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Psicologia Escolar e Educacional

versión impresa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.10 n.2 Campinas dic. 2006

 

HISTÓRIA

 

Educação e diversidade: estratégias de enfrentamento e mudança

 

 

Entrevista com Geraldina Porto Witter e Acácia Aparecida Angeli dos Santos

Entrevistadores: Marilene Proença Rebello de Souza e José Fernando Bitencourt Lomônaco

 

Para comemorar os 10 anos da Revista Psicologia Escolar e Educacional convidamos suas primeiras editoras, Profas. Dras. Geraldina Porto Witter e Acácia Aparecida Angeli dos Santos para esta seção. Ambas realizaram o importante trabalho de dar início à criação, pela ABRAPEE – Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional - na condição de entidade nacional, de um periódico científico, a fim de materializar as discussões acadêmicas na área por meio de um veículo de divulgação da pesquisa e das publicações recentes e de maior destaque em Psicologia Escolar e Educacional. Esta entrevista apresenta aspectos importantes do percurso histórico deste periódico acadêmico e destaca alguns dos principais desafios presentes na manutenção de um periódico especializado na construção do conhecimento em uma determinada área de saber. Esperamos que esta contribuição inspire discussões no campo da Psicologia Escolar e Educacional no que tange à importância da existência de revistas científicas na divulgação do conhecimento produzido nos centros de pós-graduação do Brasil. A entrevista foi realizada pelos Professores Doutores Marilene Proença Rebello de Souza e José Fernando Bittencourt Lomônaco.

1. Como se constituiu a idéia de haver uma publicação científica da ABRAPEE?

Geraldina: A idéia de contar com uma revista especialmente voltada para a área Escolar/Educacional já estava presente nas aspirações de todos que se reuniram para propor a criação da própria ABRAPEE.

Era uma aspiração que decorria da produção científica, da necessidade social, do desejo de congregar esforços e da importância de dar maior visibilidade à área.

Além disso, mundialmente as sociedades científicas são as principais responsáveis pelos periódicos científicos em toda as áreas do conhecimento, inclusive na Psicologia. Muitas são responsáveis por várias revistas como ocorre, por exemplo, com a American Psychological Association, ou a International Reading Association. Desta forma, ao sonhar com a ABRAPEE já estava implícito o sonho de um periódico vinculado a ela. Mas isto era insuficiente para o contato mais próximo, rápido, informativo e foi criado e mantido por alguns anos um jornal informativo. Era muito gratificante na interação sócio-sociedade, pois era mais ágil. Veio depois a “homepage’.

Mas o periódico científico é uma marca essencial das sociedades. Acho que era a esperança subjacente à criação da ABRAPEE no I CONPE.

Acácia: A Geraldina, com sua característica empreendedora, e por ser uma incansável defensora da idéia de que a ciência precisa ser amplamente divulgada, foi quem sugeriu a criação da revista Psicologia Escolar e Educacional. Dizia ela, com ênfase, que esta seria a melhor forma de partilharmos o conhecimento que estava sendo produzido pelos estudiosos da psicologia educacional, bem como as experiências profissionais que estavam sendo desenvolvidas pelos psicólogos escolares pelo Brasil afora. Sua proposta foi imediatamente apoiada por Solange Weschler, Raquel Guzzo e demais membros da diretoria, com o intuito de oferecer mais subsídios teóricos e práticos aos associados da ABRAPEE.

2. Quais as dificuldades enfrentadas e como foram vencidas?

Geraldina: Muitas foram as dificuldades a serem enfrentadas e superadas. Algumas são naturais na criação de qualquer periódico científico. Entre as últimas estão: chegar a um consenso sobre as características do periódico, seu estatuto, as diretrizes aos autores, as partes que o constituíram, a estrutura administrativa e técnico-científica, ou seja, formalizar o sonho. Reuniões e reuniões, mas sempre foi possível chegar a um ponto definidor do pretendido. Mas havia outras dificuldades, é preciso mais do que o desejo. É preciso dispor de matéria para publicar. As pessoas especialmente vinculadas aos cursos de pós-graduação, por questão de atender a parâmetros CAPES, preferem publicar em periódicos já consagrados, outras não querem adaptar o texto às normas de um periódico que está nascendo, ou engatinhando, ou que não se sabe de sua potencial capacidade para vencer a conhecida praga ou barreira dos sete anos. Conseguir a colaboração não foi fácil, a colaboração de muitos rompeu a barreira. Também há a questão da infraestrutura física e de recursos humanos necessários para que se processe tudo para se chegar ao encaminhamento para publicação. Aos poucos com o esforço dos membros da diretoria e do corpo editorial foi sendo organizada uma maneira de suprir dificuldades. Um periódico requer como a própria sociedade um espaço físico que, por muitos anos foi suprido pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas que acolheu a ABRAPEE com a maior boa vontade. Para editar há gastos. Uma sociedade nascente não tem verba suficiente. As anuidades não suprem tais necessidades, muitas vezes há demora de até anos para que as pessoas fiquem em dia com a tesouraria o que tende a acontecer nos eventos. Com estes vem o problema de editar os anais, que também requerem verba. Há sociedades, em condições não só de editar periódicos, livros, jornais, etc. Mas para tanto são necessários muitos sócios, anuidades altas, pagas regularmente, doações generosas, campanhas para arrecadar fundos, ou mesmo, inserir propagandas selecionadas nos periódicos, ou mesmo conseguir verbas nas agências financiadoras. Todavia, quando se está começando não há como recorrer às agências. No começo, a luta para obter fundos é muito solitária e praticamente é preciso produzir contando só com esforço próprio e a boa vontade, os preços módicos de editores amigos. Neste último, caso a ABRAPEE contou com o apoio da Editora Átomo/ Alínea para seus primeiros produtos editoriais. O processo de editoração hoje está computadorizado e simplificado, mas quando começou a Revista de Psicologia Escolar e Educacional seguia a produção convencional de então. O texto era redigitado, feita uma primeira impressão de provas, feita a revisão, uma segunda revisão e finalmente o encaminhamento para impressão. O trabalho era feito pelos membros responsáveis pela edição da revista. Dificuldades existiram mas, também com empenho, foram superadas.

Acácia: A maior dificuldade foi a financeira. A publicação de uma revista representa um ônus significativo e a decisão de assumi-lo foi corajosa e ousada na época. Mais de uma vez a própria Geraldina se responsabilizou pessoalmente (sem depois querer o ressarcimento) por despesas decorrentes das nossas publicações: o Boletim da ABRAPEE e, posteriormente, a Psicologia Escolar e Educacional. Em muitas ocasiões foi o recurso pessoal da, então diretora da revista, a única forma de viabilizar sua impressão, dentro do prazo requerido.

Outro problema que enfrentamos e que felizmente não é mais freqüente como há dez anos atrás... diz respeito à dificuldade de receber manuscritos sobre os quais havia pedidos reformulação. No início da publicação da revista ainda era comum que autores se indignassem quando um parecerista lhes pedia algum tipo de modificação, visando ao aprimoramento do texto. Por causa disso várias vezes deixamos de publicar alguns artigos. O manuscrito reformulado não era mais enviado porque seus autores não concordavam com a sugestão resultante da análise feita às cegas, mas também não tinham o desejável hábito de ao menos enviar uma justificativa dos aspectos ‘inaceitáveis’ do parecer. Simplesmente manifestavam sua insatisfação deixando de dar continuidade à submissão do artigo.

Uma terceira dificuldade a ser referida foi a complexa decisão de reduzir a periodicidade da revista de três números anuais (quadrimestral) para dois por ano (semestral). Todos nós da diretoria à época relutamos muito, mas não vimos outra saída diante do inexorável risco de comprometermos a seqüência de publicação e, conseqüentemente, a regularidade necessária à publicação periódica.

3. Vocês acreditam que uma sociedade científica, atualmente, tem condições de manter uma revista científica sem o auxílio de órgãos de fomento?

Geraldina: Nas condições sócio-econômicas e de cultura científicas, no Brasil, exceto para umas poucas sociedades, é possível publicar mantendo regularidade, qualidade, e outras exigências, para manter um periódico. Até mesmo os vinculados a Universidades enfrentam problemas de verbas. Ainda é insuficiente a valorização da cultura científica, da percepção da relevância do periódico científico, mesmo nas universidades. Ainda se está aquém do esperado de professores e alunos buscando a informação, a ética, a acessibilidade, o conforto, e a atualização na leitura etc...A impressão pelos meios eletrônicos tem um custo que é menor mas há muitas dúvidas ainda pendentes, o que tem levado à manutenção dos periódicos em duas formas: a virtual e a em papel (com tiragem menor). Com freqüentes cortes nas verbas para as agências financiadoras, torna-se difícil dispor de verbas para todos os periódicos e ainda seriam necessários muitos mais, com diversificações de sub-áreas, para atender ao aumento da produção e a necessária divulgação do produzido. Sem a publicação é como se o trabalho não tivesse sido realizado, não há como ter impacto duradouro e mudar a realidade. É necessário mudar a cultura científica trabalhando-se o próprio compromisso dos profissionais com o conhecimento científico, a necessidade de veicular a ciência entre todos, que haja empenho em se manter atualizado. Com salários dignos para os profissionais, estes podem pagar bem periódicos e sociedades e comprar revistas técnicocientíficas. Não é o que vem ocorrendo no país. É preciso crescer e,possivelmente, publicar independentemente de auxílio de agências financeiras que estão carentes e não contam com verbas suficientes. Como se está hoje, é difícil publicar sem o apoio das agências. Mas é preciso perseguir o ideal de ser independente.

Acácia: Considero muito pouco provável que uma entidade possa manter um periódico sem que haja auxílio financeiro de órgãos de fomento. Como já mencionei anteriormente o custo de uma publicação, mesmo semestral, é muito alto para ser coberto apenas com a anuidade dos associados. No entanto, é muito importante para uma sociedade científica ter o espaço da revista cientifica para propalar o conhecimento produzido em sua área. É fundamental que um veículo de divulgação exista para manter ativo o vínculo entre o que está sendo pesquisado e o usuário, ou seja, os interessados naquela temática, especialmente os profissionais que aplicam os conhecimentos de uma dada área.

Uma exceção é caso da Psicologia: Ciência e Profissão, da qual eu atualmente sou a editora. Esta revista é publicada pelo Conselho Federal de Psicologia e pelos Conselhos Regionais, que destinam uma verba específica da anuidade dos psicólogos brasileiros para a conta revista. Dessa forma, criam condições financeiras e estruturais para manter a revista, bem avaliada pelo Qualis CAPES-ANPEPP como ‘A NACIONAL’ e tem sua publicação impressa e distribuída periodicamente há 26 anos. Hoje é uma das poucas revistas na área de psicologia com publicação trimestral.

4. Quais os critérios para a montagem do conselho editorial e o convite aos pareceristas?

Geraldina: Os critérios internacionais variam de acordo com o tipo de periódico. No caso de periódicos de Associações Científicas espera-se que todos devem ter pelo menos o título de doutor; serem produtores (terem trabalhos publicados em periódicos, livros etc...), pelo menos 50% já devem ter tido experiência de dar parecer para periódicos (ao distribuir a matéria para os pareceristas é preciso cuidado para o trabalho seja analisado por um mais experiente e por um novato, nunca por dois iniciantes), todos devem ser sócios da entidade, só consultores “ad hoc” poderão, excepcionalmente não estarem vinculados, ter cuidado para que tenham vínculos profissionais com instituições de tipos diferentes públicas, particulares, nacionais, estrangeiras) e a cada dois anos renovar o Conselho Editorial em 30% ou 50%, não devendo ninguém permanecer no quadro por mais de quatro anos consecutivos. Por vezes, até mesmo pessoas com excelente curriculum vitae, são pareceristas que não correspondem por não respeitar os prazos, não atender a critérios, não ser colaborativo, não prestar atenção a aspectos relevantes, etc. É preciso aproveitar nas renovações para fazer as substituições.

Acácia: O critério principal é convidar pessoas reconhecidas pela comunidade científica como expoentes na área. Ao aceitar integrar o conselho editorial de uma revista os pesquisadores emprestam seu prestígio a ela, visto que é com base no crivo de suas análises que os textos submetidos serão ou não publicados. A escolha dos pareceristas, regulares ou eventuais, segue a mesma lógica. Para uma análise criteriosa é necessário recorrer aos especialistas no tema, dada a especificidade que ele apresenta. Nesses momentos, o papel do consultor é indispensável para afiançar a qualidade do trabalho e sugerir alterações, quando forem necessárias.

5. Como avaliam a revista hoje?

Geraldina: A revista da ABRAPEE está muito bem, mas pode melhorar em termos de variedade, de número por ano (periodicidade) e divulgação. Os anais dos encontros bianuais também podem ser melhorados e mais completos.

Acácia: A revista há alguns anos alcançou o mais alto patamar que um periódico científico brasileiro pode almejar, pois é classificado como A NACIONAL pelo Qualis-CAPES. Esse sistema de avaliação, já mencionado em resposta anterior, é fruto do reconhecimento da comunidade científica dos periódicos em razão da qualidade que apresentam.

6. Que orientações vocês dariam para as sociedades científicas que queiram criar uma revista científica?

Geraldina: Já participei da criação de várias revistas. Os cuidados, inclusive indicados na literatura sobre a matéria sugerem os seguintes cuidados: assegurar-se que dispõe de material para pelo menos 2 ou 3 números, garantir que nos artigos dos primeiros números apareçam produtores bem conhecidos na área (não é fácil, face às pressões sofridas para publicar em periódicos já bem avaliados no Qualis), garantir condições tanto de produção a ser publicada quanto financeira para os primeiros quatro anos, formar um Corpo ou Conselho Editorial respeitável nacionalmente já para o primeiro número e que efetivamente atuem como tal para a seleção de textos do primeiro número, se possível, incluir algum texto de autor estrangeiro; publicar, no primeiro número, o estatuto da revista e as orientações para os autores; definir claramente que tipo de revista e qual é o padrão pretendido; fazer uma campanha de divulgação pré e pós lançamento recorrendo a e-mail, folder, informações e apresentações em eventos da área e de áreas de domínio conexo; lançar um número zero como padrão tem sido um recurso muito útil e trabalhar em equipe e não desanimar diante das dificuldades.

Acácia: Publicação eletrônica e inclusão em sistema de acesso livre.