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Temas em Psicologia

versión impresa ISSN 1413-389X

Temas psicol. v.1 n.2 Ribeirão Preto ago. 1993

 

Utilização de variações do ensino incidental para promover o aumento das habilidades lingüísticas de uma criança diagnosticada autista

 

 

Dionísia A. C. Lamônica

Universidade do Sagrado Coração

 

 

O Ensino Incidental refere-se "às interações entre um adulto e uma criança que ocorrem naturalmente em situações rotineiras, e que são usadas pelo adulto para transmitir novas informações ou promover a prática no desenvolvimento de novas habilidades de comunicação" (Hart e Risley, 1975). No ensino incidental, a criança controla as ocasiões nas quais o ensino ocorre, assinalando seu interesse no ambiente. Comentários, direcionamentos ou mesmo gestos podem iniciar um episódio de ensino incidental. Quando a criança indica o que é do seu interesse, ela provê o assunto e a oportunidade do adulto para ensinar-lhe novas formas de linguagem.

A intervenção da linguagem através do ensino incidental envolve: arranjo do ambiente, com o objetivo de aumentar a probabilidade de que a criança inicie a interação com o adulto, proporcionando assim as condições do ensino; seleção de metas apropriadas e adequadas para o nível de habilidade e interesse da criança; respostas consistentes à iniciação verbal da criança, solicitando respostas cada vez mais elaboradas; reforçamento das tentativas de comunicação, assim como do uso de formas específicas de linguagem através da atenção do adulto e do acesso aos objetos sobre os quais a criança expressou interesse; episódios breves, positivos e orientados para comunicação (Warren e Kaiser, 1986).

Quando a criança inicia a interação com o adulto, indicando seu interesse sobre determinado objeto, o adulto responde à criança como uma "dica" para linguagem apropriada. Se a criança não responde em poucos segundos ou não inicia a interação, o adulto poderá apresentar os procedimentos de mando-modelo ou espera, que são as variações do ensino incidental, usados principalmente quando a criança não inicia a interação com freqüência ou não interage verbalmente.

O objetivo de sua utilização é estabelecer a atenção conjunta como um sinal para a verbalização e ensinar a criança a responder a uma variedade de dicas verbais emitidas pelo adulto como perguntas, instruções e modelos. Assim, a criança indicando de alguma forma seu interesse, o adulto fornece instrução para que a criança verbalize: O que você quer? (Mando). Caso a criança não responda ou não responda satisfatoriamente, o adulto fornece o modelo adequado para que a criança o imite (Modelo) e a reforçará a seguir. No procedimento "Espera", a criança indica seu foco de interesse e o adulto, mantendo o objeto desejado por ela em suas mãos, aguarda uma emissão verbal para fornecê-lo. Se a criança não verbalizar ou verbalizar inadequadamente, o adulto fornecerá o modelo apropriado para que a criança o imite. Nesta situação, os eventos do ambiente são usados como estímulos discriminativos para as emissões da criança.

Os resultados obtidos nos estudos experimentais sobre o ensino incidental e suas variações são bastante significativos. Estes resultados apontam para ganhos nos aspectos formais e funcionais da linguagem e na generalização das habilidades aprendidas em diversos ambientes, ocasiões e pessoas.

Considerando a eficácia do procedimento do ensino incidental e de suas variações com diferentes populações especiais e o pequeno número de estudos conduzidos com indivíduos autistas, este estudo foi delineado.

O objetivo deste foi o de testar os efeitos da utilização dos procedimentos de mando-modelo e espera sobre as habilidades lingüísticas de uma criança diagnosticada autista.

O sujeito deste estudo foi uma criança do sexo feminino com 11 anos de idade, diagnosticada autista aos 2 anos de idade. Sua comunicação era caracterizada principalmente por déficits sintáticos e semânticos, falta de verbalizações adequadas ao contexto, falta de espontaneidade nas interações com pessoas, uso social inadequado, prejuízo nas habilidades inter-pessoais, dificuldade em manter contato visual, atendimento a ordens simples contextualizadas de forma assistemática e uso de ecolalia mediata e imediata. Na linguagem expressiva era capaz de produzir normalmente padrões articulatorios elaborados. Emitia palavras isoladas, geralmente substantivos muitas vezes não contextualizados. Apresentava também comportamentos inadequados como: balançar o corpo e a cabeça, apertar as mãos e o nariz, fechar os olhos, cobrir os olhos com a gola da roupa, bater palmas próximo ao rosto e espalmar as mãos no rosto.

O experimento foi realizado em uma das salas do Centro de Reabilitação e Saúde (CERES) e estavam presentes o experimentador, o sujeito e um observador. As sessões ocorreram duas vezes por semana sempre no período habitual das sessões de fonoterapia, e tinha duração média de vinte minutos.

Optou-se por apresentar três conjuntos distintos de materiais. O conjunto 1 envolvia uma casa de bonecas e mobiliário de brinquedos. No conjunto 2 foram incluídos diversos materiais escolares. Finalmente, o conjunto 3 era composto por itens de supermercado. A apresentação de cada um destes conjuntos foi denominada situação 1 "casa", situação 2 "escola" e situação 3 "supermercado".

O delineamento experimental utilizado foi o de linha de base múltipla por situações diferentes (Kazdin, 1982) no qual fases de linha de base de duração variável foram seguidas por fases de intervenção. Consiste em identificar e medir a freqüência de determinado comportamento em situações diferentes até atingir um limite de estabilidade e, em seguida, aplicar sucessivamente (primeiro na situação 1, em seguida na situação 2 e finalmente na situação 3) uma determinada variável experimental (variável independente) ao comportamento em estudo (variável dependente), observando separada e seqüencialmente os efeitos desta variável sobre o comportamento-alvo das três situações. Segundo Hersen e Barlow (1977), podemos observar pelo menos duas vantagens no uso deste delineamento: possibilita a monitoração do comportamento concorrente e o exame destes comportamentos permitindo a análise da covariação entre diferentes comportamentos-alvo e possibilita controlar as variáveis às quais poder-se-ia também atribuir mudanças observadas como maturação, passagem de tempo etc.

As verbalizações do sujeito e do experimentador foram gravadas em audio-tape e posteriormente transcritas pelo experimentador. Foram registrados por escrito em protocolos de registros e categorizados de acordo com o código de Rogers-Warren (1983)(1) e adaptações em estudos prévio. As respostas verbais do experimentador dirigidas ao sujeito foram classificadas em eventos antecedentes e eventos conseqüentes. Os eventos antecedentes incluem: perguntas dirigidas ao sujeito, que exigem uma resposta verbal diferente de sim e não (Q); perguntas que exigem respostas do tipo sim e não (QY); instruções para realizar uma resposta motora (I); mandos - pedidos do experimentador para uma resposta verbal do sujeito, incluindo imperativos ou solicitações de informações já conhecidas do adulto (M); mando para completar - pedido do experimentador para completar uma palavra ou sentença (Mc); modelo solicitação para que o sujeito imite uma resposta verbal (Mo); espera -o experimentador segura nas mãos um objeto indicado pelo sujeito e aguarda uma resposta verbal do mesmo, mantendo contato visual (D). Os eventos conseqüentes são as respostas do experimentador às emissões do sujeito e incluem: feedbacks positivos (+) que indicam a aprovação ao comportamento verbal ou não verbal do sujeito e feedbacks negativos que indicam que a resposta do sujeito foi incorreta, incompleta ou inapropriada. As emissões do sujeito (variáveis dependentes) foram categorizadas em: respostas adequadas (OB); respostas incorretas (V) e ausências de respostas (A).

Os índices de fidedignidade foram considerados excelentes uma vez que a porcentagem média e a variação de concordância na categorização de cada comportamento do experimentador e do sujeito foram: 89,1 % (88,1 a 100%) e 95,4% (88,6 a 100%) respectivamente após o cálculo através da fórmula: A/A+C x 100.

Este estudo ilustrou que os procedimentos do ensino incidental podem ser úteis para melhorar a performance comunicativa de uma criança diagnosticada autista. Os resultados obtidos indicaram um aumento significativo das respostas corretas; conseqüentemente, diminuíram as respostas incorretas do sujeito e este passou a responder ao experimentador, diminuindo também a freqüência de ausência de respostas do sujeito. Após a aplicação dos procedimentos, houve uma significativa diminuição dos comportamentos considerados inadequados.

Várias foram as vantagens encontradas na utilização dos procedimentos do ensino incidental e suas variações. Em primeiro lugar, a grande importância do uso destes procedimentos é que podem ser extensivos a novas classes de respostas, resultando em aplicações similares de habilidades de comunicação. Este enfatiza a comunicação mais do que a competência de linguagem propriamente dita; então, o foco de atenção passa a ser não só a criança mas seu grupo social. Outra vantagem importante de sua utilização é que qualquer episódio de vida diária pode ser útil para a aprendizagem, desde que as pessoas do círculo social da criança aprendam a usar o procedimento. Enfim, é um procedimento fácil e viável que pode ser adotado por toda equipe de profissionais e familiares da criança em questão. Além disso, favorece a generalização, ou seja, a generalização envolve uma gama enorme de variáveis as quais podem ser manipuladas nos procedimentos do ensino incidental e suas variações.

Estudos adicionais se fazem necessários, visando identificar quais contextos e situações se mostram mais efetivas para ocorrência de aprendizagens. Seria interessante também a investigação dos efeitos e das possibilidades do uso do ensino incidental no que se refere às habilidades pré lingüísticas, mas especificamente no caso de crianças autistas.

 

Referencias Bibliográficas

Hart, B. e Risley, T.R. (1975). Incidental teaching of language in the preschool. Journal of Applied Behavior Analysis, 8(4), 411-420.         [ Links ]

Hersen, M. e Barlow, D.H. (1977). Single Case Experimental Designs: Strategies for Studying Behavior Changes. New York: Pcrgamon.         [ Links ]

Kazdin, A. (1982). Single Case Research Design: methods for clinicai andappliedsettings. New York: Oxfor University Press.         [ Links ]

Warren, S. e Kaiser, A. (1986). Incidental teaching: a criticai review. Journal ofSpeech andllearing Disorders, 58, 291-299.         [ Links ]

 

 

(1) Rogers-Warren, A. (1983). Incidental teaching code. Trabalho nao publicado.

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