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Temas em Psicologia

versión impresa ISSN 1413-389X

Temas psicol. v.1 n.3 Ribeirão Preto dic. 1993

 

Emoção e ação pedagógica na infância: contribuição de Wallon

 

 

Heloysa Dantas de Souza Pinto

Universidade de São Paulo

 

 

Vista da perspectiva da psicogenética de H. Wallon, a questão emocional não só ocupa um amplo espaço na ação pedagógica, como também deve ser vista como constituindo um dos objetos da ação pedagógica. Com efeito, a vida emocional e afetiva evolui tanto quanto a cognitiva e, por decorrência, é tão educável quanto esta.

Compreender o verdadeiro alcance do vínculo emocional exige recuperar o caráter eminentemente social da emoção, tão decisivo, embora não tão visível, quanto o tumulto orgânico por ela provocado.

É preciso lembrar que, nas origens da vida humana, é da expressão dos estados fisiológicos, logo a seguir emocionais, e da sua ressonância no ambiente humano, que depende a sobrevivência do bebê, prolongadamente incapaz de atender-se por si mesmo. Não é uma disfunção o fato de ser tão perturbador o efeito da expressão da emoção de outrem: este seu caráter contagioso, epidêmico, que persiste ao longo da vida adulta, remete constantemente à sua função original.

O bebê é um ser basicamente emocional: sê-lo-á também a criança durante todo o longo período em que a sua imperícia exigir relações mediadas com o ambiente físico e, por conseguinte, a capacidade de mobilizar o outro. Daí o fato de que a relação adulto-criança se caracteriza por ser um tipo de vínculo marcado por uma elevada temperatura afetivo/emocional, onde o adulto se vê invariavelmente exposto ao contágio.

A associação entre emoção e inabilidade pessoal permanece como outro resíduo da sua gênese, ao longo da vida adulta: cada situação nova, difícil, para a qual se esteja despreparado, tenderá a elevar de novo o tônus emocional.

A emoção é diretamente proporcional ao grau de imperícia, diria Wallon.

Ela é, porém, a condição indispensável para o ingresso no mundo da razão e da competência humana, na medida em que possibilita uma primeira forma de comunicação, básica, primitiva, profunda, lastro sobre o qual se construirá a comunicação lingüística que transporta o conhecimento e dá ingresso à vida cognitiva.

A emoção estabelece, pois, as bases da inteligência; se identificada com o seu desenvolvimento próximo, a afetividade surge como condição para toda e qualquer intervenção sobre aquela. A princípio, estimular a inteligência confundir-se-á com a tarefa de alimentar a afetividade. Mais tarde, a temperatura afetivo-emocional da relação pedagógica representará provavelmente o elemento catalisador sem o qual a reação de síntese cognitiva não se realiza. Alguém disse que "a criança não aprende sem vínculo afetivo". Esta afirmação é, aqui, inteiramente procedente, e permitirá afirmar, retomando o nosso tema, que a emoção é o agente mediador da ação pedagógica.

Mas, na visão walloniana do desenvolvimento humano, nenhuma relação é simples e unidirecional. Entre emoção e cognição existe filiação, mas também antagonismo. Tendo permitido o acesso ao mundo cultural, a atividade emocional será, a seguir, sua adversária permanente: um elo de inibição recíproca é a marca das relações entre razão e emoção. É preciso que ela desapareça enquanto tal para que possa atuar como o combustível que alimenta a atividade racional.

Esta possibilidade sublimatória, por sua vez, depende de mecanismos que, se são cerebrais, isto é, fisiológicos, são também subordinados à ação cultural em seu nível cortical. Originalmente, estruturas sub-corticais (o sistema opto-estriado, segundo Wallon) organizam as manifestações emocionais, o que significa que elas escapam ao controle da vontade. Dizer sub-cortical é dizer involuntário, inconsciente. Com o amadurecimento do córtex, a possibilidade de impor o comando à expressão emocional surge gradativamente. Mas como tudo que é cortical, a efetivação desta possibilidade depende da ação cultural e, portanto, abre espaço para a ação educativa: a educação das emoções se apresenta como tarefa imperativa.

Não apenas a educação da expressão emocional do outro, mas também e talvez principalmente, a da própria emoção. Já vimos que ela é contagiosa, regressiva, e que aumenta nas situações de incapacidade. Ela tende, assim, a criar aquilo que tenho chamado de "circuito perverso": em contato com a criança, ser emocional por natureza, o adulto fica exposto à contaminação da sua emotividade e, assim, constantemente a deteriorar a racionalidade da sua ação. Em lugar de contagiá-lá com a própria serenidade, o adulto se deixa influenciar pela irritação ou pela ansiedade infantis, do que resultam, corriqueiramente, ações inadequadas, mais emoção, mais inadequação.

Romper este circuito exigiria uma elaboração racional da situação, fora do estado afetivo que a envolve. Isto raramente é feito: raramente a emoção e as situações que a geram recebem tal tratamento. Sua natureza ambígua, potencialmente irracionalizadora e epidêmica, a torna perigosa como uma faísca explosiva. Por isto ela não é tematizada e perde-se a possibilidade de utilizá-la como alimento para a invenção e o crescimento pessoal. A emoção é a "caixa negra" da ação pedagógica.

Quando identificada com a noção de afetividade, que corresponde a um momento psicogenético um pouco mais tardio, com componentes mais psíquicos e menos orgânicos, a questão central passa a ser a das suas relações com o desenvolvimento da inteligência.

Na trama apertada da psicogenética walloniana, entre as duas (afetividade e inteligência) existe elaboração recíproca: as conquistas do plano afetivo são utilizadas no plano cognitivo e vice-versa, numa marcha cujo ponto de partida e de chegada é a construção das personalidades.

Desta forma, o grande desafio posto à ação educativa é a compreensão de que existe uma evolução também na história da afetividade. Idéia familiar no que se refere à inteligência, ela é praticamente inexistente quando o assunto é afetividade: o similar mais próximo é a concepção psicanalítica do amadurecimento da libido.

Aqui, porém, se trata de mudanças íntimas na expressão e nas exigências afetivas. No início, a afetividade, ainda confundida com emocionalidade, se manifesta e é alimentada exclusivamente de forma epidérmica, tônico-postural: o toque (o "diálogo tônico"), as modulações da voz, as trocas de olhares. O canal exclusivo para tais trocas é o corpo: é impossível alimentar afetivamente à distância. Tais recursos são fortíssimos: um olhar encorajador pode estimular a atividade exploratória de um bebê que engatinha e, assim, repercutir diretamente no seu nível de elaboração da realidade.

Com o advento da função simbólica que garante formas de preservação dos objetos ausentes, a afetividade se enriquece com novos canais de expressão. Não mais restrita à troca dos corpos, ela agora pode ser nutrida através de todas as possibilidades de expressão que servem também à atividade cognitiva. Se a inteligência se confundia com afetividade na etapa anterior, de agora em diante esta última vai se "cognitivizar", se for permitida tal expressão. Formas cognitivas de demonstrar afeição surgem: o ajuste fino da tarefa às possibilidades do aprendiz, a atenção dedicada a ele. É corriqueira a observação de como a utilização inicial da escrita serve diretamente à função afetiva: declarações de amor e ódio povoam os textos da correspondência do alfabetizando.

A função categorial modificará ainda mais substancialmente as exigências da troca afetiva: noções de justiça e igualdade, as demandas de respeito de uma personalidade agora diferenciada, poderão, quando não atendidas, despertar o sentimento de ser mal-amado. As manifestações epidérmicas da "afetividade da lambida" se fazem substituir por outras, de natureza cognitiva, tais como respeito e reciprocidade. Esta mudança tão freqüentemente desapercebida por pais e educadores está na raiz de boa parte dos conflitos da adolescência.

A grande lição da psicogenética walloniana refere-se à necessidade do refinamento nas trocas afetivas; a elaboração cognitiva da emocionalidade do próprio educador, o ajuste das formas de intercâmbio, tudo isto são exigências da própria afetividade em sua marcha evolutiva, que é essencialmente integradora.

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