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Temas em Psicologia

versión impresa ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.20 no.2 Ribeirão Preto dic. 2012

https://doi.org/10.9788/TP2012.2-18 

ARTIGOS

 

Eu posso resolver problemas: um programa para o desenvolvimento de habilidades de solução de problemas interpessoais

 

I can solve problems: a program to develop interpersonal problem solving skills

 

Puedo resolver problemas: un programa para desarrollar habilidades para la solución de problemas interpersonales

 

 

Luciana Carla dos Santos Elias; Edna Maria Marturano; Ana Maria de Almeida Motta-Oliveira

Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta o programa "Eu posso resolver problemas" (EPRP), que visa desenvolver habilidades cognitivas de solução de problemas interpessoais para prevenir comportamentos impulsivos e agressivos em crianças. Organizado em quatro seções, o artigo descreve: o programa original; sua adaptação brasileira; evidências de efetividade da intervenção em escolas; experiência de aplicação clínica, com informações sobre aplicabilidade e limites do programa nessa condição. Nas escolas, o programa se mostrou efetivo para redução de comportamentos inadequados, aumento de soluções relevantes frente a situações problemas e aumento de comportamentos socialmente habilidosos. Na clínica, efeitos positivos foram identificados nas seguintes condições: clientela constituída de crianças de 6 a 10 anos, com queixa escolar associada a problemas de comportamento; intervenção conduzida por profissionais com experiência clínica no atendimento a essa clientela específica; orientação concomitante às famílias. Efeito moderador do ambiente familiar e persistência dos problemas para uma parcela das crianças são questões que demandam novas pesquisas.

Palavras-chave: Habilidades de solução de problemas interpessoais, Problemas de comportamento, Desempenho escolar, Escola, Clínica.


ABSTRACT

This article presents the program "I can solve problems" - ICPS, which aims to develop cognitive abilities of interpersonal problem solving to prevent impulsive and aggressive behavior in children. Organized into four sections, the article describes: the original program, its Brazilian adaptation; evidence of effectiveness of intervention in schools; experience of clinical application with information on applicability and limitations of the program in this condition. In schools, the program was effective in reducing inappropriate behavior, increase relevant solutions in problem situations and increase of social skill behaviors. At the clinic, positive effects were identified in the following conditions: customers comprised of children 6-10 years with learning difficulties associated with behavior problems; intervention led by professionals with clinical experience in caring for this specific clientele, guidance accompanying families. Moderating effect of family environment and persistent problems for a portion of children are issues that require further research.

Keywords: Interpersonal problems solving skills, Behavioral problems, School performance, School, Clinic.


RESUMEN

En este artículo se presenta el programa "Yo puedo resolver los problemas" - YPRP, que tiene como objetivo desarrollar las habilidades cognitivas de solución de problemas interpersonales para prevenir el comportamiento impulsivo y agresivo en los niños. Organizado en cuatro secciones, el artículo describe: el programa original, su adaptación brasileña, evidencia de la efectividad de la intervención en las escuelas, la experiencia de la aplicación clínica, con información sobre la aplicabilidad y las limitaciones del programa en esta condición. En las escuelas, el programa fue efectivo en la reducción de comportamientos inadecuados, en el aumento de soluciones pertinentes a los problemas de situaciones, y en el aumento de las conductas de habilidades sociales. En la clínica, los efectos positivos fueron identificados en las siguientes condiciones: clientela integrada por niños de 6 a10 años con dificultades de aprendizaje asociados a problemas de conducta, intervención dirigida por profesionales con experiencia clínica en la atención de esa clientela específica, orientación concordante a las familias. Efecto moderador del entorno familiar y los problemas persistentes de una parte de los niños son temas que requieren nuevas investigaciones

Palabras clave: Habilidades para resolver problemas interpersonales, Problemas de conducta, Bajo rendimiento escolar, Escuela, Clínica.


 

 

Poucos psicólogos discordariam da afirmativa de que as demandas da convivência são um dos principais desafios aos indivíduos participantes da sociedade ocidental contemporânea. Para as crianças, o desafio se apresenta cada vez mais cedo, visto que elas estão indo para creches e escolas em idades cada vez mais precoces.

A literatura tem apontado uma tendência desenvolvimental para a redução de comportamentos disruptivos na escola, à medida que as crianças desenvolvem estratégias de autorregulação emocional (Bolsoni-Silva, Marturano, & Freiria, 2010; Skinner & Zimmer-Gembeck, 2007). No entanto, dificuldades de relacionamento entre as crianças e entre alunos e professores são comuns em espaços educativos coletivos (Kraag, Zeegers, Kok, Hosmane, & Abu-Saad, 2006; Woods & Wolke, 2004). Essa é uma condição preocupante, pois há indícios de que a exposição cotidiana da criança a situações de confronto ou rejeição é condição de risco ao desenvolvimento (Buhs, Ladd, & Herald, 2006), podendo ter impacto negativo na sua trajetória acadêmica e socioemocional (Kwok, Hughes, & Luo, 2007).

Problemas emocionais e de comportamento podem ser fortalecidos em ciclos de retroalimentação gerados em relacionamentos conflituosos, já que crianças agressivas ou retraídas estão em maior risco de se tornarem alvo de rejeição e vitimização na escola (Buhs et al., 2006). Em contraste, crianças socialmente competentes estão mais protegidas contra tais adversidades (Garner & Lemerise, 2007).

A constatação de uma associação positiva entre competência social e trajetórias favoráveis tem estimulado propostas de prevenção de problemas de saúde mental na infância com base na aprendizagem socioemocional (Conduct Problems Prevention Research Group, 2010). Uma proposta pioneira nessa área foi desenvolvida por Shure e Spivack (1982), tendo inicialmente como população-alvo crianças americanas negras de 4-5 anos, em desvantagem econômica, atendidas no Programa Head Start. A intervenção foi reconhecida em publicação do Instituto de Medicina dos EUA (Mrazek & Haggerty, 1994) como tendo evidência satisfatória de efetividade na prevenção seletiva de problemas de comportamento.

Trata-se do currículo "Eu posso resolver problemas" (EPRP) - I Can Problem Solve - cujo manual foi traduzido e adaptado para uso no Brasil (Shure, 2006). O EPRP é uma intervenção de base cognitiva, fundamentada no pressuposto de que habilidades de solução de problemas interpessoais contribuem para a prevenção de problemas de comportamento em crianças. Ao longo dos anos, a importância adaptativa de tais habilidades vem sendo mais e mais reconhecida (Beauchamp & Anderson, 2010) e seu ensino incorporado a programas para diferentes faixas etárias, levando-se em conta o curso do seu desenvolvimento, com trajetória típica entre os anos pré-escolares e a adolescência (Takahashi, Koseki, & Shimada, 2009).

Neste artigo, apresenta-se a versão para escolares do programa EPRP. O relato está organizado em quatro seções. Na primeira, descreve-se o programa, com seus fundamentos, metas, conteúdo e procedimentos de aplicação. Na segunda, é exposto o trabalho de adaptação ao contexto brasileiro. Evidências disponíveis de efetividade da intervenção em escolas brasileiras são apresentadas na terceira seção. Finalmente, uma experiência de aplicação em contexto clínico é relatada, da qual resultaram informações sobre aplicabilidade e limites do programa nessa condição, que ultrapassa as metas originalmente propostas para o EPRP, circunscritas ao âmbito escolar.

 

O programa

O EPRP visa desenvolver as habilidades de solução de problemas interpessoais (HSPI), definidas em cinco categorias: 1. pensamento meios-fins ou planejamento sequencial - habilidade de criar um plano para atingir uma meta estabelecida; 2. pensamento de soluções alternativas - habilidade do indivíduo para gerar soluções que podem ser colocadas em ação para resolver um problema; 3. pensamento consequencial - habilidade do indivíduo para antecipar o que pode acontecer depois, como resultado da realização de uma solução concebida para um problema; 4. consciência ou sensibilidade em relação ao seu próprio sentimento e ao sentimento dos outros; 5. pensamento causal - habilidade de entender o que precipitou um ato (Shure, 2006).

No treinamento do EPRP, as crianças aprendem a perceber os sentimentos dos outros e delas mesmas, treinam o pensar em soluções alternativas para os problemas e nas consequências de cada solução. A meta é ensinar às crianças habilidades de pensar que podem ser usadas para ajudar a resolver ou prevenir problemas entre as pessoas; ensinar como pensar, não o que pensar, encorajando-as a encontrarem muitas soluções para os problemas. A aplicação dessas habilidades em situações de vida cotidiana ajuda as crianças a construírem competência social e emocional em casa e na escola.

Os conteúdos abordados são divididos em duas partes: Habilidades Prévias para Resolução de Problemas e Habilidades para Resolução de Problemas. Na primeira parte, as crianças são estimuladas a aprender um vocabulário de resolução de problemas, identificar os próprios sentimentos e os sentimentos dos outros, considerar os pontos de vista dos outros, aprender a sequenciar ações e situá-las em momentos apropriados. Assim, inicialmente, são ensinados conceitos básicos que serão utilizados ao longo do processo, por meio de palavras-chave, como: é/não é, e/ou, alguns/todos, se/então, igual/diferente, antes/depois e agora/mais tarde.

Posteriormente, são introduzidas as lições referentes aos sentimentos, para que possam reconhecê-los em si mesmas e nos outros, incluindo felicidade, tristeza, raiva, medo, orgulho, frustração, justiça, impaciência, preocupação e alívio. Nessa primeira fase, são introduzidos vocábulos como poderia e talvez, para ajudar as crianças a evitar suposições precipitadas e falsas sobre os outros, e porque, para auxiliar as crianças a se tornarem conscientes de que comportamentos e sentimentos têm causas. Nessa primeira etapa, também se encorajam habilidades associadas com escutar e prestar atenção, descobrir as preferências das pessoas, esperar, estar atento às sequências de eventos e discriminar quando é ou não um bom momento para fazer determinada coisa.

Já na segunda parte, focada nas Habilidades para Resolução de Problemas, as crianças aprendem a pensar em mais de uma solução, considerar as consequências e decidir que solução tomar. Nessa etapa, o foco é ajudar as crianças a identificar qual é o problema em uma determinada situação e ensinar maneiras de gerar muitas possíveis soluções. No passo seguinte, são treinadas a pensar sequencialmente, como um pré-requisito para a compreensão de causa e efeito no pensamento consequencial.

Finalmente, são treinadas a associar uma solução com uma possível consequência; esse é um momento crucial do programa, pois objetiva melhorar o repertório da criança para lidar com as situações cotidianas conflituosas, pensando que sua ação gera reação nos outros; a partir de então, pode antecipar possíveis consequências de suas atitudes, alterando o ambiente, na medida em que modifica seu próprio comportamento.

Como afirmam Borges e Marturano (2010), dizer a uma criança que ela tem de respeitar o próximo é suficientemente vago para que não consiga traduzir em comportamentos o que se espera com essa recomendação. Ao contrário, na abordagem do programa, o adulto fornece indicações claras que ajudam a criança a direcionar seu comportamento, sem impor como ela deve agir, como, por exemplo, nas situações em que é preciso interromper uma ação dirigida a um colega quando percebe que ele não está gostando ou buscar aquilo que satisfaz o colega e a ela mesma.

O Programa EPRP está descrito de forma pormenorizada em um manual, que inclui 83 lições. Cada lição apresenta um objetivo definido, a lista de materiais e um guia do professor, que explica os passos básicos na condução da lição, mas é flexível quanto às estratégias a serem utilizadas. Após cada conjunto de lições abordando uma habilidade específica, são oferecidas sugestões para interação na classe e integração no currículo.

O programa original foi elaborado para ser utilizado por professores em sala de aula. As habilidades são ensinadas sempre de forma interativa, por meio de brincadeiras, histórias, dramatizações, desenhos, discussões e desempenho de papéis.

Os materiais propostos para a aplicação são: ilustrações e figuras de expressões faciais de sentimentos disponíveis no manual do EPRP, fantoches, figuras de animais, folhas tamanho A4, giz de cera, lápis de cor, canetas hidrocor, jogos, livros de histórias, moedas, quadro de giz e cartolina.

Segundo o pressuposto de que o sucesso do programa depende de as crianças associarem o que elas pensam com o que elas fazem nas situações de vida diária, o processo de diálogos para a resolução de problemas é fundamental (Shure, 2006). O "diálogo EPRP" é uma generalização do programa para situações reais de solução de conflitos interpessoais que emergem no dia a dia da sala de aula, e requer atenção continuada do professor para aplicá-lo nas oportunidades que surgem. Ao orientar a criança na aplicação dos conceitos do EPRP para resolver um problema da vida real, o professor a auxilia a tentar novamente, caso falhe a primeira tentativa e a ensina a lidar com a frustração quando é preciso adiar ou negar a satisfação de seus desejos.

O manual contém exemplos de diálogos; no início, o professor pode conduzir "mini-diálogos" com as crianças. A partir da lição 68, as crianças estarão prontas para diálogos completos do EPRP, nos quais elas identificam um problema, geram soluções alternativas, refletem sobre as consequências e escolhem a melhor solução.

Há cinco princípios básicos que fundamentam o processo. Garantido o pré-requisito de que as crianças entendam as palavras-chaves usadas pelos adultos, a aplicação sistematizada desses princípios as ajuda a associar as novas habilidades de pensamento com aquilo que elas fazem e com a maneira como se comportam.

O primeiro princípio é que tanto a criança, como o adulto devem identificar o problema. Dizer algo como "O que aconteceu?", "Qual é o problema?" ou "Fale-me sobre isso" ajuda a criança a esclarecer o problema e também garante que o professor não tire conclusões falsas sobre o que está acontecendo. O esclarecimento do problema faz com que o diálogo com a criança inicie na direção certa, como no seguinte exemplo: "Agora eu entendo qual é o problema, eu pensei que você estava zangado porque sua amiga pegou seu livro; agora, eu vejo que é porque ela ficou com ele muito tempo e não queria devolvê-lo" (Shure, 2006, p. 26).

O segundo princípio prescreve que, durante o diálogo, é importante compreender qual é o problema real para lidar com ele. A criança, no exemplo apresentado, pensa que já deixou sua amiga ficar com o livro bastante tempo, contudo o professor pode ver essa criança tomando o livro e concluir, precipitadamente, que tomar o livro é o problema. Na realidade, tomar o livro não é o problema e sim a solução encontrada pela criança para recuperar o livro. Para a criança, o problema real é que ela quer o livro de volta.

Segundo o terceiro princípio, uma vez que o problema real foi identificado, o adulto não deve alterá-lo para fazê-lo coincidir com suas necessidades. Dando continuidade ao exemplo, o professor pode querer aproveitar para ensinar a criança a dividir suas coisas. Porém, nesse caso, a criança está voltada para pensar em uma maneira de obter de volta um objeto que dividiu anteriormente e a orientação do professor pode ser contraproducente, causando resistência da criança.

Pelo quarto princípio, a criança deve resolver o problema, não o adulto. A criança deve ser encorajada a pensar por si mesma, visto que está aprendendo a pensar em suas soluções para os problemas e analisar as possíveis consequências de suas ações. Além de ouvir a criança, o adulto precisa descobrir, com perguntas, o que a criança pensa ter causado o problema, como ela e os outros se sentem diante da situação, suas ideias para resolver a dificuldade e o que ela pensa que poderá acontecer se puser em prática essas ideias. Assim, o adulto não oferece soluções prontas para o problema, nem antecipa as consequências das soluções imaginadas, mas enfatiza o pensamento da criança. A criança fica livre para pensar sobre o problema e decidir o que fazer, cabendo ao adulto orientar e encorajar o pensamento de resolução de problemas.

Finalmente, de acordo com o quinto princípio, o foco está na maneira como a criança pensa, não naquilo em que ela pensa. O processo de pensamento de uma criança é mais importante para o seu desenvolvimento do que o conteúdo de qualquer solução encontrada. A meta é desenvolver na criança um estilo de pensamento que a ajudará a lidar com problemas interpessoais de modo geral e não somente naquela situação específica, em que precisa resolver um problema particular.

Elogiar ou criticar uma ideia pode inibir a criança, no sentido de que o elogio pode dificultar a geração de outras ideias e a crítica pode bloquear a expressão do pensamento; a criança então se preocupará em selecionar um aspecto que assegure a aprovação do adulto e deixará de pensar em opções e consequências. Em contrapartida, ao aplicar os princípios do EPRP, o adulto passa à criança um valor, segundo o qual o importante é pensar. É o pensar que resulta na aprovação dos adultos.

Um requisito importante para o desenvolvimento do programa, segundo Shure (2006), é que os professores sejam sensíveis aos comportamentos "difíceis" e dispostos a lidar com eles. Espera-se que o condutor do grupo aprenda a fazer uso frequente do diálogo do programa quando estiver interagindo informalmente com as crianças em sala de aula, para que o comportamento seja norteado pelo pensamento de solução de problemas. É recomendado que o professor faça sempre uma autoanálise, refletindo sobre como está o funcionamento do grupo para ele mesmo, enquanto professor, fazendo-se perguntas como: "Reconheci um problema com as crianças na classe? Que sentimento despertei hoje na Criança X? Que sentimento a Criança Y suscitou em mim? Aprendi alguma coisa que eu não sabia sobre uma criança por meio do diálogo EPRP? Quando as crianças estavam tendo um problema e eu pensei que sabia qual era, usei o diálogo e descobri que era alguma coisa bem diferente?".

Dessa forma, o professor poderá avaliar sua habilidade em aplicar os princípios do programa em várias situações interpessoais e diante de problemas entre crianças poderá utilizar os sete passos sugeridos: (1) defina o problema, (2) evoque sentimentos, (3) evoque consequências, (4) evoque sentimentos sobre consequências, (5) encoraje a criança a pensar em soluções alternativas, (6) encoraje a avaliação da solução e (7) elogie a criança por ter pensado.

 

Adaptação brasileira do EPRP

O EPRP foi adaptado ao contexto brasileiro. Motta (2003) descreve os passos do trabalho de adaptação do programa para o desenvolvimento de habilidades de solução de problemas interpessoais em crianças com queixas de dificuldades de aprendizagem e de comportamento: (a) tradução, revisão técnica e revisão linguística do manual; (b) adaptação das ilustrações do manual; (c) reconfiguração do esquema de administração do programa; (d) preparação do material; (e) preparação de atividades psicopedagógicas; (e) projeto piloto e definição do enquadramento em contexto clínico.

Após a tradução, foi realizada uma revisão técnica relacionada ao conteúdo de todo o manual do programa. Alguns conteúdos sofreram adaptações em função do contexto cultural, como, por exemplo, a substituição da palavra baseball para futebol. Em seguida, o material foi submetido a uma revisão de português por uma linguista.

A adaptação das ilustrações1 do manual implicou na substituição de 49 figuras originais por outras, que representassem objetos e situações mais familiares para as crianças às quais se destinava o programa, residentes em região urbana de uma cidade de médio porte do interior paulista. Por exemplo, uma sequência de ilustrações que representava duas crianças construindo um boneco de neve foi substituída por outra, representando a construção de um castelo de areia na praia.

Na reconfiguração do esquema de administração do programa, foram realizadas as adaptações necessárias à transposição do trabalho com crianças em contexto escolar, de sala de aula, para o atendimento em grupos de três a cinco crianças com dificuldades de aprendizagem e de comportamento, no contexto de uma clínica de psicologia vinculada ao SUS. Na proposta original, as lições são administradas pelo professor na sala de aula, em períodos de 20 a 30 minutos, em frequência de quatro a cinco vezes por semana, por um período de três a quatro meses. Na adaptação para o contexto clínico, a administração do programa foi reconfigurada para uma sessão por semana, com duração de duas horas, perfazendo um total de aproximadamente vinte sessões em um período de cinco meses para cumprir todo o programa.

Essa modificação no esquema temporal de administração do programa, com redistribuição das lições do EPRP, foi necessária para viabilizar sua aplicação na clínica, onde o contrato de atendimento estabelecido com as famílias cobre um período correspondente a um semestre letivo, passível de renovação, e as sessões são agendadas em esquema semanal.

Os materiais referentes ao programa foram preparados segundo o proposto no manual. Os fantoches escolhidos foram: menino, menina, pato, cadela, papagaio, vaca e cavalo. As ilustrações foram reproduzidas em folhas de tamanho A4, coloridas e plastificadas para facilitar o manuseio com as crianças. Os livros de história foram selecionados conforme os objetivos das lições e também o nível de leitura e o interesse das crianças.

Atividades psicopedagógicas, que não fazem parte do EPRP, foram introduzidas em todas as sessões do programa para atender à necessidade de superação das dificuldades de escrita e de leitura das crianças. São constituídas por folhas avulsas com exercícios ilustrados relacionados ao conteúdo tratado em cada lição, inspirados em jogos psicopedagógicos de nível correspondente aos anos iniciais do ensino fundamental. Trata-se de um material básico, cujas atividades podem ser expandidas, reduzidas ou modificadas, de acordo com as necessidades de cada grupo, dependendo do nível de leitura e escrita e do funcionamento socioemocional das crianças.

O projeto piloto foi realizado com o objetivo principal de calibrar os procedimentos de aplicação do programa reconfigurado, sessão por sessão, de modo a padronizar aspectos como a distribuição das lições por sessão e a duração aproximada de cada atividade. Também visou estabelecer regras básicas de manejo do grupo nas diversas situações propostas e treinar profissionais na aplicação do programa. A amostra foi constituída de seis crianças com queixa de dificuldade de aprendizagem, com idade variando entre 7 e 12 anos.

Como resultado do projeto piloto, foi definido o enquadramento, que passou a incluir uma sessão inicial, contendo a apresentação do grupo, a explicação sobre os objetivos do atendimento e do programa, a elaboração conjunta das regras e do nome do grupo e a confecção das capas das pastas de atividades. Assim, desde o início, as crianças participam das escolhas no grupo e ficam cientes de que o trabalho objetiva desenvolver habilidades para melhorarem o desempenho na escola e os problemas de comportamento, por meio de jogos que as ajudarão a resolver problemas, bem como atividades de escrita e de leitura.

Toda sessão foi planejada para constar de três partes: (1) hora da novidade, em que as crianças contam sobre os acontecimentos da semana e a ocorrência de situações problema, sendo discutidas à luz dos conceitos trabalhados; (2) aplicação das lições do programa seguida das atividades psicopedagógicas correspondentes; (3) fechamento da sessão, com a recapitulação das atividades realizadas e percepção das crianças sobre as mesmas, conversa sobre as situações positivas e negativas ocorridas, organização dos materiais e uma partida de jogo de regras.

Cada sessão inclui em média quatro lições do programa, cumprindo o roteiro proposto e as respectivas atividades psicopedagógicas, após cada lição trabalhada. Na última sessão, são retomados os objetivos e realizada a síntese do desenvolvimento do grupo. O trabalho é coroado com a entrega, para cada criança, de um certificado de participação, intitulado "Eu Posso Resolver Problemas".

 

Aplicação do programa no contexto escolar

Borges e Marturano (2002) aplicaram o programa EPRP em uma turma de escola pública do interior de São Paulo, visando prevenir as dificuldades de relacionamento identificadas em turmas anteriores pela primeira autora, como professora da rede municipal de ensino. Participaram todos os 31 alunos de uma turma de 1º ano do ensino fundamental.

Para verificar o progresso das crianças, dois procedimentos foram empregados. O primeiro focalizou as HSPI e consistiu na comparação entre as respostas da turma e as respostas de 24 alunos de outras duas salas de 1º ano, em sondagens feitas antes e depois da intervenção. O segundo consistiu no registro, em um diário de campo, das brigas e disputas entre as crianças da turma que passou pela intervenção, durante o período de administração do EPRP.

O programa foi aplicado durante cinco meses por uma das pesquisadoras, que era também a professora das crianças. Houve uma interrupção devido às férias escolares de julho. As sessões eram ministradas de duas a três vezes por semana, com duração de 15 a 20 minutos. A intervenção compreendeu os três componentes inclusos no manual do programa: lições formais, diálogo EPRP e integração no currículo.

Nos resultados, a intervenção foi associada a um aumento significativo de soluções relevantes para os problemas interpessoais apresentados no Procedimento de Solução de Problemas Interpessoais - PIPS (Shure, 1990). A turma que recebeu o EPRP mostrou desempenho superior ao dos colegas na avaliação pós-intervenção. A qualidade das soluções também melhorou: houve redução no número de soluções como agressão verbal e física, bem como aumento nas respostas com conteúdos assertivos, empáticos e de autocontrole. Essa tendência, observada na amostra como um todo, foi mais acentuada na turma que recebeu a intervenção.

A análise do diário de campo da intervenção apontou diminuição dos conflitos, entre o início e as férias de julho, seguida de aumento após as férias. No entanto, as nove crianças com maior participação em conflitos no início da intervenção chegaram ao final do programa com índices mais baixos que os iniciais. Esse resultado está de acordo com observação dos autores do programa original, no sentido de que as crianças mais difíceis parecem se beneficiar mais (Shure & Spivack, 1982).

O diário de campo também possibilitou uma análise da implementação das estratégias do Diálogo EPRP pela professora, nas situações de conflito entre as crianças. Em apenas 16% dos conflitos a ação da professora foi completamente condizente com os princípios do EPRP. Em contrapartida, no decorrer do programa, foi cada vez mais frequente o uso parcial ou total das estratégias de diálogo propostas no programa.

Quanto à atuação da professora, as autoras atribuem os resultados a um processo de aprendizagem durante a aplicação do programa, apesar do treino prévio (Borges & Marturano, 2002), que é discutido adiante neste artigo. Pode-se acrescentar que a implementação parcial do diálogo EPRP só é possível quando as crianças já dominam o vocabulário básico de solução de problemas, ao passo que a implementação completa demanda habilidades ainda mais complexas. Essa condição inerente ao programa limita o uso das estratégias do diálogo nas fases iniciais da intervenção, contribuindo para os resultados observados.

As mesmas autoras desenvolveram uma intervenção multicomponente em que o EPRP foi associado a um treino de autocontrole e a um módulo de iniciação aos valores humanos, que visava ampliar o repertório de respostas pró-sociais e a motivação pró-social dos alunos (Borges & Marturano, 2010, 2012). Em alunos do 1º ano do ensino fundamental, essa intervenção teve efeitos maiores que o EPRP aplicado isoladamente. As crianças ampliaram suas habilidades de solução de problemas interpessoais e diminuíram a participação em conflitos. As mudanças comportamentais ocorreram tanto para as crianças que inicialmente mais se envolviam em conflitos, de acordo com os registros no diário de campo, como para os demais alunos. Em relação aos colegas não expostos ao programa, as crianças que receberam a intervenção passaram a perceber os companheiros como mais solidários (Borges & Marturano, 2009).

Rodrigues, Dias e Freitas (2010) aplicaram o programa em uma escola pública de Minas Gerais que havia solicitado ajuda para duas turmas de 1º ano que apresentavam problemas de comportamento e conflitos interpessoais. Participaram 30 crianças. O estudo compreendeu pré e pós-avaliação com a utilização da adaptação brasileira da Social Skills Rating System - SSRS-BR, versão do aluno (Bandeira, Z. A. P. Del Prette, A. Del Prette, & Magalhães, 2009), e observações não sistemáticas realizadas pelas pesquisadoras e professoras.

O programa foi ministrado durante um semestre, no horário regular das aulas, fazendo parte do currículo escolar. Os encontros foram semanais com a duração de uma hora, perfazendo 15 semanas. Foram feitas quatro reuniões de orientação aos pais das crianças. Os resultados indicaram aumento de algumas habilidades, como empatia, assertividade, expressão de sentimento positivo, civilidade e responsabilidade, concordando com os dados das observações realizadas.

O trabalho mais extenso com o EPRP, realizado até então no Brasil em contexto escolar, decorreu de uma solicitação de treinamento de professores em HSPI, feita à primeira autora deste artigo pela secretaria municipal da educação de uma cidade paulista. A proposta da secretaria foi realizar uma capacitação de professores que fosse teórica e prática utilizando o EPRP. Esse trabalho, portanto, não foi vinculado a projeto de pesquisa, mas constituiu prestação de serviço. A partir do convite e estabelecidas as condições de trabalho, o primeiro passo foi convidar todas as 141 professoras da rede a participar; dessas, 47 aceitaram o convite e 25 participaram do treinamento até o final.

O treinamento das professoras se estendeu por um ano letivo e se efetivou em dois módulos - um teórico-prático e o outro de treinamento em serviço. O módulo teórico-prático foi realizado durante o primeiro semestre. As professoras receberam aulas quinzenais de quatro horas de duração. Nesses encontros, foram trabalhados conteúdos relacionados às habilidades sociais, às HSPI e, principalmente, ao EPRP, pormenorizando-se objetivos, conteúdo, diálogos, procedimentos em sala e fora dela, técnicas de aplicação do programa.

Diversos recursos foram utilizados, como exposição de conceitos, trabalhos em grupo, dinâmicas e vivências em habilidades sociais. Toda aula era dividida em duas partes, uma expositiva e a outra participativa, de modo a dar às professoras a oportunidade de pensar e vivenciar os conceitos apresentados na teoria e no programa, associando esses conceitos com a experiência de sala de aula. Assim as professoras traziam diferentes situações problemas vivenciadas nos relacionamentos com os alunos e entre os alunos.

Para a realização do módulo de treinamento em serviço, conduzido no segundo semestre, o EPRP foi incorporado ao currículo das escolas em que havia professores participando do treinamento. Essa incorporação foi feita de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, que prevê acréscimos no Plano Político e Pedagógico da escola (Brasil, 1996). A inclusão do programa no currículo foi iniciativa da secretária da educação do município em acordo com as diretoras e coordenadoras das escolas. Os pais das crianças foram informados nas reuniões escolares sobre o acréscimo no currículo, sobre os objetivos do programa e sobre as avaliações que seriam feitas para acompanhar o progresso dos alunos.

As professoras aplicaram o EPRP na íntegra em suas salas de aula, com periodicidade de três a quatro vezes por semana, e receberam supervisão semanal ou quinzenal, dependendo da necessidade. A coordenadora do projeto sempre estava disponível duas vezes por semana em local e horários previamente agendados. Nessas supervisões, as professoras relatavam seu trabalho com o EPRP (como haviam feito as atividades, materiais utilizados e associação com o currículo escolar), suas dificuldades e observações dos comportamentos das crianças. Nessa etapa era enfatizada a necessidade do uso dos conceitos do EPRP durante as aulas e não só no momento do treino.

A partir do trabalho com o EPRP, mudanças de comportamento nas crianças puderam ser apreciadas de duas formas: pelo relato das professoras nas supervisões e mediante a avaliação que elas fizeram das habilidades sociais dos alunos, antes e depois da aplicação do EPRP, usando a SSRS-BR, versão do professor (Bandeira et al., 2009). Durante a aplicação do programa, as professoras relatavam nas supervisões os progressos observados nas crianças quanto a conseguirem controlar-se melhor frente às situações problemas, serem mais empáticas e pensarem em diferentes soluções frente a problemas, o que contribuía para a redução de conflitos em sala de aula.

Eram comuns nas falas das professoras relatos de redução de conflitos em sala de aula, maior ajuda entre as crianças, crítica expressa frente à injustiça ("não é justo minha mãe não ter dinheiro para me comprar uma bolacha se ela trabalha tanto"), verbalização de diferentes soluções em situações problemas cotidianas ("ele poderia ter pedido licença", "ele poderia ter falado sai da frente senão te derrubo"), sinalização de consequências frente a comportamentos de amigos ("desse jeito vai virar briga", "assim fica de mal de você"). Elas também traziam relatos dos pais, de que os filhos estavam mais comportados e compreensivos, apesar de perguntarem mais sobre acontecimentos e sentimentos.

Como limitação, as professoras apontavam o grande número de lições, que acabavam tornando exaustiva a execução do programa em apenas um semestre. Também foi possível perceber, no relato das professoras, que algumas crianças pareciam não se beneficiar, pois apesar de participarem das lições, não conseguiam generalizar a aprendizagem para os conflitos vividos no dia a dia da sala de aula.

Diante dessas dificuldades, algumas soluções puderam ser discutidas, como estender o tempo de aplicação do programa para dois semestres, de acordo com a proposta original, mas sem ultrapassar o ano letivo de início. No que se refere à não generalização da aprendizagem de algumas crianças, dois cenários de atuação podem ser pensados; um se refere a uma atenção mais focal a essas crianças durante o treino; o outro cenário seria o de um trabalho em parceria com as famílias, de forma a otimizar as aprendizagens.

Na avaliação que as professoras fizeram das habilidades sociais dos alunos, antes e depois da aplicação do EPRP, usando a SSRS-BR, a análise dos protocolos de 266 alunos (134 meninos e 132 meninas) indicou aumento generalizado nas habilidades sociais. As médias da avaliação pós-intervenção foram significativamente maiores, tanto no escore total da escala como nos fatores responsabilidade/cooperação, asserção positiva, autocontrole, autodefesa e cooperação com pares. As professoras também passaram a perceber nos alunos menos comportamentos internalizantes e externalizantes, avaliados com a SSRS.

A partir dos trabalhos relatados com o uso do EPRP no ambiente escolar, pode-se dizer que ele se mostra eficaz na redução de comportamentos inadequados, aumento de soluções relevantes frente a situações problemas e aumento de comportamentos socialmente habilidosos, o que consequentemente age de forma produtiva no aprendizado acadêmico da criança. No entanto, é preciso ressaltar que, em todas as intervenções, houve alguma alteração na forma de aplicação do programa EPRP original, em aspectos como número de lições, periodicidade, treinamento de aplicadores e outros. As orientações do manual do EPRP não foram seguidas à risca devido a restrições inerentes ao funcionamento das escolas. Possivelmente os resultados seriam mais significativos se a aplicação aderisse mais estritamente às instruções do programa.

Um fator importante a ser destacado é que o manual do programa não prevê treinamento específico aos aplicadores, mas destaca algumas características necessárias ao aplicador como a sensibilidade às demandas comportamentais e afetivas das crianças, a familiaridade com o vocabulário do programa, e ainda recursos frente à necessidade de manejo de comportamentos em sala de aula. Todas essas características são apresentadas, discutidas e orientadas no início e durante o programa.

A aprendizagem dos aplicadores é um processo de construção tanto no que se refere ao domínio do vocabulário específico, como à sensibilidade às demandas das crianças. Sendo assim, pessoas que iniciam o treinamento com maiores recursos pessoais se adaptam mais facilmente às propostas do programa, ao passo que outras serão mobilizadas e se desenvolverão durante o mesmo. Como pontuam Borges e Marturano (2012), a aplicação do programa exige que o profissional revise a sua própria maneira de lidar com problemas interpessoais.

 

Aplicação do programa em contexto clínico

Apesar de ter sido elaborado para o uso no ambiente escolar, o EPRP se mostrou adequado para aplicação em contexto clínico, visando a redução de dificuldades comportamentais e acadêmicas, mediante as adaptações descritas por Motta (2003), conforme relatado em seção precedente deste artigo. No estudo de Elias (2003), participaram 24 crianças (20 meninos e 4 meninas), com idade entre 7 e 11 anos, inscritas em uma clínica de psicologia ligada ao SUS, que apresentavam dificuldades de aprendizagem e problemas socioemocionais. Os participantes foram selecionados de uma amostra de 91 crianças, de acordo com os seguintes critérios: não apresentar deficiência mental; ser capaz de ler e escrever palavras simples, segundo o Teste de Desempenho Escolar - TDE (Stein, 1994), e apresentar problemas de comportamento em nível clínico segundo escala de triagem padronizada para pais.

As crianças assim selecionadas foram avaliadas quanto às HSPI e novamente quanto a problemas de comportamento por meio do Inventário de Comportamentos da Infância e Adolescência - CBCL, versão brasileira (Bordin, Mari, & Caeiro, 1995). Após a avaliação, as crianças foram encaminhadas para intervenção em pequenos grupos. A intervenção, que combinava o EPRP com atividades psicopedagógicas ligadas ao conteúdo do programa, era conduzida pela autora ou por uma auxiliar; ambas tinham treino no programa e experiência em atendimento psicopedagógico.

A intervenção foi realizada em 20 sessões semanais de duas horas. As mães/responsáveis receberam orientações focais em grupo, quinzenalmente. As crianças foram reavaliadas logo após a intervenção e seis meses depois, utilizando-se os mesmos instrumentos da avaliação inicial. A comparação entre os dados obtidos nas três avaliações explorou os efeitos imediatos da intervenção e sua manutenção no tempo.

As comparações entre resultados no TDE indicaram melhoras significativas em escrita, aritmética, leitura e desempenho total. Os progressos alcançados com a intervenção se mantiveram no seguimento. Resultados semelhantes foram obtidos em relação aos problemas de comportamento avaliados com o instrumento de triagem. Outro resultado importante foi associado à severidade dos problemas. Sendo critério de participação no estudo apresentar problemas comportamentais em nível clínico, apenas um terço da amostra manteve essa classificação depois da intervenção e no seguimento.

Também no CBCL houve melhoras comportamentais significativas, mantidas no seguimento. Esses resultados foram observados ao se compararem os escores brutos de problemas de comportamento totais, de internalização e externalização, assim como em seis dos oito eixos que verificam problemas comportamentais.

Quanto aos resultados relativos às HSPI, habilidades alvo do programa EPRP, os participantes apresentaram melhoras significativas na taxa de soluções relevantes. No seguimento, apesar de algumas perdas em relação à avaliação pós-intervenção, os resultados se mantiveram significativamente melhores que os iniciais. Padrão semelhante foi observado na qualidade das respostas. Depois da intervenção, houve aumento em categorias de respostas socialmente adequadas e diminuição em respostas socialmente inadequadas, com ligeiro recuo das respostas socialmente aceitas no seguimento, porém sem retorno ao nível da avaliação pré-intervenção.

Diante desses resultados, Elias (2003) conclui que o programa foi eficaz no contexto clínico, não só para o desenvolvimento das HSPI e melhoras no comportamento, mas também para progressos na área acadêmica, desde que realizadas as adaptações necessárias. A autora ressalta ainda a importância da orientação aos pais durante a intervenção.

Outro estudo com o programa EPRP na mesma clínica foi realizado por Conte (2006). A autora teve por objetivo, além de replicar os resultados obtidos por Elias (2003), verificar se o EPRP contribui para melhorar as autopercepções de crianças com baixo desempenho escolar e problemas socioemocionais associados. Participaram do estudo 21 meninos, com idade entre 6 e 10 anos. A autora empregou um delineamento de pré e pós-teste com grupo de espera. As crianças foram avaliadas antes e depois da intervenção quanto ao desempenho escolar, os problemas de comportamento, o autoconceito e o senso de autoeficácia acadêmica. Enquanto um grupo passava por intervenção (GI) o outro aguardou durante seis meses na fila de espera (GE). O programa EPRP foi ministrado às crianças do GI, no mesmo modelo utilizado por Elias (2003). Terminada a intervenção no GI, os grupos GI e GE foram reavaliados. Na sequência, GE recebeu a mesma intervenção, sendo reavaliado em seguida.

Confirmando os achados prévios de Elias (2003), os resultados apontaram que, após a intervenção, tanto os participantes de GI como os de GE apresentaram melhoras significativas no desempenho escolar. Houve também redução significativa nos problemas de comportamento. No CBCL, a redução foi observada tanto nos eixos de problemas de comportamento como nos escores totais e naqueles ligados a internalização e externalização. No entanto, não foram encontradas melhoras significativas nas autopercepções.

Como o grupo de espera foi avaliado duas vezes antes da intervenção, com intervalo de seis meses entre as avaliações, foi possível verificar a influência de variáveis relacionadas à passagem do tempo, como, por exemplo, a influência da escola nas medidas de desempenho. Ao serem comparados os resultados das três avaliações de GE, os resultados da última avaliação foram consistentemente superiores aos das duas avaliações pré-intervenção, exceto no caso das autopercepções, que não se modificaram ao longo do estudo.

O trabalho de Conte (2006) confirmou amplamente a eficácia do EPRP para a melhora no desempenho escolar e a redução de problemas de comportamento. No entanto, o programa parece não afetar as autopercepções. Estudos de replicação são necessários para verificar esse resultado.

Visando contribuir para o entendimento das razões pelas quais nem todas as crianças se beneficiam com o programa, Giurlani (2003) realizou um estudo com o objetivo de investigar o papel moderador de variáveis do ambiente familiar sobre os efeitos do EPRP em crianças com a queixa escolar associada a problemas de comportamento. Participaram 30 meninos, com idade entre 6 e 11 anos. Foram realizadas avaliações antes e depois da intervenção, focalizando a criança (desempenho escolar e problemas de comportamento avaliados pelas mães) e a família (recursos e adversidades). Após a avaliação inicial, as crianças que cumpriam critérios como não estar recebendo nenhum tratamento psiquiátrico ou neurológico foram encaminhadas para grupos de intervenção com o EPRP, nos moldes propostos por Elias (2003).

Nos resultados, algumas associações foram sugestivas da influência familiar sobre a intervenção, sendo a mais pronunciada o envolvimento dos pais. Observou-se que o grupo com melhora acadêmica mais pronunciada apresentou maiores médias de acesso a passeios e brinquedos, assim como atividades compartilhadas com os pais em casa. Ao analisar as influências ambientais na melhora de comportamento, os dados sinalizaram que as crianças que menos melhoraram, ainda que tenham apresentado algum ganho, provinham de famílias com maior instabilidade financeira.

Nesse grupo com menos ganhos comportamentais, a média de escolaridade das mães era maior. Este último resultado, aparentemente contraditório, pode ter várias interpretações. Primeiro, pode ocorrer que mães mais escolarizadas sejam mais críticas e mais exigentes em suas expectativas de melhora no tratamento; segundo, problemas de comportamento em filhos de mães mais escolarizadas provavelmente têm menor ascendente de influências ambientais adversas e decorrem mais de características de temperamento, menos sensíveis à intervenção.

Por fim, pode ter acontecido na amostra uma associação fortuita entre instabilidade financeira e escolaridade materna, um dado não explorado no estudo. De todo modo, os achados sugerem que há, sim, variáveis familiares que incidem sobre os resultados da intervenção, reforçando a necessidade do trabalho também com as famílias.

Em conjunto, os estudos sinalizam efeitos positivos do EPRP na clínica, dentro das seguintes especificações: esquema de administração do programa reconfigurado para o contexto clínico; clientela constituída de crianças de 6 a 10 anos, com a queixa escolar associada a problemas de comportamento; intervenção conduzida por profissionais treinados no EPRP e com experiência clínica no atendimento a essa clientela específica; orientação às famílias durante a intervenção. O efeito moderador de variáveis do ambiente familiar e a persistência dos problemas em nível clínico para uma parcela das crianças atendidas são questões que demandam novas pesquisas.

 

Discussão

Neste artigo, apresentamos o programa EPRP para desenvolvimento de habilidades de solução de problemas interpessoais. A apresentação consistiu de uma descrição do programa original e da adaptação brasileira, seguida de uma resenha de estudos envolvendo a utilização do programa EPRP em contextos de aplicação prática, seja na escola, seja na clínica.

A experiência de aplicação do EPRP na escola demonstrou sua utilidade como um recurso para melhorar a convivência entre as crianças no início do ensino fundamental. Esta é uma importante contribuição, já que padrões de relacionamento estabelecidos no início da vida escolar tendem a se manter, principalmente quando assinalados por agressividade e conflito (Hamre & Pianta, 2001; Ladd & Troop-Gordon, 2003).

A escola é o contexto para o qual o EPRP foi desenvolvido, como um programa preventivo seletivo, destinado a crianças em risco para problemas de comportamento (Mrazek & Haggerty, 1994). As experiências divulgadas até então com o programa no Brasil mostram, de fato, maior efetividade do EPRP para reduzir de modo consistente o comportamento perturbador naquelas crianças identificadas como as mais disruptivas na sala de aula. Tais resultados reafirmam o caráter seletivo da prevenção, visto que favorece de preferência as crianças em risco (Borges & Marturano, 2002; Rodrigues et al., 2010).

À falta de estudos de seguimento, nada pode ser afirmado ainda em relação à persistência dos efeitos do programa no comportamento individual dos alunos. Essa é uma lacuna importante a ser suprida em estudos futuros. É preciso demonstrar que crianças que passaram pelo EPRP estão em menor risco de exposição futura a situações de confronto ou rejeição, que afetam negativamente o desenvolvimento socioemocional e acadêmico (Kwok et al., 2007).

Pode-se supor, no entanto, que as habilidades sociais aprendidas durante a participação no programa, uma vez postas em ação nas interações entre as crianças, continuem a se desenvolver em processos de retroalimentação. Essa suposição tem apoio na observação de que a mera exposição ao contexto escolar contribui para a expansão de habilidades sociais, justamente nas crianças identificadas com problemas de comportamento na educação infantil (Bolsoni-Silva et al., 2010). Como assinalam Garner e Lemerise (2007), maior competência social está associada a menor risco de rejeição e vitimização na escola.

Ainda que não beneficie necessariamente a turma como um todo (Borges & Marturano, 2002), o programa parece cumprir seu efeito protetor sobre as crianças mais vulneráveis, de acordo com a proposta original de Shure e Spivack (1982), voltada para a redução de comportamentos impulsivos e agressivos. A esse respeito, a experiência relatada por Borges e Marturano (2010) mostrou uma interessante alternativa para potencializar os efeitos do EPRP na escola, associado ao ensino de autocontrole e sensibilização pró-social.

A autorregulação emocional é um importante recurso para a criança lidar de forma mais madura com os problemas (Skinner & Zimmer-Gembeck, 2007), ao passo que a sensibilização pró-social aumenta a sua prontidão para aceitar soluções de compromisso nos conflitos interpessoais (Borges & Marturano, 2012). Ao associar o EPRP com módulos relacionados a tais recursos, o estudo deixa clara a importância de uma abordagem desenvolvimental no trabalho com crianças menores, dado que as habilidades em treinamento no EPRP só serão plenamente desenvolvidas mais tarde (Takahashi et al., 2009).

Desse modo, parece haver vantagem em promover concomitantemente a autorregulação e a motivação pró-social, enquanto as crianças não alcançam o nível de abstração preciso para o exercício integral da reflexão sociocognitiva. Na atualidade, diversas propostas para promoção de competência e prevenção de dificuldades adaptativas na escola incluem o ensino de habilidades de solução de problemas interpessoais como parte de programas mais abrangentes, com resultados positivos (Conduct Problems Prevention Research Group, 2010; Gonçalves & Murta, 2008).

A experiência de capacitação de educadores relatada neste artigo aponta para uma área de aplicação de grande interesse em nosso meio, carente de evidência empírica no que diz respeito ao EPRP. Dois desdobramentos se fazem necessários. O primeiro é verificação dos resultados por meio de medidas independentes do comportamento dos alunos. O segundo é a análise do processo de capacitação, com vistas à elaboração de manual que possa servir de roteiro a outras iniciativas do gênero.

A efetividade do programa como prevenção seletiva de problemas de comportamento foi confirmada na clínica, com crianças em situação de vulnerabilidade por apresentarem sintomas comportamentais associados a dificuldades escolares. Em associação com atividades psicopedagógicas e orientação familiar, o EPRP foi efetivo e teve resultados persistentes sobre o ajustamento comportamental e o desempenho acadêmico (Elias, 2003). A melhora foi clinicamente significativa para a maioria dos participantes. Ao contrário das experiências em escolas, o trabalho na clínica forneceu dados de seguimento, com resultados bastante positivos.

A experiência na clínica trouxe uma nova contribuição ao uso do EPRP, no sentido de ampliação da aplicabilidade do programa para além do contexto escolar. Deve-se ressalvar, no entanto, que a perspectiva de utilização do EPRP na clínica ainda se ressente da falta de informações sobre várias questões relevantes. Por exemplo, sobre as condições que podem delimitar a efetividade do programa, sabe-se apenas que seus efeitos são moderados por variáveis do ambiente familiar e que ele aparentemente não tem impacto sobre as autopercepções. A natureza dos problemas de comportamento que seriam mais maleáveis à intervenção, a faixa etária de maior sensibilidade ao programa e os requisitos de treinamento clínico do aplicador são outras tantas questões a serem esclarecidas.

 

Considerações finais

A análise da experiência com o EPRP em nosso meio dá indicações de que o programa é uma estratégia efetiva para prevenção de problemas de comportamento em crianças do primeiro ciclo do ensino fundamental. A evidência de efetividade tem sido demonstrada em contexto escolar e em contexto clínico.

Dentro dos limites já expostos, o programa apresenta diversos pontos fortes a serem destacados. O apoio em um manual de instruções, por um lado, favorece o treinamento e o automonitoramento dos aplicadores, assim como o controle da fidedignidade da implementação. Por outro lado, a manualização não se traduz em diretivas fixas, mas antes, pela natureza das instruções, dá ampla margem à iniciativa e criatividade do aplicador, mediante um currículo flexível e lições interativas que podem ser ajustadas às demandas da turma e do momento.

As diretrizes para implementação do Diálogo EPRP constituem outra vantagem importante do programa. De acordo com a flexibilidade do aplicador para estar atento às situações e aproveitá-las, os diálogos contribuem para a generalização dos conceitos aprendidos a situações reais do cotidiano.

Outro ponto forte do programa é o seu caráter desenvolvimental, expresso, no currículo, em lições cuidadosamente graduadas pelo nível de complexidade. Tal organização dá à criança a oportunidade de desenvolver primeiramente as habilidades constitutivas básicas para, em seguida, articulando-as umas às outras em experiências guiadas pelo adulto, construir as habilidades propriamente ditas de solução de problemas interpessoais.

O sucesso do programa em propiciar essa construção pode ser considerado como sua principal contribuição ao desenvolvimento individual. Promovendo mudanças qualitativas nas cognições a respeito de situações interpessoais problemáticas, o EPRP contribui para a autonomia das crianças na busca por soluções efetivas na esfera da convivência.

 

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Endereço para correspondência:
Profa. Dra Luciana Carla dos Santos Elias. FFCLRP-USP
Avenida Bandeirantes, 3900, Monte Alegre
Ribeirão Preto/SP, Brasil. CEP: 14040-901
E-mail: lucaelias@ffclrp.usp.br
Profa. Dra. Edna Maria Marturano - emmartur@ffclrp.usp.br
Ms. Ana Maria de Almeida Motta-Oliveira - ammotta@hcrp.usp.br

Recebido em 12 de março de 2012
Texto reformulado em 19 de Outubro de 2012
Aceite em 20 de Outubro de 2012
Publicado em 31 de Dezembro de 2012

 

 

1 A adaptação das ilustrações ocorreu paralelamente às etapas de adaptação do programa, de modo que no estudo piloto foram utilizadas as ilustrações da versão original.