionais da UTIN. Destes, três eram enfermeiros(as) e quatro eram técnicos(as) de Enfermagem. O período de trabalho na instituição variou de 9 meses a 5 anos e a média de idade dos profissionais foi de 36 anos, sendo o sexo feminino predominante nesse setor. A tabela 1 apresenta os detalhes da caracterização dos participantes.
Procedimentos
Foram realizados encontros semanais com duração aproximada de uma hora, com a referida equipe e a presença de uma estagiária de Psicologia, responsável pela coordenação das atividades. Após a formalização de delineamento do campo de estágio, procedeu-se a um contato inicial com a instituição, a fim de verificar as demandas apontadas pelos supervisores de área para um posterior planejamento de atividades. Na sequência, foi estruturado um Plano de Ação para ser realizado no setor da UTIN hospitalar, conforme a demanda apresentada pelos supervisores e alguns profissionais da unidade. Assim, os profissionais da UTIN foram convidados a participar, comprometendo-se a frequentar, na medida do possível, a todos os encontros realizados, os quais aconteceram fora do horário de expediente. Portanto, o método de intervenção estruturou-se em três módulos de planejamentos por encontros, denominados: Módulo 1: Autocuidado; Módulo 2: Trabalho em Equipe; e Módulo 3: Processos reflexivos (ver Tabela 2).
Para o alcance dos objetivos estabeleceram-se técnicas de dinâmicas de grupo, e rodas de conversa. As dinâmicas oportunizam o compartilhar de conhecimentos, consistindo em um recurso capaz de promover a comunicação através do aspecto lúdico. Além disso, também possibilita que os participantes entrem em contato com sentimentos diversos de forma reflexiva, de modo que muitas ressignificações sejam elaboradas (Teixeira & Veloso, 2006). O intuito de aplicar essa técnica vai além do estabelecimento de um rapport, mas o de estimular a integração grupal e a sensibilização para o tema de humanização em práticas de saúde. As rodas de conversa foram desenvolvidas, a fim de ampliarem discussões de forma livre, cujo(a) participante poderia manifestar-se abertamente com os demais integrantes e a mediadora do grupo.
Procedimentos Éticos
Ressalta-se que os cuidados éticos, especialmente quanto ao sigilo profissional e conduta respeitosa balizada pelos princípios do Código de Ética Profissional do Psicólogo (CRP) foram seguidos, em todas as etapas da intervenção de estágio; o qual obteve aprovação para a sua implementação (Centro Universitário de Brusque [UNIFEBE], 2016). A fim de preservar a identidade dos participantes, o nome dos mesmos foi substituído por (P1) – Participante 1, (P2) – Participante 2 e assim sucessivamente, em conformidade com os preceitos éticos da Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados e discussão
Módulo 1 - Autocuidado
O primeiro módulo explorou aspectos relacionados ao autocuidado, no sentido de refletir sobre a rotina laboral, limites e recursos encontrados na prática profissional. Essa etapa foi realizada em três encontros, nos quais foram aplicadas diferentes estratégias para o alcance dos objetivos. Inicialmente, a mediadora propôs uma dinâmica de apresentação, em que todos pudessem falar brevemente sobre si e sua área de atuação e tempo de experiência na instituição; além de apresentarem suas expectativas frente ao trabalho que seria iniciado. Ao final das apresentações, solicitou-se que os integrantes escrevessem em um papel as primeiras palavras que vinham à mente quando ouviam a palavra "autocuidado".
O grupo manteve-se mais reservado num primeiro momento, respondendo pontualmente às questões propostas. Em relação às expectativas, manifestaram curiosidade sobre novas estratégias que poderiam aprender, com vistas à otimização de seu trabalho; e sobre como a Psicologia iria contribuir no desenvolvimento de suas atividades. O participante (P1) trouxe o seguinte relato, após a mediadora ter apresentado o Projeto de intervenção: Ficamos muito contentes em saber que o trabalho será direcionado para nós, a equipe, pois todo mundo só pensa nos bebês e nos pais dos bebês, acabam esquecendo a gente.
Chama a atenção que nessa reflexão, o desejo de visibilidade e reconhecimento que se faz presente para o participante, o qual pode sugerir uma necessidade de atenção aos serviços prestados por esses profissionais. Inácio et al. (2015) ressaltam a importância de um olhar atento às demandas apresentadas pelos profissionais da saúde, pois,"cuidar de quem cuida" é uma forma de estabelecer práticas mais humanizadoras, as quais irão reverberar no atendimento ao paciente e seus familiares.
Quanto às palavras que fizeram alusão ao grupo sobre o autocuidado, apareceram como referência: amor próprio, descanso, respeito a si mesmo, investimento e desafio. Os participantes compartilharam sobre a importância de se verem no processo de trabalho, como profissionais implicados, também para o restabelecimento do paciente. Entretanto, relataram a dificuldade que sentem em fazer isso, pois a sobrecarga de tarefas pouco permite esse olhar sensível sobre eles mesmos.
Isso denota um fator importante a ser considerado, pois a falta ou a fragilidade dos profissionais conseguirem refletir sobre sua própria atuação e seus sentimentos, podem tornar-se fatores de risco para a sua saúde mental; o que traz impactos negativos no desenvolvimento de sua atuação, especialmente, num contexto de alta vulnerabilidade como a UTIN. Do ponto de vista sistêmico, cada profissional, paciente ou familiar, faz parte de um contexto ampliado, cujas inter-relações influenciam-se de modo complexo (Moré, Crepaldi, Gonçalves & Menezes, 2009). Isso implica dizer que os efeitos, por exemplo, de autocuidado de cada um dos profissionais, influenciam nos serviços prestados aos pacientes, e esses serviços também trazem impactos no próprio autoconceito de cada membro da equipe.
No segundo e terceiro encontros desse mesmo Módulo foram realizadas as demais dinâmicas de grupo, a fim de promover o autoconhecimento e a autoestima na prática profissional. Para tanto, a mediadora propôs uma dinâmica denominada Bandeira Pessoal. Nela, os participantes são solicitados a expressar em uma folha A4 branca, por meio de desenhos, gravuras ou frases, aspectos que os caracterizam quanto às suas preferências, habilidades, dificuldades e o que desejariam de mudar. Após a elaboração da atividade, os integrantes compartilham a sua bandeira e devem observar a dos outros, fazendo perguntas e apontando características que também percebem em seus colegas. Estes, por sua vez, podem acrescentar em sua própria bandeira, caso o considerem pertinente.
A equipe acolheu com receptividade a dinâmica e o relato de (P5) ilustra alguma das reflexões feitas pelo grupo:
Nunca tinha pensado que eu sou uma pessoa atenciosa. Mas, ouvindo o que o meu colega comentou... Que o jeito que eu olhava e ouvia atentamente os pais dos bebês quando chegam aqui, passei a me lembrar de vezes que eu fazia isso e pra mim, sempre foi muito automático. Vou pensar mais sobre eu mesma e lembrar dessas qualidades quando estiver atendendo....
Essa vinheta parece demonstrar o quanto o autoconhecimento e a percepção dos colegas de área, podem despertar e incitar a autoestima, o que por sua vez, repercute em um modo mais positivo na dinâmica relacional estabelecida no ambiente de trabalho.
Módulo 2: Trabalho em Equipe
A fim de dar início à segunda fase de intervenção, foi proposta uma dinâmica de relaxamento no terceiro encontro, a qual teve como procedimento formar uma roda com os integrantes e com as mãos no ombro do colega posicionado a sua frente o que estava atrás massageava as costas de quem estava à frente e depois de um certo tempo, invertiase a ordem de modo que quem fez a massagem, passava a recebê-la.
Os participantes, em sua maioria, demonstraram satisfação nessa atividade, sentindose à vontade para interagirem uns com os outros. Fleury (1999) salienta que quanto mais acolhido o grupo sentir-se para expressar seus sentimentos, maior será sua espontaneidade ao favorecer o compartilhamento de pensamentos e a manifestação de sua sensibilidade. Essa estratégia inicial teve como finalidade reduzir a tensão acumulada pelas atividades profissionais e propor maior aproximação entre a equipe.
Após, foi apresentada a Dinâmica: "Dissolução de Problemas", a qual exibia a seguinte consigna: Em pedaços de folha branca A4 (cortadas pela metade), os participantes deveriam escrever algumas dificuldades que estivessem vivenciando no ambiente de trabalho ou no âmbito pessoal, sem se identificar. Depois, as folhas eram dobradas e devolvidas à mediadora. Em seguida, esta as misturava dobradas e as redistribuía aleatoriamente a cada participante. Era solicitado que cada colega pudesse ler o que estava escrito e se colocasse no lugar desta pessoa, como se o problema fosse seu e imaginasse de que forma poderia auxiliar e dissolver este problema, tecendo sugestões e reflexões.
Alguns participantes mencionaram "poucos problemas" e teceram comentários pontuais. Entretanto, a maioria se engajou na atividade proposta, se mobilizando pelas dificuldades que o colega apresentou e apontando soluções. Convém salientar que essa técnica foi elaborada, tendo presentes a mediadora e a professora responsável, tendo por inspiração os preceitos de Andersen (2002) acerca dos processos reflexivos. Dessa forma, o título da dinâmica se pauta na dissolução dos problemas e não na resolução deles. Ou seja, vem aludir a um pensamento reflexivo e compartilhado entre os diferentes participantes; no sentido de não oferecer respostas prontas, mas em pensar sob várias alternativas, sem julgamentos ou rótulos pré-fixados.
O relato de (P4) alude acerca das proposições realizadas:
O problema da pessoa que eu peguei foi que [ela não consegue se sentir ouvida na unidade. Quando compartilha alguma insatisfação, as coisas não mudam e ela ainda se sente mal-vista por ter exposto sua opinião]. Bom, eu fico pensando, né? Que essa pessoa já precisou ser muito corajosa para expor aquilo que não se sente bem... Isso já é um passo tão ousado, romper com esse silêncio... O que eu faria, talvez, no lugar dela?... É, eu sei como é complicado quando as pessoas não entendem a gente e ainda julgam aquilo que falamos, que acreditamos..., Mas, acho que ela deve ser a própria mudança. Se as coisas não mudam, então a gente muda... Quem sabe, sendo ela mesma a diferença, o ambiente se transformem. Também acho que ela não deveria se intimidar... Colocar seu ponto de vista com responsabilidade, com educação, é o que tá faltando muito hoje.
Interessante observar nesse relato, a sensibilidade demonstrada de (P4) ao se projetar à posição do colega. Além disso, tê-lo validado em seu comportamento, incentivando-o, mobilizou o grupo a também se manifestar e tecer reflexões de encorajamento.
Outros discursos emergiram, no sentido de encontrar no trabalho em equipe, ou um recurso possível para o enfrentamento de conflitos e descontentamentos na rotina laboral. Os participantes compartilharam situações em que puderam contar uns com os outros e como isso afetou de forma positiva, o rendimento e satisfação em suas práticas de saúde. Gaíva e Schochi (2004) ressaltam que o trabalho em equipe deve ser incentivado e tornar-se o alicerce para que diferentes profissionais construam conexões entre saberes e intervenções distintas, com vistas à prática da interdisciplinaridade no cotidiano das intercorrências hospitalares.
Módulo 3: Processos reflexivos
O terceiro e último módulo do Plano de Ação, visou identificar o que os profissionais pensavam quanto à saúde, doença, morte e hospitalização; e como essas questões estavam relacionadas ao trabalho que desenvolviam especificamente. Para tanto, foi adotada a técnica da Roda de Conversa entre os membros da equipe.
Inicialmente, a mediadora resgatou de forma breve, diversos pontos já compartilhados durante os encontros anteriores e recomendou que para essa atividade, não seria necessário introduzir uma dinâmica de grupo específica, mas que as trocas de saberes e de experiências já seriam suficientes para explorar a temática proposta. Sugeriu que cada participante pudesse fazer uso da palavra, para manifestar o que pensavam a respeito dos conteúdos supracitados, os quais estão associados à humanização.
(P3) relatou sobre vivências na UTIN quanto ao luto pelo óbito de neonatos e o apego aos recém-nascidos que se mantêm internados por um tempo mais longo na maternidade de terapia intensiva:
Muitas vezes os recém nascidos chegam bem mal, mas vão melhorando e vamos acompanhando essa evolução e torcendo pra ele ficar bem e ir embora, mas tem vezes que este bebê que apresentou melhoras, morre; daí, é bem difícil pra gente. Ah, e outra coisa, tem casos que não é fácil a gente se despedir do bebê e até dos pais, são aquelas vezes que a internação dura mais tempo e a gente se apega muito.
A equipe comunicou que, na maioria das vezes, quando o bebê morre, ao ver os pais sofrendo e chorando, eles vivenciam esse luto junto com a família.
Inácio et al. (2015) ao discutirem a importância da atuação do psicólogo no contexto hospitalar, pontuam que este deve tornar-se um mediador das relações entre equipe e familiares, bem como auxiliar os profissionais no enfrentamento das situações de estresse, frequentes no ambiente da UTI, por meio de treinamentos, reuniões multidisciplinares, ou até mesmo rodas de conversa. Nos casos em que ocorrem diagnósticos graves, o psicólogo deve estabelecer um trabalho integrado, ou seja, além de se tornar um apoio fundamental para os familiares, precisa estar atento aos profissionais da saúde. Nestes momentos é possível trabalhar com a equipe, temas como a comunicação de más notícias, luto antecipatório, cuidados paliativos, entre outros. É fundamental o favorecimento de momentos de reflexão e auxílio na construção de estratégias de enfrentamento, diante das emoções vivenciadas no ambiente de trabalho, especialmente àquelas que se referem a neonatos com possibilidade de inserção em cuidados paliativos.
A equipe também discutiu sobre o vínculo que estabelece com os neonatos durante o período que eles se mantêm hospitalizados, e que, às vezes, é difícil lidar com o desligamento afetivo desses bebês e suas famílias quando recebem alta. Sobre isso, pode-se pensar acerca da relevância que o suporte técnico e emocional da equipe, constitui-se uma das peças principais no tratamento do paciente; tendo em vista, que o cuidado fornecido pelo profissional nesse contexto de vulnerabilidade e fragilidade, torna-se fundante para o fortalecimento da segurança familiar, sobretudo, afetiva (Oliveira et al., 2006). Por outro lado, uma das contribuições da Psicologia nesse processo, poderia se dar no auxílio ao fortalecimento dos pais e autonomia dos familiares, durante o recebimento de um prognóstico negativo ao decorrer da hospitalização. Somado a isto, criar condições que favoreçam o desligamento emocional da equipe com o paciente, quando este recebe alta, é outro aspecto necessário para a rotina dos profissionais.
Tais temáticas abordadas durante as intervenções, apresentam como produto final, a promoção de práticas em saúde humanizadoras. A partir do incentivo em estimular a comunicação e o compartilhar de experiências, a humanização se tornou viável na instituição (Nunes, 2012). Para o encerramento das atividades e avaliação do processo, a mediadora contou uma história com elementos metafóricos e ao final, deixou livre para que cada participante pudesse manifestar o que refletiu sobre o conto e o que pôde relacionar com as atividades realizadas na UTIN. De forma unânime, os profissionais mencionaram as aprendizagens que construíram junto com a mediadora e os colegas, acrescidas da coesão grupal, o que ficou evidenciado em seus discursos.
Considerações Finais
Promover a humanização em práticas de saúde, é antes de tudo, lançar perspectivas que considerem o ser humano de forma global e integrada, buscando ultrapassar a fragmentação da assistência e de um modelo de atenção mecanicista. É criar condições para lidar com o outro de modo digno, que incite o respeito e a valorização a seus sentimentos, valores e crenças, por meio de canais que propiciem dar voz e uma escuta sensível às diversas demandas que emergem por parte dos pacientes, familiares e profissionais.
Diante do exposto, esse relato de intervenção teve como objetivo geral desenvolver práticas de humanização que promovam a saúde na equipe de Enfermagem de uma UTI Neonatal em um hospital catarinense. Constatou-se que as atividades implementadas oportunizaram novas reflexões sobre o autocuidado e as práticas que exercem na UTIN; desde os pacientes e familiares que recorreram ao serviço, até diferentes membros da unidade e da instituição, o que pode gerar reflexos em um nível mais ampliado, estendendose até a comunidade local.
No que se referem às dificuldades encontradas, aponta-se a restrição de horário dos profissionais para a realização das atividades. Em vista disso, alguns participantes não conseguiram se manter assíduos durante os encontros e outros profissionais, como médicos e demais integrantes da equipe de Enfermagem, não puderam participar. Outra problemática enfrentada correspondeu às estratégias estabelecidas previamente e o desafio de realizá-las, na prática, ao confrontar-se com o espaço físico e o tempo disponível para desempenhá-las. Acerca disso, valeu-se da aprendizagem em lidar com a imprevisibilidade e desenvolver habilidades de comunicação e mediação nas atividades grupais.
Em decorrência das reflexões presentes, sugere-se a continuidade de intervenções que preconizem práticas mais humanizadoras, não somente no contexto citado, mas em diversos serviços de promoção e assistência à saúde. Por fim, salienta-se que, embora seja um desafio consolidar na prática, momentos de reflexão acerca do processo de trabalho em contextos como as UTINs, esse é um caminho fundamental a fim de se repensarem as práticas e se promoverem ambientes mais saudáveis para todos os envolvidos no processo. Reitera-se que o envolvimento de uma equipe com uma escuta sensível é tão importante quanto às intervenções técnicas realizadas, já que nem sempre, apenas os conhecimentos técnicos e teóricos, funcionam de forma amplamente eficaz diante das situações de estresse e vulnerabilidade.
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Endereço para correspondência
E-mail:anapaulabecker.psicologia@gmail.com
Recebido em: fevereiro de 2019
Aceito em: março de 2020
1 Sara Helen Kolachi: Centro Universitário de Brusque, UNIFEBE. Graduada em Psicologia pela UNIFEBE. Psicóloga Clínica.
2 Ana Paula Sesti Becker: Doutora em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Psicologia Clínica com formação em Terapia Familiar Sistêmica.
3 Maria Aparecida Crepaldi: Doutora em Psicologia pela UNICAMP. Pós-Doutora pela Universidade do Québec em Montreal – UQÀM/ Canadá. Doutora Docente Titular da UFSC. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).