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Boletim - Academia Paulista de Psicologia
versión impresa ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.30 no.1 São Paulo jun. 2010
TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS
Avaliação quali-quantitativa de intervenção com yoga na promoção da qualidade de vida em uma universidade
Quali-quantitative evaluation of intervention with yoga in promoting the quality of life in a University
Doris Lieth PeçanhaI,II1; Daniel Perdigão CampanaII,2
I Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
IIEscola de Engenharia de São Carlos - Universidade de São Paulo (EESC-USP)
RESUMO
Avalia-se um projeto de qualidade de vida no trabalho (QVT) pela relação entre a prática do Yoga e a forma como dez servidores de uma universidade pública percebem a QVT e lidam com o estresse (= coping). Este foi divido em estratégias de Enfrentamento e de Evitação. A literatura indica que o Yoga favorece o bom funcionamento psicossomático e o controle emocional. No delineamento quantitativo, tem-se a hipótese de que o praticante de Yoga tenderia a um aumento das estratégias de enfrentamento do estresse e diminuição da evitação. Método: quali-quantitativo, com linha de base e medidas repetidas. Instrumentos: Questionário sobre QVT, e Inventário de Respostas de Coping no Trabalho utilizados no início e no término do projeto; Entrevista coletiva. Resultados qualitativos: ao final da prática houve incremento das vivências de prazer e minimização de vivências de sofrimento, expressando melhoria da QVT; quantitativos: houve aumento das estratégias de Enfrentamento, em especial na subcategoria Reavaliação Positiva; e diminuição da busca de Orientação externa. Nas estratégias de Evitação, a Aceitação Resignada foi a mais sensível à intervenção, sendo menos utilizada ao final da prática. Conclusão: em geral, os participantes deixaram de evitar situações problemáticas, passando a enfrentálas positivamente. A Reavaliação Positiva, associada à menor busca de Orientação externa, corrobora a esperada autonomia decorrente da prática do Yoga. A diminuição da Aceitação Resignada sugere a atitude ativa que, em geral, caracteriza um praticante de Yoga. Os resultados, embora limitados ao pequeno grupo, confirmam a hipótese colocada, encorajando a utilização e pesquisa do Yoga como ferramenta de QVT.
Palavras-chave: Qualidade de vida; Yoga; Coping; Entrevista coletiva; Trabalho.
ABSTRACT
A project of Quality of Life at Work (QLW) is evaluated by the relation betweenthe Yoga practice and the way in which ten employees from a public University notice theQLW and how they deal with stress. This project was divided into strategies of Confrontationand Avoidance. Litterature indicates that Yoga benefits the psychosomatic functioningand emotional control. Under the quantitative outline, there is a hypothesis that the Yogapracticioner would tend to show an increase in strategies of confronting the stress and adecrease in avoidance. Method: quali-quantitative, with a baseline and repeated measures.Instruments: Questionnaire about QLW, and Inventory of Coping answers at work, utilized at the beginning and at the end of the project. Press conference. Qualitative results: when finalizing the practice, there was an increase of the experiences of pleasure, and aminimization of the experiences of anguish, expressing an improvement in QLW; quantitative results: there was an increase of the Confrontation strategies, especially in the subcategory of Positive Revaluation; and a decrease in the search for external Orientation. In the Avoidance strategies, the Resigned acceptance was the most sensitive to the intervention, being less utilized at the end of the practice. Conclusion: in general, the participants stopped avoiding problematic situations, and started to face them positively. The Positive Revaluation, associated to a lesser search for external orientation, corroborates the expected autonomy decurring from the practice of Yoga. The decrease in the Resigned Acceptance suggests an active attitude that, in general, characterizes a Yoga practicioner. Results, although limited to the small group, confirm the mentioned hypothesis, encouraging the use and research of Yoga as a QLW tool.
Keywords: Quality of life; Yoga; Coping; Press interview; Work.
1. Introdução
Este trabalho insere-se nos projetos de docência, pesquisa e extensão desenvolvidos pelo Laboratório VIDA (Vivência Intrapsíquica e Desenvolvimento Ambiento-organizacional), e nas linhas de pesquisa: avaliação-intervenção psicossomática e sistêmica; e processo saúde-doença e cultura organizacional. Integra uma pesquisa mais ampla sobre Yoga e Qualidade de Vida, atendo-se aqui a um estudo de caráter longitudinal, com linha de base e medidas repetidas tomadas antes e após a intervenção. Isso se constituiu num desafio em função da perda de sujeitos em estudo dessa natureza. No presente delineamento, a dificuldade foi aumentada por incluir a prática do Yoga. Explicando, em geral, ocorre um número importante de desistências em qualquer modalidade de atividade física, e, particularmente, no Yoga que requer disciplina corporal e psíquica. Em decorrência, a expectativa dos pesquisadores era dispor de um grupo pequeno de participantes. Assim, a retenção de 10 pessoas que responderam às avaliações iniciais e finais foi considerada satisfatória. Por outro lado, a característica metodológica de medidas repetidas, compostas por diversas variáveis, possibilita o tratamento estatístico dos dados, mesmo em pequeno grupo. Isso foi constado em diversos trabalhos (Peçanha & Lacharité, 2007), contrariamente ao que, em geral, pensam os pesquisadores não familiarizados com pesquisas quantitativas que dispõem de um "n" pequeno. Atribui-se esse número satisfatório de sujeitos ao enquadre da pesquisa, ou seja, à sua inserção num projeto de extensão universitária, ofertado, de forma ininterrupta, ao longo de 16 anos, e com boa adesão no local de trabalho em questão.
Cabe aqui agradecer à professora do Departamento de Educação Física da UFSCar, Hildegard Krause que, em 1994, implantou um programa de Yoga e, ao se aposentar, delegou à primeira autora desta comunicação a coordenação dele. Tal atividade incrementou o projeto Melhoria da Qualidade de Vida doServidor da UFSCar - contribuições da Psicossomática, concebido, em 1999, pela primeira autora, em parceria com o Setor de Recursos Humanos, contando com a colaboração do professor Darlei Baldi (Departamento de Fisioterapia – UFSCar).
2. Qualidade de vida no trabalho (QVT)
A Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) é um construto multidimensional, o que dificulta a existência de consenso sobre o assunto. Contudo, a revisão dos estudos (França, 2004; Pereira & Peçanha, 2005) indica que ela vem sendo avaliada por meio de sistemas que envolvem políticas e práticas gerenciais, bem como por fatores ligados ao potencial humano e ainda por outros referentes à saúde e à segurança no trabalho. No âmbito da saúde, alguns autores destacam a importância do estresse (Shamir & Salomon; e Moraes & Kilimnik, citados por Pereira e Peçanha, 2005), em especial Limongi-França (1996, p.4) para quem a Qualidade de Vida no Trabalho é individualizada na pessoa por meio de suas diferentes manifestações de estresse.
Para os fins desta pesquisa, considerou-se que mais importante do que conhecer os níveis de estresse no trabalho, era avaliar a maneira como cada sujeito, alvo de uma intervenção em QVT, lidava com o estresse (coping). Pois o que pode causar o adoecimento de uma pessoa, pode ser fator de desenvolvimento para outra pessoa. Este raciocínio alinha-se com as contribuições teóricas compreensivas da psicodinâmica do trabalho (Dejours, Abdouchel & Jayet, 1994; Peçanha, 2009) que considera o valor da subjetividade.
A questão da qualidade surgiu na década de 30 pela preocupação com a segurança no trabalho e, posteriormente, na década de 50, apareceu nos estudos sobre moral e produtividade. Nos anos 60, a questão do enriquecimento das tarefas e oportunidades de trabalho ocupou esforço considerável dos pesquisadores. Na década de 70, a QVT figurou como abordagem teórica e como método, focalizando o indivíduo e seu ambiente de trabalho, utilizando-se de um conjunto de técnicas a fim de melhorar as condições laborais. Tudo isso visando tornar o trabalhador mais produtivo num contexto organizacional satisfatório. Entretanto, de modo geral, as investigações em QVT ocuparam pouco espaço na produção científica, ficando esse tema à margem das discussões acadêmicas até o final da década de 70.
Nos anos 80, a QVT (Rodrigues, 1995), adquiriu conotação ideológica e, de forma crescente, passou a ser vista como um conceito global e como meio para enfrentar, muitas vezes de forma mágica, os problemas de qualidade e de produtividade. Na década de 90, a QVT invadiu todos os espaços e, ultimamente, vem sendo extensivamente pesquisada em diversos países, como na Inglaterra, Hungria, Iugoslávia, Canadá, México e Índia.
A maioria dos projetos em QVT teve sua origem nas necessidades de segurança no trabalho, e raros foram aqueles que efetivamente se preocuparam em promover a saúde dos funcionários de forma integral. A distância entre o discurso e a prática nessa área vem sendo destacada na literatura científica (Albuquerque & França, 1998; Pereira & Peçanha, 2005; Peçanha, 2009).
Em extensa revisão bibliográfica acerca dos estudos realizados sobre a QVT no Brasil, Nishimura (2008) observou uma predominância de trabalhos exploratórios ou exploratórios descritivos, havendo pouca ocorrência de produção crítica e discussões teóricas. A autora ressaltou que são escassas as abordagens críticas que procuram relacionar, por exemplo, a QVT com aspectos de domínio do homem no contexto de trabalho. Salienta ainda, segundo as críticas que encontrou nos estudos revisados, que os modelos existentes para avaliação de QVT privilegiam a abordagem quantitativa, quando a abordagem qualitativa seria também adequada ao contexto da QVT, podendo-se combinar técnicas quantitativas e qualitativas. Tal diretriz de pesquisa foi adotada na presente investigação, considerando-se além dos dados quantificáveis, a dimensão humana da percepção individual e do discurso coletivo dos participantes.
Por outro lado, urge desenvolver a QVT, pois crescem as evidências de que o descaso em relação a esse tema resulta tanto nos altos índices de prejuízos econômicos às empresas, quanto nas perdas humanas provocadas pela violência no trabalho. Essa, atualmente, se apresenta em comportamentos de assédio moral, com consequências que chegam à gravidade de suicídios - alvo de contínuo destaque na mídia europeia. Fala-se mesmo de banalização de suicídios, em empresas francesas como a Renault. Na França, o ano de 2007 foi marcado pelo crescimento de suicídios de trabalhadores qualificados (Ferreira, 2008). Recentemente, esse tipo de morte ganhou destaque na empresa de telecomunicações, France Telecom, se destacou na imprensa mundial. A organização reconheceu o número de trinta e dois suicídios no período de dois anos, entre fevereiro de 2008 e outubro de 2009. Este fato tem sido associado à recente privatização da empresa (ausência de controle público sobre a busca desenfreada por lucros) e ao respectivo plano de reestruturação produtiva (desconsiderando necessidades humanas como repouso e reconhecimento), atrelados à crise econômica mundial. Alguns servidores deixaram depoimentos responsabilizando as condições de trabalho e queixando-se da pressão sofrida no ambiente organizacional. Fatos como esses indicam a premência de efetivos projetos em QVT (Simons, 2009).
Por fim, chama-se atenção para a necessidade do emprego de instrumentos válidos no estudo da QVT nos diferentes ambientes organizacionais. Disso decorre, no contexto nacional, a importância de uma opção metodológica por instrumentos brasileiros, ou com versão em língua portuguesa quando se trata de questionários ou inventários quantificáveis. Além disso, importa que sejam validados, como o que se utilizou para os fins desta pesquisa.
As considerações feitas ilustram o estado da arte das pesquisas sobre QVT e justificam a pertinência do trabalho empírico aqui proposto. Também fica justificada a avaliação da intervenção proposta em QVT com instrumental, em parte nacional, como o questionário produzido para esta pesquisa; e, em parte, traduzido e validado no Brasil, como Inventário de Respostas de Coping no Trabalho (IRC-T). Tem-se ainda o uso de um instrumento internacional que é a Entrevista coletiva, tal como foi proposta por Dejours (Dejours e outros, 1994); pois, sendo livre e aberta, é adaptável a todos os contextos organizacionais. O importante nela é o engajamento voluntário dos participantes e a maneira de conduzi-la, seguindo os princípios e a técnica da entrevista em psicanálise, com acento na validação dada pelo coletivo de trabalho (Dejours, 2010).
3. Intervenção com Yoga
Atualmente, diversas práticas psicofísicas de bem-estar e relaxamento, em especial as orientais (Raingruber & Robinson, 2007), têm sido procuradas como um bálsamo para o estresse vivido nos centros urbanos. Entre elas, figura o Yoga. Este sistema, que compreende filosofia, ciência e arte, surgiu na Índia, havendo registros que o datam em dez mil anos a.C. A primeira sistematização escrita foi feita por Patañjali que teria vivido no ano 200 a.C.
O Yoga Sutra de Patanjali é chamado de Raja Yoga ou Ashtanga Yoga (Ashtanga significa oito partes) por apresentar oito passos definidos para se alcançar a meta do Yoga, ou seja, o Samadhi. São eles: Yama (princípios de comportamento social), Niyama (atitudes, comportamento individual), Asana (posturas em harmonia com a consciência interna), Pranayama (controle da respiração e força vital), Pratyahara (controle sensorial), Dharana (controle da mente, concentração), Dhyana (Meditação) e Samadhi (absorção, tornar-se uno com o objeto percebido).
O Yoga tem várias correntes ou caminhos para a realização do indivíduo, como: Krya, incluindo Hatha Yoga (Yoga da técnica), Jnana (Yoga do conhecimento), Bhakti (Yoga da devoção), Karma (Yoga do serviço) e Raja Yoga (integral, pois combina os quatro tipos precedentes). Assim, costuma-se dizer que para cada tipo de pessoa há uma modalidade de Yoga.
Salienta-se que, no Oriente, a filosofia é tomada como sinônimo de prática de vida com fins de libertação. Assim, para Mahatma Gandhi a liberdade consistia na espontânea limitação das necessidades, de forma que a vida pudesse ser garantida a todos (Peçanha & Santos, 2009, p. 72). No Oriente, o Yoga representa, essencialmente, uma filosofia de vida. Contrariamente, no Ocidente, a disciplina filosofia é, em geral, desenvolvida de forma intelectual, desconectada da subjetividade, da autoconsciência, e da práxis de um indivíduo (Peçanha & Rosalini, 2009). No Ocidente, o Yoga vem caracterizando-se como um sistema de práticas, sobretudo de posturas psicofísicas (asanas) visando à obtenção de saúde e administração do estresse (Gharote 2000).
O Yoga tem um caráter multidisciplinar que envolve aspectos metafísicos, ontológicos e teológicos, bem como aspectos psicológicos, físicos e práticos. Esse sistema baseia-se numa visão global e interdependente entre ser humano e mundo, buscando a cessação do turbilhão de pensamentos inúteis, a unificação da consciência, num estado de integração entre sujeito e objeto. Tudo isso em oposição à dicotomia que caracteriza a racionalidade ocidental (Morin, 2007). O radical Yuj, em sânscrito, significa "integrar" (Gharote, 2002). Trata-se não apenas de unir partes, mas de acomodá-las (lembra-se aqui o conceito de assimilação de Piaget, citado por Peçanha, 2010), e de controlar ou governar essas partes à luz de princípios como: atenção desperta, relaxamento adequado, posição correta e respiração livre.
O desenvolvimento da autoconsciência, durante as práticas, contribui para um maior controle da pessoa sobre suas emoções. Assim, outra consequência do Yoga é o controle de estados mentais como a ansiedade e a depressão, favorecendo um maior bem-estar geral (Gharote, 2000), daí seu uso para fins terapêuticos. A propósito, a Yogaterapia, como ciência, foi pioneiramente desenvolvida no Instituto de Kaivalyadhama, em Lonavla, Índia. Seu fundador foi Swami Kuvalayananda em 1924. O primeiro jornal científico aí produzido foi o Yoga Mimansa que publicou muitos estudos, tratando especialmente da relação entre Yoga e fisiologia (por ex: prática de asanas e controle da pressão arterial) (Da Silva, 2009).
O Yoga influencia diretamente os órgãos do corpo (vísceras, músculos, articulações, ligamentos etc.); o sistema nervoso autônomo; e o sistema nervoso central. No Ocidente, o pioneirismo nas pesquisas na área coube a Therese Brosse, na França, que, em 1946, evidenciou os efeitos da meditação em exame eletrocardiológico (Peçanha, 2010).
Pode-se considerar o Yoga como uma prática psicossomática, pois tem em seu princípio a integração entre corpo e mente. A propósito, cita-se a célebre afirmação de Alexander (1989, p.33): "o fato de que a mente comanda o corpo é, apesar de sua negligência pela biologia e pela medicina, o fato mais fundamental que conhecemos sobre o processo da vida".
O Yoga favorece o equilíbrio e a harmonia entre corpo, mente e emoções, e isso se dá através de técnicas que trabalham tanto a dimensão concreta (corpo), como também as dimensões mais sutis (pensamento e emoções). A consciência corporal ocorre integrada à consciência da respiração, ao conforto postural, ao aprendizado do relaxamento, à prática da concentração e da meditação.
Enfim, o objetivo do Yoga é promover o desenvolvimento da pessoa como um todo, através da auto-observação, do conhecimento e da superação, oferecendo uma via para a qualidade do viver.
4. Por que Yoga?
- Porque, comparativamente a outras técnicas mais onerosas, pode ser de fácil inserção no ambiente de trabalho. Pois não mobiliza conflitos interpessoais, nem exige esforços de mudança vindos do exterior, como aqueles ditados pelas organizações (Santos e outros, 2007).
- Porque vem-se mostrando eficiente e eficaz na promoção da qualidade de vida (Santos e outros, 2007). Porque tem baixo custo e bons resultados em curto tempo. Martins e outros (2007) mostraram que, com três meses de utilização sistemática, essa prática promoveu importantes melhorias na saúde física e psíquica, colaborando para o aumento da produtividade e do bem-estar de servidores em seu trabalho.
- Porque é uma ferramenta que atende a definição de QVT, formulada por autores muito citados em nosso meio, como Albuquerque & França (1998), ao propiciar melhores condições de desenvolvimento humano na realização do trabalho.
A presente pesquisa focalizou a percepção dos participantes sobre a QVT e as formas de enfrentar o estresse por meio do construto coping. Esta palavra foi incorporada ao vocabulário científico (Peçanha, 2006; Peçanha, 2008) para designar o conjunto de estratégias utilizadas pelas pessoas a fim de alcançar uma melhor adaptação a circunstâncias estressoras.
O Yoga e QV (qualidade de vida) devem ser articulados para responder adequadamente às críticas formuladas por Pereira e Peçanha (2005) quanto à utilização de ferramentas efetivamente capazes de promover o bem-estar no contexto laboral.
5. Revisão de pesquisas
Realizou-se uma revisão bibliográfica, de caráter exploratório descritiva, relativamente ao tema Yoga e Qualidade de Vida no Trabalho, abrangendo o período de 1986 a 2008. Foram utilizadas as bases de dados de bibliotecas virtuais das seguintes universidades públicas do Estado de São Paulo (local da pesquisa): USP, UNESP, UNIFESP e UNICAMP; como também se recorreu às principais bases de dados on-line, sendo elas: ISI Web of Science, Scopus, PsycInfo, Medline, Bireme, OVID, OPAS, OMS e BVS. Os indexadores foram: Yoga e Qualidade de Vida no Trabalho; Yoga e Trabalho.
Nas referidas bases, dezoito estudos trataram do desenvolvimento e avaliação de projetos, relacionando à prática do Yoga e da QVT, sendo que somente três desses eram brasileiros (O’Donnell, 1992; Guimarães, Jorge & Kakehashi, 1996; Villardi, 1997).
Chegou-se à conclusão de que havia dois conjuntos de investigações: a) um que se servia do construto QVT de forma geral, considerada como saúde física e/ou mental; e b) outro que relacionou, especificamente, determinadas patologias à aplicação do Yoga no trabalho. Assim, nas dezoito publicações selecionadas, onze delas tratavam da qualidade de vida de maneira generalista, como Chakraborty (1986). Outros sete estudos referiam-se à QVT em relação a um aspecto específico - uma patologia ou ainda ao estresse (Nespor, 1990; Malathi & Damodaran, 1999; Gura, 2002).
Dentre os dezoito estudos encontrados, cinco realizaram uma discussão teórica sobre intervenções com Yoga e QVT (Chakraborty, 1986; Jhunijhunwala, Iyer & Srivastava, 1987; Nespor, 1990; O’Donnell, 1992; Gura, 2002; Tournaire & Theau, 2007). Treze publicações foram de pesquisas empíricas sobre Yoga e QVT, realizando avaliação de resultados. Quatro delas tratavam da QVT em profissionais na área da saúde (Walia, Mehra, Grover, Earnest & Verma, 1989; Nespor, 1990; Malathi & Damodaran, 1999; Raingruber & Robinson, 2007). Mas apenas um dos trabalhos fez uma discussão teórica e empírica, relacionando possibilidades e restrições da aplicação do Yoga na gestão de recursos humanos (O’Donnel, 1992).
Todavia, na maioria dos trabalhos, observou-se ausência de referenciais teórico-metodológicos consistentes dentre as múltiplas abordagens possíveis em QVT. Salienta-se ainda que nenhum deles utilizou-se das abordagens clássicas e dos conceitos difundidos nos estudos gerenciais sobre QVT.
Embora haja carência de pesquisas sobre o tema Yoga e QVT, estudos correlatos sobre práticas físicas e QVT têm sido realizados, e podem oferecer diretrizes de pesquisa. Como exemplo, a ginástica laboral foi utilizada para promover a qualidade de vida em funcionários do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, no Campus São Carlos (Martins & Barreto, 2007).
Os achados bibliográficos indicam a necessidade de mais pesquisas na área com delineamentos metodológicos adequados. Salienta-se que existem muitos projetos de intervenção com Yoga, porém poucos são avaliados de forma sistemática, o que é particularmente notório no contexto brasileiro.
No delineamento quantitativo deste trabalho, colocou-se a hipótese de que um projeto de intervenção em QVT, utilizando-se do Yoga, contribuiria para que os participantes apresentassem um aumento das estratégias de enfrentamento do estresse e uma diminuição das estratégias de evitação de problemas na organização.
Objetivos da pesquisa
Geral
Verificar a possibilidade de incrementar a qualidade de vida de servidores de uma universidade pública.
Específicos
• Conhecer a percepção dos participantes relativamente à qualidade de vida no trabalho;
• Identificar os estilos de coping;
• Comparar os estilos utilizados pelos participantes antes e após a intervenção.
Metodologia
Considerando o caráter aplicado do estudo, foi utilizada pesquisa de avaliação (Kidder, 2004) num delineamento com linha de base. Essas medidas foram comparadas àquelas obtidas ao término do trabalho (pós-intervenção). Além disso, esse tipo de pesquisa - que visa avaliar resultados de uma intervenção, configura um tratamento que consiste numa intervenção cujo objeto consiste em melhorar o curso de um evento em saúde, indo da prevenção a cuidados paliativos (Fletcher & Fletcher, 2006). Dois métodos são utilizados para estabelecer os efeitos das intervenções ou tratamento: os estudos observacionais e os experimentais, diferindo na sua força e factibilidade (Fletcher & Fletcher, 2006). Como esta investigação envolveu o controle de variáveis (ex: exposição à intervenção similar antes do projeto; controle do tempo; ações planejadas e executadas pelo mesmo pesquisador etc) de forma a possibilitar uma comparação entre pré e pós-intervenção o menos enviesada possível, caracteriza-se este estudo como quase experimental.
Em relação à pesquisa qualitativa, foi analisado o discurso dos participantes, seguindo o método clínico que privilegia a escuta de dimensões subjetivas. Tal análise fundamenta-se na compreensão psicanalítica que se baseia na abordagem da psicodinâmica do trabalho (Dejours e outros, 1994). Nessa teoria a entrevista coletiva é um meio privilegiado de conhecimento construído entre pesquisador e participantes da pesquisa, sendo utilizada neste estudo.
Participantes
Foram avaliados dez (10) servidores de ambos os sexos (9 mulheres e 1 homem) voluntários e assíduos na atividade de extensão Melhoria da Qualidade de Vida do Servidor da UFSCar, na modalidade: prática de Yoga, oferecida regularmente na Universidade onde se realizou o estudo. A média das idades foi de 43,70 (desvio padrão 12,30), sendo a mínima de 23 anos e a máxima de 60. Três (3) pessoas eram solteiras e sete (7) casadas. Em relação ao grau de escolaridade, predominou curso superior completo (9), sendo que apenas um participante tinha curso superior incompleto. Quanto aos cargos ocupados, obteve-se 4 professores, 3 secretárias e 1 auxiliar administrativo. A seguir apresenta-se, em tabela, a renda desse grupo.
Instrumentos
Os instrumentos de pesquisa foram:
a) Questionário. Perguntas objetivas foram feitas aos participantes, visando à obtenção de dados demográficos e de saúde, de forma a adequar as práticas de Yoga às condições psicofísicas dos participantes. Este questionário, em linhas gerais, foi utilizado com sucesso em pesquisas congêneres (Hermosilla e outros, 1999; Peçanha, 2006). Ao seu final, acrescentou-se com vistas aos propósitos desta pesquisa, uma pergunta, em aberto e por escrito, sobre a percepção dos participantes relativamente à sua Qualidade de Vida no Trabalho.
b) Inventário de Respostas de Coping no Trabalho (IRC-T, Peçanha, 2006). Esse inventário é uma tradução e adaptação validada para o contexto laboral do "Coping Responses Inventory" (CRI-Adult Form, de Shaefer & Moss, 1998/1993; adaptações: ISSP - Pérez–Ramos, J. & Pérez-Ramos, A.M.Q. 1999; IRC-T, Peçanha, 2006). Este instrumento vem sendo utilizado em pesquisas (Vassimon & Peçanha, 1999; Ribeiro, 1999) e referido em trabalhos científicos (Pérez- Ramos, A., 2004; Peçanha, 2006). O Inventário de Respostas de Coping no trabalho é um instrumento autoadministrável. Constitui-se de 48 itens que versam sobre estratégias de coping no contexto laboral. As respostas agrupam-se em dois tipos: de enfrentamento e de evitação.
c) Intervenção com Yoga. Desenvolvida duas vezes por semana, durante três meses, com duração de uma hora no local de trabalho.
d) Entrevista Coletiva (Dejours e outros, 1994; Dejours, 2010). Na condução deste procedimento, seguiram-se os princípios metodológicos da psicodinâmica de trabalho, concebida como produção construtiva-interpretativa, com destaque para o caráter voluntário dos participantes. A fala espontânea deles colabora com o princípio da legitimidade do conhecimento, em contraposição à validade perseguida pelas pesquisas positivistas. Portanto, a entrevista foi aberta a todos os servidores da Universidade e nela também compareceram não praticantes de yoga. Mesmo que, através deste instrumento, a pesquisa seja colocada em outro paradigma em que critérios amostrais tradicionais perdem sua significação, destaca-se que os não praticantes de yoga foram em número e em características demográficas muito semelhantes às 10 pessoas alvo do estudo quantitativo.
Lembra-se que métodos estatísticos e/ou amostrais sofisticados não corrigem as concepções errôneas no processo de representação e abstração. Sem as associações fundamentadas na concepção teórica - particularmente na clínica do trabalho, sem considerar a situação vivida ante os objetivos do estudo e a construção coletiva do conhecimento, as abstrações podem se tornar sem sentido ou, pior ainda, ser simplesmente recortadas da realidade, introduzindo vieses importantes.
O objetivo dessa entrevista foi conhecer as percepções dos servidores relativas à qualidade de vida no trabalho. Visou ainda compreender o contexto de trabalho, seus estressores e os esforços das equipes para superá-los.
Procedimentos
O estudo foi realizado com consentimento dos participantes que foram esclarecidos quanto ao caráter dos instrumentos e procedimentos utilizados. Eles assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) após aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da UFSCar.
Os participantes responderam ao questionário e, parte deles, participou da entrevista coletiva. O número de voluntários nesta última modalidade, embora pequeno, superou as expectativas em função da dificuldade para reunir um grupo de servidores num mesmo horário, e no local de trabalho.
6. Resultados
Adotou-se uma metodologia quali-quantitativa. A primeira pela análise do discurso nas respostas dos participantes quanto à QVT; e, a segunda, através da estatística descritiva, utilizando-se de porcentagens para comparar os estilos de coping.
Apresentam-se as tabelas 2 e 3 que sintetizam as respostas dos participantes relativamente ao questionamento sobre a QVT antes e após a intervenção com Yoga. Na análise das respostas, tomou-se um dos pressupostos da psicodinâmica do trabalho de que elas indicariam vivências de prazer ou de sofrimento. Com base nessas duas categorias, analisou-se o discurso dos participantes.
Observou-se um aumento nas vivências de prazer e diminuição das vivências de sofrimento no trabalho ao final das práticas do Yoga (tabela 3). As mudanças no sentido positivo ficaram evidentes nas falas dos respondentes, salientando-se melhoria no aspecto físico, como a diminuição da dor; e no psíquico, como maior satisfação e consciência pessoal, expressas em cuidado consigo próprio.
Por outro lado, destacaram-se problemas organizacionais que estavam além do controle dos servidores. Apesar da indicação de melhorias pessoais e no relacionamento com os colegas, duas pessoas continuaram sofrendo com problemas relativos à estrutura e dinâmica do seu ambiente imediato de trabalho, como falta de liberdade para tomar iniciativa e decisões; e a sobrecarga de trabalho, com impacto na dimensão mental, física e psíquica (sic).
O programa de Qualidade de vida no Trabalho (PQV), no qual o presente projeto está inserido, foi valorizado no discurso de um dos funcionários. O trabalho desenvolvido na esfera pública também recebeu valorização pelo que oferece de positivo em termos de relações humanas, contrariamente ao que ocorre no domínio privado, segundo a percepção de participantes neste estudo. Em um dos casos - aquele que relatou dificuldades previamente à intervenção, observou-se alguma melhoria no sentido de maior consciência a respeito de sua QVT: Não está exatamente como gostaria, mas pode melhorar (sic).
Como resultado da análise dos discursos, o projeto alcançou um dos objetivos do Yoga de proporcionar um incremento das vivências de prazer e a minimização ou a superação de vivências de sofrimento. Isso indicou uma melhoria da QVT dos praticantes. Conclui-se que intervenções com Yoga podem constituir-se num importante instrumento para a melhoria da qualidade de vida, sendo pouco oneroso.
A seguir, apresentam-se os resultados quantitativos expressos em porcentagens comparativas entre pre e pós-intervenção relativamente às estratégias de coping utilizadas pelos participantes.
A intervenção com Yoga relacionou-se a um aumento das estratégias de coping (18,13%) no total, sinalizando mudança nos praticantes. Como se trata de um estudo comparativo com linha de base, expõe-se, de forma discursiva, os resultados mais evidentes. Todas as subcategorias do Inventário tiveram seu uso aumentado ou diminuído após a intervenção, ou seja, cada uma das estratégias de enfrentamento e de evitação sofreu variação da frequência de utilização. Isso ocorreu considerando as porcentagens das respostas ao uso de cada subcategoria.
A Figura 1 indicou um aumento da utilização do estilo de enfrentamento de problemas, nas subcategorias: Reavaliação Positiva (5%) e Raciocínio Lógico (3,33%). Observou-se ainda diminuição (de 3,33%) na utilização de Orientação. Quanto ao estilo de evitação dos problemas, a Aceitação Resignada (9,99%) foi a mais sensível à intervenção, aparecendo diminuída a sua utilização após a intervenção com Yoga. O uso de Extravasamento Emocional também seguiu o mesmo sentido da linha decrescente, sugerindo o maior autocontrole pelos participantes.
Enfim, como pode ser observado, a intervenção com Yoga produziu efeito no estilo de coping dos participantes.
Quanto à entrevista coletiva, a partir dos dados obtidos no questionário e considerando que o mesmo indicava problemas organizacionais, decidiu-se realizar uma entrevista coletiva no âmbito do projeto, mas aberta a todos os servidores da Instituição que desejassem participar. Nela compareceram praticantes e não praticantes de Yoga, de ambos os sexos. Seguem-se os resultados obtidos.
Observou-se que houve diferença de gênero nos relatos. Embora a loucura (sic), velocidade de demandas e atividades fosse sentida por praticantes e não praticantes de Yoga; o estresse foi maior para o sexo feminino que precisava atender demandas da família, principalmente dos filhos, além do trabalho.
Também se constatou diferença entre praticantes e não praticantes de Yoga. O discurso destes últimos indicou desamparo frente às demandas crescentes do trabalho, enquanto que nas falas dos praticantes apareceu maior assertividade [o que importa é saber dizer não (sic)], maior autoestima [Não importa que digam que somos fracos, o que importa é saber falar não e escolher o que é melhor para você, uma escolha pessoal para aprimorar a vida; (... ) É muito bom, vão dizer que sou louca mas não me importo. O importante é parar e relaxar (sic)], e esperança: [Com a crise, de alguma forma, as pessoas verão o mundo de forma diferente (o olhar e as relações irão mudar). Nada é por acaso. (sic)] e bem-estar [Pratico Yoga há 7 meses e recomendo para enfrentar o estresse pois é muito bom; os pequenos momentos de silêncio ajudam muito (sic)].
Além disso, a fala dos praticantes expressou maior aprendizagem com a experiência. No sentido bioniano, é aquela que une aspectos cognitivos e afetivos de forma vivencial [Temos que aprender a lidar com o medo (sic)]. Chamou atenção a descrição de um sistema estressante ligado à organização do trabalho de forma geral, nas referências a demissões em massa e suicídios, ao lado de falas esperançosas de um praticante de Yoga [Liberdade e individualidade: temos que brilhar e crescer! (sic)].
Em síntese, os resultados da entrevista coletiva expressaram diferenças positivas em prol dos praticantes de Yoga.
7. Discussão
É reconhecido que as formas de organização do trabalho, bem como sua cultura, têm impacto na saúde dos trabalhadores. Constata-se ainda que a qualidade de vida destes vem-se degradando com as pressões produtivistas (Dejours, 2010; Peçanha, 2009). Doenças como LER/DORT, assim como os transtornos mentais e psicopatologias diversas, são correntes no mundo do trabalho com prejuízos à produção. Considerando esse contexto geral e pensando em prevenção e promoção de saúde, encontrou-se na prática do Yoga uma importante ferramenta de QVT. Contudo apesar da ampla utilização do Yoga, este raramente é alvo de avaliações científicas no contexto laboral, daí a importância do presente estudo.
Nesta discussão dos resultados, importa lembrar que a pesquisa foi desenvolvida numa instituição de ensino. A sobrecarga de trabalho é maior ao final do semestre quando os servidores estão envolvidos com atividades extras como avaliações de alunos, digitação de notas, relatórios etc. Foi justamente essa a época em que se realizou a presente investigação, fato que funciona como mediador dos achados no sentido do alcance dos resultados esperados com a intervenção de Yoga.
Inicialmente, considerou-se as respostas ao questionário, destacando-se, para os fins desta comunicação, a pergunta sobre QVT. Como resultado da análise do discurso dos participantes relativamente a essa questão, tem-se que as respostas indicaram o alcance do objetivo da intervenção com Yoga, melhorando a QVT. Essa prática proporcionou um incremento das vivências de prazer e a minimização ou a superação de vivências de sofrimento.
No que tange ao aspecto quantitativo, em geral, os participantes deixaram de evitar situações problemáticas, passando a enfrentá-las positivamente. A Reavaliação Positiva, associada ao menor índice de busca de Orientação Externa, corroborou a esperada autonomia advinda da prática do Yoga. A diminuição da Aceitação Resignada sugeriu a atitude atenta e ativa que caracteriza um Yogue, contrariamente aos estereótipos de passividade que lhe são comumente atribuídos.
A seguir discutem-se alguns dados em relação ao terceiro instrumento de pesquisa, a entrevista coletiva que igualmente permitiu conhecer a QVT dos servidores, evidenciando diferenças positivas em prol dos praticantes de Yoga, contrariamente aos não praticantes que evidenciaram desamparo face às demandas do sistema produtivista atual.
Levantou-se a hipótese de que a referência a suicídios, na entrevista coletiva, estaria associada a vivências de muito sofrimento no trabalho dos participantes. Isso poderia estar sendo ocultado, sendo que o reprimido retornaria na identificação com os suicidas, fato muito noticiado na mídia europeia e que chegou ao Brasil. Da mesma forma, o medo do desemprego figuraria na identificação projetiva com outras pessoas [Hoje em dia há demissões em massa, deve ser muito estressante (sic)]. Também chamou a atenção do coletivo de pesquisa (Dejours, 2010), a descrição de um mundo opressor ao lado de racionalizações como Liberdade e individualidade: temos que brilhar e crescer! (sic). Contudo, essas hipóteses não foram testadas, pelo confronto com as percepções dos participantes conforme sugere a metodologia em psicodinâmica do trabalho (Dejours, 2010), em função da ansiedade que poderia levantar e do fato de dispor-se de um único encontro com o grupo. Portanto, não havia tempo para se trabalhar adequadamente tal situação ansiogênica, ficando este registro como material de discussão. Por fim, a entrevista coletiva evidenciou as pressões crescentes da estudada organização e o esforço dos servidores para responder, de forma funcional, a essas demandas.
8. Conclusões
No delineamento qualitativo do projeto, sintetizam-se assim os achados: aumento nas vivências de prazer e diminuição das vivências de sofrimento no trabalho ao final da intervenção com Yoga. Encontraram-se ainda, de um lado, problemas organizacionais e, de outro, a valorização do Programa de Qualidade de Vida da Universidade, lembrando que o Projeto-alvo desta pesquisa figura na base de tal iniciativa. Observou-se ainda que os praticantes de Yoga conseguiam enfrentar de forma mais positiva o estresse no trabalho, ou seja, mantendo a autoestima, a consciência de si e de seu meio ambiente, minimizando, assim, as vivências de sofrimento e incrementando as vivências de prazer.
Na entrevista coletiva, apareceu diferença de gênero nos relatos e diferença entre praticantes e não praticantes. Aqueles evidenciaram maior autoestima, maior assertividade, esperança, bem-estar, e aprendizagem com a experiência. Já os não praticantes mostraram desamparo frente às demandas crescentes do trabalho.
Do ponto de vista da metodologia quantitativa, os resultados, embora limitados a um pequeno grupo deste estudo, corroboraram com a hipótese colocada de que o praticante de Yoga tenderia a apresentar um aumento das estratégias de enfrentamento ao estresse e diminuição da evitação de problemas.
Conclui-se que intervenções com Yoga podem constituir-se num importante instrumento para a melhoria da qualidade de vida no trabalho. Encorajam-se novos estudos sobre o seu emprego na promoção da QVT, e registra-se a adequação dos instrumentos utilizados, pois, ao examinar o tema sob diferentes perspectivas, os resultados advindos convergiram para o fortalecimento do alcance do objetivo proposto.
Enfim, projetos com Yoga, delineados cientificamente, podem constituirse numa ferramenta eficaz para a promoção da saúde, para o manejo do estresse e para melhorar a qualidade de vida nas organizações.
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Recebido em: 23/03/2010
Aceito em: 14/04/2010
1 (Laureada pela Academia) Profª. Dra. do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos e do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da EESC - USP. Contato: Al. Das Crisandálias, 616, ap. 32 – São Carlos – SP – Brasil – 135566-570. E-mail: doris@ufscar.br. Agradecimentos aos Bolsistas de extensão (Proex-UFSCar): Jeferson Tadeu Nunes, Sonia Pinheiro, Estela Carneseca e Malúbia Ferreira.
2 Cientista Social, Instrutor de Yoga e Mestrando (Bolsa FAPESP) no Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da EESC – USP, sob orientação da Profª. Associada Doris Lieth Nunes Peçanha. Contato: Rua Conde do Pinhal, 3.246 – V. Faria – São Carlos – SP – Brasil – CEP 13569-030. Tel.: (16) 9783-9388. E-mail: danielcampana@usp.br