SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 número1Entrevista com Denise de Souza Fleith índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Compartir


Psicologia Escolar e Educacional

versión impresa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.10 n.1 Campinas jun. 2006

 

Sugestões Práticas

 

Alfabetização fônica computadorizada: usando o computador para desenvolver habilidades fônicas e metafonológicas

 

 

Natália Martins Dias

Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 

Mais do que uma questão de direito básico à educação, a apropriação da linguagem escrita garante, hoje, a inserção do indivíduo em um mundo cada vez mais letrado. Neste contexto figura a alfabetização fônica, empregada como método de alfabetização oficial em países como Estados Unidos, Inglaterra e França, dentre outros, recordistas mundiais em competência de leitura e escrita. Em contraste, o Brasil, que ainda propõe oficialmente o método global de alfabetização, sustenta um 36º lugar em tal quesito, isto é, o último lugar (Organization for Economic Cooperation and Development, 2001).

O método fônico baseia-se em instruções fônicas e metafonológicas, de modo a prover um ensino explícito e sistemático das correspondências grafofonêmicas, ao mesmo tempo em que propicia o desenvolvimento de habilidades metafonológicas, ou seja, da consciência fonológica (Capovilla & Capovilla, 2004b). Esta é definida como a habilidade de refletir sobre a estrutura fonológica da linguagem oral, referese tanto à consciência de que a fala pode ser segmentada, quanto à habilidade de discriminar e manipular tais segmentos (Capovilla & Capovilla, 2004a; Capovilla & Capovilla, 2004b).

Para compreender como as instruções sistemáticas de correspondências grafofonêmicas e o desenvolvimento da consciência fonológica podem contribuir para construção da competência de leitura e escrita, uma breve revisão teórica se faz necessária. De forma sucinta, segundo Frith (1985), existem três estratégias para se lidar com a palavra escrita. Na primeira, a logográfica, a leitura e a escrita ainda são incipientes, pois se caracterizam pelo uso de pistas contextuais e não-lingüísticas, tais como as cores, o fundo e a forma global das palavras. Na estratégia alfabética, com o desenvolvimento da rota fonológica, a criança aprende as regras de correspondências grafofonêmicas. A estratégia ortográfica, por sua vez, caracteriza-se pelo processamento visual direto das palavras, ou seja, a criança já possui um léxico mental ortográfico e, a partir desta representação ortográfica, tem acesso direto ao sistema semântico.

Assim, a leitura nessa perspectiva ocorre como um modelo de processo duplo, ou seja, por meio de duas rotas, a fonológica e a lexical (Ellis & Young, 1988; Morton, 1989). Na leitura pela rota fonológica, a seqüência grafêmica é segmentada em unidades menores e convertida nos seus respectivos sons. Em seguida, faz-se a junção dos segmentos fonológicos e produz-se a pronúncia da palavra. O acesso semântico é obtido posteriormente, pelo feedback acústico da forma fonológica produzida em voz alta ou encobertamente. Na rota lexical, a pronúncia é resgatada como um todo a partir do léxico, isto é, sem mediação fonológica. É utilizada na leitura de palavras familiares, que se encontram préarmazenadas no léxico ortográfico. Deste modo, o item é reconhecido ortograficamente, é ativada sua representação semântica e, depois, sua representação fonológica.

Diversos autores têm reconhecido que a rota fonológica é essencial para o desenvolvimento da leitura e escrita (para uma revisão, consultar Share, 1995). De fato, a decodificação fonológica possibilita a aquisição das representações ortográficas, permitindo ulterior leitura lexical. Além da expansão do léxico ortográfico, a rota fonológica também permite a leitura de palavras novas, com as quais mesmo os leitores competentes se deparam todos os dias.

Visto que a rota fonológica é fundamental para a aquisição da leitura e escrita, torna-se também evidente a importância do processamento fonológico e, mais especificamente, da consciência fonológica, pois esta é essencial para os processos de codificação e decodificação. Desta forma, pode-se compreender a eficácia das instruções fônicas e metafonológicas no desenvolvimento de leitura e escrita, pois tais instruções desenvolvem justamente as habilidades fundamentais para o uso competente da rota fonológica.

Corroborando o acima descrito, estudos têm evidenciado que as dificuldades em leitura e escrita se devem, em grande parte, a problemas de processamento fonológico, podendo estes ser atenuados e/ou solucionados com a incorporação de atividades fônicas e metafonológicas em diferentes níveis escolares (Capovilla, 2003). Isto tem sido demonstrado em diversos estudos internacionais (e.g., Bradley & Bryant, 1983; Elbro, Rasmussen & Spelling, 1996; Torgesen & Davis, 1996; Schneider et al., 1997) e nacionais (Capovilla & Capovilla, 2000; Capovilla & Capovilla, 2004a; Capovilla & Capovilla, 2004b).

Procedimentos para implementar a alfabetização fônica já foram descritos em diversos livros e artigos brasileiros (Capovilla & Capovilla, 2004a; Capovilla & Capovilla, 2004b; Capovilla & Capovilla, 2005). Recentemente foi também implementada no CD-Rom Alfabetização fônica computadorizada (Capovilla, Macedo, Capovilla & Diana, 2005). Estesoftware torna ainda mais eficaz a alfabetização e a intervenção em problemas de leitura e escrita, ao integrar o caráter lúdico da informática à apresentação sistemática das letras e de seus respectivos sons e às atividades de consciência fonológica, estimulando o interesse e a participação do alfabetizando.

Osoftware é estruturado sob dois menus principais, ‘Consciência fonológica’ e ‘Alfabeto’. Cada um contém uma série de atividades, que se encontram sucintamente descritas a seguir.

O menu‘Consciência fonológica’ integra atividades que visam desenvolver diferentes níveis de consciência fonológica. Inclui os submenus‘Palavras’, ‘Rimas’, ‘Aliterações’, ‘Sílabas’ e ‘Fonemas’.

O submenu‘Palavras’ propõe atividades como a de completar frases, em que é apresentada uma frase com uma palavra faltando, como‘Eu comi ____ hoje.’ Logo abaixo da frase, são apresentadas figuras como alternativas de resposta, como‘ímã’, ‘hipopótamo’, ‘lápis’, ‘chocolate’ e ‘jaqueta’. A criança é solicitada a selecionar a figura que completa a frase e, ao fazê-lo de modo correto, osoftware apresenta uma nova tela com a frase completa,‘Eu comi chocolate hoje’. Numa outra atividade, são apresentadas frases com pseudopalavras, devendo a criança substituir tais pseudopalavras por palavras. Para tanto, deve clicar sobre a figura que pode dar sentido à frase.

No submenu‘Rimas’ são apresentadas atividades para selecionar figuras cujos nomes terminem com o mesmo som. Por exemplo, a instrução solicita que a criança clique sobre as figuras que terminem com“eira” e são apresentadas figuras de‘cadeira’, ‘geladeira’, ‘pão’, ‘mamadeira’, ‘queijo’ e ‘mala’, sendo que, ao passar o mouse sobre as figuras, osoftware apresenta seus nomes falados. São também apresentadas atividades em que se deve selecionar palavras que terminam de uma determinada forma, i.e., com o mesmo som.

Em ‘Aliterações’, de modo análogo a‘Rimas’, são apresentadas atividades voltadas para selecionar figuras. Posteriormente, são identificadas palavras cujos nomes comecem com um mesmo som.

O submenu‘Sílabas’ apresenta atividades de contagem de sílabas, em que a criança deve selecionar figuras cujos nomes são monossílabos, dissílabos, trissílabos ou tetrassílabos. Há, também, atividades de adição, subtração e transposição de sílabas em palavras escritas com formas geométricas. Por exemplo, numa atividade há duas formas geométricas, que representam as sílabas‘lo’ – ‘bo’, pronunciadas pelo software. A criança é instruída a selecionar a figura cujo nome resulta da inversão destas sílabas. Para tanto, deve selecionar uma dentre as figuras apresentadas como alternativas de resposta, no caso, a figura de‘bolo’.

Em‘Fonemas’ são propostas atividades de adição, subtração e inversão de fonemas em palavras escritas com formas geométricas, em que cada forma representa um som. Por exemplo, numa atividade há três formas geométricas que representam os sons /a/ /t/ /a/, pronunciados pelo software. A criança deve selecionar a figura cujo nome resulta da adição do som /p/ no início de ‘ata’, ou seja, a figura de‘pata’.

O menu ‘Alfabeto’ ilustra atividades cujo objetivo é o ensino sistemático das correspondências entre grafemas e fonemas. É dividido em ‘Vogais’,‘Consoantes’, ‘Encontrando palavras’ e‘Descobrindo palavras’. Em‘Vogais’ e ‘Consoantes’, há um submenu para cada letra, que é apresentada em tipo cursivo e de fôrma, maiúscula e minúscula. Ao passar o mouse sobre a letra, o software apresenta o seu som, o que facilita a aprendizagem das correspondências letrasom. Subsequentemente, são apresentadas diversas atividades com figuras e palavras, como leitura de textos, seleção de palavras e figuras que começam com a letra-alvo, e atividades de completar palavras com as letras que faltam.

Em ‘Encontrando palavras’, são apresentados caçapalavras em que a criança deve encontrar, num quadro, as palavras apresentadas. Em‘Descobrindo palavras’, a criança deve descobrir qual é a palavra escondida. Na tela são apresentados os traços correspondentes à palavra a ser descoberta, o que deve ser feito clicando sobre as letras do alfabeto. Ao clicar com o mouse sobre uma letra que faz parte da palavra, a letra aparece no local correto e uma parte do desenho é revelada.

É importante destacar que o software apresenta as atividades em um grau crescente de dificuldade e, em todas as atividades, os sons das letras, bem como os nomes das palavras e das figuras soam quando se passa o mouse sobre elas, facilitando a execução das atividades e a aprendizagem das correspondências grafofonêmicas. O software Alfabetização fônica computadorizada é acompanhado pelo livroFundamentação Teórica e guia para o usuário (Capovilla, Capovilla & Macedo, 2005), que fornece as bases teóricas subjacentes às atividades e diretrizes para a implementação do software.

Finalizando, as evidências, oriundas de estudos internacionais e nacionais já citados, ratificam a eficácia da alfabetização fônica no ensino tanto de normoléxicos quanto de disléxicos, sendo eficaz no tratamento e na prevenção dos problemas de leitura e escrita (Capovilla & Capovilla, 2004b). Desta forma, o CD-RomAlfabetização Fônica Computadorizada (Capovilla, Macedo, Capovilla & Diana, 2005), dentre ouotras estratégias, é uma ferramenta útil e eficaz que pode ser utilizada tanto por professores nas escolas, quanto por profissionais de reabilitação que trabalham com dificuldades de leitura e escrita na clínica. Seu caráter lúdico é fundamental para o engajamento da criança na execução das atividades, aumentando a eficácia do procedimento.

 

Referências

Bradley, L., & Bryant, P. (1983). Categorizing sounds and learning to read: A causal connection.Nature, 301, 419- 421.

Capovilla, A. G. S. (2003). A eficácia das instruções fônicas.Revista de Educação CEAP, 40(11), 56-58.

Capovilla, A. G. S. & Capovilla, F. C. (2000). Efeitos do treino de consciência fonológica em crianças com baixo nível sócio-econômico.Psicologia: Reflexão e Critica 13(1), 7- 24.

Capovilla, A. G. S., & Capovilla, F. C. (2004a)Problemas de Leitura e Escrita: como identificar, prevenir e remediar, numa abordagem fonológica (4ª ed.). São Paulo, SP: Memnon.

Capovilla A. G. S., & Capovilla, F. C. (2004b). Alfabetização: Método fônico (3ª ed.). São Paulo, SP: Memnon.

Capovilla, A. G. S., & Capovilla, F. C. (2005).Alfabetização fônica: Construindo competência de leitura e escrita (Livro do aluno). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.

Capovilla, A. G. S., Capovilla, F. C., & Macedo, E. C. (2005). Alfabetização fônica computadorizada: Fundamentação teórica e guia para o usuário. São Paulo, SP: Memnon.

Capovilla, A. G. S., Macedo, E. C., Capovilla, F. C., & Diana, C. (2005).Alfabetização fônica computadorizada: CD-ROM. São Paulo, SP: Memnon.

Elbro, C., Rasmussen, I., & Spelling, B. (1996). Teaching reading to disabled readers with language disorders: A controlled evaluation of synthetic speech feedback.Scandinavian Journal of Psychology, 37, 140-155.

Ellis, A., & Young, A. W. (1988).Human cognitive neuropsychology. London, UK: Lawrence Erlbaum.

Frith, U. (1985). Beneath the surface of developmental dyslexia. Em K. Patterson, J. Marshall & M. Coltheart (Eds.)Surface dyslexia: Neuropsychological and cognitive studies of phonological reading. Pp.London, UK: Erlbaum

Morton, (1989). An information-processing account of reading acquisition. In A M. Galaburda (Ed.),From reading to neurons (pp. 43-68). Cambridge, MA: MIT Press.

Organization for Economic Cooperation and Development (2001). Knowledge and skills for life: A report on PISA 2000. Paris, France: OECD.

Schneider, W., Küspert, P., Roth, E., Visé, M., & Marx, H. (1997). Short- and long-term effects of training phonological awareness in kindergarten: Evidence from two German studies. Journal of Experimental Child Psychology, 66, 311- 340.

Share, D. (1995). Phonological recoding and self-teaching: Sine qua non of reading acquisition. Cognition, 55 , 151 – 218.

Torgesen, J. K., & Davis, C. (1996). Individual difference variables that predict response to training in phonological awareness.

 

Endereço para correspondência
Rua José Gomes, 3 Moenda
Caixa Postal 45 13250-000 – Itatiba ,SP

 

 

Sobre a autora

Natália Martins Dias (natalia_mdias@yahoo.com.br) é graduanda do curso de Psicologia da Universidade São Francisco e bolsista do Programa de Iniciação Científica, PIBIC/ CNPq