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Boletim - Academia Paulista de Psicologia
versión impresa ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.42 no.102 São Paulo ene./jun. 2022
I. TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO
Mudanças e percepções na vida de idosos com deficiência adquirida
Changes and perceptions on elderly's lives with acquired disability
Cambios y percepciones en la vida de ancianos con discapacidad adquirida
Ana Paula Machado BonoraI; Lúcia Pereira LeiteII
IMestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pela Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista - UNESP, Bauru - São Paulo. E-mail: anapaula.machadob@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6192-0738
IIProfessora Associada do Departamento de Psicologia e Programa de Pós-graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista - UNESP, Bauru - São Paulo. Bolsista Pq -CNPq (Proc. 310524/2020-2. E-mail: lucia.leite@unesp.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2401-926X
RESUMO
Envelhecer é uma fase da vida o qual o corpo pode passar por declínios funcionais, em decorrência do aumento da idade, e estes declínios podem desencadear uma deficiência adquirida. Com isso em mente, considera-se que a junção entre envelhecer e adquirir uma deficiência, possa afetar e mudar em diversos aspectos a vida de um indivíduo. A associação entre envelhecimento e deficiência adquirida torna o enfrentamento e a superação muito mais complexa, pois a mesma pode levar à novas limitações nas capacidades funcionais e nas realizações das atividades antes comuns e adaptadas ao mesmo. Com este ponto de partida, esta pesquisa teve como objetivo investigar as principais mudança na vida de idosos com deficiência adquirida após os 60 anos. Os dados foram coletados junto aos pacientes de um Centro Especializado em Reabilitação Física no município de Bauru, São Paulo. Trata-se de uma pesquisa qualitativa cujo instrumento de coleta utilizado foi a entrevista aberta, além de um questionário sociodemográfico e um questionário para obter informações sobre a deficiência. Os dados foram analisados com a utilização de um Software específico para pesquisas qualitativas e pela análise de conteúdo temática. Os resultados indicam situações negativas na aquisição de uma deficiência pelos idosos que foram atenuados por conta de suportes sociais, psicológicos e assistenciais. Constatou-se que, para os participantes, a deficiência era entendida por meio de um viés biológico, sem considerar a influência social em relação a mesma.
Palavras-chave: envelhecimento; pessoa com deficiência; Psicologia.
ABSTRACT
Growing old is a part of life in which the body may experience functional decline, due to aging, which may trigger an acquired disability. With that in mind, it's considered that aging along with acquiring a disability may affect and change multiple aspects of an individual's life. The association between aging and acquired disability makes the process of coping and overcoming far more complex, because it can lead to new limitations in the functional capabilities and maintenance of activities once common and well adapted to the individual. With this starting point set, the goal of this research was to investigate the main changes in the lives of elderly people above the age of 60 with acquired disability. The data were collected along with the patients of a Specialized Center of Physical Rehabilitation in the city of Bauru, Sao Paulo. It is a qualitative research with sampling instruments consisting of an open interview, as well as a sociodemographic questionnaire and another one aiming to obtain information about the disability. The collected data were analyzed through a software specific for qualitative research and through a thematic content analysis. The results indicate negative situations in the process of elderly people acquiring a disability, which were attenuated due to social, psychological and assistance support. It was found that the disability was understood through a biological bias by the participants, with no regard to its social influence.
Keywords: aging; person with disability; Psychology.
RESUMEN
Envejecer es una fase de la vida por la cual el cuerpo puede pasar por disminución de sus funciones como consecuencia del aumento de la edad, y estas declinaciones pueden iniciar una discapacidad adquirida. Con esto en mente, se considera que la unión entre envejecer y adquirir una discapacidad, puede afectar y cambiar en diversos aspectos la vida de un individuo. La asociación entre envejecer y la discapacidad adquirida hace su afrontamiento y superación mucho más compleja, pues la misma puede traer nuevas limitaciones en las capacidades funcionales y en las realizaciones de las actividades antes comunes y adaptadas. Con este punto de partida, esta pesquisa tuvo como objetivo, investigar los principales cambios en la vida de personas mayores con discapacidad adquirida después de los sesenta años. Los datos fueron recogidos junto a los pacientes de un Centro Especializado en Rehabilitación Física en la ciudad de Bauru, São Paulo. Se trata de una investigación cualitativa cuyo instrumento de colecta usado fuel a entrevista abierta, además de un cuestionario socio-demográfico y un cuestionario para obtener informaciones sobre la discapacidad. Los datos fueron analizados con la utilización del Software específico para investigaciones cualitativas y por el análisis del contenido temático. Los resultados indican situaciones negativas en la adquisición de una deficiencia por las personas mayores que fueron atenuados por contar con apoyo social, psicológico y asistencial. Se encontró que, para los participantes, la discapacidad era entendida a través de un sesgo biológico sin considerar la influencia social en relación a la misma.
Palabras clave: envejecimiento; persona con discapacidad; Psicología.
Introdução
O aumento da população idosa cresceu no Brasil. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018), o número de idosos correspondia a 10% da população brasileira em 2010, podendo dobrar para 20% até 2033, um total de aproximadamente 46 milhões de pessoas. A velhice é considerada uma fase complexa e abrangente, portanto faz-se necessário levar em conta quais são os elementos que a caracterizam, pois podem ocorrer alterações a nível biopsicossociais, relacionados a fatores como: gênero, classe social, cultura e a saúde individual e coletiva, que por sua vez influenciam direta e indiretamente neste fenômeno. (Schneider & Irigaray, 2008). A psicologia, no que concerne ao processo de envelhecimento, pode explorar as diferenças intra e intersubjetivas que influenciam no envelhecer, como as mudanças afetivas e sociais do idoso, levando sempre em conta os valores e crenças de cada um, e os possíveis problemas que podem afetar o funcionamento psicológico destes indivíduos, recuperando assim seu bem-estar (Neri, 2004). Afinal, a velhice é vista como um processo progressivo, marcado por possíveis modificações funcionais e psicológicas, porém mais do que isso, o envelhecimento é influenciado pelo contexto histórico, os valores que agregam e o lugar que cabe ao idoso dentro da sociedade, que serão a base da construção do que entendemos por envelhecer e por velhice (Santos & Lima Junior, 2014). Pensando então no quão delicado e múltiplo é o processo de envelhecer, como será para o indivíduo se ele adquirir uma deficiência nesta fase da vida? Entendendo que a deficiência vai além de condições biológicas e é fortemente influenciada pelo comportamento que a sociedade terá com o sujeito que se encontra nessa condição, que nos dias atuais está atrelado à conceitos negativos que dificultam sua participação e desenvolvimento (Lopes, 2014). O envelhecer não está necessariamente atrelado ao adoecer ou a aquisição de uma deficiência, porém pode, em alguma medida, estar relacionado ao surgimento das mesmas, considerando que é acompanhado de vários declínios fisiológicos e funcionais, pois a incidência de deficiências aumenta à medida que o sujeito envelhece, mostrando a conexão e o impacto que a velhice pode ter em relação às deficiências (Resende, 2006). A deficiência é definida por meio de duas categorias, a deficiência primária e secundária. A primária se resume ao conceito biológico organicista, que entende a deficiência como algo decorrente de comprometimentos genéticos, lesões ou qualquer mudança corporal que acarrete um funcionamento diferente do organismo. Já a deficiência secundária diz respeito às dificuldades que este funcionamento diferente gera no convívio social desse sujeito, que corrobora com a ideia de que o fator biológico humano só é definido graças ao meio social. Entende-se, portanto, que as diferenciações no corpo biológico existem, porém é o fenômeno social que faz com que essas diferenciações se sobressaiam e alterem, podendo prejudicar, a vida deste indivíduo (Lopes et al., 2016)
A discriminação está presente no meio social tanto da pessoa com deficiência quanto do idoso. A partir do momento que estes dois aspectos se unem na mesma pessoa, são formuladas crenças, nela própria e na sociedade, de que tais são improdutivas e que as dificuldades e limitações para o desenvolvimento de suas atividades serão ainda maiores, acarretando em uma alteração na dinâmica social desse sujeito (Valença, 2017). Ademais, ao tratar-se de uma deficiência adquirida ao longo do curso da vida, a trajetória da pessoa e seus familiares muito provavelmente sofrerão mudanças e reestruturações em suas rotinas, hábitos e identidade, tratando-se de uma grande transformação de realidade para todos (Lopes & Leite, 2015; Lopes, 2014; Maia, 2006). Tal acometimento implica no desenvolvimento de mecanismos de ajustamento para que essa pessoa possa lidar com as possíveis alterações que ocorrerão neste processo e se adapte a elas, levando em conta os diversos aspectos, no campo da saúde, ocupacional, social e bem-estar físico e emocional. Dito de outro modo, é preciso compreender como a pessoa lida com os desafios de sua vida, identificando os aspectos positivos para envelhecer de maneira satisfatória, procurando estabelecer equilíbrio entre as suas capacidades e limitações adquiridas no percurso vital (Silva et al., 2012), ou seja, investigar fatores biológicos, sociais e psicológicos do idoso, que serão primordiais para identificar o quanto está preparada para lidar com a sua 'nova' existência (Neves & Chen, 2002).
Entende-se que a aquisição da deficiência, por si só, não está atrelada ao fato de que o sujeito deixe de viver de forma feliz e autônoma. Ao balancear os pontos referentes ao aceite da sua nova condição (pessoa com deficiência e idosa), a busca por relações interpessoais positivas e adequações no meio ambiente em que está inserido (Resende, 2006), pode-se encontrar meios que ajudem a lidar melhor com as subsequentes alterações físicas, sensoriais e/ ou comportamentais, bem como com a possíveis diferenciações sociais advindas dessa nova condição. Pautado nessas considerações, o estudo em tela objetivou investigar as principais mudanças na vida de idosos que adquirirem uma deficiência durante a velhice, ou seja, após os sessenta anos, demonstrando as suas implicações individuais e sociais.
Método
Local e participantes
A Pesquisa foi realizada em um Centro Especializado em Reabilitação CER III, de uma Organização Social não governamental de atenção integral à pessoa com deficiência, localizado em um município do oeste paulista. O CER III se caracteriza por prestar serviço de Reabilitação Especializado para deficiência Intelectual, Física e Visual, oferecendo serviços como Oficina Ortopédica, Avaliação Diagnóstica, entre outros. Os usuários que participaram da pesquisa foram encaminhados por meio de Hospitais Públicos do Município. Essa pesquisa garantiu os preceitos éticos, atendendo a resolução de pesquisa com seres humanos, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o registro CAAE: 92166418.1.0000.5398. Com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, pode-se dar início à pesquisa na Instituição. Os critérios de elegibilidade dos participantes foram: ser idoso, ter adquirido uma deficiência após os 60 anos, capacidade de fala e interesse e disponibilidade.
A capacidade de fala foi uma condição adotada, pois certas deficiências podem causar severo comprometimento na linguagem oral e neste caso não seria possível a obtenção dos dados, em função da natureza do estudo pautado no relato verbal. Portanto, ao consultar os usuários para participarem da pesquisa, chegou-se a um total de dez participantes, sendo cinco do gênero masculino e cinco do gênero feminino, com idade variando entre 60 e 80 anos.
As principais características dos participantes, estão destacadas no Quadro 1, que mostra o maior detalhamento a respeito destes sujeitos. Por questão de sigilo, todos os nomes são fictícios e começam com a letra I, para fazer referência ao termo Idoso.
Instrumentos e coleta de dados
Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo. Os Instrumentos de coleta de dados escolhidos foram: questionário sociodemográfico e questionário sobre a deficiência, ambos adaptados de Resende (2006); e a entrevista aberta. Neste tipo de entrevista, o pesquisador introduz o tema e o participante pode discorrer livremente sobre ele, se assemelhando a uma conversa informal. Para que ocorra da maneira mais livre possível, o pesquisador deve pouco interferir, assumindo o papel de ouvinte e falando apenas quando e se necessário (Batista et al, 2017). O primeiro contato com os participantes foi feito em uma visita ao CER III, o qual era explicado o objetivo da pesquisa, o que seria feito e os convidava a participar. Os idosos que aceitaram participar manifestaram aceite no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TCLE e foi combinado um dia para a coleta individual dos dados. Anterior ao momento da entrevista, a pesquisadora procurava conversar com o participante, para que o mesmo se sentisse confortável e pedindo permissão para gravar a conversa. Na sequência, apresentava a questão disparadora: "Gostaria que me contasse sobre a sua deficiência" e o participante estava livre para falar, sendo que a pesquisadora somente intervinha para retomar o foco no tema investigado. A questão disparadora deve sempre estar relacionada diretamente ao objetivo da pesquisa, não sendo nem muito geral e nem muito especifica (Fontanella et al, 2006), com o intuito de que a entrevista não fique muito fechada em certos pontos e ao mesmo tempo esteja aberta às questões que não tinham sido pensadas previamente pelo pesquisador. Na sequência, eram aplicados os questionários, cujas questões eram lidas e solicitado na sequência respostas orais, que eram gravadas. O sociodemográfico foi utilizado para se obter informações gerais sobre os participantes, como idade, estado civil, escolaridade, profissão, dentre outras. Já o específico à deficiência foi utilizado para se obter informações a respeito da mesma e para coletar informações que envolvam a percepção da pessoa perante sua própria condição. Continha perguntas relativas ao modo que a deficiência foi adquirida, se utiliza auxilio de tecnologia assistiva, como Cadeira de Rodas e de Banho, cadeira de Rodas motorizada, órteses ou próteses; e por fim, se considera sua deficiência leve, moderada ou grave. Tais informações são importantes para se obter um parâmetro de como o sujeito avalia sua própria deficiência. Associado a essas, haviam questões que investigavam como a pessoa sentia-se em relação a realização das atividades básicas e se precisava da ajuda de terceiros para desempenho das atividades de vida diária (AVD), como tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, andar, comer, levantar-se da cama e ter continências urinária e fecal (Rebouças et al, 2017)
Análise dos dados
Na análise dos dados, foi utilizada a análise de conteúdo temática proposta por Minayo (1989). A análise de conteúdo é composta por três etapas: a pré-análise, exploração do material e análise. A pré-análise consiste na separação dos itens que serão examinados, retomando as hipóteses e objetivos da pesquisa para auxiliar nas diretrizes que orientarão a elaboração dos resultados, lembrando que é importante que estas hipóteses iniciais sejam flexíveis para permitir a formação de novas ideias mediante os conteúdos emergentes derivados da coleta de dados. Neste momento se define quais serão os contextos abordados e auxiliará na categorização e codificação posterior (Minayo, 1989). O texto é recortado em unidades de registro, para então ser classificado e associado a outros, criando assim os eixos temáticos a serem interpretadas.
Para a exploração, a revisão inicial dos dados se deu por meio do software QSR Nvivo, sendo possível a classificação de temas semelhantes, dividindo estes temas nos chamados "nós", que possibilitaram visualizar quantos participantes mencionaram determinado assunto, comparar as respostas dos participantes, definindo unidades de análise associadas por sua familiaridade, constituindo-se em eixos temáticos centrais.
Resultados e Discussão
Nos relatos dos participantes, identificou-se como foi para cada um o entendimento em relação a aquisição da deficiência, estando essa relacionada a uma doença prévia, e quais as principais mudanças em suas vidas.
Por meio dos Eixos Temáticos, foram criados subtemas relacionados. O eixo temático "Adoecimento" com subtema "A doença" foi debatido por todos os participantes, seguido de "Dificultadores" e "Estratégias de Enfrentamento". Quanto aos "Dificultadores", os relatos que estão relacionados à "Perda de Papéis Sociais", "Sentimentos Negativos" e "Locomoção", foram verificados na fala de seis participantes, assim como os subtemas "Ajustamento Psicológico", "Atendimento" e "Religião" do eixo "Estratégias de Enfrentamento". O item "Aposentadoria e Ocupações", extraído do eixo "Dificultadores" e "Comprometimentos de Saúde" do eixo "Adoecimento" foram de menor recorrência, apresentados nos relatos de dois participantes.
Eixo 1: Adoecimento
O primeiro eixo temático identificado foi "Adoecimento", que gerou dois subtemas. "A doença", se refere a concepção dos indivíduos a respeito da doença que causou sua deficiência, principalmente no que concerne a situação em que os participantes adquiriram as deficiências e suas percepções sobre como foi este processo. Este subtema foi comentado pelos dez participantes da pesquisa. Cada sujeito descreveu o processo de uma maneira subjetiva, colocando os pontos que consideraram mais importantes ou que mais os afetaram. Isaac, por exemplo, afirmou que sempre foi uma pessoa normal, o que para ele significa uma pessoa livre de doenças e a perda de seu animal de estimação afetou sua rotina o que, segundo ele, influenciou posteriormente na complicação que culminou na perda da perna, ocorrendo de forma abrupta em sua vida. Já para Ingrid, sua doença foi causada por conta de seu estilo de vida, pois ela se considerava uma pessoa muito estressada e ansiosa, que não falava sobre o que estava sentindo e esta característica pode ter influenciado, na sua opinião, no surgimento da Síndrome de Guillain-Barré. Igor teve a perna esquerda amputada por conta da diabetes e, segundo ele, poderia ter evitado se tivesse agido de outras maneiras, mostrando um sentimento de culpa em relação a aquisição de sua deficiência. O participante afirma que se sente totalmente responsável pela amputação da perna, que não respeitou seus próprios limites e isso culminou na complicação de sua doença. Ao adquirir uma deficiência abruptamente, a pessoa pode atravessar estágios comuns para esta situação, como negação, vergonha e a culpa, de não ter evitado ou de ser o responsável pela sua deficiência (Brunner & Suddart, 1993 as cited in Loureiro et al, 1997).
Já o subtema Comprometimentos de Saúde, citado por dois sujeitos, mostra a visão a respeito de doenças anteriores, preexistentes à deficiência e que atualmente afetam o modo de lidar com a deficiência, como o caso da participante Isabel, que teve um AVC gerando hemiplegia, e agora tenta ver sua situação de maneira diferente, pois já sofreu de depressão e segundo ela, foi uma situação muito difícil:
Mas aí agora tem que ir né, eu não penso besteira sabe, porque quando eu tive depressão grave eu cheguei a pôr fogo na casa, minha depressão foi horrível, um dos piores anos que tive na vida. (Isabel)
Distintivamente, Iago, que também teve um AVC gerando hemiplegia, já teve câncer e precisou fazer diversos tratamentos ao longo da vida, por conta de problemas de saúde, se mostrou aflito com sua atual condição, pois segundo ele, nos últimos anos sente que precisou lidar com muitas doenças consequentemente.
Eixo 2: Dificultadores
Este eixo temático, referente as questões que tornam o processo de aquisição da deficiência ainda mais desfavorável, gerou seis subtemas. O primeiro diz respeito a perda de papéis sociais, relatado por seis participantes. Quando o indivíduo, por conta de sua deficiência adquirida, perde sua função dentro da sociedade isso pode agravar sua condição. Alguns participantes, como Iracema e Isabel, afirmaram que antes da aquisição da deficiência, eram as responsáveis pelos cuidados de outros membros da família, e que atualmente não tem mais condições de prover os auxílios necessários a eles, deixando de ser cuidadoras, para passarem a condição de serem cuidadas.
Já para outros, como no caso de Ingrid e Iago, a mudança no papel social no ambiente familiar diz respeito a estes sujeitos não poderem mais colaborar nas obrigações dos cuidados da casa, sendo que em algumas situações, como a de Iago, o cônjuge precisa cumprir estas funções e os cuidados básicos que o sujeito necessita.
Para Martins e Barsaglini (2010), o sentir-se como uma pessoa com deficiência leva em conta a (in)capacidade do sujeito em realizar os papéis sociais demandados a ele, como por exemplo, o de mantenedor da família, de cuidadora da casa e de esposa/marido. Em complementar, Maia (2011) e Schoeller et al. (2012) destacam que existem diversas formas de adaptação da família quando um membro adquire uma deficiência, que perpassam por sentimentos de medo, inseguranças e tristeza. A reorganização da rotina familiar é importante para que o indivíduo com deficiência e dependência receba cuidados e consiga, aos poucos, ir recuperando sua autonomia e independência, mesmo que de maneira parcial.
Considerando, que a pessoa com deficiência precisará do apoio familiar no seu processo de adaptação, a família precisa igualmente de suporte, já que os membros irão lidar com mudanças provenientes dessa nova fase. É necessário pensar em maneiras nas quais a família da pessoa com deficiência sinta-se amparada, construindo assim formas de enfrentamento mediante esta nova realidade (Chagas, 2010). Para além da família envolvida, a melhor adaptação da pessoa com deficiência deve ser vista como uma obrigação da sociedade como um todo, visto que para o atendimento de seus ajustes e/ou mudanças no contexto devem ocorrer para que esse sujeito possa participar das esferas sociais. O subtema "Sentimentos Negativos", citado por seis participante, traz os relatos que demonstram que emoções como tristeza, ansiedade, revolta e sensação de invalidez abalam o indivíduo o e influenciam negativamente. Alguns participantes, como Iara e Iracema declararam se sentirem inválidas, após a aquisição da deficiência. Tais sentimentos proveem da vontade de exercer atividades rotineiras e de trabalho e não conseguir. A associação entre deficiência adquirida e sentimentos negativos é previsível, pois o sujeito se depara com uma sensação de desemparo, sentindo-se incapaz de enfrentar esta situação e aceitar sua nova condição (Resende, 2006). Ao perceber que sua deficiência o impede de realizar atividades cotidianas, o sujeito entra num impasse entre sua capacidade individual real e suas próprias expectativas (Martins & Basaglini, 2010).
O subtema "Locomoção", citado por seis participantes, diz respeito a como os participantes passaram a se locomover, após a aquisição da deficiência, além da opinião dos mesmos a respeito das Tecnologias Assistivas utilizadas. A Tecnologia Assistiva (TA), é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social (Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007). Nos relatos aqui presentes, as TAs eram entendidas como os aparelhos ortopédicos, próteses e afins, que auxiliam na mobilidade do sujeito, que não se adaptou bem a cadeira de rodas, mas que a bengala o ajuda a se locomover sem ajuda. Já Igor afirma que a prótese na perna garantiu autonomia para se locomover, e que quando precisa usar a cadeira de rodas ou o andador, ele sente que está regredindo, pois aí não se desloca como gostaria. As Tecnologias Assistivas são incentivadas para auxiliar na inclusão social da pessoa com deficiência, pois facilitam a mobilidade do sujeito nos contextos (Rodrigues & Alves, 2013). Para Rocha e Castiglioni (2005), as Tecnologias Assistivas vão além de simples equipamentos de auxilio, estando relacionadas aos fatores humanos e socioeconômicos, colaborando para que o sujeito ultrapasse suas limitações físicas e sociais.
Porém, as TA podem ter caráter ambíguo. Segundo Martins e Barsaglini (2010), as mesmas podem estar permeadas por estigmas. Por mais que sejam um auxílio, podem acentuar o preconceito por serem facilmente visíveis. Alguns participantes mostram descontentamento em usar as tecnologias, como Iara, que diz ter criado raiva em relação a bengala de quatro apoios e Igor, que demonstra não gostar de usar a cadeira de rodas ou o andador. Tais aspectos imprimem a condição de pessoa com deficiência ou dependente, tornando difícil para o sujeito em aceitar seu uso. O subtema "Dependência e Limitações", presente na fala de cinco participantes, refere-se à dificuldade, para o indivíduo de ser dependente de terceiros, mostrando como é, para eles, não se sentir mais capaz de realizar atividades antes corriqueiras em suas vidas.
A participante Iara afirma que sente falta de sua autonomia, ficando incomodada por precisar pedir ajuda para sair ou realizar suas atividades, assim como Iago que precisava da ajuda da esposa para todas as suas atividades e sente que o AVC tirou muito de suas antigas habilidades. Igor, Ingrid e Ítalo afirmam que suas deficiências os deixaram impossibilitados de realizar suas funções, não conseguindo, segundo eles, andar, comer, levantar e se cuidarem sozinhos. Ivana acabou precisando parar de exercer seu trabalho, por conta da deficiência e mudou sua rotina, pois a mesma diz que era muito ativa e nunca precisou de ajuda. Para Diogo (1997), a dependência está ligada a capacidade de realizar as atividades que compreendem as necessidades básicas como higiene, locomoção e serviços domésticos. Resende (2006), em seu estudo com adultos e idosos com deficiência física, mostrou que grande parte dos participantes necessitava de ajuda, principalmente da família, sendo que suas maiores dificuldades se concentravam na realização de tarefas domésticas e na locomoção. O subtema "Aposentadoria e Ocupações", citado por três participantes, engloba a opinião a respeito do processo de aposentadoria e a perda do emprego por conta da deficiência adquirida. Foi possível observar que a aposentadoria foi difícil para os participantes, que desejavam não parar de trabalhar. Para Ian e Isaac a aposentadoria foi difícil pois eles não queriam abandonar seus empregos. Segundo Ian, se ele estivesse trabalhando sua vida certamente seria diferente, pois estaria no exercício de uma função, que era muito importante para ele, afinal exerceu este trabalho sua vida toda e gostava muito de sua profissão. Já Isaac manteve seu emprego mesmo com a aposentadoria, porém acabou sendo demitido por conta da deficiência adquirida, que foi a amputação da perna direita. Do mesmo modo, Ivana se aposentou, encontrou uma nova ocupação, porém com a deficiência (amputação da perna direita e remoção do olho esquerdo) não pôde continuar.
O trabalho, dentro da nossa sociedade, tem papel central na construção e representação do sujeito e ao distanciar-se dele, o indivíduo passa por mudanças na forma de se reconhecer como um ser autônomo (Silva, 1999).
Os casos de Ivana e Isaac demonstram que não é obrigatório que a aposentadoria rompa o vínculo com o mundo do trabalho, porém quando decorre de uma doença e, neste caso, da aquisição de uma deficiência, é possível que essa ruptura ocorra. A experiência se desencadeia de uma maneira distinta de afastamento do mundo laboral (Carlos et al., 1999; Lopes, 2014). Nessas situações, o indivíduo precisa agora lidar com as mudanças decorrentes desta deficiência atrelada ao afastamento de seu trabalho e com todas as consequências dela decorrentes (perda de função social, diminuição de provimentos, afastamento do convívio, dentre outras).
Eixo 3: Estratégias de Enfrentamento
Em relação ao eixo temático "Estratégias de Enfrentamento", o mesmo foi encontrado em todas as entrevistas, gerando cinco subtemas. O primeiro diz respeito ao "Ajustamento psicológico", referido por seis participantes. Entendido como aceitação ou otimismo por parte dos mesmos, indica que acreditam na importância de se manterem sãos para viverem melhor. O participante Igor relata que sua satisfação vem do fato de poder ser útil e estar realizando suas atividades corriqueiras, e que agora pretende aproveitar mais a sua vida:
A promessa é daqui pra frente aproveitar tudo o que eu puder (...) Eu tô... eu vou falar assim, tô feliz? Tô, por poder ser útil, por poder fazer, por poder tá fazendo alguma coisa. (Igor).
A esse respeito, Chagas (2010) discorre sobre o momento pós-doença em que, passada a fase crítica à saúde, o indivíduo, esperançoso com sua recuperação, se vê com uma segunda chance para viver e assim decide fazer mudanças positivas no seu cotidiano.
Para Ingrid, ter paciência e não se deixar abater por conta das limitações e atividades que não conseguia realizar, foram essenciais para que ela agora sinta-se bem e capaz. Ivana, por outro lado, mostrou-se resignada ao aceitar sua deficiência e afirma que o ideal é não pensar no assunto, pois se ela parar para pensar, será pior. Santos (2012) chama esta ação de "Esvaziamento do Pensar", definida por ele como uma estratégia de enfrentamento pautada no evitar pensar sobre o assunto na tentativa de aceitar a nova realidade com resignação visando reverter a dor e o desprazer impostos.
O segundo subtema refere-se ao papel e a importância da religião na vida do sujeito, sendo identificada por seis participantes. Define-se como uma força para ajudá-lo a lidar melhor com os acometimentos decorrentes da aquisição da deficiência. Para Isabel, a religião foi a base para que se recuperasse de sua depressão e atualmente para lidar melhor com sua deficiência adquirida. Iago acredita que sua vida é um presente de Deus, por ter visto pessoas próximas morrerem por conta do câncer e ele ainda estar vivo e encontrar-se bem. Ítalo coloca sua vida nas mãos de Deus, acreditando que sua fé o fará se recuperar e que é graças a Deus que ele continua vivo, mesmo com as dificuldades que já passou, atualmente vai a Igreja e afirma ser uma das coisas que mais gosta de fazer. Isaac também acredita que Deus salvou sua vida mais de uma vez e por isso agora quer demonstrar gratidão. A religião foi um fator de destaque nos relatos dos participantes. Segundo Lopes (2014), a religiosidade tem papel importante na vida de indivíduos que adquiriram uma deficiência, facilitando sua aceitação e compreensão frente a sua nova condição, além de ajudá-los a encontrar uma explicação para o que lhes aconteceu. A religião, deu a alguns participantes, novo sentido em sua vida, se tornando um fator para ajudar a superar sua realidade. O subtema "Atendimento", citado por seis participantes, engloba a visão a respeito dos atendimentos de profissionais recebidos na instituição e a opinião do sujeito referente a sua recuperação, sinalizando a importância do resgate da sua autonomia, a partir de sua aderência e participação nos serviços de saúde. Iracema afirma que a fisioterapia a ajudou a se movimentar melhor e com mais facilidade e que isso a ajuda a realizar suas atividades básicas. Para Igor, ele consegue fazer tudo o que sempre foi feito, porém agora com outro controle, de uma maneira diferente. Já Iago afirma que, após seu AVC, acreditava que não iria mais conseguir andar, e com o tratamento na Instituição, agora está conseguindo se movimentar mais e acredita que andará novamente em breve.
Verifica-se, portanto, que os participantes melhoram a partir da sua participação nos serviços de saúde, voltados para a reabilitação. Com isso, vão recuperando sua independência e se tornam mais otimistas. Este subtema corrobora com a pesquisa de Brito & Eulálio (2015), que ao estudar idosos em reabilitação física, averiguaram que os mesmos se mostram positivos com a possibilidade de reconquistarem sua independência, pois para eles é importante depender cada vez menos de seus familiares. O subtema "Família e Apoio social", presente na fala de quatro sujeitos, apresenta os suportes sociais, como a família, os amigos e funcionários da instituição, tanto na ajuda para realização de atividades ou como um suporte afetivo, que muito auxiliam na sua readaptação. Para os participantes, a ajuda advinda de seus familiares é muito importante, como no caso de Iracema, que lida melhor com sua dependência com o acolhimento afetivo que recebe, pois ela se sente amparada e querida dentro do ambiente familiar. Isabel discorre sobre a importância do ambiente da Instituição que realiza a fisioterapia, pois além de gostar muito do trabalho realizado, sente-se bem tratada pelos profissionais.
A importância das relações sociais neste período é essencial, pois a autoestima, mediante essa nova vivência, se pautará significativamente no suporte dado por aqueles com quem a pessoa convive, que devem dar a ela condições para que desenvolva sua autonomia (Maia, 2006). Ou seja, a autoestima positiva da pessoa com deficiência, que a impulsiona na realização de suas atividades, se desenvolve à medida que recebe contatos sociais afetivos, com sentimentos de amor e aceitação (Maia, 2011). Os relatos relacionados ao subtema "Trabalhos e Experiências", referido por quatro participantes, relacionam-se à importância dada ao trabalho, como uma forma de manter-se ativo e em movimento, ou seja, extrapolando a ideia de geração de renda, e sim como um elemento propulsor para a qualidade de vida. O participante Igor prosseguiu com seu antigo emprego, porém de uma maneira diferente, focando mais nas partes administrativas e procurando ter mais tempo para atividades de lazer:
Eu ainda tô ligado nas coisas, tô trabalhando, não deixei mudar muito a minha vida, só que eu vou tentar agora fazer um pouco do que eu gosto, que é pescar, e tô indo (...) Eu adoro trabalhar, o trabalhar tá me mantendo ocupado. (Igor).
Carlos et al. (1999) afirmam que há um processo de ressignificação do ato de trabalhar, quando o sujeito se aposenta e decide prosseguir exercendo alguma função. Esta ressignificação irá definir a nova identidade de trabalhador, mediante as suas possibilidades. O ponto principal é a necessidade em ser ativo e para isso deve procurar atividades que assegurem reconhecimento social e subsidiem a ideia de pertencimento na sociedade. Criar maneiras que o auxiliem a prosseguir com suas antigas atividades ou configurar novos interesses, diferentes do que teve no decorrer de sua vida (Resende, 2006).
Já Isaac gostaria de voltar a trabalhar, tanto em trabalhos remunerados quanto voluntários. Ademais, o participante vê esta nova fase de sua vida como uma oportunidade para realizar novas experiências, já sonhadas anteriormente, como por exemplo andar de avião. É importante que nesta fase, pós-aposentadoria, se busque novos meios de sentir-se autônomo e feliz, substituindo os ganhos relacionados ao trabalho por vivências que permitam o desenvolvimento pessoal e libertem o indivíduo da ideia de que só se é independente aquele que exerce um trabalho formal (Soares et al., 2007).
Eixo 4: Deficiência
O eixo "Deficiência" agrupou os relatos que mostram a visão do sujeito a respeito de sua própria deficiência, no subtema "Concepção da Deficiência" e se apresentou em cinco entrevistas, sendo que os participantes Iago e Ian tiveram hemiplegia (paralisia) do lado esquerdo do corpo em decorrência do AVC, enquanto Igor, Isaac e Iracema passaram por uma amputação do membro inferior por conta da diabetes. Apesar das diferenças em relação as deficiências, é possível verificar que as falas estão relacionadas a aspectos físicos da deficiência e as mudanças na maneira de enxergar a si mesmos.
Para Ian, a principal consequência do AVC foi o fato de não conseguir mais se comunicar como gostaria, pois sua voz agora é muito baixa, quase um sussurro e sua boca permanece com dificuldade de articular a fala, chegando a ficar ansioso para se comunicar e se fazer entendido. Igor utiliza meios para tentar esconder sua deficiência (amputação da perna esquerda):
Se eu colocar uma calça comprida ninguém vai saber que eu sou deficiente, sentado dentro da caminhonete (...) Eu precisei ficar deficiente pra dar valor e saber o que o deficiente passou e passa entendeu? (Igor).
Declara ainda que antes ele não pensava na vida e nas dificuldades que uma pessoa com deficiência têm e só passou a compreender isso quando passou a estar nessa condição e sofreu muito, pois para ele é uma situação difícil, tanto nos aspectos relacionados a locomoção e dependência, quanto nos aspectos físicos, sua nova identidade sem uma parte de seu corpo. Ao adquirir uma deficiência física causada pela amputação de um membro, as consequências deste acontecimento podem ser mais intensas, pois a mudança está visível, não só na aparência, mas na utilidade da parte do corpo que foi perdida, revelando a diferença perante aos demais (Martins & Barsaglini, 2010).
Isaac afirma que atualmente aceita sua deficiência, mas que logo após a cirurgia foi difícil pois, ele sentia a perna, estava acostumado com ela, porém ao olhar, via que ela não estava lá chocou-se diante dessa nova realidade corporal. Iracema, que passou por situação semelhante, diz que para ela é como se tivesse que aprender tudo de novo. Para Martins e Barsaglini (2010), a deficiência física adquirida faz com que o sujeito experimente uma crise de identidade, uma vez que seu corpo apresenta uma diferença que afasta da sua identificação original.
A deficiência adquirida implica muitas vezes na perda de funções fisiológicas, psicológicas ou corporais, em que o sujeito passa a se distanciar do modelo de normalidade, tornando suas condições de realizar atividades desiguais em relação as demais pessoas, gerando a ideia de incapacidade quando comparado ao outro (Teixeira & Guimarães, 2006).
Conclui-se que tal incapacidade é construída na relação do indivíduo com o ambiente e pode resultar na segregação da pessoa com deficiência, partindo das características que são atribuídas a ela e leva a sociedade (e por consequência ela mesma) a receber um tratamento distinto das demais pessoas. Para estes sujeitos, a dor proveniente à aquisição de uma deficiência deriva-se do fato que os mesmos entendem que a complexidade de sua deficiência é algo que remete somente à eles (e seus familiares e pessoas muito próximas), entendendo que os limites corporais e de funcionalidade, a dependência e perda da autonomia não provém de uma construção social dos significados que a deficiência adquire no contexto, nem mesmo na necessidade da sociedade de se ajustar em torno das diferenças, reconhecendo a pessoa com deficiência como um sujeito de direitos. A deficiência focada somente no indivíduo que a possui o torna centro das intervenções, que objetivam devolver a ele o maior número de competências possíveis para que a vida dele possa se aproximar ao máximo da vida daqueles sem deficiência (Omote, 1995).
Considerações finais
Este trabalho teve como objetivo entender as percepções de idosos, por intermédio das análises de seus relatos, a respeito da aquisição de uma deficiência após os 60 anos, procurando compreender como foi este processo e buscando atentar-se nas consequentes mudanças em suas vidas. Nos resultados obtidos, a deficiência foi mais apresentada a partir de um viés biológico, por conta do modo como os próprios participantes a retrataram. É necessário entender o adoecer, a doença e a deficiência, para além dos atributos biológicos, como influenciados socialmente. No entanto, tais influências ainda são pouco percebidas. Desse modo é preciso indagar o porquê estes pontos ainda estão tão enraizados dentro do modelo médico. Constatou-se que a aquisição da deficiência por estes sujeitos teve pontos negativos que foram atenuados e superados por conta de suportes psicológicos, sociais, assistenciais e de reaprendizagens, que auxiliaram estes indivíduos a lidar melhor com a atual situação e prosseguirem com suas vidas de maneira satisfatória. Tanto em relação aos idosos quanto as pessoas com deficiência, segue sendo necessário o trabalho em mostrar o papel da sociedade em aceitar, acolher e auxiliá-los, para que não fique a encargo deles adaptar-se a uma sociedade que desaprova tudo aquilo considerado desviante de uma idealizada normalidade.
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Recebido: 10.02.22
Corrigido: 05.04.22
Aprovado: 25.04.22