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Estilos da Clinica

versión impresa ISSN 1415-7128versión On-line ISSN 1981-1624

Estilos clin. v.14 n.26 São Paulo  2009

 

DOSSIÊ

 

No limite entre a vida e a morte: um estudo de caso sobre a relação pais/bebê em uma uti neonatal

 

Within the limits of life and death: a case study on the parents/baby relationship in a neonatal ICU

 

El límite entre la vida y la muerte: un estudio de caso sobre la relación padres/bebé en la uti neonatal

 

 

Lisiane BaldissarellaI; Débora Dalbosco Dell'AglioII

IPsicóloga, Especialista em Psicologia Clínica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e em Psicoterapia com Orientação Psicanalítica da Infância e Adolescência pelo Centro de Estudos, Atendimento e Pesquisa da Infância e Adolescência (CEAPIA)
IIPsicóloga, professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). dalbosco@cpovo.net

 

 


RESUMO

Este trabalho discute a importância da relação pais/bebê em situações de malformação fetal e internação em UTI Neonatal, através do relato de um acompanhamento psicológico realizado em um hospital público de Porto Alegre, RS. Durante o acompanhamento, foram observadas reações de negação, autoacusação, sentimentos de culpa e dificuldades dos pais para a vinculação com o recém-nascido. Através do atendimento realizado, os pais puderam compreender melhor a realidade de seu filho, conseguindo se aproximar do bebê, participar dos cuidados básicos e formar um vínculo afetivo. Des- taca-se a importância do acompanhamento psicológico às famílias de bebês em situação de internação hospitalar no período pós-natal.

Descritores: UTI; neonatal; relação pais/bebê; malformação congênita.


ABSTRACT

This paper discusses the importance of parents/baby relationship in cases of fetal malformation and hospitalization in neonatal ICU, through the case study of a psychological accompaniment in a public hospital in Porto Alegre, RS. During the follow up, reactions of denial, self-accusation, feelings of guilt and difficulties of the parents to bond to the newborn were observed. Through the psychological care, parents could better understand the reality of their child, were able to get closer to the baby, participate in the basic care, and develop an emotional bond with the child. This study shows the relevance of psychological accompaniment of families with hospitalized babies in the postnatal period.

Index terms: ICU; neonatal; parents/baby relationship; congenital malformation.


RESUMEN

Este trabajo discute la importancia de la relación padres/bebé en situaciones de malformación fetal e internación en UTI Neonatal, a través del relato de un acompañamiento psicológico realizado en un hospital público de Porto Alegre, RS. Durante el acompañamiento, fueron observadas reacciones de negación, auto-acusación, sentimientos de culpa y dificultades de los padres para la vinculación con el recién-nacido. A través de la atención realizada, los padres pudieron comprender mejor la realidad de su hijo, consiguiendo aproximarse del bebé, participar de los cuidados básicos y formar un vínculo afectivo. Se destaca la importancia del acompañamiento psicológico a las familias de bebés en situación de internación hospitalaria en el periodo post-navidad.

Palabras clave: UTI; neonatal; relación padres/bebé; malformación congénita.


 

 

Para Brazelton e Cramer (1992), durante os nove meses de gestação a mãe alimenta dúvidas, receios e ambivalências a respeito do filho, assim como também a fantasia de uma criança perfeita. Quando nasce um bebê saudável, o vínculo, que foi se estabelecendo na medida em que o feto se desenvolvia ainda no útero da mãe, se fortalece a cada dia que passa. Já quando ocorre alguma intercorrência, seja por prematuridade, como por algum tipo de malformação congênita ou uma doença grave, e este bebê tem que ficar sob os cuidados de uma Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTI Neo), é como se, para a mãe, se confirmassem todos os temores presentes no período de gestação. Neste momento, é preciso que a mãe trabalhe o luto pela perda do filho idealizado (Debray, 1988; Soulé, 1987). Assim, a notícia de um filho com malformação repercute em muitos sentidos da vida de um casal, podendo prejudicar o vínculo destes pais com seu filho e, consequentemente, os primeiros cuidados básicos para com este.

 

O recém-nascido e a UTI

Quando um bebê nasce com alguma malformação, além de ter que ir para uma UTI Neonatal, que é um ambiente cheio de estímulos dolorosos, visuais e auditivos, tem também que se separar de sua família imediata. Wirth (2000) refere que mãe e bebê já foram separados abruptamente pelo trauma da hospitalização, sendo necessário restabelecer o vínculo entre ambos.

Para Thomaz, Lima, Tavares e Oliveira (2005), quando o bebê corre risco de morte, os pais sentem medo de estabelecer ligação afetiva forte com o filho, porque ele pode não sobreviver. Assim, esse momento é marcado pela coexistência de sentimentos ambíguos e a esperança de que ele viva é mesclada com desejos de morte. Questão importante diz respeito ao fato de que esses pais irão enfrentar a rotina de uma UTI Neonatal, onde o seu bebê precisará permanecer para sobreviver: "De repente, o primeiro colo desse bebê é a incubadora. Esse bebê que esperavam estar acariciando, mostrando aos familiares e amigos, está cheio de fios, picado por agulhas, sob luzes, aparelhos sofisticados e correndo risco de morrer" (Souza & Barros, 1999, p.132). O sentimento dos pais a respeito das "máquinas salvadoras" pode ser ambivalente; por uma parte, expectativa quase mágica em relação a elas, graças às quais sua criança sobrevive e os obriga a uma missão completa; por outra parte, coexiste um sentimento de repúdio devido à distância que essas máquinas interpõem entre eles e a criança e, consequentemente, sentem-se excluídos (Viziello, Zorzi & Bottos, 1992, citados em Thomaz et al., 2005). Nessa situação a mãe pode querer fugir ou proteger-se sob a depressão para não cuidar do bebê. Essas respostas não podem ser consideradas anormais e sim respostas previsíveis. O surpreendente é que os pais conseguem superar esses sentimentos, começam tudo novamente, criando um vínculo com o bebê. Para tanto, eles passam por "estágios" à medida que formam o apego ao bebê. Antes, porém, vem uma reação de luto, que é inevitável. Esta reação é pela perda do bebê perfeito que esperavam, como também pelos "defeitos" que produziram no bebê. Para superar esse sentimento de culpa é preciso tempo e um árduo trabalho pessoal (Brazelton, 1988).

Scochi, Kokuday, Riul, Rossanez, Fonseca e Leite (2003) apontam que o fato da mãe não poder pegar o bebê no colo, aconchegá-lo e embalá-lo é bastante frustrante. Mesmo quando já é possível tocá-lo e acariciá-lo dentro da incubadora, muitas mães se amedrontam diante dessa situação. Esse medo se justifica pela autoestima afetada, pelo ambiente da UTI Neo e pela falta de autoconfiança na capacidade de criar o filho. Além disso, acrescentam que o choque pela hospitalização de um bebê pode ser compreendido quando observamos os pais serem confrontados com um ambiente estressante e confuso, impotentes para assumirem os cuidados com seu filho que apresenta risco de vida. Esses sentimentos podem ser atenuados ou reforçados de acordo com a oportunidade que essa mãe tem ou não de participar, de alguma forma, dos cuidados de seu filho. O estabelecimento do vínculo e apego pode ser prejudicado pela falta de oportunidades da mãe interagir com seu filho, gerando desordens no relacionamento futuro de ambos. Pesquisas mostram que o comportamento de apego se desenvolve desde a vida intrauterina e que é fundamental o contato entre mãe e filho nos momentos iniciais da vida pós-natal (Bowlby, 1984; Brazelton, 1988).

Gomes, Quayle, Neder, Leone e Zugaib (1997) apontam que, enquanto a mãe não pode segurar o filho, o contato físico por meio do toque é desejável, assim como os cuidados para manter a produção do leite materno. Seu armazenamento deve ser estimulado e, quando possível, o leite deve ser dado por sonda, até o momento em que, então, a mãe possa segurá-lo e amamentá-lo. Isto contribui para a manutenção do vínculo, pois a mãe se sente satisfeita em dar algo que é seu, aproxima-se da "normalidade", fazendo com que não se sinta excluída, minimizando a insegurança e tornando-se mais participativa no cuidado com o filho.

Muitas vezes, a mãe se sente incapaz de cuidar de seu filho dentro de uma UTI Neonatal e acaba se ausentando, tanto da UTI quanto do próprio hospital, por achar que a equipe cuida bem melhor dele do que ela mesma. Isso confirma os sentimentos da mãe de ser incapaz de ter gerado um filho saudável e de cuidar dele. Wirth (2000) afirma que os pais, neste momento, podem estar com uma autoestima mais baixa, sentindo que falharam em algum momento, além de sentirem-se culpados por tudo o que está acontecendo. A mesma autora segue enfatizando que o ambiente hospitalar tem que ser acolhedor e continente às angústias, medos e o sofrimento destes pais, para que eles também possam cuidar melhor de seu filho. A angústia inicial dos pais frente a tudo o que aconteceu e ainda acontece vai sendo substituída por um olhar mais humano e admirado para seu filho, que está ali indefeso, cheio de fios e de máquinas ligadas ao seu corpo e que mal pode ser tocado (Guedeney & Lebovici, 1999), ou seja, os pais podem gradualmente "narcisisar" seu filho (Bleichmar, 1987).

Por outro lado, há aqueles pais que fazem do hospital sua segunda, ou melhor, sua primeira casa, pois passam mais horas lá dentro do que em qualquer outro lugar. E isso também pode ter um significado: o de estar reparando algum mal que pensam ter causado ao seu filho. Nestes momentos é importante que eles possam também se sentir acolhidos, entendidos, contidos pela equipe, para que não se descuidem deles mesmos, pois um hospital já é um ambiente muito estressante. Numa UTI, especialmente, estão os casos mais graves e as maiores chances de óbitos, desencadeando um maior estresse, medos e angústias dos pais frente ao que pode vir a acontecer com seu filho. Esta situação se torna pior quando os pais começam a perceber que alguns bebês já estão retornando para casa. Isso, aos poucos, pode desestimular a luta pela vida, trazendo sentimentos depressivos (Guedeney & Lebovici, 1999). Por isso se faz muito importante que a equipe hospitalar possa acolher e cuidar destes pais, os quais se encontram indefesos e atemorizados (Caron, 2000; Guedeney & Lebovici, 1999).

 

A relação pais/bebê com malformação

A relação pais/bebê é algo que vai se construindo desde a concepção, ou a partir do momento em que ficam sabendo da gestação. O vínculo da mãe com seu filho se fortalece gradualmente a partir do momento em que este vai se desenvolvendo e que são percebidos os movimentos fetais (Caron, 2000). Após o nascimento de uma criança normal, a mãe pode, aos poucos, reconhecer as necessidades básicas de seu filho e se adaptar às suas características, ou seja, ao seu próprio temperamento, passando a ser continente a ele. Essa capacidade é chamada por Bion (1959) de Rêverie, que é a possibilidade da mãe de detectar e conter as necessidades, angústias e as demandas de seu filho. Mas isso também depende muito de como foram as primeiras experiências com sua própria mãe. Como relatam Brazelton e Cramer (1992), todas as experiências da mulher com seus pais influenciarão na sua adaptação ao novo papel: o de ser mãe.

Em contrapartida, quando nasce um bebê com algum tipo de malformação, o choque é tão grande que, num primeiro momento, ela pode se afastar de seu filho, com medo do que pode encontrar ao vê-lo. A formação do vínculo pode ser mais tardia, ou mais difícil de ser estabelecida ou ainda nem chegar a acontecer. "O luto antes da morte aparece quando existe um mau prognóstico para o bebê. Há pais que entram em luto prematuro, como se já não adiantasse fazer nada e podem começar a desinvestir o bebê. Antecipam o luto na tentativa de diminuir o sofrimento. Outros, ainda, negam o risco de morte e passam a ter certeza de que o filho viverá, de que ele lutará para viver. Os sentimentos de onipotência dos pais ficam projetados no bebê" (Falcão & Varaschin, 2002, p. 86).

Ter que se deparar com uma malformação de um filho é como enxergar suas próprias fraquezas e incapacidades. Os medos e as angústias ficam mais no nível de fantasias e a forma de vínculo vai depender do prognóstico dado pelo médico responsável (Klaus & Kennel, 1993). O medo de se apegar à criança e esta vir a morrer, mais cedo ou mais tarde, gera muitos sentimentos ambivalentes, e pode fazer com que os pais, ou se afastem cada vez mais do filho doente, ou o superprotejam, ultrapassando seus próprios limites enquanto seres humanos. Rolland (1998) também refere que, quando existe algum doente na família que envolve uma ameaça de perda, os familiares se deparam com muitos sentimentos ambivalentes, ou possuem um desejo de distanciamento e fuga dessa situação insuportável ou se tornam superprotetores e vigilantes. Para Moreira (2007), a situação de fragilidade do bebê e o estado de angústia livre podem conduzir a mãe a uma "fuga para a sanidade", ou seja, a um distanciamento desse bebê que ela não sabe se vai viver.

Padovani, Linhares, Carvalho, Duarte e Martinez (2004) afirmam que a família com um bebê hospitalizado passa a experenciar a separação e a incerteza sobre a evolução clínica e sobrevivência do bebê. Neste contexto, níveis de ansiedade e sentimentos de tristeza e melancolia podem ser exacerbados diante dessa situação de conflito e estresse. Em seu estudo com pais de bebês hospitalizados na UTI Neonatal foram observados altos níveis de ansiedade, depressão e hostilidade, revelando problemas de ajustamento psicossocial por parte dos pais. Para estes autores, o ajustamento familiar ou habilidade para realizar mudanças no sistema familiar a partir de um evento estressor, a fim de manter seu equilíbrio e funcionamento, está relacionado aos recursos internos e sociais da família e às estratégias familiares de enfrentamento da situação durante a fase de internação do bebê na UTI (Padovani et al., 2004).

Assim, a partir dos aspectos teóricos apresentados, este trabalho teve como objetivo discutir a importância da relação pais/bebê em situação de internação em UTI Neonatal, através do relato e discussão de uma experiência profissional, de atendimento psicológico a um casal. O acompanhamento psicológico foi realizado com os pais de um bebê que nasceu com atrofia cerebral e que permaneceu na UTI Neonatal de um hospital público de Porto Alegre, por um período de três meses. Atendendo a aspectos éticos, os pais deram seu consentimento para participar do estudo e foram omitidos os nomes e informações que pudessem identificar o casal.

 

Evolução do acompanhamento psicológico

O primeiro contato com o casal (M. mãe e J. pai) foi realizado no quarto do hospital, no dia do nascimento de F., que nasceu a termo e de cesariana, mas recebeu o diagnóstico de atrofia cerebral, sendo encaminhado logo em seguida para a UTI Neo. M. ainda não tinha conseguido ver seu filho e parecia não acreditar na gravidade do estado do bebê. J., que já tinha visitado o filho, mostrava-se bastante emotivo e preocupado com o mesmo, dizendo que não acreditava no que estava acontecendo e que faria de tudo para ajudá-lo. No momento em que relatava isso, emocionou-se. Porém, M. parecia "anestesiada", não se dando conta da real situação.

Nos primeiros contatos com o casal, M. dizia ter engravidado por descuido e que, quando descobriram a gravidez, ficaram um pouco assustados, mas depois acabaram aceitando e gostando da ideia. M. referia ter realizado todo o acompanhamento pré-natal do bebê, juntamente com seu esposo e que, no quinto mês de gestação, descobriram, através de uma ecografia, que o feto tinha um problema em um dos ventrículos do umbigo, mas não deram muita importância, pois segundo seu médico não era "nada demais" (sic).

M. teve alta do hospital dois dias após o nascimento de F., mas suas visitas ao filho se tornaram constantes. A partir de então, o contato com o casal foi bastante frequente. Num primeiro momento, M. lamentava muito a situação e se questionava sobre o que estava acontecendo com eles, destacando o fato do médico não tê-los alertado nos pré-natais realizados de que tratava-se de algo mais grave. Parecia inconformada. Mesmo assim, M. passava os dias ao lado da incubadora do filho, olhando e acariciando-o, mesmo não tendo nenhuma resposta, nenhum retorno de sua dedicação, uma vez que ele estava em coma induzido. J. oscilava entre seu trabalho, dar apoio para a esposa e para seu filho. Através das entrevistas com o casal, a mãe tornou-se aos poucos mais sensível a seu bebê e a ela própria e, com isso, começou a colocar em palavras para seu filho o que estava acontecendo. Nos primeiros encontros, os pais ficaram um pouco confusos e surpresos, dizendo não acreditarem que ele ouviria, já que estava em coma induzido, além de preocupados com o fato de as pessoas acharem que estavam "loucos" (sic). Após algum tempo, M. e J. começaram a conversar e a cantar para seu filho, dizendo se sentirem muito melhor e mais próximos dele. Cada movimento do bebê era percebido como uma forma de resposta frente aos cuidados dispensados por seus pais.

Devido à sua malformação, havia dias em que F. se agitava mais, o que segundo a equipe era por causa da dor que deveria sentir. Frente a isso, M. dizia que essa agitação de F. a angustiava muito, por não saber como acalmá-lo, por se sentir impotente frente a tudo o que dizia respeito ao seu filho. Houve momentos em que se sentia inferior à equipe de enfermagem, comentando que elas cuidavam melhor de seu filho do que ela própria, chegando a verbalizar que tinha certo receio em tocá-lo e machucá-lo, então, preferia que a equipe tomasse conta dele. A partir disso, passamos a refletir sobre seus medos e angústias e ela gradualmente sentia-se em condições de maternar mais seu filho. Depois que M. e J. começaram a fazê-lo, passaram a interagir e a participar muito mais dos cuidados do bebê, chegando a discutir os procedimentos realizados e se informar mais sobre seu quadro clínico junto à equipe.

O prognóstico de F. era muito ruim, o bebê não conseguia ficar fora do oxigênio e passava a maior parte do tempo sedado, devido também às convulsões. Os procedimentos médicos eram frequentes e inevitáveis e isso deixava seus pais ainda mais tristes e preocupados. M. chegava a verbalizar que tinha medo de ficar deprimida e que tentava o tempo todo se reerguer para estar ao lado do filho. A partir do momento em que o casal passou a interagir e a se responsabilizar por alguns cuidados de seu filho, F. passou a responder mais, pois já conseguia permanecer mais tempo com os olhos abertos. Assim, seus pais passaram a acreditar numa melhora, chegando a fazer planos para quando ele saísse do hospital. M. e J. conversavam com o filho, encorajando-o a continuar lutando, procurando mostrar seu amor. F. os olhava atentamente e seus espasmos musculares mais pareciam uma resposta aos estímulos de seus pais.

Mas como não poderia ser diferente numa UTI Neonatal, ocorriam muitos óbitos de outros bebês, o que ajudava a aumentar a angústia do casal, que temia que o mesmo acontecesse com seu filho. M. se culpava por tudo o que estava acontecendo com ele, dizia que estava assim porque decidiu engravidar muito tarde, uma vez que tinha medo de engordar, de estragar seu corpo com o qual se preocupava tanto, e que se tivesse tido um filho mais cedo, talvez nada disso tivesse acontecido. Chegaram a realizar todos os exames possíveis para descartar qualquer hipótese genético-hereditária do problema.

Em alguns momentos, F. conseguiu sair do oxigênio e ir para o colo dos pais. Mas F. oscilava entre a incubação e a extubação, às vezes três vezes ao dia, e, consequentemente, o humor e a confiança de poderem viver tudo aquilo que haviam planejado junto ao filho, principalmente no que diz respeito a M., também oscilava entre o desespero e a esperança. J. mostrava-se mais otimista e alternava entre o hospital e o trabalho, o qual também exigia muita dedicação. Ainda dizia que sua esposa tinha que se distrair mais e não ficar o tempo todo no hospital. Já M. se queixava que o esposo não entendia seu sofrimento, que não tinha desejo e nem condições emocionais para fazer qualquer outra coisa que não ficar ao lado de F., e que isso estava deixando-a mais deprimida. Referia também que seu esposo não a compreendia e que era ele quem estava fora da realidade, "negando a situação de F." (sic). Em parte, M. concordava com J., dizendo que não tinha mais ânimo para fazer coisas que antes lhe davam prazer. Portanto, toda vez que ligava para seu esposo, este largava o que estava fazendo e corria para o hospital.

Como o quadro de F. era bastante comprometedor, havia momentos em que ele ficava muito mal. M. chegava a verbalizar que se fosse para seu filho ficar sofrendo desta forma, preferia que ele "se fosse e descansasse" (sic). Quando falava sobre isso, emocionava-se muito e falava com dificuldade. Então, comparava seu filho a outros recém-nascidos que estavam piores que ele mas que acabaram saindo da UTI.

F. chegou a sair da UTI Neo e ir para uma sala intermediária, onde foi retirada a sonda, o que o possibilitou mamar no seio de sua mãe, assim como permanecer mais tempo em seu colo. M. pôde também dar banho em seu filho, fazer sua higiene, entre outros cuidados básicos. Comentava, nesses momentos em que podia amamentar e cuidar do filho, o prazer que ele estava lhe proporcionando. Também dizia que o que mais queria era que ele pudesse usar as roupas que compraram para esperá-lo, que pudesse usufruir o seu quarto, que haviam decorado com muito amor e dedicação.

O bebê permaneceu não mais que dois dias fora da UTI, tendo que voltar devido às crises convulsivas que começou a apresentar. Então, novamente foi entubado e sedado. Seus pais já não sabiam mais o que pensar e começaram a dizer que a equipe médica nunca tinha uma resposta para dar sobre o estado de seu filho e isso os angustiava muito. Chegaram a verbalizar que as convulsões se deram por causa do contraste que havia tomado para fazer a tomografia. Após este episódio, durante três dias, M. passou a ir para casa mais cedo, voltando no fim da tarde com seu esposo e ficando até a meia-noite. Dizia que não adiantaria ficar mais tempo, já que ele estava sedado mesmo e que não podia fazer mais nada além de "rezar muito para que ele ficasse bem, fosse aqui na Terra, fosse lá em cima com Deus" (sic).

A expressão de cansaço e desesperança estava a cada dia mais estampada no rosto do casal, mas eles continuavam a visitar seu filho todos os dias, permanecendo muitas horas ao seu lado. No entanto, F. foi tendo cada vez mais convulsões, mesmo sedado, até que não resistiu. Seu óbito ocorreu após três meses de internação. M. dizia que já estava esperando e até rezando para que seu filho parasse de sofrer tanto. Para ela, J. estava inconformado e muito triste.

 

Discussão

Muitas fantasias estão presentes no decorrer de toda a vida gestacional da mulher com relação ao bebê que está por nascer. São nove meses de espera e angústia frente ao desconhecido. Soulé (1987) afirma que o nascimento de um filho vem infligir a megalomania materna de criar um filho perfeito, tendo que renegar o filho imaginário tão importante na sua fantasia e no seu sonho. Dessa forma, a mãe tem que fazer o luto por este filho tão idealizado e esperado, aceitando o bebê real. Porém, quando nasce um filho com algum tipo de malformação, essa aceitação do bebê real pode ser mais complicada, pois, além de não encontrar o filho idealizado e perfeito, são constatadas limitações, que podem confirmar algumas fantasias relacionadas a sua incapacidade de gerar um filho saudável. Numa visão psicanalítica, pode-se supor que os ataques imaginários que a menina faz em relação ao corpo da mãe com seus excrementos venenosos e destrutivos fazem-na fantasiar que possui fezes más dentro dela, levando-a a ter uma criança má, defeituosa, feia, anormal (Klein, 1997). Ou seja, esta fantasia se confirma quando a mãe tem um bebê malformado, pois acredita que pode ter feito mal para o seu filho, apresentando sentimentos de culpa. Ao mesmo tempo, deparar-se com um filho com malformações fere o narcisismo dos pais. Belli e Silva (2002) referem que a aceitação do filho real é mais bem superada quando a equipe consegue introduzir os pais na participação e na interação com o bebê, bem como na familiarização do novo ambiente em que se encontram (UTI Neonatal). A partir disso, vê-se a importância de poder ampliar os cuidados e a atenção que a equipe tem que dispensar aos pais quando se encontram numa situação tão delicada como esta, ajudando a minimizar o sofrimento e a angústia dos mesmos (Belli, 2000; Lamego, Deslandes & Moreira, 2005).

Em contrapartida, Gaíva e Scochi (2005) apontam que, apesar da presença da mãe numa UTI Neonatal e de seu papel de maternagem, em geral não há um acolhimento, tampouco uma relação de parceria entre equipe e família do bebê, chamando atenção para a necessidade de uma ampliação nestas intervenções, de modo que a equipe pudesse tornar a família mais autônoma para promover a saúde e a qualidade de vida do bebê. Em 1995, Belli já havia constatado o grande interesse das mães em participarem mais dos cuidados de seu filho, bem como de se interarem sobre o estado de saúde do mesmo e sobre os procedimentos clínicos realizados pela equipe.

Um diagnóstico patológico pode causar um choque traumático nas pessoas que o recebem. No caso descrito neste estudo, pode-se observar o estado emocional dos pais ao receberem o diagnóstico de Atrofia Cerebral do filho recém-nascido. Diziam não acreditar no que estava acontecendo, além de apresentarem certa confusão, já que o médico que realizou todos os pré-natais não havia mencionado qualquer problema mais sério com seu filho. Constatou-se a forte angústia e a dificuldade de ambos em aceitar o ocorrido. Nos primeiros dias, era como se estivessem negando a situação do filho, o que pode ser observado no comportamento da mãe, que se recusava a ir visitá-lo na UTI, falando que não podia acreditar no que estava acontecendo, que não podia ser verdade e que devia haver algo errado no diagnóstico. Para Botella e Botella (2002), diante de uma situação traumática, na qual a percepção e a realidade ficam alteradas porque o ego não consegue dar conta de tamanha excitação externa, tendo que utilizar mecanismos de defesa para suportar a realidade, pode-se entender que: "é no caráter negativante, na perda pelo ego de seus recursos, que compreendemos a qualidade traumática. A desorganização brutal originar-se-ia, acreditamos, não numa percepção, mas na ausência de sentido do violento excesso de excitação e do estado de desamparo do ego, na impossibilidade para o ego de representá-los para si" (p. 93).

No entanto, Kübler-Ross (2002) acredita que este processo de negação é normal quando uma pessoa recebe um diagnóstico por alguém não muito familiar e muitas vezes, de forma abrupta ou prematura. Complementa que a negação é uma forma saudável da pessoa lidar com aquele momento tão doloroso, funcionando como uma espécie de para-choque para, só depois, poder se recuperar e usar outras medidas menos radicais.

Através do contato com este casal, na UTI Neonatal, pode-se observar a importância, para esses pais, de poderem colocar em palavras seus sentimentos, bem como sua presença junto ao filho. Brazelton (1988) destaca a necessidade dos pais de entender a comunicação do bebê para melhor conhecer suas potencialidades e capacidades. Neste caso, mesmo com um bebê numa situação bem mais delicada, como era o caso de F., em coma induzido, foi avaliado que algum canal de comunicação poderia ser estabelecido entre os pais e o bebê. No início, estes pais ficaram um pouco confusos e com medo de que os outros os achassem "loucos" (sic) por estarem conversando com seu filho, já que era recém-nascido e ainda estava sedado, ou seja, não acreditavam que ele pudesse escutá-los. Depois que os sentimentos de descrença frente às possibilidades de seu filho foram trabalhados, durante as sessões de atendimento, os pais ficaram mais sensíveis a ele e a si próprios, conseguindo colocar em palavras o que estava acontecendo, permitindo, aos poucos, se aproximarem do bebê real, formando o vínculo.

A partir do momento que a mãe pôde se aproximar mais do filho real, bem como da realidade propriamente dita, começaram a emergir muitos outros sentimentos. Através do atendimento realizado, a mãe foi podendo pensar num motivo que pudesse ter causado a patologia do filho e percebeu que se sentia culpada, acreditando ter causado algum mal para ele. Isso foi observado quando se referiu ao fato de não ter engravidado mais cedo, atribuindo o fato à idade tardia em que engravidou. Como sabemos, ao ter um filho, a mãe reedita suas próprias experiências infantis com sua mãe, assim, esta culpa que M. dizia sentir pode estar relacionada às primeiras relações objetais, bem como sua conflitiva edípica, que a fazem acreditar que pode danificar os bebês que carrega dentro de si, conforme os processos descritos pela psicanálise (Klein, 1997).

Através dos encontros realizados com a mãe, foram possibilitados momentos em que pudesse falar sobre esses sentimentos, dividindo seus medos e angústias e, acima de tudo, sendo compreendida. Só então, pôde compreender melhor a realidade de seu filho, permitindo se aproximar desse bebê real, com suas limitações, ligadas ao estado clínico. Moreira (2007) refere que a situação de fragilidade do bebê e o estado de angústia livre podem conduzir a mãe a uma "fuga para a sanidade", ou seja, a um distanciamento desse bebê que ela não sabe se vai viver. A partir de então, F. começou a reagir mais, permanecia mais tempo com os olhos abertos e as trocas entre a tríade começaram a acontecer. Pensamos que F. pôde estabelecer uma continuidade entre ele e seus pais, pois toda vez que abria e/ou fechava seus olhos, encontrava-os ao seu lado, acariciando-o e conversando com ele. Essa constância permite uma continuidade e, talvez, de forma rudimentar, algum tipo de integração do Eu. Winnicott (1956/2000) refere que um bebê, num primeiro momento, tem o objeto como um prolongamento de si, e só através de uma mãe suficientemente boa é que ele pode diferenciar aos poucos o eu do não-eu, ou seja, o papel da mãe é que gradualmente dá lugar para um existir do eu do recém-nascido, integrando-o.

O estado clínico de F. oscilava muito e, quando este apresentava uma melhora, seus pais verbalizavam os projetos futuros que haviam feito para quando ele saísse do hospital, mas quando ele piorava, o desespero e a desesperança reapareciam, principalmente na mãe. Nestes casos, é comum que, frente a uma realidade tão sofrida e dolorosa, o psiquismo faça uso de alguns mecanismos de defesa com o intuito de proteger-se do sofrimento insuportável, entre eles a negação e a dissociação (Laplanche & Pontallis, 1995). Para Zavaschi, Lima e Palma (2000), é comum que pacientes ou familiares utilizem mecanismos de defesa tais como negação, dissociação e projeção. Quando a dor é insuportável, a negação pode ser utilizada para evitar entrar em contato com a gravidade da doença. Os familiares muitas vezes dissociam o conhecimento de que dispõem sobre a enfermidade e projetam sobre a equipe a responsabilidade da possível piora do quadro clínico, atribuindo à equipe, por exemplo, retardo no diagnóstico ou nos procedimentos terapêuticos, como causa do mau prognóstico. No caso dos pais de F., pode ser observada uma dissociação em alguns momentos mais críticos, onde o risco de morte era maior. Em alguns momentos cada um representava um lado da situação, ou seja, um negando a realidade e o outro se deprimindo, já em outros momentos, se mostravam mais unidos. M. se queixava que J. "negava" (sic) o que estava acontecendo e que não a compreendia, exigindo que fizesse algo que não podia no momento, que era sair, se distrair. J. dizia que M. estava muito chorosa, que precisava reagir, e que brigava com ele porque acreditava que F. pudesse superar o quadro clínico, muitas vezes, negando a situação de forma mais maníaca. Para Padovani et al. (2004), a avaliação clínica dos pais de bebês internados em UTI neonatal possibilita a identificação de mães com maior dificuldade no enfrentamento adaptativo da situação de estresse psicológico, possibilitando assim o planejamento e a execução de adequada intervenção psicológica preventiva.

Pode-se entender que o fato dos pais de F. estarem sempre ao seu lado, conversando e o estimulando, permitiu a este responder aos movimentos internos e externos constantes. Isso colaborou, mesmo dentro de um quadro clínico tão comprometedor, para que F. conseguisse permanecer um tempo mais longo sem o oxigênio, o que ocorreu no seu segundo mês de vida. Com esta evolução, a equipe decidiu transferi-lo para uma sala de cuidados intermediários da Neonatologia. Este momento possibilitou à mãe trazer algumas das roupas de seu filho, permanecer um tempo mais longo com F. no colo, podendo, inclusive, amamentá-lo no seio e não apenas através de uma sonda. Surgiu também a possibilidade de dar o banho, de trocá-lo, enfim, de exercer o seu papel de mãe, realizando algo que tanto esperava e sonhava. M. falava sobre seus sentimentos de realmente ser mãe, pois só então podia cuidar dele realmente. De acordo com Fonseca (2002), se faz necessário que a equipe médica insira a mãe, gradativamente, no cuidado de seu filho dentro de uma UTI Neonatal. Almeida et al. (2003) apontam que os recém-nascidos pré-termos apresentam melhoras quando estimulados por suas mães, sugerindo uma orientação psicológica que acolha as mães, neste momento tão delicado em que se encontram, após o nascimento do bebê. Thomaz et al. (2003) também afirmam que as mães precisam de mais apoio da equipe hospitalar, sendo importante a existência de um espaço para ouvi-las, compreendendo o momento em que estão vivendo e incentivando a sua participação na rotina da UTI neonatal.

Muitas vezes, M. se queixava de não poder exercer seu papel de mãe, chegando a verbalizar que achava que a equipe de enfermagem conseguia cuidar melhor de seu filho do que ela própria, mostrando certo medo em machucá-lo (revelando seus aspectos agressivos inconscientes vividos nesta situação, bem como a raiva por ter um filho malformado e por estar passando por tudo isso). Através dos comentários de M., também se pode observar a rivalidade, bem como o sentimento de impotência que os pais sentem em relação à equipe que, devido às circunstâncias, acabam cuidando e manejando mais o bebê. Soulé (1987) nos ajuda a compreender estes sentimentos quando comenta que a mãe pode considerar a equipe do hospital com sentimentos muito ambivalentes, ou seja, ao mesmo tempo em que reconhece seu trabalho, também sente ódio, inveja e ciúmes, colocando-se em competição com as enfermeiras que cuidam de seu bebê. Linhares, Carvalho, Bordin, Chimelo, Martinez e Jorge (2000) também enfatizam o fato das mães se sentirem incompetentes com relação aos cuidados de seu filho. Outro fator importante é que as mães percebem seus filhos muito frágeis e acabam assumindo um papel mais passivo e cauteloso frente aos seus cuidados, evitando assim, manipulá-los (Almeida, Tachibana, Ulle, & Fernandes, 2003). Porém, depois de muitos encontros, em que estes sentimentos foram trabalhados, a mãe foi percebendo que seu papel era muito importante para a saúde mental e, consequentemente, física de seu filho. No entanto, este período não foi muito longo, não durou mais de uma semana, e o quadro clínico de F. piorou consideravelmente, tendo que retornar para a UTI e ser entubado devido às várias convulsões que apresentou num só dia.

Após este episódio, os pais começaram a culpar os médicos pela piora do filho, alegando que as convulsões se deram pela ingestão dos contrastes para realizar os exames de revisão, o que não achavam necessário no momento, já que ele estava "bem" (sic). Frente ao desespero e à desesperança, observou-se que o casal precisou responsabilizar os médicos por esta situação estressora e frustrante, com o intuito de aliviar o sentimento de culpa por terem gerado um filho malformado. Para Freud (1920/1969a), em seus estudos em "Além do Princípio de Prazer", frente a alguma excitação interna desprazerosa, o aparelho psíquico, para suportar essa dor, colocará a culpa deste desprazer como sendo algo vindo do exterior e não do interior. Bowlby (1985) também concorda com essa situação, referindo que, quando a morte de alguém querido e amado é iminente, os pais vivenciam uma espécie de torpor e tendem a direcionar toda a ira e as explosões para os profissionais de saúde.

A partir de então, F. só piorou e M., durante os atendimentos, foi se deparando com seus sentimentos de dor, angústia e medo, dando-se conta de que iria perder seu filho. Aqui, o contato com a realidade se instalou de forma mais consistente. As convulsões, bem como o prognóstico revelado pelos médicos a partir de então, levaram M. a aceitar e a elaborar o luto pela perda real do filho, ficando livre de um mundo de fantasias. A partir de então, passou a frequentar menos a UTI Neonatal, isto é, começou a se afastar por um tempo mais longo de seu filho. Com relação a isso, Freud (1917/1969b), em seus estudos sobre "Luto e Melancolia", aborda que o luto é um processo natural frente à perda de um objeto amado, onde o sujeito retira a libido do objeto que foi afastado ou não mais existe, sendo uma reação saudável, pois a pessoa vai desvinculando a libido do objeto. Druon (1996) aponta que os pais, diante de tanta dor, tendem a antecipar o luto, ou seja, deixam de investir no bebê para evitarem mais sofrimento, pois acreditam que não adianta fazer mais nada. Dias depois, o bebê foi a óbito. Pode-se observar, assim, o processo vivido por seus pais, que puderam aceitar perdê-lo, vivenciando diferentes momentos e sentimentos.

A literatura na área aponta a presença de sentimentos de medo, incerteza e angústia por parte dos pais de filhos com malformação, assim como o processo de luto pelo filho idealizado durante toda a gestação e a aceitação do filho real (Brazelton & Cramer, 1992). Por outro lado, quando os pais se dão conta que o prognóstico de seu filho é reservado podem antecipar a elaboração do luto com o objetivo de se desligarem do filho para evitar maior sofrimento. Druon (1996) refere o luto pela perda real, ou seja, pelo óbito e também os mecanismos de defesas que o psiquismo utiliza para poder enfrentar esta situação. Contudo, pode-se perceber a importância da psicologia neste ambiente, para realizar um acompanhamento destes pais, neste momento tão doloroso e sofrido, auxiliando a equipe para que esta seja capaz de receber e acolher estas pessoas. Para Zavaschi et al. (2000), a equipe deve centrar sua intervenção na informação clara e verdadeira sobre a doença do paciente, procurando manter um balanço cuidadoso entre dirigir essa família para a realidade e, ao mesmo tempo, respeitar que mantenham a esperança, permitindo que usem da negação quando o sofrimento for insuportável, sob pena de abandono precoce da criança.

 

Considerações finais

Este estudo aponta a importância de uma compreensão e maior empatia por parte dos profissionais da saúde frente às angústias e medos dos pais de recém-nascido que se encontra hospitalizado numa UTI Neonatal, desde o nascimento, por algum tipo de malformação. A equipe, neste momento, pode ajudar na vinculação da tríade (pais/bebê), auxiliando-os a participarem dos cuidados de seu filho, bem como esclarecendo os procedimentos realizados e o quadro clínico do bebê, ou seja, acolhendo estes pais no ambiente hospitalar.

O caso relatado neste trabalho possibilita uma reflexão sobre todos os processos de enfrentamento pelos quais os pais passam no período de hospitalização do filho numa UTI Neonatal, facilitando uma melhor compreensão sobre seus sentimentos, a função materna e a formação do vínculo entre os pais e o bebê. Durante o acompanhamento destes pais, pode-se observar mais claramente a importância do trabalho da psicologia dentro do ambiente hospitalar. O acompanhamento psicológico realizado permitiu ajudá-los a pensar sobre a situação, falar sobre seus sentimentos e, com isso, possibilitar uma aproximação com seu filho, podendo exercer a função de pais, dentro dos limites possíveis. Destaca-se, também, a importância do papel da psicologia junto aos profissionais das equipes do hospital, que também se mostram sensibilizados com as situações vivenciadas e que nem sempre estão preparados para lidar com as famílias. É necessário que estes profissionais também possam ouvir os pais, compreender o momento vivenciado por eles e incentivar a participação nos cuidados com o bebê. Porém, para que isso possa acontecer é preciso que haja um repensar, não só das práticas de assistência nos hospitais, mas das próprias condutas dos profissionais das UTIs Neonatal. Além disso, os próprios profissionais da psicologia precisam estar preparados teórica e tecnicamente para lidarem com as demandas de um ambiente hospitalar, necessitando uma constante atualização profissional, que permita um exercício efetivo de sua função.

Assim, o profissional da psicologia pode e deve desenvolver trabalhos junto aos pais de crianças hospitalizadas, especialmente em situações de malformação congênita, que permitam identificar suas dificuldades frente ao estresse psicológico, possibilitando o planejamento e execução de uma adequada intervenção psicológica preventiva. Desta forma, os familiares poderão participar tanto como colaboradores no tratamento da criança como beneficiários do mesmo, tendo em vista que também necessitam de atendimento por estarem implicados na situação de doença e internação.

Destaca-se, porém, uma carência de estudos que investiguem especificamente o vínculo pais-bebê em situações de malformação congênita. Tais estudos poderiam contribuir para uma maior compreensão da dinâmica familiar que ocorre nestes casos, e assim poderiam subsidiar a prática clínica de psicólogos e outros profissionais que atuam em UTIs. Dessa forma, sugere-se que pesquisas sejam desenvolvidas neste contexto, permitindo uma maior avaliação destas situações, assim como o desenvolvimento de práticas profissionais específicas.

 

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Recebido em setembro/2008.
Aceito em janeiro/2009.

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