Servicios Personalizados
Revista
Articulo
Indicadores
Compartir
Boletim - Academia Paulista de Psicologia
versión impresa ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.39 no.96 São Paulo enero/jun. 2019
TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO
Produção de sentidos e fazeres sobre o trabalho de policiais militares catarinenses: um relato de experiência
Production of meanings and actions on the work of Santa Catarina military police: an experience report
Producción de sentidos y el hacer sobre el trabajo de policías militares catarinenses: relato de una experiencia
Daniela Alberton Babolim1,I; Ana Paula Sesti Becker2,II; Luciane Guisso3,II
ICentro Universitário de Brusque (UNIFEBE), Brusque (SC), Brasil
IIUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis (SC), Brasil
RESUMO
O trabalho do policial militar, em função da complexidade de suas atividades pode se caracterizar como potencial gerador de sofrimento emocional e estresse, cujo cuidado e atenção à saúde física e mental precisam ser constantes. Em vista disso, este artigo descreve um relato de experiência desenvolvido no Batalhão da Polícia Militar em uma cidade do Sul do Brasil. O objetivo geral da intervenção foi contribuir para o fortalecimento da saúde do policial militar e os específicos, de promover o autoconhecimento e autoestima dos participantes e aprimorar o trabalho em equipe. O método empregado consistiu na técnica de dinâmicas de grupo, observação participante e entrevistas semiestruturadas. Observou-se que a intervenção da Psicologia contribuiu tanto na reflexão das práticas desempenhadas, como no acolhimento das inquietações e sofrimentos compartilhados; tendo em vista a necessidade de um espaço coletivo para a escuta e diálogos sobre temáticas cotidianas.
Palavras-chave: Saúde do trabalhador; Policial militar; Dinâmicas de grupo
ABSTRACT
The military police work, due to the complexity of their activities, can be characterized as a potential generator of emotional distress and stress, whose care and attention to physical and mental health need to be constant. Due to this situation, this article describes an experience report developed in the Military Police Battalion in a city in the South of Brazil. The general objective of the intervention was to contribute to the strengthening of the health of the military police and the specific ones, to promote self-knowledge and self-esteem of the participants and to improve teamwork. The method employed consisted in the technique of group dynamics, participant observation and semi-structured interviews. It was observed that the intervention of Psychology contributed both to the reflection of the practices performed and to support for the shared anxieties and sufferings; taking into account the need for a collective space for listening and dialogues on day-to-day events.
Keywords: Worker's health; Military police; Group dynamics.
RESUMEN
El trabajo del policía militar, en función de la complejidad de sus actividades puede caracterizarse como potencial generador de sufrimiento emocional y estrés, cuyo cuidado y atención a la salud física y mental necesitan ser constantes. En vista de esto, este artículo describe el relato de una experiencia realizada en el Batallón de la Policía Militar de una ciudad del sur de Brasil. El objetivo general de la intervención fue contribuir al fortalecimiento de la salud mental del policía militar y los específicos, de promover el autoconocimiento y la autoestima de los participantes y mejorar el trabajo en equipo. El método empleado consistió en dinámicas de grupo, observación participante y entrevistas semiestructuradas. Se observó que la intervención de la Psicología contribuyó tanto en la reflexión de las prácticas desempeñadas, como en la acogida de las inquietudes y sufrimientos compartidos; teniendo en vista la necesidad de un espacio colectivo para la escucha y diálogo sobre temáticas cotidianas.
Palabras clave: Salud del trabajador; Policía militar; Dinámicas de grupo.
Introdução
A atividade policial é considerada profissão, uma vez que é exercida por um grupo social específico. Há um senso de pertença e identificação da atividade, além de ideias, valores e crenças em comum do que é ser policial. O trabalho desse grupo se relaciona ao policiamento ostensivo e preventivo, assim como da aplicação da lei e manutenção da ordem pública (Souza, 2013).
As ações desenvolvidas pelos policiais militares voltam-se a um conjunto de tarefas e obrigações no que se refere ao combate a conduta irregular ou criminosa de sujeitos que coloquem em risco outras pessoas (Oliveira, & Santos, 2010). Considerada uma profissão de alto risco, este profissional lida diariamente com a violência, brutalidade e morte, expondo-se frequentemente ao perigo e a agressão (Santana, Gomes, Marchi, Girondoli, Rosado, Rosado, & Andrade, 2012). Por risco, entende-se o perigo, o local e a frequência com que o policial militar é exposto às fatalidades em função das atividades inerentes à profissão (Couto, Brito, Vasconcelos-Silva, & Lucchese, 2012). Estudos vêm sendo realizados para avaliar o impacto do trabalho na saúde das pessoas (Macedo, & Silva, 2018; Nunez-Pumariega, & Castel-Schlindwein, 2018; Paula, Azevedo, Lopes, & Fermoseli, 2018). Dejours (2007) aponta que quando o trabalho é visto como um peso, este se torna fonte de tensão e desprazer, provocando sintomas como fadiga e outras patologias. No caso do trabalho realizado pelos policiais militares, estudos (Almeida, Lopes, Costa, & Santos, 2018; Costa, Júnior, Maia, & Oliveira, 2007) indicam associações entre o trabalho e problemas físicos-emocionais vivenciados por esses profissionais decorrentes da função que realizam, pois estão na iminência de desenvolverem patologias psíquicas e físicas em sua profissão (Carvalho, Carvalho, Lucena, Coelho, & Araújo, 2008).
Além do desgaste físico, o sofrimento psíquico pode levar os policiais a atitudes inapropriadas na execução de suas tarefas. Em função da exposição à momentos de tensão, espera-se dos policiais cautela nas ações realizadas – o que pode não acontecer quando esse profissional vivencia momentos de estresse profundo. O estresse ocupacional pode ser compreendido como o desequilíbrio entre as demandas do trabalho e a capacidade de resposta dos trabalhadores (Santana et al., 2012). Ao policial militar é solicitado concentração na realização de tarefas e ritmo, por meio de um controle de seu trabalho. No entanto, quando o estado de tensão, cansaço físico e emocional são constantes, é comum a existência de prejuízos a saúde e qualidade de vida; o que pode desencadear o estresse e o sofrimento psíquico (Souza, Minayo, Gimaraes e Silva, & Pires, 2012). Ambiente de trabalho perigoso, frequente contato com o público, longas jornadas de trabalho (em função da escala), recursos insuficientes, baixa renumeração, dificuldade na ascensão profissional, perda de colegas, perseguições, burocracia excessiva, referem-se a alguns dos aspectos apontados pelos policiais militares como propulsores de sofrimento e problemas emocionais por eles vivenciados em seu trabalho cotidiano (Hartley, Violanti, Mnatsakanova, Andrew, & Burchfiel, 2013; Lipp, Pereira, & Sadir, 2005). Ferreira, Bonfim e Augusto (2011) ressaltam que a vivência dos fatores citados acima pelos policiais, repercutem também em sua baixa produtividade laboral. Percebe-se, assim, que a prática do policial militar é complexa e envolve diversos desafios cotidianos que impactam em sua saúde e satisfação profissional.
No que tange à jornada de trabalho, identifica-se a existência de sobrecarga física nos policiais, devido ao peso excessivo do armamento carregado. É comum em sua rotina de trabalho carregar consigo armamentos, como: duas pistolas de um quilo cada, mais um fuzil de pouco mais de três quilos, dois carregadores de um quilo, em média, cada um, acrescentando, ao seu corpo, um colete de aproximadamente um quilo, totalizando uma carga adicional de mais de cinco quilos, que a cada dois dias transportam por 24 horas (Gonçalves, Veiga, & Rodrigues, 2012).
A baixa renumeração recebida contribui para que os policiais militares busquem trabalhos extras, quando estão de folga, para complementar a renda familiar. A segurança particular se refere a um dos trabalhos realizados tanto em finais de semana como em dias alternados ao trabalho na corporação. Dessa maneira, compreende-se que, são muitos os fatores que o policial militar está exposto em seu trabalho que contribui diretamente em seu desgaste físico e mental, afetando o desempenho profissional e sua saúde (Ferreira, Bonfim, & Augusto, 2011). Os momentos apontados como desestressores por estes profissionais são poucos, e se referem a estar com a família e a realização de atividades de lazer (Oliveira, & Santos, 2010).
Muitos policiais militares são atraídos pela carreira em função da sensação de segurança reforçada pelo "concurso público realizado" e ideia de ascensão profissional. No entanto, no decorrer do trabalho esses se deparam com diversos desafios como falta de reconhecimento, o enfrentamento de riscos diariamente (Calanzas, 2010). Desse modo, a ideia de ascensão acaba distante em função da própria rigidez do trabalho o que ocasiona ainda mais desânimo e sofrimento na permanência no trabalho. Espera-se que o profissional cumpra seu papel de investigar e prevenir a violência mantendo autocontrole emocional; todavia, a falta de reconhecimento e o acúmulo diário de tensão, como o risco de sofrer agressões, desesperança, revolta, injustiça por seus superiores e pela sociedade, impacta no rendimento de suas funções e na sua autoestima no desempenho das atividades exercidas (Oliveira, & Bardagi, 2010). Além disso, há de se considerar a "insalubridade emocional" que vivem em decorrência da sobrecarga de exigências, bem como os efeitos disso em sua motivação para o trabalho (Minayo, & Souza, 2003).
A qualidade de vida dos policiais militares é afetada diariamente em função do tipo de trabalho que realizam (Silva, Hernandez, Gonçalves, Castro, Arancibia, & Silva, 2014). Menciona-se, também, a cobrança para apresentarem respostas eficientes e eficazes no combate à violência, a execução de atividade de modo cada vez mais transparente (Zilli, & Couto, 2017). Todos os aspectos mencionados trazem para a vida do policial militar influências que poderão repercutir em sua saúde. Desse modo, identificam- se poucos espaços na própria corporação que trabalham com a saúde psíquica dos policiais. Momentos de conversas individuais ou atividades em grupo para discutir os desafios vivenciados no exercício da carreira profissional não são relatados como práticas presentes no cotidiano dos profissionais.
Investimento em espaços de trabalho (seja no âmbito individual ou coletivo) de acompanhamento psicológico dos policiais militares refere-se em ações cada vez mais necessárias no âmbito das corporações militares. Minayo e Souza (2003), em seu estudo com policias civis, destacam a necessidade urgente da criação de uma instância específica para apoio psicológico a policiais, em função das demandas psicológicas presentes (Ferreira, Bonfim, & Augusto, 2012). Assim, compreende-se que cabe ao psicólogo, inserido em tal contexto, desenvolver ações pautadas na preservação da identidade pessoal, melhoramento das relações interpessoais e do estresse, bem como no auxílio da manutenção do equilíbrio emocional dos militares (Castro, & Cruz, 2015). Também, pode-se fomentar estratégias voltadas para o entendimento das repercussões do trabalho sobre a subjetividade e saúde mental desses profissionais – uma vez que, se acredita ser esse, um dos caminhos para o melhoramento da própria qualidade da Segurança Pública (Amador, 2000). Salienta-se que, os espaços desenvolvidos, sejam individuais ou coletivos, precisam buscar novas reflexões em relação às significações do trabalho do policial militar e os efeitos em sua saúde. Por significado, entendem-se as construções culturais realizadas por meio de processos de internalização e externalização, co-construídos dinamicamente e ativamente nas transformações individuais e coletivas (Valsiner, 2012). O fomento de espaços de trocas como em palestras, dinâmicas de grupo, rodas de conversas, com o intuito de ampliar a tranquilidade e autoconfiança dos mesmos são de grande relevância (Resende, & Cavazza, 2002).
Com base no exposto, desenvolveu-se a proposta dessa intervenção no âmbito de uma corporação da polícia militar em uma cidade do Sul do país. O trabalho da Psicologia voltou-se primeiramente, para a observação participante com o intuito de melhor compreender o contexto dos policiais militares. Com base no contato prévio entre a instituição e a universidade, foi desenvolvida uma proposta de intervenção juntos aos policiais militares desse espaço, composta de encontros supervisionados, mediante dinâmicas de grupo para aprofundar aspectos da profissão exercida pelos profissionais em exercício.
Salienta-se que, a necessidade da intervenção também se faz presente pela escassez de trabalhos que demonstrem a atuação do profissional de Psicologia com esses profissionais (Moreira, & Branco, 2016). Desse modo, colaborar na co-construção de espaços de trabalhos junto a esse público são possibilidades que ratificam os princípios do código de ética profissional relacionado a importância de desenvolver ações pautadas no acolhimento do sofrimento humano em contextos variados.
O presente trabalho fundamenta-se na perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner (1999, 2005). Esse autor propõe um modelo de compreensão das interações humanas denominado modelo PPCT (Processos proximais, pessoa, tempo, e contexto). O desenvolvimento do sujeito acontece por meio de interações recíprocas entre o ambiente mais próximo - microssistema (por exemplo, a família) até o mais distante - macrossocial (cultura, política, valores), sendo que as mudanças que acontecem em cada um desses sistemas afetam o desenvolvimento do sujeito. Por conseguinte, o objetivo da intervenção realizada consistiu em contribuir para o fortalecimento da saúde do trabalhador policial militar em exercício de uma cidade do sul do país.
Método
Sujeitos
Participaram do trabalho, policiais militares de uma cidade situada no Sul do país. A caracterização dos participantes contemplou: um soldado de primeira classe (n=1); soldados de segunda classe (n=2) e cabo da polícia militar (n=1). Destes, três eram do sexo masculino e uma do sexo feminino. Os participantes apresentavam idade de 26 a 32 anos (n=3); e idade de 33 a 39 anos (n=1). Os policiais militares participaram de atividades em grupo, composta de cinco encontros que ocorriam semanalmente na sede da corporação.
Contexto do estudo
O local de realização do trabalho foi junto a um Batalhão da Polícia Militar de uma cidade localizada no Sul do país. A corporação conta com aproximadamente 90 policiais militares em exercício. O local é administrado diretamente pela Política Militar do Estado.
Procedimentos
A intervenção foi pautada em três etapas: (1) observação participante, (2) entrevistas semiestruturadas; e (3) realização de grupos com utilização de dinâmicas grupais. Ressalta-se que os cuidados éticos, especialmente quanto ao sigilo profissional e conduta respeitosa balizada pelos princípios do Código de Ética Profissional do Psicólogo (CRP) foram seguidos, em todas as etapas da intervenção de estágio; o qual obteve aprovação para a sua implementação (UNIFEBE, 2016).
A observação participante refere-se a uma técnica em que o observador considera o que as pessoas dizem seja pelo relato verbal, bem como pela escrita (Patton, 2002). Ela é pertinente quando previamente sistematizada – por meio de roteiro – conforme objetivos da pesquisa (Queiroz, Wall, Alves e Souza, & Vieira, 2007). A técnica possibilita a interação do pesquisador com o meio, propiciando uma visão mais detalhada da realidade. O observador colocase na posição dos observados, ao inserir-se no campo de pesquisa como se fosse um deles. Assim, terá mais condições de compreender os hábitos, atitudes, interesses, relações pessoais e características de funcionamento de um grupo (Bardin, 1997). Ressalta- se que a observação participante permite ao pesquisador apreender o máximo de conhecimento dinâmico sobre uma situação ou fenômeno (Minayo, & Deslandes, 1998). Apresenta como vantagens, o fato de possibilitar a obtenção de informações durante a ocorrência do fenômeno, além de garantir maior proximidade entre pesquisador e contexto pesquisado, e, vivência do evento no próprio lugar que ocorre (Proença, 2008). Salienta-se que a observação participante ocorreu no contexto citado dentro do período de dois meses.
A entrevista semiestruturada se refere a uma técnica de coleta de dados que propõe uma conversação contínua entre informante e pesquisador, devendo ser dirigida por este último conforme seus objetivos de pesquisa (Queiroz, 1998). O entrevistador necessita ouvir de forma ativa a fala do entrevistado, demonstrando interesse ao exposto, além de realizar novos questionamentos, conforme as informações forem sendo apresentadas. Composto de um roteiro prévio, a entrevista semiestruturada apresenta geralmente questões abertas e fechadas (Manzini, 2004). Destaca-se que foram realizadas oito entrevistas, com base nas observações realizadas e no aporte da literatura a fim de compreender melhor os aspectos relacionados à saúde do trabalhador policial.
Com base nas informações obtidas pela observação participante e nas entrevistas semiestruradas, foi realizada uma roda de conversa com os policiais militares para o levantamento das expectativas em relação ao trabalho da Psicologia. Posteriormente, também foram acrescidas temáticas sugeridas pela estagiária de Psicologia, em conformidade com os objetivos do estágio e interesse dos participantes.Na sequência, procedeu-se com a elaboração da atividade grupal, sendo delineada a técnica de dinâmicas de grupo em cada encontro. Essas consistem num método oportuno para compartilhar conhecimentos e comunicar-se através do aspecto lúdico. Além disso, também possibilita que os participantes entrem em contato com sentimentos diversos de forma reflexiva, de modo que muitas ressignificações sejam elaboradas a partir da técnica (Teixeira, & Veloso, 2006). Os integrantes foram convidados a participar de cinco encontros, coordenados por uma estagiária de Psicologia e foram organizados em três etapas: (1) autoconhecimento e promoção da autoestima dos participantes; (2) trabalho em equipe; e (3) avaliação do processo. Salienta-se que antes da efetivação dos encontros, a estagiária de Psicologia estabeleceu um contrato grupal com os membros presentes, a fim de assegurar o cuidado ético e apontar o compromisso individual entre todos os integrantes (Santos, Lizete, Munari, Peixoto, Silva, Ferreira, & Nogueira, 2012). Na primeira etapa foram aplicadas as seguintes dinâmicas: (1) Linha do tempo - utilizada nos trabalhos de Tad James e Wyatt Woodsmall a partir de 1985, é uma linha com uma flecha para à esquerda (indicado passado) e flecha para à direita (indicando o futuro), visando produzir reflexões de forma integral em relação à profissão desenvolvida pelo participante (Terapia da linha do tempo, 2013). Tal técnica procura auxiliar o participante a perceber os fatos marcantes de sua profissão contribuindo para a compreensão do momento que vivencia, bem como possibilitando- o que pense em relação aos seus planos futuros relacionados à profissão.
(2) Esse brasão me define – os participantes são solicitados a desenhar em uma folha em branco um brasão com aspectos que os definem de forma individual. Terminada essa etapa, as folhas são mescladas pelo mediador do grupo, e cada participante pega uma folha de um colega não sabendo quem desenhou o brasão e responderá a questões como: (a) o que chama a atenção na atividade presente em suas mãos? (b) Quais sentimentos vieram quando você recebeu essa atividade? (c) O que você acha que o colega desejou representar? (d) Você sabe quem é o autor da atividade? Por quê? Essa técnica pode ser utilizada para trabalhar a autoestima dos profissionais, assim como promover suas atividades profissionais.
(3) Dividindo sentimentos – o objetivo é identificar as crenças relacionadas à atuação do profissional e trabalhar com possíveis aspectos negativos que emergirem no cotidiano laboral. Nessa dinâmica os participantes recebem uma folha com algumas questões, sendo que devem respondê-las: (a) O que é mais importante no meu trabalho? (b) Liste os sentimentos e emoções indesejadas, que você sente, mas, faria de tudo para evitar; (c) O que precisa acontecer para você sentir essas emoções que citou? (d) Você avalia que algumas dessas crenças ou sentimentos podem comprometer seu rendimento em relação à sua função exercida? Se sim, o que você poderia fazer para melhorar? após concluída essa fase, todos os questionários são misturados e cada participante pega uma folha que não for a sua, sendo solicitado a apresentar as respostas do colega, além de refletir sobre o relato escrito, de modo conjunto com os integrantes do grupo.
Para a segunda etapa – trabalho em equipe – foram adotadas duas dinâmicas: "a bala" e "a linha".
(1) A bala: teve como objetivo principal aprimorar e motivar o trabalho em equipe entre os profissionais através do estímulo ao enfrentamento de desafios da profissão. Nesse caso, o mediador do grupo coloca sobre a mesa de cada participante uma bala, dizendo que eles podem abrir e chupar a bala, porém não poderão utilizar suas mãos para abrir a bala e a mesma não pode cair no chão. Explica-se que só será dada sequência ao trabalho, após todos terem conseguido abrir suas balas. A ideia é que os participantes consigam utilizar-se da ajuda dos colegas para abrirem sua bala. Com base nessa dinâmica procede-se a discussão em grupo do trabalho realizado.
(2) A linha: objetiva aprimorar e motivar o trabalho em equipe entre os profissionais através de suas perspectivas para o enfrentamento de desafios e dificuldades. Os participantes são solicitados a ficarem alinhados um ao lado do outro em cima de um banco. A mediadora solicita desafios aos participantes, como: organizarem-se em ordem alfabética conforme a primeira letra dos uniformes militares, sendo que não podem colocar os pés e nem sentar no chão. As seguintes perguntas são propostas aos participantes: (a) Que dificuldades você encontrou para a realização da tarefa? (b) O que achou da tarefa? (c) Acredita que para chegar onde você está hoje, como profissional, teve que passar por dificuldades? Como você percebe o apoio mútuo em sua equipe de trabalho?
Na última etapa da intervenção, foi realizada a dinâmica de fechamento denominada: (1) Espaço, a qual visa propiciar um clima de despedida fraternal entre os participantes com reflexões acerca das diferentes funções que os colegas ocupam no ambiente de trabalho. Primeiramente, forma-se um grande círculo e solicita-se a um dos participantes para se colocar no centro como se fosse uma estátua. A mediadora solicita que outro participante se posicione próximo ao primeiro e tente preencher os espaços deixados pelo primeiro, sem encostar no corpo do colega, também como se fosse uma estátua. Assim, sucessivamente os demais participantes são solicitados a se posicionar buscando preencher espaços vazios e ficando em formato de estátua. Para os participantes é perguntado: onde termina o seu espaço? Ao final forma-se um círculo conduzindo-se uma reflexão sobre o espaço de cada um nas atividades laborais. É importante ressaltar que durante a realização de cada encontro foram realizados relatos orais e escritos, os quais eram registrados em um diário de campo, contendo apontamentos gerais dos participantes. Para tanto, serão destacadas vinhetas que contenham tais relatos, para fi ns de ilustração e discussão teórica, posteriormente. Com o intuito de preservar a identidade dos participantes, os nomes dos mesmos são fi ctícios, conforme preconizado nos preceitos éticos da Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados
Em relação à caracterização dos participantes, três eram homens e apenas uma participante era do sexo feminino. Aponta-se que somente quatro policiais participaram da intervenção, pois o horário disponível para o estágio coincidiu com os horários de trabalhos externos dos policiais militares. Além disso, seria a primeira vez que o campo de estágio firmou uma parceria com a universidade para explorar os objetivos elencados.
No que tange aos encontros realizados, esses foram organizados conforme as informações coletadas na observação participante, bem como nos dados obtidos por meio das entrevistas semiestruturadas realizadas. De posse de tais informações, foram delimitados encontros temáticos com a utilização de dinâmicas de grupo; os quais aconteceram entre os meses de abril a junho de 2016 na sede da corporação e tiveram duração de aproximadamente 1:30h cada. Os temas e técnicas utilizadas por encontro foram descritas na Figura 1.
Destaca-se que, os temas dos encontros foram organizados de modo a refl etir sobre aspectos do autoconhecimento dos participantes e autoestima, trabalho em equipe e, por fi m, a avaliação do trabalho realizado. Foram apresentados e discutidos temas relacionados à saúde do trabalhador policial, para que os mesmos refl etissem e pudessem pensar sobre os signifi cados, expectativas e possibilidades de seu fazer profi ssional e efeitos em sua saúde. Desse modo, é descrito cada módulo de intervenção realizado.
Autoconhecimento e promoção da autoestima dos participantes
A primeira etapa do trabalho em grupo explorou aspectos relacionados ao autoconhecimento e promoção da autoestima dos policiais militares. Essa etapa consistiu em três encontros que foram organizados com o intuito dos participantes, primeiramente, refl etirem acerca de si próprios para depois pensarem em relação aos aspectos coletivos do seu trabalho.
O primeiro encontro explorou a compreensão da imagem profissional de cada participante em torno de si e a satisfação com o trabalho. Em relação a esse aspecto, um dos participantes comentou: "[...] desde que comecei meu trabalho aqui não percebi nenhuma diferença em minha vida. Acho que meu trabalho é igual a qualquer outro. Tem regras, mas isso toda a profi ssão tem" (Fernando). No entanto tal visão, a respeito da profi ssão, é descrita por outro participante de forma diferenciada, conforme mencionado: "desde o início da minha atuação, em função do trabalho, me sentia com uma postura mais séria e rígida, nada me deixava sensível ou me fazia rir" (Paulo).
Os depoimentos citados indicam percepções diferentes em relação ao mesmo campo de trabalho. Nota-se, principalmente no segundo depoimento, a indicação da rigidez e disciplina recebida e aplicada no exercício da profissão. Espera-se da atuação do policial, características e comportamentos mais sérios com poucas demonstrações de emoções nas atividades e ações desenvolvidas diariamente.
No entanto, o comportamento mais sério e rígido parece abrir espaço quando esses profissionais se inserem em outros contextos. O relato dos participantes apontam para a flexibilização da postura profissional ao atuarem como professores do Programa Educacional de Resistência as Drogas e a violência (PROERD). Esse fato pode ser verificado na fala de Paulo:
Eu passei a me comportar de outra maneira quando comecei a ser professor do PROERD. Algo aconteceu, não podia agir da mesma maneira. Estava ali para ensinar e não para coibir comportamentos. Assim acho que minha atuação passou a ser mais humanizada, e passei a ver as coisas e pessoas com outros olhos. As crianças me despertaram para isso.
O trabalho junto ao PROERD parece ter gerado um novo efeito no trabalho dos profissionais policiais. Outra postura é exigida desses profissionais, uma vez que passam a ensinar. Fernando comenta "acho que o que mudou minha forma de ver meu trabalho foi quando eu entrei para o PROERD. Acho que amoleci, sabe. Aquelas crianças ali querendo saber, te olhando, fazendo perguntas. Não sei, mas acho que teve uma mudança em mim (...). É um outro jeito de me relacionar" (Fernando).
A reflexão sobre as mudanças geradas pelo trabalho desenvolvido com crianças no projeto PROERD trouxeram reflexões para a própria autoestima dos policiais. Tal aspecto é refletido no discurso de um dos participantes quando diz:
Olha, antes de eu entrar no Proerd eu via minha profissão de outra maneira. Somos preparados para sermos focados e atentos o tempo todo. Isso me deixada bastante apreensiva. Ficava muito estressada, após um dia de trabalho diante das coisas que precisava dar conta. Confesso que estar como professora do PROERD foi muito bacana. Pude colocar em prática vários ensinamentos que aprendemos e ajudar as crianças a pensar sobre aquilo. É um trabalho de prevenção sabe. Eles perguntam. É diferente" (Cristina).
Identifica-se, desse modo, a presença de novas demandas para a atuação dos policiais militares. Essas demandas implicam em mudanças de posturas dos mesmos, haja vista que o trabalho a ser realizado possui outro objetivo e um novo público. De todo modo, há presença nos discursos de uma mudança na postura de forma individual. Não são mencionados treinamentos ou formações no âmbito da instituição para que os profissionais se apropriem do papel que irão desenvolver. Há uma empatia desses profissionais com a receptividade que visualizam no trabalho com as crianças. Os participantes "aparentam" sentirem-se mexidos e empolgados com o trabalho realizado por meio do programa citado, o que reflete as mudanças nas funções que a própria profissão requer frente aos desafios cotidianos.
No segundo encontro realizado, buscou-se promover o autoconhecimento e autoestima dos participantes. Constatou-se que os profissionais se percebem de diferentes maneiras. Os desenhos realizados pelos participantes indicam que se veem protegendo pessoas e crianças (Paulo). Também, demonstram que entendem seu trabalho como: libertador, uma vez que apresenta flexibilidade de horários e não estando sempre fixos no mesmo lugar (Fernando). Assim, como podem realizar transformações na vida de pessoas e crianças (Cristina). Os mesmos mencionam buscar forças para seguir a profissão com seus familiares e colegas de trabalho. Apontam para o compromisso que sentem ter com a sociedade, e que isso os fazem persistir e continuar aprimorando-se. Em relação ao terceiro encontro, objetivou-se refletir sobre os aspectos positivos frente às dificuldades encontradas no ambiente de trabalho. Referentes aos pontos fundamentais da atuação profissional foram elencados, pelos participantes: "ética, honestidade, humildade, amizade (Fernando)/ estabilidade financeira, oportunidade de poder ajudar alguém, participação da formação de uma sociedade (Paulo)/ comprometimento, discrição e responsabilidade (Lauro)/ manter as pessoas seguras, relacionamento com as pessoas e voltar para casa com o dever cumprido" (Cristina).
Outro aspecto abordado no encontro corresponde aos sentimentos e emoções presentes em seu ambiente de trabalho, e o que poderiam fazer de diferente ante aos eventos indesejados. São mencionados alguns sentimentos e sensações presentes ao relacionar com o ambiente de trabalho: "Dor de cabeça (Fernando)/ Decepção (Paulo)/ sentimento de falta de expectativas de melhoria na carreira e descrença de mudança no futuro (Lauro)/ raiva, culpa, tristeza e injustiça" (Cristiane).
Em relação às crenças que cada um atribui à desmotivação e sentimentos indesejados, os participantes apontam fatores diversos, tais como: "a desvalorização da honestidade perante a corporação e de acreditar pouco em si mesmo (Fernando)/ as negações e reprovações constantes de respostas dos serviços que prestam (Lauro)/ as falhas que ocorrem na instituição como um todo, em relação aos trabalhos realizados seja pelos comandantes seja pelos comandados (Paulo)/ morte ou algum crime grave não solucionado e falta de respeito" (Cristina).
Salienta-se que os profissionais participantes do grupo abordam aspectos significativos sobre seu papel profissional e em relação à profissão em si. Apontam a formação rígida que receberam e a flexibilização que precisam realizar quando estão em contextos como o escolar. Comentam da importância da realização do trabalho e dos estresses enfrentados, sejam ligados ao próprio trabalho (mortes e crimes), bem como em relação à valorização da própria profissão por outras instituições. Tais aspectos são demonstrados das mais variadas formas por eles, sejam nas dores de cabeça, na decepção, na falta de expectativa que impactam de forma negativa em sua realização, autoestima no trabalho e consequentemente em sua saúde.
Trabalho em Equipe
O módulo do trabalho em equipe foi abordado no quarto encontro. As dinâmicas propostas - a Bala e a Linha, favoreceram o desenvolvimento dos propósitos pensados para esse momento do grupo. Observou-se que todos os participantes realizaram a dinâmica sem hesitar o pedido de ajuda ao colega; uma vez que somente desse modo, foi possível a conclusão da atividade com êxito.
Após a realização das dinâmicas, o grupo demonstrou o apreço pelo trabalho coletivo ao mencionarem discursos, do tipo: "(sobre o trabalho diário) ... dependemos uns dos outros para o êxito de nossas metas; para isso precisamos deixar o constrangimento de lado nessa profissão e pedir ajuda quando precisarmos". Pode-se perceber no relato que a hierarquia, quando no campo de trabalho, acaba sendo horizontalizada uma vez que, "todos precisam de todos para realizar o trabalho". Constatou-se que os participantes tiveram facilidade em realizar as dinâmicas propostas e em articular com a discussão pretendida. Um dos aspectos que justifica esse engajamento coletivo se refere aos princípios vinculados à formação e ao exercício da profissão de policial. Isso pode ser considerado como fator de proteção à saúde desses participantes, já que uma das funções do grupo é estabelecer o senso e garantir recursos de enfrentamento às dificuldades.
Avaliação do processo
No último encontro foram repassados os temas trabalhados nos anteriores. Também houve uma retomada da participação dos policiais militares em relação aos aspectos abordados por eles, conforme as dinâmicas realizadas. Na avaliação dos participantes, os encontros foram positivos e facilitaram a aproximação entre eles.
Contudo, alguns aspectos foram mencionados pelos participantes que poderiam ser melhores explorados durante o trabalho realizado, tais como: maior enfoque na saúde dos profissionais. Constatou- se ser um aspecto preocupante entre os profissionais da instituição e que precisa de mais investimento e espaços de trocas entre os profissionais, a fim de contribuir para o alívio e melhoramento de sua saúde psíquica.
Discussão
A profissão de policial militar envolve bastante estresse, em função da complexidade das atividades realizadas. A formação rígida e as demandas que constantemente os policiais precisam atender impactam em sua saúde física e emocional, afetando suas relações e qualidade de vida no trabalho. No que diz respeito ao estudo realizado, constatou-se certa insatisfação, de modo geral, no exercício da profissão, ao mesmo tempo que a inserção em contextos como o PROERD, despertaram neles novas reflexões e possibilidades de efetividade do trabalho.
No discurso dos participantes, referente à imagem que esses têm da profissão, identifica-se a presença da disciplina e rigidez. É como se o policial militar se condicionasse a viver um trabalho permeado pela violência, brutalidade e risco de morte iminente, além da elevada sobrecarga de trabalho e o controle excessivo das ações que realiza (Gonçalves, Veiga, & Rodrigues, 2012). No entanto, o policial trabalha também na interação direta com a sociedade, o que amplia esse campo de atuação (Moreira, & Branco, 2016). Identifica-se, nos relatos dos profissionais, surpresa e satisfação com o trabalho quando trabalham com crianças em projetos, como o PROERD; como exemplo, relatam que sua postura profissional, relação e o cuidado na atuação, são modificados. Essas mudanças verificadas na atuação profissional foram possíveis em função das interações face a face, conforme preconizadas pelo modelo bioecológico de desenvolvimento humano. As atividades, papéis e interações que foram experimentados pelos policiais militares em seu contexto mais imediato, proporcionaram novas relações interpessoais (Bronfenbrenner, & Morris, 1998). Nesse âmbito educativo, os policiais investem na promoção de comportamentos assertivos e de prevenção às drogas, o que propicia novas aprendizagens e reflexões; dessa forma, sustentam que esse tipo de atuação traz maior satisfação e diminui o grau de estresse que vivenciam nas demais práticas policiais. Em relação às crenças dos profissionais sobre a profissão alguns aspectos podem ser considerados. Chama atenção a ideia de estabilidade financeira abordada por um dos participantes. Em estudo realizado por Albuquerque e Machado (2001), os pesquisadores constataram entre os jovens ingressantes no curso preparatório para policial miliar, que a ascensão profissional era um fator fortemente mencionado pelos jovens ingressantes. A maioria deles era proveniente de famílias que não dispunham de condições financeiras para sustentá- los em seus estudos, bem como seus genitores possuíam baixa escolaridade. Desse modo, viam na carreira pública, fonte de estabilidade e sucesso profissional.
No que tange aos sentimentos e emoções presentes no trabalho dos profissionais ouvidos, esses elencaram: a desvalorização da honestidade, a reprovação pelos serviços prestados, a exposição às falhas, as quais sejam cometidas por eles ou por seus superiores, além da vivência de riscos, como a exposição à morte e ao respeito para com a profissão. Todos esses sentimentos e emoções acarretam sofrimento psíquico nos policiais que afetam o desenvolvimento de seu trabalho. No que se refere à relação com os seus superiores, o estudo de Taylor & Bennel (2006) mencionou que os policiais classificaram os estressores organizacionais (atividades no espaço corporativo) como mais prejudiciais do que os estressores policiais inerentes (funções relacionadas ao trabalho fora da corporação).
Já nos trabalhos realizados por Hartley, Burchfiel, Fekedulegn, Andrew, Knox, e Violanti (2011), os resultados apontaram que os superiores (oficiais) indicavam como mais estressor, em seu trabalho, a relação com a equipe quando comparado com os estressores organizacionais que precisavam lidar. Pode-se perceber nesses estudos, que a vivência do estresse deve ser considerada com base do olhar dos policiais e seu cargo. Compreende-se que o fazer policial constrói-se nas relações recíprocas com o meio. Desse modo, no contexto estudado, os sentimentos e emoções pessoais relatados demonstram reflexos do contexto de trabalho experimentado por esses profissionais (Benetti, Vieira, Crepaldi, & Schneider, 2013).
Indica-se que os profissionais participantes do grupo realizado, questionam seu trabalho e refletem sobre a significação do mesmo, pois reconhecem realizá-lo sob precárias condições. Alguns relatos demonstram emoções e sentimentos de decepção, falta de expectativa, raiva, culpa, tristeza e injustiça. Tal cenário de descontentamento pode indicar um desgaste psíquico – amplamente estudado com fonte de sofrimento mental, o que não se relaciona a um evento isolado, mas a uma exposição contínua e sem perspectivas de mudança frente aos estressores (Ferreira, Bonfim, & Augusto, 2012)
Compreende-se que, investir em espaços de trocas coletivas para os policiais militares representa contribuir com a promoção de saúde, como também em segurança pública de qualidade. Atentar aos impactos do trabalho na subjetividade desses profissionais ao fomentar momentos de reflexão coletiva, possibilita aos mesmos criar novas estratégias para enfrentarem os desafios vivenciados diariamente. Desse modo, o profissional da Psicologia apresenta um papel primordial junto a esse público, pois contribui no processo de significação laboral dos profissionais; o que estimula o fortalecimento da rede entre eles, além das trocas compartilhadas para os desafios cotidianos, o que certamente poderá trazer benefícios à condição integral de saúde dos participantes.
Entende-se que o trabalho proposto pela Psicologia teve uma boa repercussão nos integrantes do grupo realizado. A participação desses foi efetiva, bem como as discussões e reflexões em torno das temáticas propostas, conforme a própria avaliação que realizaram no último encontro. Foi um espaço novo, com possibilidade conjunta de refletirem sobre seu trabalho num âmbito individual e coletivo. Houve trocas de experiências, as quais permitiram o exercício da empatia ao perceber que todos passam por dificuldades na relação do trabalho diário. As angústias relatadas quanto ao desejo profissional e as expectativas frustradas, frente ao trabalho real e com as condições possíveis de ser desempenhado, integraram discussões importantes, as quais se constituíram como norteadores e indicativos para o disparo na saúde física e emocional dos profissionais. Entende-se, desse modo, que trabalhos como esse têm potencial e precisam de continuidade para acolher os sofrimentos e estresses enfrentados pelos policiais em seu trabalho diariamente.
Considerações finais
Entende-se que muitos trabalhos são potenciais geradores de sofrimento emocional e estresse. O trabalho do policial militar, em função da complexidade de suas atividades corresponde a uma dessas ocupações profissionais, cujo cuidado e atenção à saúde física e mental precisam ser constantes.
A formação rígida, alta disciplina, treinamentos extremos, trazem para a postura do profissional militar uma atuação mais séria em relação ao seu trabalho. No entanto, identificam-se, como na intervenção realizada, desgastes no desempenho de sua atuação. Isso pôde ser observado nos discursos dos profissionais, relacionados à falta de expectativa na profissão, desvalorização, atuação sob eventos estressores (como mortes e crimes). Desse modo, há a identificação de demandas voltadas ao acolhimento e suporte de dificuldades, experienciadas por esses profissionais em suas práticas diárias.
Nesse cenário, o trabalho da Psicologia pode contribuir tanto na reflexão das práticas desempenhadas, como no acolhimento das inquietações e sofrimentos. Através de uma escuta qualificada, seja de forma individual e / ou ações grupais com esses profissionais, pode-se desenvolver novas parcerias co-construídas para a promoção da saúde do policial militar.
Compreende-se que o trabalho realizado atingiu o objetivo inicial delimitado, pois fomentou um espaço coletivo de escuta e diálogos sobre temáticas presentes, no cotidiano dos policiais militares. No entanto, algumas limitações podem ser visualizadas. Primeiramente, destacam-se o número reduzido de encontros realizados. Acredita-se que o trabalho em grupo poderia ser uma atividade permanente em contextos como o estudado, haja vista a contribuição para o fortalecimento pessoal e grupal dos participantes, em torno das temáticas vivenciadas na realização do trabalho. Também, sugere-se promover e divulgar esses espaços para que mais pessoas participem. Propiciar conversas individuais ou ainda, nas trocas com os superiores a respeito da importância dessa intervenção, poderá sensibilizar a instituição para que invista na saúde de sua equipe, o que acaba por refletir na própria dinâmica organizacional, em relação aos benefícios dessa prática para todos os envolvidos.
Os profissionais participantes do grupo, também professores do PROERD, foram unânimes em apontar caminhos como este, enquanto novas possibilidades de atuação mais humanizada e com maiores resultados, em relação à promoção da saúde e prevenção da violência. A interação com o público infantil promoveu outro manejo dos profissionais e uma maior sensibilização desses perante as relações e situações emergentes.
Por fim, torna-se evidente o quanto o trabalho de escuta desse grupo possibilitou compreender onde se encontra a satisfação e descontentamento dos policiais, em seu trabalho atual. Além disso, a experiência em diferentes âmbitos no desempenho do policial militar, como no caso do PROERD, deve ocupar um campo de atuação necessário, a fim de que o profissional desenvolva outras habilidades, além de combater a violência e a criminalidade diretamente. Nesse sentido, o exercício do policial está atrelado a pensar em novas e potentes estratégias de trabalho, que ampliem o olhar para a promoção e prevenção da violência. Acredita-se, esse ser um grande investimento, de modo que a Psicologia possa contribuir ao propor novas possibilidades de atuação voltadas para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, que considere e valorize as diferenças humanas desde o ensino nos anos iniciais.
REFERÊNCIAS
Albuquerque, C. L., & Machado, E. P. (2001). Sob o signo de Marte: modernização, ensino e ritos da instituição policial militar. Sociologias, 3(5), 214-239. [ Links ]
Almeida, D. M., Lopes, L. F. D., Costa, V. M. F., & Santos, R. C. T. (2018). Policiais Militares do Estado do RS: Relação entre Satisfação no Trabalho e Estresse Ocupacional. Administração Pública e Gestão Social, 10(1), 55-65. [ Links ]
Amador, F. S. (2000). Trabalho e saúde – considerações a respeito da categoria dos policiais militares. O Alferes, 15(52), 47-60. [ Links ]
Bardin, L. (1997). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. [ Links ]
Benetti, I. C., Vieira, M. L., Crepaldi, M. V., & Schneider, D. R. (2013). Fundamentos da teoria bioecológica de Urie Bronfenbrenner. Pensando Psicologia, 9(18),89-98. [ Links ]
Bronfenbrenner, U. (2005). Making human beings human: Bioecological perspectives on human development. Thousand Oaks, CA: Sage Publications, Inc. [ Links ]
Bronfenbrenner, U. (1999). Environments in developmental perspective: Theorical and operational models. In S. L. Friedmann & T. D. Wacks (Eds.), Measuring environment across the life span: Emerging methods and concepts (pp. 3 - 30). Washington, DC: American Psychological Association. [ Links ]
Bronfenbrenner, U., & Morris, P. A. (1998). The ecology of developmental processes. Em W. Damon, & R. M. Lerner (Orgs.), Handbook of child psychology. Theoretical models of human development (Vol. 1, 5a ed., pp. 993-1028). New York: John Wiley. [ Links ]
Calanzas, M. E. (2010). Resenha. Cadernos de Saúde Pública, 26(1), 206-211. [ Links ]
Carvalho, S. C. A., Carvalho, A. L., Lucena, S. C., Coelho, J. P. S., & Araújo, T. P. B. (2008). Associação entre bruxismo e stress em policiais militares. Revista Odonto Ciência, 23(2), 125-129. [ Links ]
Castro, M. C. D., & Cruz, R. M. (2015). Prevalência de Transtornos Mentais e Percepção de Suporte Familiar em Policiais Civis. Psicologia: Ciência e profissão, 35(2), 271-289. [ Links ]
Costa, M.; Júnior, H.; Maia, E. & Oliveira, J. (2007). Estresse: Diagnóstico dos policiais militares em uma cidade brasileira. Revista Panamericana de Salud Publica, 21, 217-222. [ Links ]
Couto, G., Brito, E. A. G., Vasconcelos-Silva, A., & Lucchese, R. (2012). Saúde mental do policial militar: Relações interpessoais e estresse no exercício profissional. Psicologia Argumento, 30(68), 185-194. [ Links ]
Dejours, C. (2007). A carga psíquica do trabalho. In: Dejours, C.; Abdoucheli, E.; Jayet, C. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da escola dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas. [ Links ]
Ferreira, D. K. S., Bonfim, C., & Augusto, L. G. S. (2012). Condições de Trabalho e Morbidade Referida de Policiais Militares, Recife-PE, Brasil. Saúde Soc., 21(4), 989-1000. [ Links ]
Ferreira, D. K. S., Bonfim, C., & Augusto, L. G. S. (2011). Fatores associados ao estilo de vida de policiais militares. Ciência & Saúde Coletiva, 16(8), 3403-3412. [ Links ]
Gonçalves, S. J. C., Veiga, A. J. S., & Rodrigues, L. M. S. (2012). Qualidade de Vida dos Policiais Militares que atuam na Área da 2ª CIA do 10° Batalhão Militar. Revista Fluminense de Extensão Universitária, 2(2), 53-76. [ Links ]
Hartley, T. A., Burchfiel, C. M., Fekedulegn, D., Andrew, M. E., Knox, S. S., & Violanti, J. M. (2011). Association between police officer stress and the metabolic syndrome. International Journal of Emergency Mental Health, 13(4), 243–256. [ Links ]
Hartley, T. A., Violanti, J. M., Mnatsakanova, A., Andrew, M. E., & Burchfiel, C. M. (2013). Military Experience and Levels of Stress and Coping in Police Officers. Int J Emerg Ment Health, 15(4), 229–239. [ Links ]
Lipp, M. N., Pereira, M. B., & Sadir, M. A. (2005). Crenças irracionais como fontes internas de stress emocional. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 1(1), 29-34. [ Links ]
Macedo, J. W. L., & Silva, A. B. (2018). Afastamentos do Trabalho no Brasil por Transtornos Mentais e Comportamentais (TMC): o que revelam os números da Previdência Social? Métodos e Pesquisa em Administração, 3(1), 39-49. [ Links ]
Manzini, E. J. (2004). Entrevista: definição e classificação. Marília: Unesp. [ Links ]
Minayo, M. C. S., & Deslandes, S. F. (1998). A complexidade das relações entre drogas, álcool e violência. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 14(1), 35-42. [ Links ]
Minayo, M. C. S. & Souza, E. R. (2003). Missão investigar – Entre o ideal e a realidade de ser policial. Rio de Janeiro: Garamond. [ Links ]
Moreira, S. L., & Branco, A. M. C. U. (2016). Processo de socialização e promoção da Cultura de Paz na perspectiva de policiais militares. Estudos de Psicologia, 33(3), 553-563. [ Links ]
Nunez-Pumariega, Y., & Castel-Schlindwein, V. L. (2018). Envelheci no trabalho de tanto estresse": um estudo de caso sobre estresse e sobrecarga no trabalho. Olimpia: Revista de la Facultad de Cultura Física de la Universidad de Granma, 15(47), 103-116. [ Links ]
Oliveira, K. L., & Santos, L. M. (2010). Percepção da saúde mental em policiais militares da força tática e de rua. Sociologias, 12(25), 224-250. [ Links ]
Oliveira, P. L. M., & Bardagi, M. P. (2010). Estresse e comprometimento com a carreira em policiais militares. Boletim de Psicologia, 59(131), 153-166. [ Links ]
Patton, M. Q. (2002). Qualitative research and evaluation methods. 3rd ed. Thousand Oaks, Califórnia: Sage Publications. [ Links ]
Paula, J. B., Azevedo, S F., Lopes, A. P., &, Fermoseli, A. F. O. (2018). Incidência de transtornos mentais em servidores públicos: implicações na qualidade de vida do trabalhador. Revista Brasileira de Qualidade de Vida, 10(1), 1-22. [ Links ]
Proença, W. L. (2008). O método da observação participante. Revista Antropos, 2(1), 8-31. [ Links ]
Queiroz, M. I. P. (1998). Relatos orais: do "indizível" ao "dizível". In: VON SIMSON, O. M. (org. e intr.). Experimentos com histórias de vida (Itália-Brasil). São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, Enciclopédia Aberta de Ciências Sociais, 5, 68-80. [ Links ]
Queiroz, D. T., Wall, J., Alves e Souza, A. M., & Vieira, N. F. C. (2007). Observação participante na pesquisa qualitativa: conceitos e aplicações na área da saúde. Revista de Enfermagem, 15(2), 276-283. [ Links ]
Resende, M. A., & Cavazza, I. E. C. (2002). O policial militar e a violência: de agente a vítima. Revista de Psicologia: Saúde Mental e Segurança Pública, Belo Horizonte, 2, 51-56. [ Links ]
Santana; A. M.C., Gomes, J. K. V., Marchi, D., Girondoli, Y. M., Rosado, L. E. F. P. L; Rosado, G. P., & Andrade, I. M. (2012). Ocuppational stress, working condition and nutrional status of military police officers. Work, 41, 2908-2914. [ Links ]
Santos, L. F., Lizete, M. A. C. O., Munari, D. B., Peixoto M. K. A. V., Silva, C. C., Ferreira, A. C. M., & Nogueira, A. L. G. (2012). Grupo de suporte como estratégia para assistência de enfermagem à família de recém-nascidos hospitalizados. Revista Eletrônica de Enfermagem, 14 (1), 42-49. [ Links ]
Silva, F. C., Hernandez, S. S. S., Gonçalves, E., Castro, T. L. S., Arancibia, B. A. V., & Silva, R. (2014). Qualidade de vida de policiais: uma revisão sistemática de estudos observacionais. Revista Cubana de Medicina Militar, 43(3), 341-451. [ Links ]
Souza, E. R., Minayo, M. C. S., Guimaraes e Silva, J., & Pires, T. O. (2012). Fatores associados ao sofrimento psíquico de policiais militares da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 28(7):1297-1311. [ Links ]
Souza, L. A. F. (2013). Dispositivo militarizado da segurança pública: tendências recentes e problemas no Brasil. Revista Sociedade e Estado, 30(1), 207-223. [ Links ]
Valsiner, J. (2012). Fundamentos de Psicologia Cultural: mundos da mente, mundos da vida. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Taylor, A., & Bennell, C. (2006). Operational and organizational police stress in an Ontario Police Department: A descriptive study. Canadian Journal of Police and Security Services, 4, 223–234. [ Links ]
Teixeira, E. R., & Veloso, R. C. (2006). O grupo em sala de espera: território de práticas e representações em saúde. Texto Contexto Enferm, 15(2), 320-5. [ Links ]
Terapia da Linha do Tempo (2013). Disponível em <http://www.terapiadalinhadotempo.net/que-e-a-tlt/>. Acesso em 08 Jul. 2018. [ Links ] UNIFEBE – Centro Universitário de Brusque (2016). Regulamento do estágio curricular supervisionado do curso de Psicologia. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Psicologia. UNIFEBE, 11 p. [ Links ]
Zilli, L. F., & Couto, V. A. (2017). Servir e proteger: determinantes da avaliação pública sobre a qualidade do trabalho das Polícias Militares no Brasil. Revista Sociedade e Estado, 32(3), 681-700. [ Links ]
Recebido: 16/08/2018
Revisado: 18/06/2018
Aprovado: 20/11/2019
1 1Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Brusque (UNIFEBE), Brusque (SC), Brasil. Endereço: Rua Expedicionário Germano Schlindwein, n. 171, Bairro: Guabiruba Sul, Guabiruba/SC. CEP: 88360 000. Telefone: (47) 9746-2000. Email: daniortocentro@unifebe.edu.br., ORCID 0000-0003-1397-5053.
2 Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis (SC), Brasil. Endereço: Rua 1201, n.120, apto 903 - Res. Denise, Centro - Balneário Camboriú/SC. CEP: 88330-792. Telefone: (47) 9746-2000. E-mail: anapaulabecker.psicologia@gmail.com, ORCID 0000-0002-9278-437X.
3 Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis (SC), Brasil. Endereço: Rua Luis Oscar de Carvalho, 75, Bloco A6, apto 34, Bairro: Trindade, Florianópolis /SC, CEP: 88046-400. Telefone: (48)996358980. E-mail: lucianeguisso@yahoo.com. br, ORCID 0000-0002-4846-319X.