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Psicologo informacao
versión impresa ISSN 1415-8809
Psicol inf. vol.15 no.15 São Paulo dic. 2011
Artigo
Investigação sobre atendimento psicossocial oferecido em delegacias de defesa da mulher
Research on Psychosocial Care Offered in Defense of Women Police Station.
Bianca Balbueno*
RESUMO
A violência doméstica vem ocorrendo de forma crescente atualmente, causando sofrimento a muitas mulheres que vivenciam essa situação cotidianamente. Na maioria dos casos, a denúncia nem sempre é realizada e, quando é, a vítima retira a denúncia pouco tempo depois devido à dependência financeira e/ou afetiva do agressor, entre outros motivos. Perante o aumento desses casos, se faz necessário um atendimento psicossocial, no qual essa realidade possa ser transformada, tornando a mulher agredida uma pessoa que não se submeta a essa violência tão passivamente, tenha maior autocuidado, autonomia e autoconhecimento. Observando a relevância dessa modalidade de intervenção, para mulheres vítimas de violência doméstica, este trabalho tem a intenção de trazer formas mais eficazes de promover a saúde física e mental dessas mulheres, a partir de um panorama geral do que é esse atendimento psicossocial e de como ele pode ser modificado ou melhorado de forma viável e que consiga alcançar o objetivo de oferecer bem-estar, proteção, informação, elevar a autoestima e desenvolver a autonomia dessas mulheres.
Palavras-chave:psicologia; delegacia de defesa da mulher; violência doméstica.
ABSTRACT
Cases of domestic violence are growing, causing distress to women who experience this situation on daily bases. In most cases, the notification is not performed or the victim withdraws the complaint shortly afterwards. Women's reluctance to report assaults by their male partners has been attributed to economic and psychological dependence, among other reasons. Psychosocial care is of utmost necessity in this reality, to strength the woman; increase her autonomy, self-esteem and self-knowledge. This study intends to present effective ways to promote physical and mental health of these women, from an overview of what psychosocial treatment is, and how it can provide wellbeing, protection, information, autonomy to these women.
Keywords: psychology; domestic violence policies; domestic violence.
Introdução
O atendimento psicossocial para mulheres vítimas de violência doméstica está tomando maior vulto no Brasil, pois ela tem sido uma grande preocupação social e de interesse de investigação científica, dada a gravidade do problema. O olhar técnico-científico para esse tipo de atenção psicossocial dado às mulheres e crianças em instituições habilitadas pode trazer contribuições para o manejo técnico na condução dos atendimentos, na ampliação do trabalho, bem como na eficácia e efetividade do mesmo. É nesse sentido que o presente estudo vem a se prestar.
Com o objetivo de oferecer bem-estar, proteção, informação, elevar a autoestima e desenvolver a autonomia dessas mulheres é que esses serviços têm sido oferecidos em meio à preocupação pelo crescente número de episódios violentos; pois, como apontam os dados do IBGE (2000), no Brasil, 11% das brasileiras com mais de 15 anos já sofreram espancamento, sendo que em 56% desses casos é o marido ou o companheiro o responsável pela agressão.
Seguindo a mesma preocupação é que projetos de lei são instalados para coibir a violência e, principalmente a violência contra a mulher, como a mais atual Lei Maria da Penha – n. 11.340/2006, de 22 de setembro do ano de 2006 (BRASIL, 2006). Lei essa que tem como objetivo proteger mulheres vítimas de agressão doméstica (violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral).
Além da proteção legal, o que pode mais ser feito para que essas mulheres tenham uma maior autonomia e possam se reestruturar após a denúncia? Como essas mulheres poderão retomar sua vida normalmente, sem voltar a serem vítimas de agressão? Pensando no bem-estar dessas mulheres e visando à sua independência e autoestima, é necessário um apoio psicossocial eficaz, que dê suporte a elas, a fim de que não se tornem vítimas recorrentes e sim adquiram a capacidade de preservar sua saúde física e mental.
Também é interessante trazer à discussão o fato de que a violência doméstica é muitas vezes vista pela população apenas como agressão física; todavia, lembramos com a Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006) que a proteção legal destina-se às vítimas de violência doméstica – e é entendida como violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
Com o objetivo de levantar dados nacionais sobre a condição feminina no país, a Fundação Perseu Abramo investigou e elaborou um relatório que culminou na publicação de um livro sobre "a mulher brasileira nos espaços público e privado" (VENTURI; RECAMAN; OLIVEIRA, 2004); assim, a partir de entrevistas com 2.500 mulheres, e que versaram sobre diversos temas envolvendo a condição da mulher, entre eles o da violência, os resultados mostram que o marido é o maior agressor. Relatam ainda que uma em cada cinco brasileiras (19%) declara espontaneamente ter sofrido algum tipo de violência por parte de algum homem: 16% relatam casos de violência física, 2% citam alguma violência psíquica e 1% lembra o assédio sexual. É apontado ainda nesse relatório, que o marido é responsável por 70% das "quebradeiras", 56% dos espancamentos e 53% das ameaças com armas à integridade física. Em segundo lugar, aparece o ex-marido, ex-companheiro, ex-namorado como autor das agressões. Entre as razões pelas quais são agredidas estão explicações como o álcool e o ciúme; sendo o último apontado por 21% delas, bem como os distúrbios psicológicos, seja pelo álcool ou pela agressividade, por 32%. O machismo foi apontado por 14% das mulheres.
Assim é que a violência contra a mulher tem sido alvo de preocupação também por parte de jornalistas como M. Rusche que, inclusive, traz os dizeres de outra entusiasta e estudiosa do tema, a socióloga e advogada Heleieth Saffiotti, quando afirmou que o papel mais importante do homem na sociedade é o de provedor, sendo ele quem define a virilidade; e, com o desemprego ou quando a mulher trabalha e ganha mais, o homem experimenta sentimentos que não sabe como lidar: a impotência, por exemplo. De modo que a violência ocorre quando aparece este sentimento de impotência (RUSCHE, 2002).
Também sobre a questão do sexismo e a violência doméstica, Faria (2005) afirma que, assim como outros fatores de opressão feminina, a violência sexista é um fato histórico, pois foi sendo construída socialmente e encontra sua base na divisão sexual do trabalho, sustentada pela cultura patriarcal que desqualifica as mulheres. Afirma ainda a mesma autora que na cultura ocidental as representações da mulher têm como símbolos Eva e Maria.
Nesse raciocínio, continua a autora, as mulheres são "profanas ou virtuosas"; ou qualificadas como puras ou impuras se cumprirem ou não o papel feminino da maternidade, considerado o principal papel. E essas representações definem que a mulher deve ser intuitiva, sensível, cuidadora, delicada, amável, carinhosa e boa dona de casa. Desse modo, é que se justificam as manifestações de violência, ou seja, pelo argumento do não cumprindo desse papel e desses atributos. Quando os homens agridem as mulheres, justificam-se com o argumento de que elas não fizeram o trabalho doméstico, que não se comportaram bem ou coisas do estilo. Igualmente, quando frequentamos os espaços públicos, se presume que estamos disponíveis sexualmente, e com isso se justifica o assédio ou outras argumentações utilizadas com esse fim (FARIA, 2005).
Nunes, Fonseca, Amâncio, Carrijo e Marques (2006) em estudo sobre levantamento de queixas apresentadas em delegacias, observaram que as mulheres não denunciam seus companheiros na primeira agressão, e isso ocorre depois da terceira ou quarta agressão, as mulheres experimentam, durante o relacionamento, a necessidade de agradar o companheiro e, mesmo sofrendo com a violência, a maioria das mulheres se sente culpada pelo fracasso dos seus relacionamentos; houve também um grande número de mulheres cujos companheiros faziam uso abusivo de álcool, somado ao fato de que suas mães haviam passado pelos mesmos problemas, sendo que, quando crianças, às vezes tinham de fugir com a mãe das ameaças dos pais.
Assim, o panorama apresentado revela necessidade de muitos e variados modelos de atenção psicológica, social, de saúde geral, entre outros, a fim de que se obtenham resultados mais favoráveis no sentido de redução de taxas de violência ou mesmo de redirecionamento ou retomada de crescimento psicossocial dessas pessoas.
E é nesse sentido que o presente estudo buscou compreender mais o trabalho já oferecido. Mais especificamente, os objetivos deste estudo foram: – descrever o modelo de atendimento psicossocial realizado em delegacias de defesa da mulher; descrever a compreensão dos profissionais que oferecem os atendimentos, acerca do próprio modelo oferecido.
Método
Foram realizadas entrevistas para levantamento de dados em "delegacias de defesa da mulher" e outras instituições que trabalham com delegacias. Essas demais instituições são destinadas à realização de atendimentos psicossociais para mulheres vítimas de violência doméstica, que são encaminhadas pelas próprias delegacias que não dispõem desse serviço.
Participantes: foram entrevistadas seis pessoas, funcionários de Delegacias de Defesa da Mulher, e outras instituições, responsáveis pelo atendimento direto às vítimas de violência, e entre as quais estiveram delegadas, escrivãs, escreventes, assistentes sociais e estagiários de psicologia1 que aceitaram participar da pesquisa.
Material/Instrumentos: para a coleta desses dados, realizaram- -se entrevistas estruturadas a partir de um roteiro, com os responsáveis pelos atendimentos ou encaminhamentos dessas vítimas, As entrevistas tiveram duração, em média de 1 hora.
Locais: foram selecionados, por critério de conveniência (REA; PARKER, 2000) Delegacias de Defesa da Mulher da cidade de São Paulo, sendo estas, delegacias das regiões Centro, Sul, Oeste, Norte, Leste, contemplando: Vila Mariana, Santo Amaro, São Miguel Paulista, São Mateus, Vila Carrão, Pirituba, Jaguaré, Freguesia do Ó. As entrevistas foram realizadas nas próprias dependências das instituições.
Procedimentos: em um primeiro momento, foi necessário entrar em contato com os locais citados e consultar a possibilidade de realizar as entrevistas no local. Nessa ocasião, também fora informado o objetivo da investigação e a exposição da necessidade da concordância e assinatura do "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido". Após aceite e realização das entrevistas, os dados foram analisados de forma qualitativa e foi também elaborada uma proposta de intervenção aplicável à realidade das delegacias, com intuito de favorecimento de melhora de saúde física e mental dessas mulheres que procuram o serviço.
Resultados e discussão
Os resultados foram estruturados em forma descritiva, seguindo- se grandes categorias que foram também extraídas do conteúdo coletado pelas entrevistas.
Acolhimento à Vítima
Entre as questões levantadas na entrevista, estava a compreensão que tinham sobre um atendimento psicossocial. E, dentre os entrevistados, três responderam que o atendimento psicossocial realiza um acolhimento à vítima. "O atendimento psicossocial realiza acolhimento às vítimas, assim como orientações gerais, contato com a família para também orientá-las e muitas vezes tentar a aproximação entre familiares" (sic). Duas delegadas disseram que é um atendimento multidisciplinar. "Entendo que o atendimento psicossocial é um atendimento multidisciplinar, onde trabalham em conjunto psicólogas e assistentes sociais, mas que também tenha auxílio de promotores que possam dar apoio jurídico para as vítimas" (sic). Algumas escrivãs não souberam responder.
As atenções dessa natureza são vistas por autores como Oliveira (2007), como sendo ações de cuidado pautadas por uma compreensão ampliada do processo saúde-doença (mental), que remetem a uma realidade biopsicossocial histórica e concreta e que se constituem a partir da integralidade e da cidadania. Desse modo, compreendemos que a atenção psicossocial localiza-se no campo interdisciplinar da saúde mental, não é uma extensão ou uma atualização das práticas psiquiátricas (médicas), nem se organiza a partir da centralidade dessas.
É interessante destacar que o assistente social e o estagiário de Psicologia apresentaram raciocínio mais voltado para a questão do acolhimento, "do ouvir" o outro (o que é, obviamente função dessas duas categorias profissionais) e uma escrevente também estava sensibilizada para pensar da mesma maneira; já as delegadas tinham um olhar mais voltado para a questão judicial em si (que também é o papel delas de fato); entretanto, há uma diferença para a vítima; pois é possível considerar que a atitude de uma mulher ao ser acolhida e ouvida torna-se mais assertiva, uma vez que ela terá consciência da sua escolha e decidirá o que é o melhor a ser feito, enquanto uma mulher que é orientada apenas no campo jurídico e não tem seus sentimentos ouvidos, portanto, pode não ter a clareza daquilo que quer ou pode ser feito.
Atenção Multidisciplinar
Quando perguntado qual era o atendimento realizado para as vítimas de violência doméstica, duas pessoas responderam que, quando a equipe percebe que a vítima precisa de um atendimento, ela é recebida pelos estagiários de psicologia (é importante esclarecer que em algumas delegacias há presença de estagiários de psicologia durante todo o ano, mas em algumas essa previsão não pode ser feita, pois depende de alguma universidade da região encaminhar seus alunos para esse fim). Fato que indica que haveria necessidade de profissionais permanentes no local, não tendo o Estado (responsável por essas instituições) que contar apenas com a estada de estagiários de universidades no cumprimento de tarefas que parecem constantes.
Tendo em vista o discurso desses entrevistados, pensou-se num ideal de atendimento que seria a possibilidade de que todas as pessoas que apresentassem denúncia por violência numa Delegacia de Defesa da Mulher pudessem ser atendidas por um psicólogo e/ou assistente social, tendo em vista o momento de crise porque passam; situações adversas em que as pessoas não sabem como resolver sozinhas os conflitos e, nitidamente, precisam ser acolhidas, orientadas, encaminhadas para outras entidades. Entidades essas nas quais essas mulheres pudessem receber benefícios, aprender ofícios, saírem da dependência financeira de seus maridos. Não sendo isso possível, seria interessante que, pelo menos, os profissionais que atendem a essas mulheres fossem treinados para terem uma escuta diferenciada e realizassem um acolhimento a essa vítima.
Sobre essa questão da atenção multidisciplinar, Day; Telles; Zoratto; Azambuja; Machado; Silveira; Debiaggi; Reis; Cardoso; Blank (2003) afirmam que, como a violência doméstica tem características e múltiplas interferências no campo social, cultural, médico e legal, exige sim uma abordagem transdisciplinar, caso se pretenda obter resultados mais favoráveis às vítimas, ao grupo familiar e à sociedade como um todo. Continuam os autores a afirmarem que há de se buscar o desenvolvimento de trabalhos e programas com abrangência mais ampla e que abarquem a vítima, o abusador e o restante do grupo familiar, diante das múltiplas facetas contempladas pela violência doméstica, em especial a violência intrafamiliar. Para a implantação de programas que prestigiem uma abordagem transdisciplinar, há que se buscar capacitar, as equipes profissionais envolvidas, no intuito de se apropriarem de conhecimentos básicos sobre saúde, direitos da criança, aspectos jurídicos que envolvem os procedimentos judiciais, a fim de que atuem de uma forma mais abrangente e evitem intervir num único enfoque.
Eficiência do Atendimento
Com relação à eficiência dessa atenção prestada à vítima, os entrevistados emitiram opiniões como: – uma escrivã afirmou que "O atendimento psicossocial favoreceria se houvesse um acompanhamento específico, orientações jurídicas e sociais, encaminhamentos para cursos, para associações voltadas para esse tipo de caso" (sic). Outras cinco entrevistadas disseram que o atendimento favorecia sim, pois uma vítima necessita desabafar naquele momento; necessita ser ouvida. Numa das falas observa-se o seguinte: "Favorece muito, pois, por ser um atendimento emergencial, a pessoa sai da delegacia mais amparada, com uma visão mais humana da delegacia em si, sentindo-se mais protegida" (sic).
Sobre a questão da atenção prestada, Schraiber e D'Oliveira (1999) já haviam anunciado sobre uma espécie de invisibilidade social do agravo da violência doméstica. Essas autoras entendem que a saúde pública pode oferecer recursos para as muitas dimensões do fenômeno da violência, já que apresenta vários aspectos, como jurídico, epidemiológico, social, psicológico, além de que o atendimento possibilita o desenvolvimento de respostas multisetoriais. Entretanto, dada essa complexidade, ainda não há um lugar social e um campo de intervenção e saberes que reconheçam esse tema como objeto específico seu.
Sobre a pergunta, se é recorrente a denúncia de vítimas de violência doméstica após o atendimento psicossocial, um assistente social respondeu que com a existência de atendimentos, o número de ocorrências diminui, pois no período de férias dos alunos/estagiários de psicologia, os funcionários costumam relatar que sentem bastante a diferença e um aumento do número das ocorrências; já outros entrevistados não souberam responder, pois afirmaram não ter um controle sobre esses dados.
Mulheres e a Violência
Quando abordado sobre a possibilidade de se traçar um perfil das vítimas de violência doméstica que procuram as delegacias, as respostas foram as seguintes:
Assistente Social relata que "A violência doméstica é muito democrática, por isso a delegacia atende a uma diversidade muito grande de mulheres. Em sua maioria, entre 30 e 40 anos, sendo os agressores seus próprios companheiros (atual ou ex), normalmente as vítimas são donas de casa, têm ensino médio completo, mas também há um número considerável de mulheres com ensino superior que sofrem violência e aparecem para fazer a denúncia" (sic).
Uma escrevente diz que "Normalmente são mulheres com, em média, 35 anos, três filhos, que vieram de outros Estados, que são agredidas há mais de 10 anos. Posso dizer que 80% dessas mulheres, depois de um ou dois anos voltam a morar com os agressores. Outra coisa que faz que essas mulheres vivenciem essa violência é a dependência financeira" (sic).
Uma escrivã define o seguinte: "O perfil normalmente é de mulheres com um nível social mais baixo, com histórico de desestrutura familiar, desemprego, onde os agressores em sua maioria fazem uso de álcool ou drogas" (sic).
Um estagiário de Psicologia diz que "Não há um perfil específico. Vem mulheres de todas as idades, com um perfil bem variado" (sic).
Uma delegada afirma "A Delegacia de Defesa da Mulher atende a uma população mais carente, mulheres de 30 a 40 anos, que estão em uma união estável, que trabalham, mas ganham pouco. Porém, a violência doméstica é, infelizmente, muito democrática, estando em todos os níveis sociais, porém, pessoas com melhores condições financeiras buscam outros meios para resolver esse problema" (sic).
Outra delegada relata que "O perfil das vítimas são mulheres entre 18 e 35 anos, com pouca ou média condição financeira. A realidade é que a violência doméstica ocorre em todas as classes sociais, mas as pessoas mais abastadas procuram meios particulares para resolver seus problemas, buscam auxílio de advogados, psicólogos, enquanto as mulheres de baixa renda só têm o meio público de buscar ajuda, procurando as Delegacias de Defesa da Mulher" (sic).
A partir desses relatos, pode-se observar que os profissionais colocaram aspectos em comum e que parece indicar sim um perfil, pois o que se abstrai é que se trata de uma clientela de mulheres com idade entre 18 e 40 anos (idade reprodutiva), dois ou três filhos, agredidas pelos próprios companheiros ou ex-companheiros, casadas ou mantendo união estável, em sua maioria, dependente financeiramente de seus companheiros, normalmente a família está desestruturada e existe algum problema emocional por parte do companheiro e/ou da vítima. E esse é um perfil que parece o mesmo já apontado por estudiosos desse tema (JONG; SADALA; TANAKA, 2008, HENRIQUES, 2004, VENTURI et. al., 2004, MENDONÇA, 2003, SCHRAIBER; D'OLIVEIRA; FRANÇA-JUNIOR; PINHO, 2002).
Faz-se importante abordar que Mendonça (2003), em trabalho realizado na Delegacia de Defesa da Mulher de Itápolis, observou que as mulheres agredidas eram oriundas de famílias em que violência ou castigos físicos faziam parte do cotidiano, e na vida adulta podem ser desencadeantes de situações agressivas. Inconscientemente, buscam "repetir" situações primitivas em suas relações. Essas marcas podem influenciar também na escolha do parceiro; sendo possível escolher parceiros agressivos, como forma de solucionar problemas.
Segundo todas as entrevistadas, as queixas mais comuns trazidas pelas vítimas são: ameaça seguida de lesão corporal. Esse tipo de violência veio a ser bem observado pela Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006), e cabe destacar que a própria violência contra a mulher que compreende situações diversas, como violência física, sexual e psicológica cometidas por parceiros íntimos, embora sempre presente na história da humanidade, só foi reconhecida como agravo à saúde pública a partir da década de 90 por organizações internacionais, como a World Health Organization (WHO, 2005).
Das seis delegacias visitadas, apenas uma delas tem um atendimento psicossocial mais estruturado, onde há estagiários de psicologia todos os semestres, faltando apenas uma melhor adequação do espaço físico. Nas outras delegacias, não há atendimento psicossocial. As vítimas chegam a esperar até quatro horas para serem atendidas, e devido ao volume de trabalho que as funcionárias das Delegacias de Defesa da Mulher têm, elas procuram maior objetividade possível com cada mulher, o que exclui a questão da escuta e do acolhimento, o que consideramos ser tão importante para a vítima.
Sobre esse aspecto, Mendonça (2003) destacou relato de delegada encarregada de Delegacia de Defesa da Mulher no ano 2000, em que esta afirmara sobre a importância do auxílio de um profissional da área da Psicologia, pois a maioria da clientela que procurava a DDM tinha como objetivo inicial punir o agressor ou agressores; entretanto, por intermédio das conversas com as mulheres, estas estavam à procura de ajuda para seus problemas conjugais e pessoais e o fato de serem ouvidas e acolhidas dava-lhes a sensação de bem- -estar e, muitas vezes, não realizavam a queixa contra o agressor.
Ao perguntarmos se o atendimento psicossocial consegue dar o suporte necessário a essas vítimas, para que elas saiam dessa posição e tenham mais autonomia, três pessoas dizem que o atendimento ajuda a vítima a ir até o fim, dando o apoio que ela necessita no momento, sendo um incentivo, uma pessoa diz que no momento em que a vítima chega à delegacia sim, pois o atendimento tem um caráter mais emergencial, uma pessoa diz que esse atendimento consegue ajudar a vítima para que ela entenda sua situação e possa sair desse círculo vicioso de violência; um dos entrevistados não soube responder. Quanto a essa eficiência, Mendonça (2003) concluiu que os benefícios estão no fato de essas pessoas se sentirem acolhidas no momento em que surge a necessidade, por estarem desorientadas, ou simplesmente quando precisam "desabafar" com alguém; pois isso lhes proporciona diminuição da ansiedade e uma oportunidade de escutar a si mesmas. Podem identificar e reconhecer seus próprios sentimentos e possibilidades de autodireção no momento em que enfrentam a dificuldade, sem que necessariamente tenham que se submeter a atendimento sistemático e prolongado, como tradicionalmente oferecem as psicoterapias tradicionais.
Conclusão
O presente estudo, que teve por objetivos descrever o modelo de atendimento psicossocial realizado em delegacias de defesa da mulher; descrever a compreensão dos profissionais que oferecem os atendimentos, acerca do próprio modelo oferecido, é conclusivo ao entender que, no que se refere ao modelo, apenas uma delegacia, entre todas as investigadas, tem um atendimento psicossocial estruturado. Entretanto, é interessante destacar que é esta delegacia a única localizada em região mais privilegiada da cidade em termos socioeconômicos e culturais; de modo que as regiões mais carentes tornam-se então bem mais desprovidas desse tipo de atenção, levando-se em consideração o fato de que são essas as regiões onde mais se necessita desse tipo de trabalho.
Destaca-se ainda, que foi também possível observar que as delegacias de defesa da mulher em nada têm se diferenciado de delegacia comum, tendo apenas como diferença o fato de atender a casos específicos de violência contra a mulher. Muito embora todos os técnicos entrevistados conheçam e reconheçam um perfil dessa clientela e a necessidade de ser atendida com adequação.
Com relação à compreensão dos profissionais que oferecem os atendimentos, acerca do próprio modelo oferecido, pôde-se observar que há um reconhecimento desses técnicos acerca da necessidade de uma atenção diferenciada (que contemple um modelo multidisciplinar), entretanto, parecem adaptadas ao modelo disponibilizado pelo Estado, como que acomodadas nesse status quo.
O presente estudo reconhece suas limitações, mas cabe destacar que a pretensão foi a de levantar aspectos de discussão sobre o tema, dada a gravidade do problema da violência e a escassez de atendimentos especializados a essa demanda.
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Recebido em: 10/11/2010
Aceito em: 18/06/2011
1O estagiário de psicologia foi entrevistado, uma vez que não existe esse cargo em delegacias de defesa da mulher. Essa função é, em geral, exercida pelos estagiários de psicologia, que são supervisionados por um professor responsável que é ligado a uma faculdade em que o discente está regularmente matriculado.
*Estudante de Psicologia da Universidade Anhembi Morumbi. E-mail:bianca.balbueno@ymail.com