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Aletheia

versión impresa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.54 no.2 Canoas jul./dic. 2021

https://doi.org/DOI10.29327/226091.54.2-16 

DOI 10.29327/226091.54.2-16

RELATOS DE EXPERIÊNCIA

 

Enfrentando o bullying na escola: experiências de intervenções no combate à violência

 

Facing Bullying in schools: the experiences of interventions in the fight against violence

 

 

Suane Pastoriza Faraj1,I; Luciana Santa Catharina Costabeber2; Kelen Braga do Nascimento3,II; Luiza Chanças Cardoso de Aguiar4

IUniversidade Federal de Santa Maria
IIInstituto Cognitivo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho apresenta um relato de experiência de ações realizadas no enfrentamento do bullying, desenvolvidas em uma escola privada do interior do Rio Grande do Sul. As intervenções foram desenvolvidas a partir de três Projetos: Bullying: Somos bonitos pelas nossas diferenças, bullying não é brincadeira e superando o bullying e outras formas de violência. Participaram da ação os alunos da Educação Infantil ao Ensino Médio, matriculados na Instituição nos anos de 2016, 2017 e 2018. As intervenções foram desenvolvidas pela psicóloga escolar, acadêmicas de psicologia, pela assistente social e pelas orientadoras educacionais. As ações tiveram como intuito oferecer espaços de informação, diálogo e de reflexão sobre a problemática do bullying, a fim de prevenir situações de violência entre os pares. A partir das ações, os alunos puderam conceituar o fenômeno, analisar suas causas e consequências, diferenciar violência de brincadeiras entre os pares e refletir sobre formas de superar essa problemática.

Palavras-chave: bullying; prevenção; escola.


ABSTRACT

This work presents an experience report of actions that were taken in the fight against bullying, developed in a private school in the interior of Rio Grande do Sul. The interventions were developed from three projects: Bullying: We are beautiful because of our differences, bullying is no joke and overcoming bullying and other forms of violence. The participants in the action were students from child school to high school registered in the institution in the years 2016, 2017 and 2018. The interventions were developed by the school psychologist, psychology students, by the social worker and by the educational counselors. The purpose of the actions was to provide information, dialogue and reflection on the problem of bullying, in order to prevent situations of violence between peers. From the actions, the students were able to conceptualize the phenomenon, analyze its causes and consequences, differentiate violence from games between the peers and reflect ways to overcome this problem.

Keywords: bullying; prevention; school.


 

 

Introdução

A psicologia escolar pode ser compreendida como um campo de pesquisa, de produção de conhecimento e de intervenção que vem assumindo um compromisso teórico e prático com as questões que envolvem o âmbito da escola, visando promover o desenvolvimento e a aprendizagem da comunidade escolar (Oliveira & Marinho-Araújo, 2009). O Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2019) preconizou que o psicólogo escolar deve desenvolver práticas conjuntas com a equipe da escola na construção de estratégias de ensino-aprendizagem, considerando os desafios atuais e a necessidade de comunidade. Petroni e Souza (2017) evidenciaram que o papel do psicólogo, neste contexto, ultrapassa o modelo clínico (enfoque terapêutico) e visa estabelecer parcerias para se pensar ações voltadas à escola como um todo. As autoras ressaltaram a pluralidade de demandas que surgem no âmbito escolar, devido à multiplicidade de sujeitos que este espaço compreende. O psicólogo escolar deve atuar como mediador do desenvolvimento humano no âmbito da educação e preconizar práticas preventivas, que contemplam estudantes, professores, gestores, famílias e demais atores da comunidade escolar (Marinho-Araújo, 2014).

No âmbito escolar, a prática do bullying vem preocupando alunos, pais e professores, assim como a sociedade de maneira geral, devido aos danos que este tipo de violência vem causando na saúde e nas relações sociais de crianças e de adolescentes envolvidos (Alcantara, et al., 2019; Brito & Oliveira, 2014; Mello, et al., 2017; Silva, 2010). Nesse contexto, no ano de 2015, foi sancionada a Lei 13.185 (2015) que instituiu o Programa de Combate à intimidação Sistemática (Bullying) , em todo o território nacional, o qual visa à prevenção e à inibição do bullying. No ano de 2018 entrou em vigor a Lei nº 13.663 (2018), a qual alterou o artigo 12 da Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes de Bases e Educação, para incluir a promoção de medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência e a promoção da cultura de paz nas escolas. Dessa forma, as instituições de educação têm o dever legal e o compromisso social de abordar a temática a partir de ações que visem o seu enfrentamento.

O presente artigo tem como objetivo apresentar ações de enfrentamento do bullying realizadas pela psicologia, com o apoio de profissionais de diversas áreas do conhecimento, em uma escola privada localizada no interior do Rio Grande do Sul. As intervenções foram desenvolvidas nos anos de 2016, 2017 e 2018, a partir de três projetos intitulados: Bullying: somos bonitos pelas nossas diferenças; Bullying não é brincadeira; e, Superando o bullying e outras formas de violência. Primeiramente serão abordadas algumas considerações sobre o fenômeno. Posteriormente serão expostas as ações que foram realizadas no enfrentamento deste tipo de violência. E por fim, será realizada uma discussão diante das ações e resultados das mesmas no enfrentamento do bullying na escola.

O bullying no âmbito escolar

No Brasil, o bullying ainda é pouco investigado e quando ocorre são escassas as intervenções divulgadas cientificamente no idioma nacional (Silva et al., 2018). Este fenômeno representa atitudes violentas, intencionais e repetitivas adotadas por uma pessoa ou um grupo contra outro(s). Ocorre, normalmente, em uma relação desigual de poder, sendo que a pessoa que sofre tal violência fica em situação de desvantagem, não conseguindo se defender. (Vieira, Alexandre, Campos & Leite, 2020). Também chamado de intimidação, assédio, ameaça ou provocação, pode ser identificado por meio de ações específicas, como colocar apelidos depreciativos, ofender, zoar, humilhar, ferir, roubar e excluir. Esse tipo de violência é composto por diferentes personagens, os quais podem ser a vítima, o (s) agressor (es), testemunhas, e até a vítima/agressor, o que sofre e também pratica o bullying (Santos & Junior, 2014). A agressividade pode assumir diferentes formas, podendo ser verbal, física, relacional e/ou sexual. O bullying verbal está relacionado às ações de ameaçar e xingar. Na forma física engloba comportamentos como bater, chutar e empurrar. O relacional se refere à exclusão de atividades, divulgação de fofocas e mentiras. O sexual engloba comentários e condutas de natureza sexual (Reis, Franciscatto, Silva, Simões & Nogueira, 2016). Também é importante considerar o cyberbullying, no qual as agressões são utilizadas a partir de recursos eletrônicos, como computadores e celulares (Seixas, Fernandes & Morais, 2016).

O bullying é um fenômeno que abrange diversos e diferentes fatores. A pratica do bullying pode estar relacionada, entre outros, ao consumo de tabaco e álcool (Marcolino, Cavalcanti, Padilha, Miranda & Clementino, 2018; Mello et al., 2017); pobre envolvimento afetivo com os pais ou ausência de um dos pais ou ambos (Senra, Lourenço, & Pereira, 2011); violência doméstica (Mello et al., 2017; Senra, Lourenço, & Pereira, 2011; Silva, et al., 2018); relações de desigualdade e baixo nível socioeconômico (Senra, Lourenço & Pereira, 2011).

Em todo o mundo, estudos indicaram que o bullying afeta negativamente a saúde, a qualidade de vida, o desenvolvimento psicossocial e o processo de ensino-aprendizagem de crianças e adolescentes (Silva et al., 2018). O bullying pode trazer como consequência sentimentos de medo, irritabilidade, baixa autoestima, sentimento de solidão, diminuição do rendimento escolar, resistência para ir à escola e evasão escolar, podendo acarretar o suicídio de suas vítimas (Andrade & Li, 2020; Brito & Oliveira, 2014; Mello, et al., 2017). As consequências deste tipo de violação de direitos também vêm sendo relacionadas ao transtorno do pânico, à fobia escolar e à fobia social, ao transtorno de ansiedade, ao transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e à depressão (Andrade & Li, 2020; Silva, 2010; Vieira et al., 2020). É importante considerar que as consequências podem ser a curto ou a longo prazo, envolvendo diversas esferas da vida dos sujeitos (Santos & Kienen, 2014).

A prevenção do bullying na escola

A psicologia tem investido em ações nas escolas com o objetivo de enfrentar e prevenir as práticas de bullying e demais violências. Algumas intervenções realizadas por psicólogos têm lançado mão de recursos midiáticos como, filmes, palestras para educadores e famílias, grupos de discussão sobre o tema com alunos, práticas restaurativas, o "teatro do oprimido", dentre outras ferramentas que tem sido importante no combate a violência na escola (Alencastro, et al., 2018; Balaguer, 2014)

Andrade (2014) ao verificar as ações desenvolvidas por psicólogos no combate ao bullying nas escolas ressaltou a importância do papel do profissional de psicologia nesse processo, o qual necessita ter contato prioritário com os alunos, devendo assumir um papel de mediador entre eles e os professores, promovendo a difusão de valores e atitudes em prol de uma educação voltada para a pró-sociabilidade. A autora observou que, a maioria dos psicólogos escolares não se inclui como parte do processo de prevenção do fenômeno, deixando a cargo da família tal postura preventiva. Isso denota um cenário preocupante, pois se sabe da complexidade que o fenômeno do bullying envolve em termos de consequências na saúde dos envolvidos (Barbosa, Parente, Bezerra & Maranhão, 2017; Silva & Nunes, 2017).

Nesse sentido, pode-se averiguar que esse fenômeno ainda é visto como algo não relevante por muitos profissionais, que, muitas vezes, desconsideram a sua existência e gravidade no contexto escolar. Assim, percebe-se a necessidade de investimento em ações que possibilitam o combate e a prevenção do bullying. Intervenções que demandam a participação não exclusiva do psicólogo, mas fundamentalmente dos demais profissionais que atuam no cenário escolar. Também se considera que é necessário desenvolver ações que enfoquem todos os agentes envolvidos no fenômeno, como o agressor, as testemunhas e vítimas, bem como a família e os professores. Em Saraiva, Pereira e Cruz (2019) é descrito estratégias formais e informais, que parecem apresentar resultados significativos na redução do bullying, tais como: o fortalecimento da comunicação e do vínculo com os pais, que favoreça uma referência parental positiva; a melhoria da supervisão dos recreios, mediante a formação de educadores e professores, presentes nos diversos espaços; normas escolares de disciplina que proporcione aos alunos corresponsabilidade; e ações que promovam o trabalho cooperativo entre pares e o desenvolvimento de atividades de envolvimento escolar e comunitário na temática do bullying, numa perspectiva de participação ativa e de reflexão.

Pesquisas sobre programas no combate ao bullying têm evidenciado algumas características efetivas na elaboração das intervenções, entre elas: desenvolver ações que possibilitem mudanças de comportamentos; incluir crianças e adolescentes mais jovens nas ações; preconizar a participação dos pais e professores no programa e reuniões (Pérez, Astudillo, Varela & Lecannelier, 2013; Ttofi & Farrington, 2011); formação docente, ações de conscientização; e, apoio aos alunos envolvidos nesse tipo de violência (Craig et al., 2009).

Diante da gravidade do fenômeno fazem-se necessárias ações de prevenção que visem informar os alunos, pais e professores sobre o que é bullying, como ele ocorre, quais são suas formas e principalmente o que fazer diante de uma situação envolvendo violência entre pares no âmbito escolar. É importante considerar que o bullying é um fenômeno complexo, multifatorial e, portanto, o seu enfrentamento exige ações articuladas e continuadas que envolvam toda a comunidade escolar.

 

Método

Trata-se de um estudo descritivo, da modalidade de relato de experiência, fruto da atuação da psicologia no combate ao bullying em uma instituição de educação, localizada no interior do Rio Grande do Sul. A escola que foi realizada as ações de prevenção do bullying é uma instituição de ensino privada que atende alunos na faixa etária de 4 a 18 anos, contemplando a Educação Básica nos níveis Infantil, Fundamental e Médio. A instituição baseia-se em princípios éticos e valores morais oriundos da religião católica. Busca o crescimento integral do educador e do educando, através da experiência interdisciplinar e comunitária, incentivando a valorização da vida, em busca de uma cultura de paz e solidariedade. Tem seu trabalho baseado em um tema interdisciplinar que norteia o currículo escolar desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, definido anualmente com base na Campanha da Fraternidade.

A partir dos princípios e valores da escola, as ações de prevenção do bullying foram desenvolvidas através de três projetos: "Bullying: Somos bonitos pelas nossas diferenças", "Bullying não é brincadeira"; e, "Superando o bullying e outras formas de violência". Esses projetos foram realizados no período de setembro de 2016 a maio de 2018 e envolveu toda a comunidade escolar – pais, professores, estudantes e colaboradores.

O projeto intitulado "Bullying: Somos bonitos pelas nossas diferenças" foi desenvolvido pela psicóloga, acadêmica de psicologia e assistente social, no período de setembro a dezembro de 2016 e no mês de maio de 2017. Visou promover o conhecimento dos alunos e professores sobre o bullying; estimular debates quanto à prática desse tipo de violência na sala de aula; promover reflexões sobre as diversidades culturais; e, construir um dia a dia solidário no ambiente escolar e fora dele. Participaram aproximadamente 510 alunos matriculados na Educação Infantil e Ensino Fundamental - Anos Iniciais e 161 alunos matriculados no Ensino Fundamental - Anos Finais e 27 professores.

A referida ação contemplou 27 encontros e foi desenvolvida nas salas de aula. Nas turmas de Educação Infantil, primeiro e segundo ano do Ensino Fundamental, o método consistiu na leitura de um livro da série: "Bullying na escola", da autora Cristina Klein. Após a leitura da obra, foi realizada uma conversa direcionada para a reflexão sobre a prática de bullying nas escolas. Os alunos do primeiro e segundo ano receberam uma atividade de colorir, para reforçar a importância do tema trabalhado. Nas turmas do terceiro, quarto e quinto ano do Ensino Fundamental, o método consistiu em uma apresentação de um vídeo de curta duração (aproximadamente sete minutos) sobre o tema e um diálogo para possibilitar a reflexão sobre essa prática. Os alunos do terceiro ano, do Ensino Fundamental, recebem uma atividade de circular as figuras que representam violência, para identificar as práticas que são bullying. Os alunos do quarto e quinto ano, receberam uma atividade de completar a tirinha, a fim de expor o que compreenderam sobre a prática do bulliyng. Nas turmas dos sextos, sétimos e oitavos anos a intervenção consistiu em um jogo de perguntas e respostas elaborado pela psicóloga e acadêmica de psicologia.

Todas as intervenções realizadas tiveram como foco informar, refletir e dialogar sobre o fenômeno, a fim de prevenir situação de violência entre os pares. Nesse sentido, em todas as turmas, foi abordado pela equipe da ação, o conceito de bullying, os tipos, as causas e consequências do fenômeno e o que fazer diante de uma situação de violência na escola. Os alunos que participaram da ação recebem um folheto informativo a respeito da temática, produzida pela equipe do Projeto. Esse informativo teve como intuito informar os pais, familiares e professores sobre o tema. Os professores titulares das turmas participaram da ação na sala de aula.

O projeto "Bullying não é brincadeira" foi realizado pela psicóloga e acadêmica de psicologia, em conjunto com as orientadoras educacionais, em outubro, novembro e dezembro de 2017, no recreio escolar. A ação envolveu aproximadamente 461 alunos, matriculados no Ensino Fundamental – Anos Iniciais e na Educação Infantil. Teve como objetivo abordar a questão do bullying e suas consequências de forma lúdica e participativa entre as crianças, promovendo brincadeiras que gerassem reflexão sobre a temática. Visou também estimular o respeito pelas diferenças de todos; desenvolver a empatia e solidariedade; e; proporcionar a autovalorização e a valorização dos outros. O tema foi abordado durante oito recreios, a partir da promoção de brincadeiras populares - pula corda, bola, passa anel, entre outras - pensadas com o objetivo de gerar interação, ao mesmo tempo em que se abordava a importância do respeito ao outro, da não rotulação (colocar apelidos), da aceitação das diferenças. Também era discutido o fenômeno do bullying, buscando-se diferencia-lo das práticas recreativas, demonstrando a seriedade de suas consequências para quem torna-se alvo deste. No final da ação foram distribuídos adesivos sobre o bullying para os alunos, com o slogan da ação "Bullying não é brincadeira". Para completar as atividades lúdicas, foi produzido um material audiovisual no recreio, junto aos alunos. O vídeo abordou o conceito de bullying na perspectiva dos alunos, contemplando os tipos físico, psicológico e relacional, onde ocorre esse tipo de violência e porque ela ocorre na visão dos alunos; os danos da violência na saúde e nas relações dos envolvidos. Também abordou os direitos das crianças e adolescentes, o papel da escola, a relação de amizade e a importância desta. Após a conclusão do vídeo, este foi assistido pelos alunos e docentes da escola. Teve como objetivo ser um material de apoio na educação e promoção de uma cultura de paz na escola.

O Projeto intitulado "Superando o bullying e outras formas de violência" teve como objetivo abordar a temática do bullying e outros tipos de violação de direitos no contexto escolar, a partir da produção de histórias a respeito do tema, visando à prevenção de situações de violência e a superação das mesmas. Entre os objetivos específicos destacaram-se: promoção de espaços de conhecimento e discussão da temática; envolver alunos, familiar e professores na prevenção da violência; possibilitar a reflexão acerca da superação das violações dos direitos; e, produzir um material escrito (livro) sobre a superação do bullying. O projeto foi realizado pela psicóloga, estagiária de psicologia e orientadoras educacionais, com o apoio de docentes, direção e vice-direção da Instituição. Ocorreu no período de abril a julho de 2018 e foi desenvolvido nas salas de aula, semanalmente, junto com aproximadamente 815 alunos da Educação Infantil, Ensino Fundamental (Anos Iniciais e Finais) e Ensino Médio.

A partir do Projeto, os alunos da educação infantil e primeiros anos realizaram a reflexão e discussão da temática através da escuta de histórias sobre o tema e elaboram um desenho ilustrando a respeito da problemática. Os alunos dos segundos, terceiros, quartos e quintos anos realizaram a reflexão em sala de aula, a partir de uma roda de conversa, a fim de elaborarem histórias a respeito da superação do bullying. Algumas turmas produziram as histórias na sala de aula, envolvendo a professora. Outras turmas elaboraram as narrativas em casa, envolvendo assim a família. Os alunos do Ensino Fundamental (Anos Finais) e do Ensino Médio produziram as narrativas acerca do bullying e formas de superação, com o apoio da professora de redação. Após a elaboração, a equipe selecionou algumas histórias e alguns desenhos para a produção de um livro sobre o assunto. Este foi lançado na semana literária do Colégio do ano de 2019.

As atividades realizadas a partir dos Projetos foram registradas em um diário de campo, no qual foi utilizado para este relato. Para apresentar os resultados, considerou-se como critério a relevância e a frequência de discussões sobre o tema.

 

Resultados e Discussão

A partir das intervenções realizadas na escola, pode-se observar que existem muitas possibilidades de enfrentamento do bullying. A intervenção "Bullying: Somos bonitos pelas nossas diferenças" propiciou aos alunos a apreciação de histórias, filmes e desenhos que abordavam o tema. A partir desse projeto, foi possível promover o conhecimento sobre o que é bullying e os danos que esta prática pode causar nas crianças e adolescentes. Além disso, pode-se estimular o debate quanto à prática do bullying, promovendo reflexões sobre o respeito às diferenças dentro e fora do âmbito escolar. Nas discussões em sala de aula, foi considerado que toda e qualquer pessoa é digna e merecedora do respeito de seus semelhantes. Os alunos apontaram que, a sociedade é composta de pessoas diferentes entre si, não somente em função de suas personalidades singulares, como também de categorias ou grupos. Entretanto, ainda hoje, apesar das transformações ocasionadas pelos movimentos sociais, existem preconceitos e discriminações, o que resulta, frequentemente em conflitos e violência. A atitude de desrespeito às diferenças está na direção oposta do que se deseja para a existência de uma sociedade igualitária. Atualmente, faz-se cada vez mais emergente a necessidade de uma educação voltada para a paz e a garantia dos direitos humanos em sociedade. Longo (2014) defende que, para o enfrentamento da violência escolar é necessário que se estabeleça o fomento de atividades que visem difundir o conhecimento dos Direitos Humanos no combate as suas violações. O autor apontou ainda que é importante articular ações de sensibilização e formação, sendo necessário promover mudanças em prol de uma convivência que priorize a dignidade humana no ambiente escolar e sociedade e visem à afirmação de uma cultura da paz nas escolas, ligadas à educação em valores e em prol da assertividade, estimulando o diálogo como estratégia de resolução de conflitos.

Na ação "Bullying não é brincadeira" pode-se notar um bom envolvimento dos alunos nas duas atividades propostas, brincadeiras antigas e produção do vídeo sobre bullying. Os alunos demonstraram conhecimento sobre o conceito, causas e consequências do bullying, questões trabalhadas com os alunos no ano anterior, a partir do projeto "Bullying: Somos bonitos pelas nossas diferenças". Através das brincadeiras realizadas no recreio da escola - pula corda, pés de pau, passa-anel e telefone sem fio, entre outras - foi possível promover a interação entre as crianças, pontuando a importância do respeito ao outro nas brincadeiras. Foi possível diferenciar o que é brincadeira do que é violência. As atividades incentivaram a tolerância, a ajuda mútua e os relacionamentos sociais na escola. A partir da ação, pode-se afirmar que utilizar brincadeiras para se abordar sobre o bullying é uma maneira de trabalhar um assunto sério de uma forma lúdica, porém esclarecedora, pois possibilita incentivar práticas de convivências que não incluem a violência, mas a empatia e cooperação mútua. Segundo Almeida (2017) a criança se relaciona ao brincar, o que se constitui como uma ponte que se constrói em direção "àquele que é diferente de mim" e não uma ação de anulação deste.

O projeto "Superando o bullying e outras formas de violência" visou dar continuidade as ações desenvolvidas nos anos anteriores, mas com a reflexão "como superar o bullying e outras formas de violência". A partir dessa intervenção, pode-se retomar o conceito de bullying, os tipos, as causas e as consequências do fenômeno na saúde dos envolvidos. Mas também, pode-se pensar junto com os educandos em possibilidades de superação do bullying. A referida intervenção possibilitou que os alunos relatassem situações vivenciadas e criassem histórias sobre o tema, contribuindo para a reflexão de como superar essa problemática. Os educandos demonstraram lembrar-se das ações dos anos anteriores em relação ao bullying , o que mostrou a efetividade das intervenções. Nesse sentido, a partir do exposto em sala de aula, entre as possibilidades de superação compreendidas pelos os educandos, destacaram-se: brincar todos juntos; abraçar os colegas; utilizar "palavrinhas mágicas" como, por favor, com licença, obrigada; emprestar o material; não colocar apelidos nos colegas; não gritar; não bater; amar o próximo; e, respeitar as diferenças. Ressaltaram que uma situação de violência é algo sério e que deve ser comunicado aos gestores e professores da escola, bem como aos pais e familiares. Também destacaram que o b ullying é um crime e quem pratica pode ser responsabilizado por essa prática.

O referido Projeto envolveu toda a comunidade escolar – alunos, familiares e professores – possibilitando ampliar a reflexão sobre o tema. Nesse sentido, pode refletir e debater sobre o bullying e os demais tipos de violência, promovendo a empatia e altruísmo entre os agentes que compõem a comunidade escolar. Além disso, pode pensar em possiblidades de enfrentamento e superação da violência na escola, promovendo a cultura de paz nesse contexto. Estudos apontam que as ações continuadas e que envolvam a participação ativa e reflexiva da comunidade escolar são mais efetivas na prevenção do bullying (Craig et al., 2009; Pérez et al., 2013; Silva et al., 2017; Ttofi & Farrington, 2011).

A partir das ações realizadas e do feedback de alunos, pais e professores no desenvolvimento das ações, analisa-se que foi possível à prevenção e a superação do bullying no âmbito da escola, através da promoção da informação, reflexão e discussão sobre o tema, atendendo as expectativas da equipe da escola. Foi possível desenvolver atividades reflexivas e de participação ativa dos estudantes, assim como ações que promoveram a cooperação entre os pares (Saraiva et al., 2019). Considera-se que a escola é um espaço de inserção social, a qual objetiva a formação do aluno para o exercício da cidadania e a preparação deste para o trabalho e sua participação social (Silva & Ferreira, 2014). A escola deve trabalhar para promover relações sociais saudáveis entre todos os seus componentes, baseado no respeito ao outro. Cabe a escola o papel legal e social de mediadora na avaliação e prevenção das práticas do bullying e demais tipos de violência, ao prestar um olhar atento para as relações que se estabelecem nesta, em relação a todos os seus agentes envolvidos. Deste modo, o psicólogo escolar deve mobilizando esforços para que se produza uma cultura de paz, a qual possa se estender para a vida em sociedade de cada aluno ou agente envolvido nesse processo. Nesse sentido, deve trabalhar na prevenção e na promoção do desenvolvimento dos sujeitos que compõem o contexto educacional (CFP, 2019).

 

Considerações Finais

As intervenções relatadas demonstram que ações continuadas da psicologia em parceria à escola pode ser uma possibilidade no enfrentamento do bullying. Através destas, foi possível observar a possibilidade de se abordar um tema complexo e trazer valores necessários no convívio escolar e social de diferentes formas, como: diálogo em sala de aula, brincadeiras, estórias, vídeos, desenhos e escrita, convocando também os demais agentes da comunidade escolar para a necessidade de mudanças positivas nos relacionamentos interpessoais. Como limitação, destaca-se que as ações foram realizadas em apenas uma escola privada. Dessa forma, sugere-se que as intervenções de combate ao bullying sejam promovidas em outras escolas privadas e nas escolas públicas. Sugere-se a continuidade das ações na instituição que foi realizada os Projetos.

Os projetos realizados evidenciaram a necessidade de se olhar para o fenômeno do bullying escolar, uma vez que evidenciou situações vivenciadas por diversos alunos alvos dessa prática, que por sua vez viam-se sem voz e diante das agressões, enfrentando a vida escolar sob a égide do medo e do sofrimento emocional. Buscou-se através das intervenções, além do enfrentamento deste tipo de violência, a prevenção de novos episódios de bullying, convocando-se a todos a não permitir que este ocorra na escola, levantando a ideia de que cada um possui um papel fundamental para a sua prevenção.

As ações continuadas ao longo desses três anos de intervenção permitiram uma abordagem ampla do fenômeno do bullying na escola, ressaltando a importância do conhecimento deste e de suas consequências, bem como a necessidade contínua da superação do bullying para a promoção de uma cultura de paz e valorização do ser humano na escola. Dessa forma, a psicologia, aliada aos demais profissionais presentes na escola, pode unir esforços para promover o incentivo à valorização dos direitos humanos, fortalecendo ações de proteção à infância e adolescência.

A partir das intervenções realizadas considera-se que foi possível a oferta de um espaço de reflexão e de minimização do repertório de comportamentos agressivos, promovendo a conscientização sobre a prática do bullying, consequentemente aumentando a resolução dos problemas interpessoais. Tendo em vista a complexidade do fenômeno, se faz necessário e é de extrema importância ações de prevenção no âmbito escolar. Nesse sentido, considera-se que as intervenções foram pertinentes e relevante, a fim de avançarem na compreensão do bullying e na visibilidade do fenômeno pela comunidade escolar. É importante considerar que trata-se de um fenômeno social e coletivo, sendo todos participantes e corresponsáveis no enfrentamento.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail:suanef@yahoo.com.br

Recebido em: março de 2020
Aceito em: março de 2021

 

 

1 Suane Pastoriza Faraj: Psicóloga, Doutoranda em Psicologia do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria, Universidade Federal de Santa Maria.
2 Luciana Santa Catharina Costabeber: Fonoaudióloga, Especialista em Linguagem pela Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, Psicóloga, Formação em Terapia do Esquema (Wainer) e Especialista em Terapia Cognitiva para Crianças e Adolescentes (Instituto ELO).
3 Kelen Braga do Nascimento: Psicóloga, Pós-Graduanda em Terapia Cognitivo-Comportamental (Instituto Cognitivo).
4 Luiza Chanças Cardoso de Aguiar: Psicóloga.

 

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