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Revista da SBPH

versión impresa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH v.9 n.1 Rio de Janeiro jun. 2006

 

 

Representação gráfica da imagem corporal em mulheres obesas: considerações iniciais1

 

Graphic representation of corporal image in obese women

 

 

Camila Bandeira Pereira2; Suien Schacker Ellensohn3

Universidade Luterana do Brasil - Canoas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Transtorno da Imagem Corporal (TIC) é um sintoma nuclear da obesidade, caracterizado por uma inabilidade de perceber adequadamente o tamanho do próprio corpo, influenciado pela experiência com o peso e forma corporal. Esta pesquisa teve como objetivo avaliar a percepção das mulheres obesas em relação a sua imagem corporal. Estudo qualitativo realizado com três mulheres obesas entre a faixa etária de 35-40 anos, escolhidas aleatoriamente. Como instrumento para avaliar a manifestação gráfica do TIC foi utilizado a variante do Teste Psicológico da Figura Humana de Karen Machover, de acordo com Zukerfeld. Após o teste foi também aplicado um questionário para obtenção de dados adicionais. Os resultados apontaram que dos três sujeitos pesquisados, dois apresentaram TIC (V1), tendo o início da obesidade na adolescência e com grau III do Índice de Massa Corporal (IMC), de acordo com a WHO. Um dos participantes não apresentou TIC (V3), sendo que a obesidade iniciou na fase adulta com grau I da obesidade. Observou-se então a relação do TIC com o início da obesidade e o grau de IMC. Percebe-se a importância do profissional da saúde estar atento ao TIC como um recurso para a compreensão de aspectos psicológicos relativos à obesidade.

Palavras-chave: Transtorno da imagem corporal, Obesidade, Teste gráfico.


ABSTRACT

The Body Image Disturbance (BID) is a nuclear indication of obesity, characterized by an incapacity of adequately notice the self body size, influenced by the experience with the body weight and shape. The aim of this study was to assess the obese women perception of their self image. Qualitative study done with three obese women between 35 and 40 years old, aleatory picked up. As implement to evaluate the graphic manifestation of the BID, was used the version of the Karen Machover´s Draw a Person Test, according to Zukerfeld. After the test, was also applied a questionary to the obtainment of extra data. Results appointed that two of the three women researched showed BID, with the beginning of the obesity in childhood and with grade III of the Body Mass Index (BMI), according to WHO. One of the partners doesn´t showed BID, and his obesity began when it already was a grown-up, with the I grade of obesity. Then was observed the relation of BID with the beginning of obesity and the BMI grade. The importance of the health professional to pay attention to BID is noticed as a resource to the understanding of the psychological aspects related to obesity.

Keywords: Body Image Disturbance, Obesity, Graphic test.


 

 

Introdução

O Transtorno da Imagem Corporal (TIC) é um sintoma nuclear da obesidade, caracterizado por uma inabilidade de perceber adequadamente o tamanho do próprio corpo, influenciado pela experiência com o peso e forma corporal.

É um indicativo de TIC em obesos quando há excessiva preocupação por sua obesidade; o peso é o que mais lhe interessa, observando o mundo, principalmente em termos de peso corporal; há dificuldade para se olhar no espelho; não se reconhece em seu tamanho real quando engorda ou emagrece (Cormillot, 1977).

Historicamente, as culturas tendem a estigmatizar traços ou comportamentos que sejam considerados negativos ou desviantes. Sob esta perspectiva, a percepção do tamanho corporal vem sendo associada a fortes valores culturais. Os corpos grandes e arredondados em dados períodos foram considerados sinais de opulência e poder, tendo assim, uma valorização positiva, em contraste com a desvalorização e cobrança que marcaram as últimas décadas, tendentes a valorizar corpos esbeltos e esguia.

Nesse sentido, a obesidade tem sido considerada uma condição estigmatizada pela sociedade e associada a características negativas, favorecendo discriminações e sentimentos de insatisfação (Gittelsohn e cols., 1996, Segal Isaacson, 1996, Sarwer, Wadden & Foster, 1998).

A insatisfação com o corpo tem sido, freqüentemente associada à discrepância entre a percepção e o desejo relativo a um tamanho e a uma forma corporal (Paim, 2004).

Sendo assim, no presente estudo buscamos demonstrar uma análise do Transtorno da Imagem Corporal (IC) realizado com mulheres obesas na faixa etária entre 35-40 anos. Buscou-se relacionar obesidade e TIC, a partir da aplicação de um instrumento de pesquisa, criado e validado por Zukerfeld (1979) como uma variante do Teste da Figura Humana de Karen Maxchover.

O excesso de peso corporal é uma condição que sempre acompanhou a história da humanidade. Para avaliação de quantidade de tecido adiposo já foram propostos diversos critérios antropométricos. Dentre os critérios utilizados, o índice de massa corporal (IMC), que se baseia na correlação matemática Peso/Altura2, tem sido considerado um dos mais úteis pela World Health Organization - WHO (1997). De acordo com este critério, o excesso de peso em adultos pode ser classificado como sobrepeso (IMC entre 25 e 29.9 kg/m2), obesidade grau I (IMC entre 30.0 e 34.9 kg/m2), obesidade grau II (IMC entre 35.0 e 39.9 kg/m2) e obesidade grau III (IMC > 40.0 kg/m2).

Caracterizam-se, assim, as diversas classes de peso tendo por referência o índice de massa corporal relativo ao que se considera faixa de normalidade para peso e altura incluído na faixa de 18,5 e 24,9 kg/m2 (WHO, 1997).

O sobrepeso e a obesidade têm sido entendidos como o resultado da conjunção de inúmeros fatores, a saber: genéticos, físicos, psíquicos, ambientais, familiares e comportamentais, que podem coexistir, favorecendo tanto sua gênese quanto sua manutenção. Além disso, a obesidade propriamente dita tem sido vista como um transtorno clínico, crônico, responsável por mortes prematuras e morbidade de milhões de pessoas (Fontaine, Barofsky & Cheskin, 1997, McIntyre, 1998).

De uma forma geral, ela vem sendo definida como uma doença resultante do acúmulo anormal ou excessivo de gordura sob a forma de tecido adiposo, de forma que possa resultar em prejuízos diversos à saúde. A preocupação com tais prejuízos tem incluído também os aspectos psicológicos associados à obesidade, como, por exemplo, aqueles relacionados à imagem corporal. O termo imagem corporal refere-se, segundo Slade (1988), a uma ilustração que se tem na mente acerca do tamanho, imagem e forma do corpo, como também aos sentimentos relacionados a essas características bem como às partes que o constituem. Assim, a imagem corporal envolve diversos fatores que se inter-relacionam, como os emocionais, de atitude e também perceptuais (Paim, 2004).

Schilder conceitua imagem (esquema) corporal afirmando que "... entende-se por imagem do corpo humano a figuração de nossos corpos formada em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós" (1994, p.11).

O esquema corporal é conceituado como a imagem tridimensional que todos têm de si mesmos, chamada também de imagem corporal. Esse termo indica que não estamos tratando de uma mera sensação ou imaginação. Existe uma a percepção do corpo indicando também que, embora nos tenha chegado através dos órgãos dos sentidos, não se trata de uma simples percepção, mas possuem figuras e representações mentais envolvidas, não só uma mera representação (Shilder, 1994).

Segundo o autor acima, as primeiras experiências infantis são importantes para a conexão do indivíduo com o mundo e consigo mesmo, por toda a vida. Nesta fase, estão acentuadas as experiências de sensações e exploração do corpo próprio. Ele destaca a labilidade ou fluidez, da imagem corporal, por estar em plena transformação, se reconstruindo e reestruturando a todo instante.

A imagem corporal relaciona-se às relações intra e interpessoais, às emoções e sentimentos do indivíduo consigo, com os outros e seu ambiente, com uso de vestimentas e objetos de adorno, além de suas relações com seu próprio corpo na parte externa e interna do mesmo (Miller, 2004).

A Imagem Corporal se desenvolve desde o nascimento até a morte, dentro de uma estrutura complexa e subjetiva, sofrendo modificações que implicam na construção contínua, e reconstrução incessante, resultante do processamento de estímulos. Segundo Cash & Pruzinsky (s/d) a imagem corporal pode ser definida como a visão do nosso corpo que produzimos em nossa mente (Shilder, 1935). A imagem corporal é definida como a representação mental do próprio corpo (Krueger, 1990). Segundo Cash e Deagle (1997), o distúrbio da imagem corporal é um sintoma nuclear dos transtornos alimentares, caracterizados por uma auto-avaliação dos indivíduos que sofrem desse transtorno, influenciadas pela experiência com seu peso e forma corporal.

 

Material e Método

Participaram do estudo três mulheres obesas. Os critérios de inclusão como participantes foram: já ter realizado tratamento para obesidade, sem sucesso, ter idade entre 35 a 40 anos e ser do sexo feminino.

Como instrumento para avaliar a manifestação gráfica do distúrbio da Imagem Corporal em mulheres obesas aplicou-se uma variante do Teste da Figura Humana de Karen Machover. Trata-se de um instrumento em versão adaptada por Zukerfeld (1979) que é capaz de detectar a presença ou a ausência de distúrbios da imagem corporal no que diz respeito a sua manifestação gráfica. Foi distribuída uma folha de papel tamanho ofício para cada participante e um lápis preto. A insígnia fornecida era desenhar na folha, "como se vê" e, a seguir em outra folha, "como gostaria de se ver", sendo enfatizado, na aplicação da tarefa, a não importância do aspecto artístico dos dois desenhos.

Para detectar a alteração de imagem corporal refletida na "fantasia de apequenado" (Zukerfeld, 1979, Barros e col., 1990); presente em obesos e relacionada à fantasia de emagrecimento, mede-se a altura longitudinal das figuras em centímetros, isto é, a altura cabeça-pés.

A Figura 1 "Como se vê", deve ser comparada com a Figura 2, "Como gostaria de se ver" e classificadas nas seguintes variáveis:

- Variante 1 (V1) - a Figura 2 é mais baixa do que a Figura 1 em 10 mm ou mais.

- Variante 2 (V2) - ambas têm altura igual ou a diferença é inferior a 10 mm.

- Variante 3 (V3) - a Figura 2 é mais alta que a Figura 1 em 10 mm ou mais.

- Alegoria (a) - uma ou duas Figuras não são humanas.

É considerado acometido de transtorno da Imagem Corporal pelo teste gráfico, segundo Zukerfeld (1979) o paciente que produz os desenhos V1: os autores de V2 e V3, sem transtorno da Imagem Corporal; e os A quando os desenhos não corresponderam às instruções.

 

Resultados e Discussão

Das três participantes avaliadas através de sua representação gráfica, duas apresentaram o Transtorno de Imagem Corporal (V1). A correlação da idade de início da obesidade com a presença do Transtorno da IC pelo teste gráfico revela a presença de transtorno (V1) em duas das três participantes.

Os sinais de distorção da imagem corporal encontrados nesse estudo podem estar associados à dificuldade da mulher obesa em aceitar o seu corpo como ele realmente é.

Levando-se em consideração a descrição de imagem corporal proposta por Slade (1994), como uma ilustração do tamanho, imagem e forma do corpo e os sentimentos associados a tais características e às diferentes partes do corpo, pode-se pensar, com base nos indicadores presentes na produção gráfica, que as participantes obesas construíram uma idéia pouco realística acerca do seu corpo atual. A representação feita pelas mulheres avaliadas reflete a expressão de seus desejos ou aspirações, ou ainda uma projeção de uma imagem ideal.

Pode ser observado que em 66% das participantes a obesidade teve início na adolescência e 34%, na fase adulta. Como já citado, a IC se desenvolve desde o nascimento até a morte. Porém, conforme os resultados aqui apresentados, apesar do reduzido número de participantes, existe uma relação do início da obesidade na adolescência e transtorno da IC.

De acordo com a classificação do IMC (WHO, 1997) é considerado que as obesas participantes, 66% encontram-se no grau III (IMC ? 40kg/m) e 34% em grau I (IMC entre 30 e 34,9kg/m). Este dado mostra a relação entre o grau de obesidade e a ausência e/ou presença do Transtorno da IC. Em oposição, nas mulheres morbidamente obesas, a presença significativa de desenhos sem proporção entre as várias partes do corpo pode estar associada a uma dificuldade em perceber o seu corpo como de fato ele é, o que pode ser considerado um indicador sugestivo de distorção da imagem corporal.

Por fim, foi encontrado, também nas participantes, sendo esta uma característica da pessoa obesa, a falta de exercícios físicos e as tentativas de emagrecimento com dietas variadas, não mantendo o peso perdido. Outro resultado relevante é a falta de tratamento médico e/ou psicológico, bem como não associar a obesidade a algum fato ocorrido durante sua vida.

 

Considerações Finais

Sabemos do reduzido número de participantes, desta forma, nossas considerações, dizem respeito somente ao presente estudo. Visualizamos algumas considerações de interesse terapêutico como o fato da ocorrência do Transtorno da Imagem Corporal não estar presente em todas participantes. Dentre as que apresentaram TIC pelo teste gráfico, a obesidade iniciou na adolescência. Pode-se pensar, com base nos indicadores presentes nesta produção, que as participantes construíram uma idéia pouco realística acerca do seu corpo atual.

É necessário que o profissional de saúde que lida com obesidade fique atento com a ocorrência de Transtorno como forma de expressar sofrimento psicológico. Os sinais de distorção da imagem corporal, encontrados nesse estudo podem estar associados a alguma dificuldade da mulher obesa em aceitar o seu corpo como ele realmente é.

Finalizando, parece-nos necessário que sejam realizados mais estudos relacionados ao tema, visto que a obesidade, enquanto doença somática é reconhecida como causadora de sofrimento da dor pela imagem corporal.

 

Referências Bibliográficas

Barros, C. (1994). Alcoolismo, Obesidade, Consultoria Psiquiátrica. Porto Alegre: Movimento.         [ Links ]

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Endereço para correspondência
Av. Benno Mentz, 446 / 203
91370-020 Porto Alegre-RS
Tel.: +55 51 9959-5391

Camila Bandeira Pereira
Email: camila.psi@terra.com.br

Suien Schacker Ellensohn
E-mail: suien_psi@yahoo.com.br

 

 

** Psicóloga. Doutor em Psicologia. Professora do Curso de Psicologia da ULBRA - Canoas
* Acadêmicas do curso de Psicologia da ULBRA - Canoas

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