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Estilos da Clinica
versión impresa ISSN 1415-7128
Estilos clin. vol.20 no.1 São Paulo abr. 2015
https://doi.org/http://dxdoi.org/10.11606/issn.1981-1624.v20i1p76-91
DOSSIÊ
O papel protetor da mentalização de experiências traumáticas: implicações quando da entrada na parentalidade
The protective role of mentalizing traumatic experiences: implications when entering pareting
El papel protector de mentalización de experiencias traumáticas implicaciones al entrar en la parentalidad
Karin EnsinkI; Peter FonagyII; Lina NormandinIII; Nicolas BerthelotIV; Marko BiberdzicV; Josée DuvalVI
IDocente da Universidade de Laval, Quebec, Canadá
IIDocente da Universidade College London (UCL), Londres, Inglaterra
IIIDocente da Universidade de Laval, Quebec, Canadá
IVDocente da Universidade de Québec à Trois-Rivières, Quebec, Canadá
VDoutorando na Escola de Psicologia da Universidade de Laval, Quebec, Canadá
VIDoutorando na Escola de Psicologia da Univerdidade de Laval, Quebec, Canadá
RESUMO
Já é amplamente reconhecido que as experiências de abuso e de trauma na infância, particularmente as que se passam em um contexto de apego sem segurança, prejudicam o desenvolvimento do sentimento fundamental de segurança em relação ao outro, deixando, desse modo, as vítimas com um sentimento de solidão e com afetos e dores que não podem ser partilhados e associados ao trauma. Por sua vez, quando essas crianças crescem e tornam-se pais, permanecem extremamente vulneráveis à desorganização e à confusão quando confrontados ao desamparo de seus filhos. Isso os torna ainda mais passíveis de reagir de modo impróprio, considerando a ativação dos efeitos ligados ao trauma não resolvido. Entretanto, tal como demonstrado por Fraiberg, os pais aptos para fazer face às experiências traumáticas e aos chamados "fantasmas do passado" têm menor risco de transmitir o trauma a seus filhos. Isso sugere que a mentalização é um fator importante de resiliência.
Descritores: mentalização; trauma; parentalidade; psicopatologia; funcionamento reflexivo
ABSTRACT
It is widely recognized that experiences of abuse and trauma in childhood, particularly those that take place in the context of attachment relationships, hamper the development of a fundamental sense of security in relation to others; leaving the victims with a deep sense of loneliness and unbearable affects and pain associated with the trauma that cannot be shared.. When abused children grow up and become parents in turn, they remain extremely vulnerable to disorganization and confusion when facing the helplessness of their children. This leaves them more likely to react inappropriately when affects linked to unresolved trauma are activated. However, as demonstrated by Fraiberg, those parents who are able to face traumatic experiences and so-called "ghosts of the past" have a lower risk of transmitting trauma to their children. This suggests that mentalizing is an important factor of resilience.
Index terms: mentalization; trauma; parenting; psychopathology; reflective functioning
RESUMEN
Es ampliamente reconocido que las experiencias de abuso y trauma en la infancia, especialmente aquellas que tienen lugar en un contexto de apego inseguro, obstaculizan el desarrollo del sentimiento fundamental de seguridad en relación con el otro; dejando así las víctimas con un sentimiento de soledad y afectos y dolor que no pueden ser compartidos y vinculados a lo trauma. A su vez, cuando estos niños crecen y se convierten en padres, siguen siendo extremadamente vulnerables a la desorganización y confusión cuando confrontados al desamparo de sus hijos. Esto los hace más propensos a reaccionaren de manera inapropiada, teniendo en cuenta la activación de los efectos ligados al trauma no resuelto. Sin embargo, como Selma Fraiberg demonstró, los padres aptos para haceren frente a experiencias traumáticas y a los llamados "fantasmas del pasado" tenen menor riesgo de transmitir el trauma a sus hijos. Esto sugiere que la mentalización es un factor importante de resiliencia.
Palabras clave: mentalización; trauma; parentalidad; psicopatología; apego; funcionamiento reflexivo
Fraiberg, Adelson e Shapiro (1975) foram os primeiros a chamar atenção para as dificuldades dos pais em superar psicologicamente experiências traumáticas vividas na própria infância. Observaram principalmente que pais dispostos a enfrentar lembranças dolorosas associadas às experiências traumáticas passadas, e conscientes de sua fragilidade em se deixarem levar para comportamentos inadequados, como levantar a mão para seu filho, são menos propensos a reproduzir o trauma. Nesse sentido, Fonagy e seus colaboradores propuseram a mentalização como um fator importante de resiliência (Fonagy, Steele, Steele, Higgit, & Target, 1994). Estudos recentes sugerem que a mentalização de uma experiência traumática é particularmente importante para os pais vítimas de sevícias físicas, sexuais ou emocionais durante a própria infância: ela tem principalmente um papel central na transmissão transgeracional das vulnerabilidades associadas ao trauma (Berthelot et al., 2015; Ensink et al., 2014). Três períodos foram identificados como cruciais ao desenvolvimento da mentalização da história dos pais. Primeiramente, a entrada na paternidade e maternidade é um momento crucial no qual deve-se apoiar pais que sofreram na infância.
Em segundo lugar, os períodos em que um dos pais deve cuidar do recém-nascido (entre 0 e 2 anos) são particularmente críticos, pois as manifestações normais de desamparo no bebê podem levar os pais a sentirem impotência, medo e agressividade.
Neste artigo, trataremos primeiro da noção de mentalização e do modo como esta capacidade se desenvolve. Na continuação, apresentaremos sua importância terapêutica para crianças e pais que vivenciam experiências traumáticas.
Funcionamento reflexivo
O funcionamento reflexivo e mentalização são termos utilizados de modo intercambiável e fazem referência à capacidade de perceber a si próprio e perceber os outros como seres psicológicos, bem como levar em consideração os estados mentais, como pensamentos, sentimentos, intenções, desejos e motivações subjacentes aos comportamentos (Fonagy, Gergely, Jurist, & Target, 2002). Segundo Fonagy e Target (2006), o apego e a mentalização estão estreitamente relacionados. Com efeito, segundo os autores, o funcionamento reflexivo desenvolve-se primeiramente na relação de apego pais-filhos quando os pais respondem aos estados emocionais de seu filho de forma acolhedora e significativa. Tais experiências relacionais permitem à criança ter um espaço dentro do qual ela pode explorar seu mundo interno, compreender e distinguir os estados mentais e as emoções que a habitam, e desenvolver uma percepção de si e uma identidade coerentes (Fonagy, Gergely, & Target, 2007). Como Fonagy e Target (2006) sublinham, é difícil conceber que um indivíduo possa desenvolver a capacidade de imaginar o mundo interno dos outros e que ele possa utilizar suas capacidades de mentalização em relação aos outros sem que ele tenha sido previamente considerado como alguém com um mundo interior próprio.
Nessa perspectiva, o funcionamento reflexivo dos pais é considerado como tendo um papel central no desenvolvimento da capacidade de mentalização da criança (Ensink et al., 2014)intervindo no desenvolvimento da compreensão das emoções e da mentalização durante a infância (Ensink et al., 2014; Steele, Steele, Croft, & Fonagy, 1999) e a adolescência (Benbassat & Priel, 2012).
Trauma e mentalização
Considerando o desenvolvimento, a atitude reflexiva dos pais em relação a seus filhos é particularmente importante para que esses últimos possam aprender sobre si e sobre suas próprias motivações e estados mentais, bem como sobre os outros, para que desenvolvam sua capacidade de mentalização. Assim, não é de surpreender que diversos déficits de mentalização tenham sido identificados em crianças maltratadas. Esses déficits incluem uma baixa discriminação das emoções (Pollak, Ciccetti, Hornung, & Reed, 2000), da mesma forma que um desempenho cognitivo mais baixo (Cicchetti, Rogosch, Maughan, Toth, & Bruce, 2003) e uma menor compreensão emocional (Rogosch, Cicchetti, & Aber, 1995). Os pais que maltratam podem fazê-lo devido à incapacidade de estabelecer um tipo de relação e interação que favoreça na criança a exploração e descoberta de seu próprio mundo interior e dos outros. Isso poderia ser explicado pelo fato de que os próprios pais têm dificuldades de mentalização (Slade, 2005), ou pelo fato de serem incapazes ou pouco dispostos a adotar uma posição mentalizante em relação aos seus filhos que signifique experiência interior desses (Sharp & Fonagy, 2008). Além disso, esses pais podem prejudicar o desenvolvimento da mentalização na criança quando se recusam a reconhecer o sofrimento por eles infligido à criança (Fonagy & Luyten, 2009).
Assim, essas crianças passam a considerar a figura do apego como uma fonte de medo, mais do que de reconforto. Fonagy e Luyten (2009) propõem um modelo de duas vias particularmente útil para compreender o impacto de um trauma interpessoal na relação de apego sobre a capacidade de mentalização. Esse modelo propõe que as crianças com figuras de apego abusivas têm mais risco de utilizar, de modo predominante, um modo de "reflexão automático" ou instintivo (Lieberman, 2007) adaptado para detectar ameaças no ambiente, mais do que um modo dito "reflexivo", mais lento, que implica o córtex pré-frontal. No modo dito instintivo, a tendência a evitar ameaças é acentuada ativando-se principalmente um sistema neurobiológico mais primitivo, desenvolvido para efetuar o tratamento rápido da informação e dos estímulos externos. Esse modo, bem adaptado para uma análise expeditiva dos sinais de perigo, repousa sobre as experiências passadas para tomar decisões rápidas. Ora, Arnsten (1998) ressalta que, em certo nível de estresse, até mesmo indivíduos habitualmente ponderados e racionais farão recurso ao modo instintivo, de modo que a capacidade de refletir no plano dos estados mentais estaria inacessível no momento em que o indivíduo teria mais necessidade. A dificuldade em manter a capacidade de ponderação em situação de estresse é passível de ser ainda maior para indivíduos que cresceram em um contexto de ameaça potencial e que presumivelmente fizeram mais recurso ao modo de reflexão instintivo do que reflexivo.
Além do impacto negativo dos maus tratos no desenvolvimento da capacidade de mentalização em geral, os adultos que viveram maus tratos na infância podem manifestar grande dificuldade no nível de mentalização de suas experiências traumáticas. Isso pode ser explicado em parte pelo fato de que as experiências e reações complexas e desconcertantes podem ser particularmente difíceis de mentalizar (Cloitre, Cohen, & Koenen, 2011). Como Perry (2009) assinala, quando os eventos traumáticos transcendem as experiências "normais" que os indivíduos encontram habitualmente ao longo de suas vidas, é muito difícil usar o que foi aprendido com experiências habituais para julgar e compreender os eventos traumáticos. Outra explicação potencial da dificuldade encontrada pelas jovens vítimas em mentalizar esses eventos vem do fato de que crianças têm dificuldades em elaborar por si mesmas uma história coerente de suas experiências traumáticas, a menos que sejam sustentados por um adulto de confiança em quem possam confiar. Por outro lado, esse adulto deve estar motivado a compreender e imaginar a experiência da criança, e também deve poder ajudá-la a elaborar uma história do que se passou. Sem essa narrativa que permite à criança representar verbalmente o evento de modo que as lembranças se tornem explícitas, as lembranças traumáticas tendem a permanecer implícitas e muito próximas à experiência bruta (Brewin, 2011). Isso poderia explicar por que motivo, quando as lembranças implícitas do trauma são ativadas, certos aspectos do mesmo são revividos em tempo real e, portanto, as emoções perturbadoras ligadas ao trauma são sentidas novamente (Allen, 2013). Além disso, no intuito de manter a relação de apego, a criança pode sentir-se aterrorizada pelas experiências de maus tratos vividos pelos pais e pelo mundo interno desses, povoados de representações deformadas deles mesmos (Allen, 2013; Fonagy & Target, 2006). Finalmente, as dificuldades de mentalização em relação aos eventos traumáticos podem ser exacerbadas pela maior tendência das crianças de pais que maltratam em fazer recurso à dissociação para evitar sentimentos dolorosos associados às lembranças do trauma (Berthlot, Maheux, Lemieux, Normandin, & Ensink, 2012; Briere, 2002). Ainda que a dissociação facilite o restabelecimento da regulação emocional e o funcionamento adaptativo permitindo compartimentar lembranças ligadas ao trauma (Steele & Van der Hart, 2009), ela implica, em contrapartida, em uma inibição da capacidade de mentalização (Allen, 2013).
A mentalização como fator de proteção
Da mesma forma que experiências traumáticas podem interferir no desenvolvimento da mentalização, a capacidade de mentalização preservada seria um importante fator de proteção ulterior (Allen, 2013; Fonagy et al., 2002; Fonagy, Target, Gergely, Allen, & Bateman, 2003). Em um estudo pioneiro, Fonagy et al. (1994) relatam que mães confrontadas por diferentes fatores de risco e carências, mas que ainda assim têm um nível elevado de funcionamento reflexivo, têm mais chances que filhos apresentem um apego seguro. Esse último resultado sugere que a mentalização seja um mediador potencial da transmissão transgeracional do trauma.
Fraiberg e seus colaboradores (1975) ilustraram o impacto dos traumas não resolvidos sobre a parentalidade valendo-se da expressão "fantasmas no quarto de crianças". Esses fantasmas ou vozes do passado são uma presença assustadora. Fonagy (1993) os concebe como produtos de uma ausência de mentalização das experiências emocionais dolorosas de medo e impotência, que situam o pai ou a mãe com risco de identificar-se ao agressor mais do que responder de modo adequado ao desamparo da criança. Inicialmente, essa ausência de mentalização foi pensada como um déficit da capacidade de mentalização nas relações de apego em geral, porém nossos trabalhos mais recentes sugerem que, no adulto, a ausência de mentalização toca mais especificamente as experiências traumáticas. Com efeito, as mães de nosso estudo não apresentavam déficits globais de mentalização ligadas a suas relações de apego, mas sim uma diminuição marcada de seu funcionamento reflexivo quando elas abordavam especificamente suas experiências traumáticas (Ensink et al., 2014).
Mentalização do trauma e investimento da gravidez
Uma resolução adequada do que Slade, Cohen, Sadler e Miller (2009) chamam de crise do desenvolvimento da gravidez (developmental crisis of pregnancy) é essencial para a futura saúde mental da mãe e do bebê. A gestação vem acompanhada de grandes transformações psicológicas durante as quais a mulher deverá reorganizar sua identidade, visando representar-se agora também como mãe (Ammaniti, Tambelli, & Odorisio, 2013; Raphael-Leff, 2010). Esse processo, que resulta inevitavelmente da história pessoal (Fraiberg et al., 1975) reativa as lembranças de sua própria mãe, bem como uma reorganização profunda da representação do próprio papel de mãe. Por várias razões isto é particularmente problemático com as vítimas de experiências traumáticas. Primeiramente, os pais vítimas de traumas na infância dificilmente podem se apoiar em seus próprios modelos parentais, por medo de repetir as violências sofridas. Em segundo lugar, várias estratégias que se revelaram eficazes até hoje para ajudar as vítimas a manterem seu funcionamento permitindo-lhes evitar os pensamentos dolorosos associados aos traumas, tais como a dissociação, correm o risco de não serem mais adequadas durante a gravidez ou durante o exercício do papel parental. Finalmente, para esses pais, as angústias associadas ao fato de tornarem-se responsáveis por uma nova vida e o medo de repetir os traumas sofridos podem levá-los a sentirem-se incapazes. Aliás, nossas pesquisas possibilitam afirmar que as mulheres grávidas capazes de refletir sobre suas experiências traumáticas, que souberam desenvolver uma narrativa coerente das mesmas, refletindo seus impactos em termos de estados mentais, investem mais a gravidez, vivendo, assim, mais afetos positivos ligados ao bebê e à maternidade (Ensink et al., 2014).
Mentalização do trauma e qualidade da relação conjugal
A satisfação conjugal pré-natal também é um importante indicador da satisfação conjugal pós-natal e da qualidade dos cuidados oferecidos à criança (Cowan & Cowan, 2000; Knauth, 2000). Por isso, a transição à parentalidade é considerada como um momento propício para a emergência e identificação de problemas potenciais no casal (Glade, Bean, & Vira, 2005). A mentalização específica ao trauma parece ter consequências importantes no funcionamento do casal, particularmente durante a transição para a parentalidade (Ensink et al., 2014). Uma forte relação entre o funcionamento reflexivo específico ao trauma e a qualidade das relações interpessoais sugere que as dificuldades na reflexão são associadas à baixa qualidade da relação conjugal. De forma associada ao modelo proposto por Fonagy e Luyten (2009), é possível que o funcionamento reflexivo ou a mentalização das experiências traumáticas ajude as mulheres que viveram maus-tratos durante a infância a manterem por mais tempo um estado reflexivo nos períodos de estresse, antes de se verem limitadas a modos de mentalização mais automáticos e instintivos.
Mentalização do trauma e relação de apego pais-filhos
Nossas pesquisas permitem afirmar que quando da ativação de afetos ligados a um trauma, a mentalização tem um papel importante na manutenção de um funcionamento interpessoal apropriado, bem como na autorregulação dos sentimentos de impotência, medo, hostilidade e agressividade. Isso pode ser particularmente importante durante as interações com os bebês e crianças, onde a manifestação da agressividade e hostilidade pelas mães é muito inapropriada e nociva.
Segundo a observação de Fraiberg et al. (1975), sugerindo que a capacidade de lembrar-se da dor de um trauma passado é um importante fator de proteção contra a repetição do trauma, observamos que a mentalização ligada ao trauma, avaliada na gravidez, prediz a desorganização do apego da criança na idade de 18 meses (Berthelot et al., 2015). Por outro lado, numa perspectiva psicanalítica, a função "continente" proposta por Bion (1962) e a função de espelhamento (mirroring) proposta por Winnicott (1967) podem ajudar a compreender de que modo comportamentos maternos sutis podem produzir consequências devastadoras. Segundo esses modelos, a criança, cujo desamparo evoca involuntariamente lembranças traumáticas nos pais, fica privada de um pai ou mãe aptos à refletirem afetos justamente quando a criança teria mais necessidade. Assim, em vez de estar em interação com um dos pais capaz de conter o desamparo da criança, a criança vê-se diante de um pai ou mãe também submerso em seus próprios afetos e incapaz de mentalizar a situação. Essas experiências de desamparo na criança são vividas emocionalmente como intoleráveis e incompreensíveis.
Segundo Fonagy e Target (2003), para que a reflexão dos afetos possa servir de base ao desenvolvimento de um sistema próprio de representações, o pai ou a mãe devem poder diferenciar seus afetos dos da criança significando para ela de modo claro que seus pais não os sentem realmente nesse momento. Por exemplo, se um dos pais vive ele mesmo o desamparo que reflete na criança, corre o risco de provocar um aumento do desamparo infantil quando precisamente deveria possibilitar o contrário a contenção. Fonagy e Target (2003) acentuam que em vez de simplesmente refletir o afeto bruto, esse pai vai naturalmente marcar a emoção, como medo ou raiva, levantando a sobrancelha de modo interrogatório no sentido de comunicar claramente à criança que ele próprio não sente a mesma emoção. Todavia, a reflexão afetiva não deveria ser nem excessivamente similar, nem excessivamente afastada da emoção da criança. Assim, a expressão facial do pai em questão, em que se mistura seu próprio afeto incompatível (por exemplo, surpresa e interesse) ao expressado pela criança, permitirá a essa última perceber que sua emoção é análoga à realidade, sem ser totalmente idêntica (Fonagy et al., 2007). Além disso, tal modo de refletir os afetos poderá acalmar a criança, seja ajudando-a a construir representações de afetos contidos, mais do que excessivos, seja ajustando de modo sutil seu estado emocional ao reproduzir a expressão facial do pai.
Postulamos que os déficits de mentalização do trauma por parte dos pais são passíveis de interferir na função "continente", e que a ausência de uma reflexão apropriada, isto é, convergente, dos afetos da criança, possibilita uma representação incoerente e não mentalizada da experiência da criança, que acaba internalizando a experiência traumática, não mentalizada, de seus pais. Com efeito, após a reativação de suas experiências traumáticas, os pais quando deparados com o desamparo do filho se tornam não apenas incapazes de contê-los senão que também acabam impondo suas próprias reações de medo e pânico. O desamparo da criança se torna assim intolerável, não somente porque não é regulado pelo pai ou mãe, mas também porque ativa em si o desamparo dos pais. A criança fica então duplamente desesperada, sem outra escolha a não ser internalizar a representação de um pai amedrontado, em vez de um pai ou mãe capaz de regular e alivia-la. Desse modo, vira portadora das angústias parentais, ficando por sua vez incapaz de comunicar os eventuais sentimentos de desamparo. Para Fonargy e Target (2003), essas experiências constituem um terreno propício ao desenvolvimento de um Eu estranho (alien self) em que a criança se atribui os afetos dos pais. De um ponto de vista clínico, isso pode subentender o sentimento inexplicável (e não fundado) de ser uma "má" pessoa. Esse sentimento não pode ser comunicado nem pensado, pois não foi adequadamente refletido ao indivíduo e permanece não ligado a uma representação mental do afeto. Além disso, já que o sentimento de desamparo nunca foi regulado por outrem, o indivíduo fica preso na emoção de estar só e abandonado quando uma situação de desamparo se apresenta novamente, contribuindo ainda mais para a desorganização. Para alguns, isso pode ativar uma intolerância e medo generalizado das emoções. Ainda que o fato de evitar emoções possa ajudar alguns indivíduos a funcionar em um contexto de trabalho, essa defesa permanece não adaptada em contextos de apego onde afetos inesperados são ativados, principalmente em um contexto tão previsível quanto o tratamento de recém-nascidos. Na ausência de capacidades de mentalização, e quando esses sentimentos insuportáveis são ativados, as experiências de desamparo não metabolizadas podem levar o indivíduo a desenvolver uma representação de si tão intolerável da qual ele só se libera com o auxílio de processos complexos de identificação projetiva em que as partes "alienadas" de si mesmo são projetadas sobre o outro para diminuir a incoerência. Todavia, esse processo está na origem de outro problema, já que ele obriga o outro a carregar as partes de si que o indivíduo tenta-se desfazer.
Desse modo, uma experiência de autoperseguição pode ser transformada em uma experiência de perseguição pelo outro, e um sentimento de ser torturado interiormente pode dar lugar a um sentimento de estar em posição de vítima. Para nós trata-se de um modelo relativamente simples que permite explicar a transmissão transgeracional da experiência do trauma.
Importância do funcionamento reflexivo quando os filhos viveram um trauma
O funcionamento reflexivo parental intervém quando os filhos se veem diante de situações traumáticas, podendo ajudar os pais a se autorregularem e a responderem de modo apropriado à criança. A capacidade do pai ou da mãe em considerar a experiência psicológica da criança, bem como a pensar suas próprias reações emocionais ligadas ao acontecimento, pode ter uma importância capital para a relação pais-filhos depois de um evento traumático, como a exposição da criança a uma agressão sexual. Essa capacidade reflexiva seria ainda mais importante quando a agressão sexual tem consequências desestabilizadoras, por exemplo, quando a criança apresenta sintomas complexos e abaladores como os comportamentos sexuais; quando os pais viveram maus tratos no passado e a experiência da criança reativa lembranças traumáticas, ou quando o sistema familiar desaba depois da revelação da agressão pela criança (o que é principalmente o caso quando a agressão sexual é intrafamiliar).
A capacidade dos pais em conter seus próprios sentimentos em relação aos comportamentos da criança e em compreender que esses comportamentos não estão sob o seu controle imediato, é crucial para ajudar a criança a sentir-se compreendida e contida. Inversamente, quando os pais não possuem condições de controlar suas reações negativas, essas últimas são passíveis de aumentar o desamparo da criança, e também sua impressão de ser má ou rejeitada, favorecendo assim o desenvolvimento de um sentimento de perda de controle e manutenção dos comportamentos problemáticos.
Mentalização das crianças em um contexto traumático
Em um estudo recente verificamos que a capacidade das crianças de mentalizar em relação a elas mesmas e em relação aos outros é particularmente importante para protegê-las contra o desenvolvimento de sintomas depressivos após uma agressão sexual. Constatou-se ainda que as crianças com boa capacidade de mentalização mantêm uma representação adequada de si apesar da agressão sexual, e mantêm representações elaboradas de suas relações com suas figuras de apego. É possível que, para as crianças com uma melhor representação de si e de suas relações significativas, a capacidade de mentalização atue como um recurso interno proporcionando-lhes um sentimento de continuidade em relação a suas relações significativas e a elas mesmas, diminuindo assim o risco de desenvolver sintomas.
No âmbito do estudo realizado com crianças que sofreram sevícias sexuais, observamos que a maioria negava ter sido agredida sexualmente quando questionadas. Para algumas, a negação da agressão pode ser o reflexo da dissociação em relação às experiências traumáticas. As crianças também podem evitar pensar no trauma para manter certa homeostasia psicológica e estar assim em condições de investir-se e engajar-se em outras atividades. Esse distanciamento da criança em relação aos esforços de mentalização do trauma também pode ser o único meio para manter uma representação parental positiva, considerando-se o estado de dependência. Essa estratégia pode ser adaptativa em curto prazo ou em um contexto especial, mas pode também ter consequências em longo prazo se ela for generalizada a um conjunto de situações relacionais ou se a negação for mantida mesmo quando não for mais necessária, principalmente uma vez atingida a idade adulta.
Para várias crianças, acreditamos que essa negação da experiência traumática representa a expressão de uma dificuldade em construir uma história relativa a esse tipo de experiência sem a ajuda de seus pais ou de uma pessoa em quem se possa confiar. Nesse sentido, um suporte poderia ser dado à criança relatando-se os fatos e evitando o acréscimo de detalhes intrusivos. É importante ser claro com a criança sobre o fato de que não é bom para os adultos comportarem-se desse modo com as crianças, sem demonizar o pai ou a mãe, e que a criança possa, apesar de tudo, amar.
Conclusão
O presente artigo apresenta os conhecimentos científicos atuais sobre o papel da mentalização na adaptação pós-trauma. Em primeiro lugar, conclui-se que a mentalização de experiências traumáticas tem um papel fundamental no momento da transição à parentalidade, muito mais que a mentalização das experiências de apego no geral. Em segundo, que a mentalização específica ao trauma está associada à capacidade das mães em investir a gravidez, bem como à qualidade da relação conjugal, e ela prediz a desorganização do apego na criança no período pós-natal. Em terceiro lugar, que a mentalização por parte dos pais é crucial para o desenvolvimento da capacidade de mentalização da criança. E por último, conclui-se que a capacidade de mentalização dos pais e da criança tem um papel central na adaptação desta última após ter sido vitima de abuso sexual.
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Recebido em novembro/2014
Aceito em março/2015
Tradução: Inesita Machado