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versión impresa ISSN 1415-8809
Psicol inf. vol.13 no.13 São Paulo oct. 2009
Convicções de saúde e capacidade de adesão de mães de crianças com doenças graves e crônicas
Adherence to treatment of the mothers of children with severe chronicle diseases
*Marília Martins Vizzotto; **Elen Santana; **Vanessa Fazan de Lima; **Vanessa Faria
Universidade Metodista de São Paulo – Umesp
RESUMO
O presente artigo trata das convicções de saúde e capacidade de adesão ao tratamento de três mães de crianças portadoras de doenças graves e crônicas (anemia falciforme, linfoma de Hodking e diabetes mellitus tipo I). As participantes passaram por sessões de entrevistas semidirigidas, seguindo-se um roteiro com cinco categorias de "convicções de saúde" (suscetibilidade; severidade; benefícios; barreiras; eficácia própria) que indica que o paciente apresenta maior capacidade de aderir a tratamentos se apresentar tais convicções. Os resultados mostraram maior presença de convicções de saúde em duas dessas mães, que também foram as que mais aderiram ao tratamento de seus filhos e eram mais dedicadas à tarefa de cuidar, enquanto que uma terceira mãe, que apresentou menos indicativos de convicções de saúde, foi a menos aderente ao tratamento da filha e apresentou pouca capacidade de cuidar. Ressaltou-se que a suscetibilidade, convicção mais subjetiva dentre todas, pois verifica a capacidade do cuidador em sentir a doença do outro como sua, foi seguramente uma convicção evidente entre as mães aderentes, denotando que a doença não era sentida apenas como do outro (filho), mas como uma ameaça a sua própria integridade.
Palavras-chave: aderência ao tratamento; suscetibilidade; doenças crônicas.
ABSTRACT
This study aims at investigating health-related beliefs and the adherence to treatment of mothers of children with severe chronicle diseases (sickle-cell anemia, Hodking disease and Diabetes Mellitus type I). They were interviewed based on five categories of health-related beliefs: susceptibility; severity; benefits; barriers, and self-efficacy. Two mothers presented more health-related beliefs and a stronger adherence to treatment and were more devoted to the child’s care. The third mother was less adherent, less caring and presented less health-related beliefs. Susceptibility, the caregiver’s ability of feeling the other’s disease as its own, was a very strong belief for the adherent mothers.
Keywords:treatment adherence; susceptibility; chronicle diseases.
Convicções de saúde são fatores que envolvem uma pré-condição para adesão do paciente ao tratamento. Já a adesão, segundo Claydon e Efron (1994), é a capacidade ativa do paciente em seguir as recomendações médicas de modo cooperativo, com aceitação e adequação da terapêutica proposta, mas também se inclui no conceito a responsabilidade compartilhada do médico e do paciente em uma série de cuidados. Popularmente, é a extensão do comportamento de um paciente em relação à prescrição clínica (CLAYDON; EFRON, 1994). Uma condição essencial da adesão efetiva é que o paciente respeite as recomendações da equipe de saúde independentemente da presença de efeitos colaterais desagradáveis que a doença possa ter. Já a não adesão consiste no não cumprimento dessas orientações, como uso dos medicamentos, atividades físicas, dieta alimentar, entre outras recomendações (SANGUIN, 2004).
Considerando-se que adesão aos tratamentos médicos é um dos grandes responsáveis para o sucesso terapêutico, conforme apontam Valle et al. (2001) e Sanguin (2004), o estudo do tema torna-se relevante. Soma-se a isso o fato de que, conforme Claydon e Efron (1994), a não adesão implica em altos custos em saúde pública e resulta em desperdício de recursos e muita frustração para os profissionais e clientes.
É de grande importância, porém, e muito pouco explorado o caráter subjetivo que envolve o processo de adesão/não adesão, e que pode ser mais bem compreendido se estudado sob a perspectiva psicológica.
Ainda sobre a adesão ao tratamento, Valle et al. (2001) consideram três grandes grupos de fatores que influenciam o processo de adesão: aqueles atribuídos ao paciente, à relação médico-paciente e ao esquema terapêutico. Entretanto, esta divisão é apenas didática, já que estes fatores muitas vezes se sobrepõem.
Entre os fatores atribuídos ao paciente estão as crenças sobre saúde/doença do paciente. Crenças são representações mentais ou conteúdos psíquicos, e, segundo Krüger (1993a), fazem parte da conduta humana, pois norteiam o sentido e direção; são construídas na experiência e encontram-se na base dos comportamentos e ações. Outro fator é a percepção do paciente sobre a eficácia do tratamento e que inclui custo financeiro, alívio de sintomas, efeitos colaterais e mudanças no estilo de vida. Mas, segundo Gonçalves et al., (1999), deve-se estar atento ao fato de que alguns pacientes deixam de tomar a medicação e seguir as orientações médicas quando os sintomas desaparecem, acreditando não estarem mais doentes. Outro fator é a faixa etária, pois o fato de crianças e idosos serem mais dependentes de outras pessoas torna deficitária a adesão ao tratamento. Nestas circunstâncias, a atitude familiar influencia o tratamento, visto que uma possível falta de envolvimento familiar pode resultar em isolamento social, diminuindo ainda mais a taxa de adesão (VALLE et al., 2001). Como afirma Krüger (1993a), a ação individual é condicionada por fatores internos e externos, mas sua maior demanda recai nos fatores internos e, com isso, faz-se necessário que o indivíduo tome consciência de sua condição de paciente, pois a função da consciência é avaliar a responsabilidade e garantir a autonomia. Mas há de se considerar os aspectos subjetivos envolvidos nessas atribuições feitas pelos próprios pacientes (KRÜGER, 1993b). Santin, Ceresér e Rosa (2005) consideram que entre os pacientes não aderentes a negação da doença e a oposição em fazer um tratamento no longo prazo são possíveis causas da não adesão. Com respeito aos fatores atribuídos à relação médico-paciente, Campbell et al. (2000) observaram que a adesão inicial era elevada pela lealdade dos pacientes ao fisioterapeuta que os acompanhavam.
Assim, esses estudos mostram o quão importante é a compreensão dos profissionais de saúde acerca das razões pelas quais os pacientes não aderem ao tratamento proposto, para que sejam desenvolvidos novos métodos de intervenção e maior eficácia no tratamento.
Os fatores atribuídos à relação médico-paciente mostram-se fundamentais. Campbell et al. (2000) apontam a necessidade do conhecimento da história de vida do paciente. Santin, Ceresér e Rosa (2005) concordam que a orientação profissional é fundamental, visto que o acompanhamento por meio de consultas e monitoramento dos fármacos será uma maneira de identificar pacientes com problemas de adesão. Valle, Viegas, Castro e Toledo Jr. (2001) indicam que a falta de incentivo e de empatia do profissional influenciam negativamente no tratamento. Nestes encontros, Oliveira e Gomes (2004) afirmam que o profissional não deve focar apenas na quantidade de informações sobre a doença, mas fortalecer o vínculo com o paciente, de modo que a criança enferma não assuma um papel de telespectadora da comunicação entre a mãe e o médico, já que em nossa cultura, de acordo com Cabral e Chaves (2005), as mães são as principais cuidadoras.
As doenças crônicas e que exigem atenção e cuidados especiais, hospitalização prolongada ou serviços de assistência no domicílio são muito difíceis de aderir (PAPALIA; OLDS, 2000). Uma das doenças crônicas com maior gravidade em nosso país, segundo Pace, Nunes e Ochoa-Vigo (2003) é a diabetes mellitus, e os familiares e amigos influenciam na adesão ao tratamento, no seguimento da dieta e na prática de exercícios físicos. Oliveira e Gomes (2004) consideram que as relações interpessoais determinam a qualidade da adesão ao tratamento com doenças crônicas.
A convicção de saúde do paciente faz parte da história de vida e está entrelaçada a experiências anteriores de tratamento, necessidades de cuidado médico e expectativas acerca da saúde. Assim, as capacidades de adesão ao tratamento indicam as convicções de saúde como requisitos: barreiras, suscetibilidade, benefícios, severidade e eficácia própria. (CLAYDON; EFRON, 1994).
Diante do exposto, pode-se entender a complexidade que envolve a questão da adesão/não adesão, sendo impossível identificar apenas um fator, pois o processo é multifatorial e dinâmico e os vários aspectos interagem entre si. No caso de pacientes crônicos acresce ainda a convivência constante do paciente com a doença e a aceitação ou não de seu papel de doente, que no caso de crianças envolverá, além do contato médico, do esquema terapêutico, a participação efetiva da família e/ou cuidador. Assim, a adesão, sendo um tema complexo e ainda bastante discutido, deve ser estudada mais a fundo.
De modo que o presente estudo apresenta como objetivos:
a) identificar indicadores de convicção de saúde em mães cuidadoras de crianças portadoras de doenças crônicas;
b) identificar variáveis psicológicas relacionadas a estas convicções e que podem facilitar ou dificultar a adesão dessas mães ao tratamento dos filhos.
Método
O presente estudo descritivo é de natureza qualitativa e buscou averiguar e descrever os fatos, tal como se mostraram por meio da técnica de entrevistas clínicas semiestruturadas.
Participantes
Participaram do estudo três mães de crianças diagnosticadas com doenças graves e crônicas, sendo elas denominadas Sras. A, B e C. A Sra. A. é mãe de uma menina de 3 anos com diagnóstico de anemia falciforme; Sra. B. é mãe de um menino de 12 anos com diagnóstico de câncer (Linfoma de Hodking); e a Sra. C. e mãe de um menino de 10 anos, com diagnóstico de diabetes mellitus tipo I. Trata-se de uma amostra por conveniência, conforme denominam Rea e Parker (2000), pois os participantes foram recrutados através de indicação.
Ambiente
As entrevistas foram domiciliares, mas procurou-se estabelecer um ambiente que propiciasse neutralidade e estabilidade que favorecesse o decorrer da entrevista; por isso, ao agendar a entrevista, buscou-se um horário em que a mãe estivesse só e que fossem evitadas interferências.
Instrumento
O roteiro da entrevista foi elaborado com base num modelo utilizado por Claydon e Efron, (1994) e também utilizado no Brasil por Sanguin (2004) e Modesto (2006). Trata-se de um modelo de convicção de saúde dirigido a pacientes em tratamento e que contém cinco categorias de "convicções de saúde" e considera que o paciente aderente ao tratamento é aquele que apresenta tais condições. As cinco convicções básicas de saúde são:
1) suscetibilidade – certeza adquirida sobre as consequências da doença e sua vulnerabilidade diante dela;
2) severidade – certeza adquirida sobre os graves efeitos e consequências em sua vida;
3) benefícios – certeza adquirida de que as recomendações médicas trarão benefícios e reduzirão possíveis ameaças;
4) barreiras – certeza adquirida de que as recomendações médicas devem ser levadas a sério apesar de barreiras que possam surgir (físicas, psicológicas e/ou financeiras); e
5) eficácia própria – certeza da capacidade em seguir as recomendações prescritas pelo médico.
Procedimento
Inicialmente foi realizado o recrutamento de mães de crianças portadoras de doenças crônicas por intermédio da indicação de uma assistente social da Prefeitura do Município de Diadema, que tinha contato com essa clientela. Neste recrutamento, o primeiro contato foi telefônico e seu objetivo foi convidar as mães a participar do estudo. Após o primeiro contato e aceitação, as mães foram contatadas em seu próprio domicílio. Foi-lhes explicado que a pesquisa teria fins acadêmicos, que suas identidades seriam preservadas e solicitada autorização. Após esclarecimentos, em linguagem simples e viável, o Termo de Consentimento Livre Esclarecido foi assinado, respeitando as concepções da ética na pesquisa com seres humanos definidas pelo Ministério da Saúde do Brasil e regulamentadas pelo Conep. Acrescente-se ainda que o projeto foi avaliado pelo "Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos" da Universidade Metodista de São Paulo. Durante as entrevistas, a fim de evitar conteúdos persecutórios e qualquer constrangimento, não se utilizou gravador, sendo feitas apenas anotações. Cada entrevista teve duração aproximada de até 2 horas.
Análise dos dados
Os dados foram analisados sob a perspectiva qualitativa. Para esta tarefa, utilizaram-se categorias de análise a priori, ou seja, aquelas categorias (temas) propostas pelo modelo de Claydon e Efron (1994). A análise do conteúdo que emergiu das entrevistas foi feita a partir da investigação das falas contraditórias, da compreensão das mães sobre o tratamento, além de observações do conteúdo não verbal.
Resultados e discussão
Os resultados foram construídos por categorias de análise a priori, seguindo-se o próprio roteiro de "Convicções de Saúde" proposto por Claydon e Efron (1994). Conforme relatado anteriormente, analisou-se o conteúdo das entrevistas a partir da compreensão que essas mães tinham sobre a doença e seu tratamento, a investigação de suas falas contraditórias, além da observação do conteúdo não verbal.
O quadro indica a faixa etária das mães entrevistadas e da criança, respectivamente, o tempo de diagnóstico e as doenças graves e crônicas que necessitam de tratamentos contínuos, constantes e que exigem grandes cuidados dessas mães.
A seguir, distribuímos as convicções de saúde em cinco grandes indicadores conforme Claydon e Efron (1994). São demonstradas também as condições dessas mães de desenvolver estratégias voltadas à administração e promoção da saúde e, por conseguinte, sua capacidade de adesão ao tratamento. Em outras palavras, partimos do princípio de que um paciente que apresenta "convicções de saúde" tem maior capacidade de aderir ao tratamento. Em relação ao tratamento de crianças, é necessário ressaltar que essas convicções de saúde são avaliadas a partir de seus pais ou cuidadores para aderirem aos tratamentos; por isso se justifica o contato com as mães em questão, já que, segundo Cabral e Chaves (2005), em nossa cultura as mães são as principais cuidadoras de seus filhos.
Convicções
a) Suscetibilidade
Conforme definiram Claydon e Efron (1994), a "suscetibilidade" é uma convicção de saúde que expressa capacidade ou disposição da pessoa em sentir as influências ou receber impressões a respeito da enfermidade (tanto sua como de outrem). No caso dos pais, é sua capacidade de entrar em contato com as causas que influenciaram o aparecimento e desenvolvimento da enfermidade e com a angústia que a doença do filho neles desperta.
Sra. A: não se compadece nem sente a doença como sua. Não demonstrou suportar a angústia que a doença traz, atribuindo sua causa à genética de seu antigo companheiro, pai da criança. A mãe expressa: "O pai dela passou esta coisa ruim pra ela, e a gente não sabia; só descobrimos quando o médico pediu pra todo mundo de casa fazer os testes" (sic). Há ausência de empatia e uma incapacidade de colocar-se no lugar da criança. As reações da Sra. A, segundo Cabral e Chaves (2005), poderiam ser justificadas pela falta de informação, porém ela diz ter sido orientada sobre a doença, pois passa pelos médicos e agentes de saúde. Em seu discurso, essa mãe mostrou que se sentia sozinha e tentou passar uma ideia de que priorizava sempre os filhos; porém, ao mesmo tempo, mostrou raiva por ter de se submeter a esta situação. "[…] Me sinto só, nunca mais me envolvi com ninguém, só vivo pra estas crianças […] às vezes dá raiva, sabe, mas num nasci pra ser feliz, então que pelo menos eles sejam" (sic). Nesta fala, a condição de "doação de si" pareceunos contraditória, ambígua, pois não dá indicativos de renúncia ao desejo (já que "eu não nasci para ser feliz" pode ser equivalente a "eu gostaria de ser feliz, mas não posso porque sou impedida").
Sra. B: Foi possível perceber que essa convicção de saúde estava presente nessa mãe, pois em sua fala pareceu mostrar que o sofrimento de seu filho doente era também o seu; mas não se entregou ao sofrimento, já que tinha consciência dos cuidados que haveria de prestar ao filho. A Sra. B expressa: "Eu, e também o meu filho, já suspeitávamos que a doença tivesse voltado, mas quando o médico falou, soou como uma sentença" (sic). Foi possível verificar que a Sra. B havia entrado em contato com a doença do filho, mostrando que, com sua sensibilidade, podia receber impressões, modificações ou qualidades referentes à enfermidade do outro. E continuou dizendo: "Morro de medo de perdê-lo, e se eu o perder, parte de mim morreria" (sic); porém suporta a angústia que a doença traz, procurando ajudá-lo nos momentos que considera mais difíceis: "Evito chorar na frente dele, e como o primeiro dia de quimioterapia é o mais difícil, faço de tudo para distraí-lo um dia antes, para que ele não fique sofrendo por antecipação; aí ele fica bem cansado e dorme a noite inteira" (sic). Assim, a Sra. B mostra o que Claydon e Efron (1994) exprimem sobre a suscetibilidade, ou seja, a convicção de saúde que expressa a capacidade ou disposição da pessoa em sentir as influências ou receber impressões a respeito da enfermidade do outro.
Sra. C: Essa convicção de saúde estava presente nessa mãe. Relata que quando a doença foi diagnosticada sentiu-se mal, pois sua sensação era de que seu filho estava condenado à morte. A Sra. C relata: "Quando soube, senti o chão fugindo dos meus pés" (sic).
Acrescenta que no começo foi muito difícil, que ficou muito preocupada: "Cheguei a pegar ônibus errado, fiquei muito mal, chorava muito" (sic). E, a partir do momento em que obteve informações precisas a respeito da doença e do tratamento que deveria ser realizado, sua percepção da doença mudou e seus medos diminuíram. "Achava a diabetes um bicho-de-sete-cabeças, agora entendo tudo sobre diabetes" (sic). Neste caso as afirmações dos autores coincidem, pois Cabral e Chaves (2005) e Modesto (2006) indicam que o conhecimento da doença e o esclarecimento permitem ao cuidador manejar melhor o tratamento e lidar com a doença. No relato da Sra. C notamos que o impacto da notícia da doença também veio acompanhado de várias emoções e sentimentos, mas a capacidade de suscetibilidade estava presente. Seus medos foram diminuindo e, à medida que a Sra. C foi adquirindo novos conhecimentos a respeito da doença, agregou-se também a convicção de saúde de eficácia própria (que será descrita mais adiante). A via do conhecimento ampliou sua percepção e sua ação de controle da doença: "A diabetes eu posso controlar, e se ele (filho) me ajudar…" (sic). Ou seja, é necessário que o doente tenha autonomia na relação com seu cuidador, como indicam Gonçalves et al. (1999).
b) Severidade
A "severidade" é uma convicção de saúde que se relaciona com a compreensão que o indivíduo tem dos efeitos sérios que a doença traz para a vida do doente. Quando a doença é percebida como moderada ou severa, maior é a adesão (CLAYDON; EFRON, 1994). Também acrescenta Modesto (2006) que nessa convicção de saúde deve-se levar em consideração a maneira como as mães avaliam a gravidade da doença de seu filho, pois esta percepção ajudará no processo de enfrentamento da doença.
Sra. A: Sabe que é uma doença grave, mas não tem clareza das consequências na vida de sua filha, embora já lhe tenham sido explicadas; é como se essa mãe não quisesse compreendê-las. Parece negar essa severidade. Em alguns momentos entende que "se faltar leite ela pode ficar ruinzinha" (sic) e tenta garantir isso. Porém, existe um pensamento fantasioso, pois na entrevista ela compara a doença da filha a de com outra pessoa que conhecera. Disse ela: "Tem uma mulher que eu conheço e que já tá mulher feita, casou e já é até mãe" (sic). Parece, então, não ter uma percepção exata ou real da severidade da doença. E aqui compreendemos, tal como descrevem Claydon e Efron (1994), que não se trata da compreensão de severidade de forma objetiva, mas sim do caráter subjetivo do paciente sobre a severidade. Em determinados momentos da entrevista pudemos observar que essa mãe parece saltar para a etapa do tratamento em que a doença já está controlada, sem vivenciar a parte difícil. "Me apego com Deus para que minha filha possa crescer e fazer a família dela, igual a essa mulher que conheci" (sic). Parece uma espera passiva por melhoras na saúde da filha e que a responsabilidade por esta melhora venha de Deus (fantasia). Sobre esse aspecto, Modesto (2006) acrescenta que a percepção da severidade da doença permite que as mães se deem conta de que serão necessárias mudanças no estilo de vida, evitando consequências ruins. Ao contrário, a crença apresentada pela Sra. A é a de que a doença da filha será magicamente estabilizada ou controlada. Também Valle et al. (2001) afirmam que as crenças dos pacientes sobre sua saúde e seu adoecer são decisivas no tratamento, podendo facilitar ou prejudicar. No caso da Sra. A, sua crença parece um impeditivo da adesão, pois ela acredita que a filha possa "ficar boa, com a ajuda de Deus" (sic) e não com uma atitude positiva perante o tratamento da filha.
Sra. B: A severidade é mais bem percebida por esta mãe que demonstra consciência da gravidade da doença de seu filho, e revela: "Dizem que a segunda vez que o câncer volta é para matar" (sic). Relatou que o sentimento diante do segundo diagnóstico foi como uma sentença. Esse aspecto parece trazer clareza às afirmações de Claydon e Efron (1994) de que quando a doença é percebida como mais severa, maior é a adesão; e do que encontrou Sanguin (2004) em seus pacientes, cujo medo da morte os mobilizou ao tratamento com mais eficácia.
Sra. C: Esta convicção é percebida por esta mãe. De modo que as consequências que a diabetes pode trazer para a saúde de seu filho são entendidas como graves. A mãe expressa: "Eu sei que se não cuidar ele pode ter um monte de complicações […], pode ficar cego, perder as pernas, ficar impotente e outras coisas que não lembro o nome. Podendo até mesmo morrer" (sic). A mãe reafirma a importância de seguir completamente o tratamento, para que estas consequências não aconteçam com seu filho. Assim, tal como aponta Modesto (2006) em seu estudo sobre cuidadores de crianças diabéticas, a família é base importante para o tratamento. Sobre a severidade, a Sra. C afirma: "A diabetes dele chega a 500, 600, e depois baixa para 40, 30, isto é muito perigoso […] os médicos falam que estes picos são mais perigosos para ele, porque ele não sente nada e qualquer dia pode desmaiar" (sic). E fala de suas preocupações com a criança: "Eu já cheguei a medir o destro dele oito vezes ao dia, fora as vezes que eu acordo à noite para verificar se ele está bem e medir novamente o seu destro" (sic). Assim, pôde-se observar que essa mãe tem consciência dos cuidados constantes que deve ter com a saúde de seu filho em virtude da severidade da doença e isso a ajuda a elaborar as estratégias de cuidado.
Quando observamos os relatos de todas as mães entrevistadas, verificamos que a percepção da severidade ou da possibilidade de morte iminente é mais forte nas Sras. B e C. No caso da Sra. B, talvez a aparência do paciente (quando em tratamento quimioterápico) e o estigma da própria doença (o câncer é uma doença que mata, como expresso pela mãe) tenham sido fatores externos importantes na percepção da severidade desta mãe. E no caso da Sra. C a aparência não foi a questão, mas sim a compreensão da real gravidade da doença e a associação com a morte: "Eu sei que se não cuidar ele pode ter um monte de complicações […]. Podendo até mesmo morrer" (sic). Assim, para Claydon e Efron (1994), a percepção da severidade e a possibilidade de defrontar-se com a morte podem envolver tanto o caráter objetivo quanto subjetivo. Embora Valle et al. (2001) tenham descrito que o medo dos estigmas sociais implica em baixa adesão, já que os tratamentos obrigam os pacientes a assumirem estes estigmas publicamente, não observamos este aspecto no caso da Sra. B (cuja aparência da doença fica mais evidente por conta da quimioterapia – com a perda dos cabelos, por exemplo). Julgamos que este aspecto não foi visto desta forma pela Sra. B, porque a compreensão da severidade da doença e o medo da morte foram maiores do que a vergonha despertada pelo estigma social.
No caso da Sra. A, a gravidade da doença que acomete sua filha, e que também pode levá-la à morte, não foi assim percebida. A gravidade da doença não se revela na aparência. Como essa severidade não é tão aparente, a Sra. A pareceu escamoteá-la ou negá-la em vários momentos. Também se pode fazer um correlato desta reação da Sra. A com o que apontaram Gonçalves et al. (1999): quando os sintomas não são aparentes, alguns pacientes deixam de seguir as orientações médicas, acreditando não estarem mais enfermos. No caso da Sra. A, o sintoma da filha não desapareceu, porém não é evidenciado fisicamente.
c) Benefícios
O "benefício" é a convicção de que as recomendações médicas serão efetivas para a saúde, de que o tratamento reduzirá as ameaças provocadas pela doença e de que a aplicação correta do tratamento trará ganhos à saúde (CLAYDON; EFRON, 1994).
O "benefício" é a convicção de que as recomendações médicas serão efetivas para a saúde, de que o tratamento reduzirá as ameaças provocadas pela doença e de que a aplicação correta do tratamento trará ganhos à saúde (CLAYDON; EFRON, 1994). Sra. A: Tem uma percepção parcial dos benefícios. Em dados momentos ela tem a noção de que precisa garantir pelo menos o leite. "Eu cato latinha na rua com o (filho) mais velho. Sempre compro leite para ela (filha portadora da doença); isto eu não deixo faltar, porque o médico disse que ela poderia ficar muito ruinzinha se não tomasse o leite todo dia" (sic). Porém, a barreira financeira apresentada pela Sra. A (outra convicção que apresentaremos mais adiante) a impede de aderir totalmente às demais recomendações médicas, tais como: uso de medicamentos, uma alimentação balanceada e frequência nas consultas e exames médicos. A Sra. A continua: "Agora o resto não dá, né? Tem dia que mal tem arroz e feijão, que dirá legumes e carne; a vida é muito difícil quando não tem dinheiro" (sic). Apesar de toda distorção de percepção apresentada pela Sra. A., pois pareceu ter pouca consciência de quais benefícios o tratamento adequado traria à sua filha, há de se considerar que a barreira financeira é um dado real. Há aqui um correlato com as considerações de Gonçalves et al. (1999) de que a relação custo-benefício do tratamento deve ser considerada no processo de adesão, pois está ligada ao tempo do tratamento, sua medicação, idas ao médico, bem como as pessoas envolvidas no processo, como os familiares, por exemplo.
Sra. B: Apresenta esta convicção, pois demonstra enxergar com clareza a doença de seu filho e percebe como fundamental sua participação no tratamento que traz benefícios a ele. Assim, B diz seguir todas as recomendações médicas solicitadas no tratamento, pois acredita que só assim seu filho poderá se curar da doença e as chances de perdê-lo serão eliminadas. "Não é a ordem natural das coisas uma mãe enterrar um filho" (sic). E continua: "Sempre fui a todas as consultas, exames, químio e rádio que meu filho teve até hoje. Nunca faltei em nenhuma e sei que assim posso ajudá-lo a se curar" (sic). Este aspecto é também apontado por Bagattoli et al. (2000), que afirmam que a crença do paciente acerca de seus comportamentos permite que os benefícios se aproximem de sua realidade. E, embora conheçamos os efeitos colaterais da quimioterapia e todo sofrimento que ela traz, a Sra. B leva o filho regularmente e o auxilia também na convicção de que esse tratamento lhe trará benefícios.
Sra. C: Esta convicção é apresentada pela mãe, demonstrando ter conhecimento de que, se seguir as recomendações médicas e realizar o tratamento com a ajuda de seu filho, ele terá uma vida normal. Sobre este aspecto Modesto (2006) relata que esta convicção auxilia os pais a seguirem corretamente o tratamento, e isto evita as complicações que a doença pode provocar; além disso, os pais sentem-se mais tranquilos quando percebem os benefícios que podem ter se seguirem corretamente as recomendações médicas.
Assim, pudemos observar que todas as mães reconhecem que o tratamento traz benefícios a seus filhos, embora lhes seja dispendioso tratá-los. Porém, ainda que a Sra. A reconheça, sua percepção é parcial e, mesmo contando com as barreiras financeiras, apresenta parcas iniciativas na busca por melhores condições. O que podemos observar nesses casos, com relação aos benefícios, é que diversos fatores contribuem para a adesão, e eles parecem ser tanto do campo afetivo quanto no cognitivo e no social.
d) Barreiras
As barreiras são entendidas de formas diferentes pelas pessoas, como os fatores relacionados ao custo financeiro, efeitos colaterais, mas também se referem aos aspectos subjetivos como a interferência na qualidade de vida e as mudanças no estilo de vida. Claydon e Efron (1994) entendem que quando as pessoas têm uma boa percepção dos benefícios trazidos pelo tratamento, como o alívio dos sintomas, a estabilização dos custos com o passar do tempo, ou seja, que os benefícios são maiores que os entraves, o paciente tende a vencer as barreiras, ou pelo menos entender que pode administrálas melhor. Isso é um indicador de convicção de saúde.
Esses mesmos autores apontam para o fato de que os aspectos subjetivos, como a alteração no estilo de vida, podem representar um maior entrave no processo de adesão do que os fatores mais objetivos, pois já verificaram que os fatores que envolvem renúncia de hábitos pessoais mostram uma alta taxa de não aderência, enquanto os efeitos colaterais, não.
Sra. A: As barreiras relacionam-se principalmente com o custo financeiro do tratamento, como já apontado anteriormente. Esta mãe encontra "barreiras" e não consegue vencê-las muito bem. Embora exista um forte dado de realidade, pois são muitos os problemas financeiros que a família enfrenta, também se observou que a Sra. A utiliza desse recurso para justificar sua condição de necessitada. Aponta que em algumas ocasiões não tem a medicação e sequer tem alimento suficiente em casa para manter a família e a filha doente. Essas barreiras financeiras não têm sido superadas pela mãe, que embora diga que sua preocupação seja "não ter dinheiro para comprar comida" (sic), apresenta uma atitude de passividade, esperando que as demais pessoas se apiedem dela. Na compreensão da mãe, suas necessidades financeiras justificam o fato de o tratamento da criança ser interrompido, e atribui a esta falta o maior impeditivo para sua aderência. Esta passividade da Sra. A mostra que, mais que o custo financeiro, outros fatores subjetivos envolvem sua atitude. Isso nos demonstra que, embora Claydon e Efron (1994) já tivessem apontado que as barreiras são percebidas de forma diferenciada pelos pacientes, no caso da Sra. A observamos que ela tem certa percepção dos "benefícios", mas não faz um movimento que justifique sua convicção de saúde.
Sra. B: No caso da Sra. B, essas barreiras são percebidas e superadas com mais facilidade. Observamos pela entrevista que essa mãe e sua família passaram por necessidades financeiras, porém o tratamento do filho nunca foi interrompido por essas dificuldades. "Dinheiro acabou, desespero chegou, mas eu nunca desisti, eu sempre acreditei" (sic). As expectativas da Sra. B em relação aos benefícios, à esperança de cura do filho, pareceram superar as barreiras.
Na ocasião da entrevista, a Sra. B relata que esta era a segunda vez que o filho apresentava diagnostico de câncer e que em ambas as ocasiões o tratamento foi realizado completamente. A mãe, principal cuidadora, sempre compareceu às consultas e exames, seguiu as orientações médicas, administração de medicamentos e alimentação adequada. Em virtude das dificuldades financeiras, a Sra. B relata que adquiriu dívidas e vendeu o carro da família, que era o único bem que possuíam, a fim de não interromper o tratamento.
Assim, a Sra. B. demonstrou que havia a crença de que no futuro se sucederiam fatores qualitativamente superiores se comparados à realidade imediata vivida. De modo que, ainda segundo Claydon e Efron (1994), as crenças podem desencadear ou inibir ações, como a adesão ou não ao tratamento, e isso depende da disposição do paciente (no nosso caso, do cuidador).
Sra. C: No caso dessa mãe, as barreiras eram percebidas como transponíveis. Sua maior dificuldade era o fato de não conseguir controlar a alimentação do filho fora de casa. "É uma dificuldade manter ele sem comer besteira, porque dentro de casa eu consigo, o problema é ele na rua" (sic). E acrescenta que é difícil não se deixar seduzir pela criança, que insiste em comer alimentos que não pode "Ele é criança, e insiste muito, tenho dó de deixar ele passar vontade das coisas […], ele é manhoso fica insistindo muito" (sic).
A família também era percebida como uma barreira ao tratamento; segundo a Sra. C, havia uma dificuldade com os outros membros da família, que achavam que a dieta alimentar da criança não precisava ser tão rígida. Afirma que seguia a dieta rigorosamente durante a semana porque ficava em casa sozinha com a criança; já nos finais de semana o marido oferecia alimentos que a criança não podia comer e isso, para ela, representava um grande entrave. A Sra. C afirmou: "Eu brigo com ele (marido), mas ele fala: ‘Vou deixar o menino com fome?’ […] eu tento falar com ele, mas ele não me escuta" (sic).
Há ainda outra barreira apresentada pela Sra. C: o custo dos alimentos diet, pois afirma que sua condição financeira a impede de comprar estes alimentos para a criança, e acrescenta que quando compra esses alimentos, os outros filhos saudáveis também consomem. A mãe diz: "Eu quase não compro, e quando compro os outros comem também, sem falar que ele [criança] não pode ver nada que quer comer tudo de uma vez" (sic).
Sobre as barreiras encontradas a partir deste modelo de convicção de saúde e a possibilidade de adesão ao tratamento, Sanguin (2004) apontou em seu estudo com pacientes em recuperação de cirurgias que quando os pacientes superam as barreiras normalmente encontradas, eles aderem ao tratamento, enquanto os que não se disponibilizam, bem como não veem benefícios potenciais no tratamento, não aderem. Claydon e Efron (1994) afirmaram que as variáveis sociodemográficas e de personalidade do paciente são difíceis de serem alteradas. Valle et al. (2001) reforçam a ideia de que as características demográficas, psicológicas e econômicas dos pacientes são características de não adesão atribuídas ao paciente, e, por esta razão, inatingíveis pelos profissionais de saúde. Porém, ressaltam que uma melhor adaptação das prescrições médicas à realidade do paciente resultaria num alcance da adesão sem tantos impeditivos.
Com o exposto, podemos entender que a percepção das barreiras é peculiar a cada sujeito, pois depende da maneira como o sujeito enxerga o mundo, sua vida, suas expectativas e de como lida com seu estilo de vida. Assim, mesmo quando as barreiras são de natureza objetiva, relacionadas principalmente às questões financeiras, sua transposição parece depender mais de aspectos subjetivos relacionados aos próprios recursos internos salutares. Ou seja, dependem da convicção de saúde dessas mães como pessoas e depois como cuidadoras.
e) Eficácia própria
Nessa convicção de saúde, o paciente percebe-se capaz de seguir as recomendações prescritas pelo médico (CLAYDON; EFRON, 1994).
Sra. A: Foi possível identificar na fala dessa mãe que ela não busca encontrar soluções para seguir as recomendações apresentadas pelo médico. Ela espera a ajuda dos outros: "Este mês minha filha está tomando os remédios porque as professoras dos meus filhos mais velhos doaram" (sic). Podemos ainda identificar a ausência da eficácia própria quando refere-se a Deus e diz: "Tenho muita fé em Deus, ele vai me ajudar" (sic). A Sra. A entende que suas dificuldades financeiras justificam sua falta de convicção de eficácia própria, já que espera que venha dos outros (Deus, professores, amigos) e não de seu próprio esforço. "[…] mas ela só toma os remédios quando ganha dos outros" (sic).
Outro aspecto que pode incentivar a eficácia própria é o apoio da rede social. Valle et al. (2001) apontam que a atitude de familiares e amigos influi no tratamento. Porém, a Sra. A vive sem o apoio de parentes ou amigos; diz sentir-se sozinha e sobrecarregada. "Vivo para estas crianças, […] me sinto sozinha" (sic). Estes indicativos de depressão e falta de mobilidade e de isolamento social mostram o parco envolvimento da Sra. A. com a busca de soluções. Pace, Nune e Ochoa-Vigo (2003) afirmam que pacientes que não contam com o envolvimento familiar ou de amigos e que vivem em isolamento social apresentam baixa adesão ao tratamento.
Sra. B: Sua fala revela essa convicção: "São muitos os remédios, mas não esqueço nenhum" (sic). "Nunca faltei em nenhuma consulta nem exames. Apesar da alimentação dele não ter restrições, quando sua imunidade está baixa, preparo uma comidinha com bastante ferro" (sic). Além desses cuidados, a Sra. B. relatou: "não admito que nada de ruim lhe aconteça. Faço o que está ao meu alcance. Se pudesse faria mais" (sic). Novamente podemos resgatar Valle et al. (2001), quando falam da importância do convívio social e do aspecto positivo que representa a família na adesão ao tratamento. Outro aspecto que esses autores destacam é a crença na saúde, que facilita ou prejudica a adesão, e a Sra. B. demonstrou em sua entrevista acreditar que seu filho se restabelecerá.
Sra. C: Esta convicção é bastante evidenciada nessa mãe. Ela acredita que o tratamento deve ser seguido conforme as orientações médicas e afirma ter condições de controlar a doença para que não traga consequências graves à saúde de seu filho. "O diabetes eu sei que posso controlar…" (sic). Acredita que quando a criança crescer será mais fácil transpor as barreiras que impedem a completa aderência ao tratamento. "Não vejo a hora dele crescer […] se conscientizar mais […] se dependesse só de mim, seria mais fácil" (sic). Modesto (2006) aponta que os pais ficam preocupados e esperam que o tratamento proporcione qualidade de vida, evitando as complicações decorrentes do mau controle, e que a eficácia própria dependerá da percepção de cada indivíduo; se ele perceber que pode lidar com as ameaças, isto influenciará nas mudanças de hábitos e no controle da doença.
Na eficácia própria também é importante ressaltar a influência das relações médico-paciente no fortalecimento desta convicção. A Sra. C demonstrou boa relação com a médica que atualmente atende seu filho e isso parece ter influenciado as ações dessa mãe. Em sua fala relatou: "Gosto muito da médica que meu filho está passando agora. Ela é durona, não dá mole pra ele, fala que ele tem que seguir a dieta" (sic). E sobre esse aspecto, Oliveira e Gomes (2004), bem como Campbell et al. (2000), afirmam que a relação médico-paciente é de suma importância, visto que uma comunicação interpessoal efetiva entre ambos reveste-se de características próprias, pois envolvem informações sobre a doença, seu prognóstico, os sintomas, a prescrição e os cuidados necessários que deverão ser adotados durante o tratamento.
Conclusão
Este estudo buscou investigar, em mães de crianças com doenças graves e crônicas, as convicções de saúde e as variáveis psicológicas que influenciam o processo de adesão ao tratamento. Duas mães (Sras. B e C) apresentaram mais fortemente essas convicções e deram mais indicativos de adesão ao tratamento de seus filhos e maior dedicação à sua função de cuidadoras. Em contrapartida, uma das mães, a Sra. A, apresentou menos indicativos da presença de convicções de saúde e menos aderência ao tratamento da filha.
Com relação à "suscetibilidade" - convicção mais subjetiva dentre todas, pois verifica a capacidade da mãe em sentir como sua a doença apresentada por seu filho, sentindo-se vulnerável a ela - foi seguramente observada nas mães B e C. No caso delas, a doença não era sentida como uma ameaça somente ao filho, mas também à sua própria integridade. Logo, entende-se que não basta o entendimento racional da doença; faz-se necessário que a mãe - principal cuidadora da criança e responsável pela aderência ao tratamento - entre em contato com a doença.
Identificou-se também que as informações e os esclarecimentos que a mãe possui sobre a doença influenciam no processo de adesão. As mães B e C apresentaram mais conhecimentos específicos sobre a doença de seus filhos. Mas ressaltamos que os fatores objetivos, como o conhecimento acerca da doença, não devem ser os únicos a serem considerados no processo de adesão, visto que ela não é entendida como unicausal e sim multifatorial e dinâmica. As variáveis psicológicas, de natureza subjetiva, interferem no trabalho terapêutico e na adesão ao tratamento, determinando seu sucesso ou fracasso. Na percepção subjetiva da doença, além da suscetibilidade, está a percepção da convicção de severidade, visto que nos relatos apenas o conhecimento objetivo das causas sérias que a doença traz à vida da criança não foi suficientemente forte para um comportamento aderente. Observou-se que quando a mãe enxergava a gravidade da doença de seu filho e mobilizava-se pelo medo, havia um melhor enfrentamento da doença e uma consequente adesão.
Todas as mães entrevistadas apresentaram a convicção de benefícios, sendo que uma delas apresentou esta convicção parcialmente. As mães demonstraram possuir a percepção de que ao seguir a proposta terapêutica trariam benefícios à saúde de seus filhos e reduziriam as ameaças iminentes que a doença traz. Esta crença facilita a adesão ao tratamento. Outro aspecto que contribui para a adesão é a combinação de fatores afetivos e cognitivos em relação aos benefícios do tratamento, e isto deve ser vivenciado pela mãe, que é a principal cuidadora da criança.
A percepção das barreiras é peculiar pois depende de como o sujeito percebe o mundo, e de como lida com seu estilo de vida. Mesmo quando as barreiras são objetivas, relacionadas às questões financeiras, sua transposição depende dos aspectos subjetivos relacionados aos próprios recursos internos e saudáveis.
Acreditar-se capaz de seguir as recomendações médicas demonstrou ser uma crença importante para o sucesso da adesão. No caso do presente estudo, a eficácia própria das mães entrevistadas foi de grande importância no tratamento, de modo que as mães que se percebiam capazes de seguir as recomendações médicas acabavam por facilitar o processo de mudança de hábitos e comportamentos que a rotina da doença, com seus exames, dietas alimentares e outras recomendações médicas, trazia à vida dos filhos.
Cabe destacar o grande mérito do instrumental utilizado e que possibilitou a elaboração do presente estudo. Este mérito está assentado principalmente no fato de que se trata de um instrumento-guia, aberto à técnica de entrevista semidirigida, e não uma composição de categorias e indicadores estanques. Esse favorecimento dado pelo instrumento possibilitou-nos, enquanto investigadores clínicos, uma visão dinâmica dos sujeitos, dos aspectos subjetivos envolvidos no processo de adesão ao tratamento desses doentes graves e crônicos e seus cuidadores. Esses aspectos subjetivos são justamente as variáveis psicológicas envolvidas no processo de adesão e que facilitam ou impedem o sucesso terapêutico.
Muitas vezes despercebidas pela equipe de saúde, as variáveis psicológicas e subjetivas são os maiores impeditivos ao sucesso terapêutico. Compreendê-las melhor é tarefa do profissional de saúde.
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Recebido em: 18 novembro de 2008.
Aceito em: 10 fevereiro de 2009.
*Doutora em Saúde Mental pela Unicamp e mestre em Psicologia Clínica pela PUCC; atual professora do Programa de Mestrado em Psicologia da Saúde e supervisora de estágio de formação de psicólogos em Psicologia Comunitária e da Saúde – Universidade Metodista de São Paulo – Umesp.
**Psicólogas graduadas pela Universidade Metodista de São Paulo – Umesp