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Revista da SBPH
versión impresa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.14 no.1 Rio de Janeiro jun. 2011
ARTIGOS
Oficina de sexualidade, uma abordagem ampliada para se trabalhar com alcoolistas: relato de experiência
Workshop on sexuality, an expanded approach to work with alcoholics: report of experience
Marlene Alves da Silva*; Cláudio Garcia Capitão**
Universidade São Francisco
RESUMO
O propósito deste trabalho consiste no relato a partir da experiência da primeira autora como psicóloga em um CAPSad no interior da Bahia com um grupo de alcoolistas. Descreve a operacionalização de uma oficina de sexualidade humana e destaca a sua importância como atividade grupal destinada à socialização familiar e social dos usuários, ao desenvolvimento da expressão de sentimentos bem como de habilidades, da autonomia e do exercício da cidadania. Utilizou-se de nove encontros, com duração de duas horas, nos quais foram abordados temas referentes à sexualidade humana. O profissional da área de Psicologia precisa estar ciente de que seu trabalho em uma oficina terapêutica não significa uma mera reprodução de um modelo ou de manutenção da ordem social, mas de que suas práticas podem se direcionar ao enriquecimento das relações sociais e da singularização, inclusive como agente da transformação.
Palavras-chave: Alcoolistas, Oficina de sexualidade, CAPSad.
ABSTRACT
The purpose of this writing is showing the experience of the first author as a psychologist in CAPSad in Bahia with a group of alcoholics. It describes the operation of a workshop on human sexuality and highlights its importance as a group activity aimed at social and family socialization of users, the expression of feelings and emotions, skills development, autonomy and citizenship. We used nine meetings, lasting two hours, in which issues about human sexuality. The psychology professional needs to be aware that his work in a therapeutic workshop is not a mere reproduction of a model or maintenance of social order, but knowing that his practices can move towards the enrichment of social relations and uniqueness, inclusively as an agent of change.
Keywords: Alcoholics, Sexuality workshop, CAPSad.
Introdução
O abuso de álcool e outras drogas continua sendo um dos maiores problemas de saúde pública do mundo, tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento. De acordo com a World Health Organization (WHO) são considerados usuários aqueles que passam por sofrimento mental e são vítimas de violações dos direitos humanos, como estigma e discriminação, tanto dentro quanto fora das instituições psiquiátricas (WHO, 2003).
Longe de se deter em peculiaridades estritamente individuais, pode-se observar alguns elementos comuns entre os alcoolistas no modo como lidam com suas tensões psicológicas, com a realidade objetiva e, como não poderia deixar de ser, com a bebida. As relações de causa e efeito entre os distúrbios psicodinâmicos e o alcoolismo são complexas e difíceis de serem estabelecidas com precisão. Além dos fatores psicológicos, outros tantos, como predisposição genética e condições socioculturais que estimulam o uso do álcool na compensação de sentimentos desagradáveis, são também necessários para se compreender a etiologia do alcoolismo (Bettarello, 1998).
Pesquisas que pretendem associar o temperamento e a personalidade com a dependência do álcool proporcionam uma indicação clara da interação entre ambiente e a hereditariedade. O temperamento da pessoa é determinado, por um lado, pela hereditariedade e, por outro, pela criação recebida. Cumpre ressaltar que a idade também desempenha relevante papel, visto que adolescentes e jovens adultos tornam-se vulneráveis aos aspectos do temperamento relacionados com o abuso do álcool mais do que pessoas que se encontram em outras fases da vida (Straub, 2006).
No entanto, a maioria das pessoas com problemas de alcoolismo pode receber tratamento externo em vez de ficarem hospitalizadas e, grande parte, na verdade, consegue parar de beber sem passar pela intervenção formal. Os tratamentos normalmente envolvem o uso de fármacos, psicoterapia ou alguma combinação dos dois. Os fatores que parecem influenciar a disposição de uma pessoa a começar o tratamento para a dependência de álcool abrangem gênero, idade, estado civil, entre outros.
Entre as mulheres, os fatores que predizem a busca de tratamento ou de algum tipo de ajuda incluem: estar numa faixa etária mais avançada, ser solteira e ter baixo nível de escolaridade, de emprego e de renda. Enquanto que para os homens, os fatores que, em princípio, influenciam a darem início ao tratamento referem-se ao fato de ter experimentado consequências sociais desastrosas relacionadas ao alcoolismo, estar em idade madura e pertencer, muitas vezes, a uma minoria étnica (Wolfgan, 1997). Apesar das avaliações da eficácia dos grupos de autoajuda serem limitadas, as crenças relacionadas com a bebida, a prontidão e a motivação para mudar e o apoio social para a abstinência são importantes preditores do sucesso ou fracasso de um determinado tratamento ou da eficácia de um grupo terapêutico (Sayette & Hufford, 1997).
A atual política de Saúde Mental investe em serviços territorializados e comunitários que atendem aos usuários dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) (Brasil, 2004a, 2004b). Os CAPS são, portanto, equipamentos que promovem atenção integral aos portadores de transtorno mental severo e persistente, desenvolvendo práticas clínicas que os permitam viver em comunidade, ter acesso a trabalho, lazer e direitos civis. Entre as modalidades de CAPS, encontra-se o Centro de Atenção Psicossocial em álcool e outras drogas (CAPS- ad) (Brasil, 2005, 2007).
Dentre as práticas clínicas encontram-se as Oficinas, as quais são caracterizadas pelo Ministério da Saúde (MS) como atividades grupais destinadas à socialização familiar e social dos usuários, à expressão de sentimentos e emoções, ao desenvolvimento de habilidades, da autonomia e do exercício da cidadania (Brasil, 2004a, 2004b). A busca de autonomia do indivíduo possibilita sua relação com as instituições sociais. Inseridas nesse referencial, entende-se que as oficinas terapêuticas são atividades de encontro entre pessoas com sofrimento psíquico, em que se promovem o exercício da cidadania e a expressão de liberdade e convivência com as diferenças (Soares, da Silveira & Reinaldo, 2010). Dessa forma, as oficinas terapêuticas são dispositivos catalisadores da produção psíquica da pessoa e possibilita seu trânsito na sociedade. Essa conexão permite a produção de novos modos de subjetivação, os quais, por sua vez, resgatam sua autonomia.
A Oficina como uma prática de intervenção psicossocial consiste em um processo estruturado com grupos, tendo como questão central o que o grupo se propõe a elaborar em um determinado contexto social. Essa elaboração, contudo, não se restringe a uma reflexão racional, mas envolve os participantes de maneira integral, nas suas formas de pensar, sentir e agir (Afonso, 2002; Carvalho, Rodrigues & Medrado, 2005; Silva, 2010).
O trabalho com grupos oferece aos participantes uma oportunidade especial de aprender como se comportam na presença de outros participantes, ou seja, o papel que desempenham, as expectativas e as fantasias inconscientes que nutrem a respeito de impedimentos encontrados ao se relacionarem com outras pessoas, seja no trabalho, seja em casa. Dimensões únicas da experiência em grupo podem ser exploradas apenas parcialmente no atendimento das demandas individuais, pois o contexto sociopsicológico no qual o grupo acontece não pode ser encontrado no atendimento individual (Rutan & Stone, 2001).
Para o desenvolvimento da técnica da Oficina, Carneiro e Agostini (1994) sugerem algumas etapas tais como: aquecimento, uso de estratégias facilitadoras de expressão, problematização de questões, processo de troca, análise e articulação com o outro. Nessa mesma perspectiva, Fonseca (2002) propõe fases similares ao abordar a estrutura básica de uma Oficina, quais sejam, aquecimento, reflexão individual, reflexão grupal e síntese. Ambas reportam-se ao momento inicial de descontração e de entrosamento do grupo como fundamentais para as fases seguintes de reflexões individual e grupal e de articulação com a realidade vivenciada pela pessoa.
Pode-se ainda destacar o fato da Oficina permitir uma relação horizontal entre técnicos e usuários de serviços de saúde, considerando que o espaço de discussão tem como objetivo resgatar os conhecimentos existentes, possibilitar a manifestação de sentimentos relativos à vivência, facilitar a expressão e comunicação intergrupal e motivar a discussão de conteúdos (Chiesa & Westphal, 1995; Silva, 2010). Por essa razão, a Oficina propicia o crescimento pessoal e a garantia de espaços em que os usuários sintam-se acolhidos e convidados a expressarem com liberdade seus sentimentos e necessidades, exerçam sua criatividade, reflitam sobre determinado tema e debatam a respeito de questões de seu interesse (Pinto, 2001; Silva, 2010). Nesse ambiente voltado tanto para a reflexão como para o diálogo, o usuário é estimulado a assumir a sua identidade, a respeitar as diferenças e a interagir com o grupo. Os serviços substitutivos, como o CAPS, devem oferecer tais oficinas, as quais realmente representam uma das mais expressivas formas de tratamento (Cedraz & Dimenstein, 2005).
Pensar o grupo como um dispositivo significa compreender que linhas podem ser mapeadas, ou seja, aquilo que pode ser medido em terras desconhecidas. O grupo abre passagem ao novo, aponta para algo que aciona um processo de novos conhecimentos e acontecimentos (Barros, 1994). A oficina terapêutica é a estratégia por meio da qual a reabilitação psicossocial deve ser possibilitada. De fato, o Ministério da Saúde (2004a, 2004b) define que os serviços substitutivos, tipo CAPS, devem necessariamente, oferecer oficinas terapêuticas, de modo que estas sejam uma das principais modalidades de tratamento adotada por esses estabelecimentos.
O profissional da área de Psicologia precisa ter consciência de que seu trabalho em uma oficina terapêutica não deve ser mera reprodução de um modelo ou de manutenção da ordem social. Deve saber que suas práticas podem ser direcionadas à produção das relações sociais e possibilitarem a singularização, inclusive como agente da transformação (Bechelli & Santos, 2001; 2004; Capitão, 2011). Portanto, a todo o momento, deve-se repensar as práticas profissionais e buscar diferentes linhas para a compreensão da subjetividade, da sociedade e de sua relação com o fenômeno do sofrimento psíquico. Nesse sentido, as teorias podem ser consideradas como achados que vão compondo em unidades, que se chocam, ampliam-se e complementam-se, materializando em uma nuance técnica com possibilidades e potencialidades do saber e fazer, pois qualquer área do conhecimento tem seu modo particular de operar e produzir (Capitão, 2011).
A oficina terapêutica como lugar privilegiado para o cultivo e vivência do contato com o outro em sua singularidade permite que se possa pensar sempre em novos caminhos para a convivência. A partir disso, tendo em vista que no CAPS, cada profissional, ou grupo de categorias diversificadas serve de referência para certo número de usuários, responsabilizando-se pela elaboração, aplicação e avaliação de um determinado projeto terapêutico, cujo objetivo elabora-se coletivamente. O profissional, por meio de um plano compartilhado, assume o acompanhamento do usuário considerando os aspectos sociais, familiares, políticos e psicológicos.
Desenvolvimento da Oficina de Sexualidade
Na realidade, a experiência relatada trata-se de uma gestão compartilhada de serviços, superando modelos de organização hierarquizados, fragmentados e autoritários (Brasil, 2004a). Após diversas reuniões semanais, quando ocorreu a discussão de casos clínicos entre os profissionais locais e desenvolveram-se ações conjuntas da equipe técnica interdisciplinar, que se conseguiram avanços da atuação profissional interligada com a demanda do grupo de alcoolistas, que se encontrava em processo grupal por um período de um ano com sessões semanais de duas horas. Como muitos participantes apresentavam sérias dificuldades na área da sexualidade, surgiu a proposta da Oficina de Sexualidade.
Poucos aspectos da vida psicológica são carregados de tantas implicações moralistas quanto àqueles que se referem à sexualidade. Desde os primeiros artigos de Freud, as atitudes culturais a respeito da sexualidade atravessaram significativas mudanças. À medida que a sexualidade se tornou uma área legitimada para o estudo científico, ficou claro que casais "normais" se envolvem em uma série de condutas sexuais. Relações oral-genital, por exemplo, tornaram-se amplamente aceitas como conduta sexual saudável. A homossexualidade e a relação anal foram, de modo semelhante, retiradas da lista de atividades perversas ou consideradas doentias (Gabbard, 2006).
O ciclo de resposta sexual humano começa com o desejo sexual e move-se por meio de um processo fisiológico que pode ser dividido, para fins desse relato de experiência em três fases: estimulação/excitação, orgasmo e resolução. A problemática em torno da sexualidade e das suas disfunções é bastante complexa, variando de predominantemente orgânicas a predominantemente psicológicas. Há muitos fatores possíveis de contribuição tanto em uma esfera quanto em outra. Tomando-se em consideração a dignidade e direitos da pessoa atendida, especialmente em relação a um tema tão complexo, os profissionais da área da saúde devem sempre ter como estratégia abordar as pessoas de maneira respeitosa e aberta, com a consciência de que pode ser bastante delicado para estas discutir ou descrever precisamente suas dificuldades sexuais (May, 2002).
Além disso, sendo a sexualidade construída ao longo da vida encontra-se marcada pela história, cultura, ciência, assim como pelos sentimentos, expressando-se então com singularidade em cada pessoa. Vista de forma mais ampla, trata-se de uma expressão cultural. Cada sociedade cria conjuntos de regras que se constituem em parâmetros fundamentais para o comportamento sexual de cada pessoa. Nesse sentido, a proposta da Oficina de Sexualidade a considerou em suas dimensões biológica, psíquica e sociocultural.
Os temas escolhidos abarcaram sentimentos do ser homem ou mulher, masculinidade e feminilidade, assim como, atividades ligadas ao corpo e aos genitais, tais como o próprio ato sexual e a masturbação, métodos anticoncepcionais, DST/Aids, violência e álcool. De tal modo, pode-se afirmar que a sexualidade consiste em um instrumento relacional importante e, portanto, a sua dinâmica é constante e mutável.
Isto posto, o objetivo pretendeu discutir os elementos da sexualidade com ênfase na afetividade como fator primordial das relações humanas, em um grupo terapêutico, com pessoas que faziam o uso indevido de álcool. Os objetivos específicos foram refletir a sexualidade, como expressão de vida da pessoa no meio sociocultural; ética, cidadania, direitos e deveres; ampliar conceitos sobre sexo e afetividade; discutir dúvidas, mitos, tabus e preconceitos relacionados à sexualidade humana; repassar informações relativas às características biológicas, anatômicas e fisiológicas, psicológicas e sociais; estereótipos e papéis culturais da sexualidade; e relacionar aspectos da saúde sexual e reprodutiva, com doenças sexualmente transmissíveis/Aids e com o uso de drogas.
Para atender esses objetivos foram realizados nove encontros quinzenais com duração de duas horas, sob a responsabilidade de uma psicóloga, uma médica e uma estagiária de psicologia, além de convidados da rede de saúde do município. Os temas foram distribuídos da seguinte forma: o primeiro encontro foi denominado de A descoberta. Nesse encontro, houve a apresentação do trabalho para concordância do grupo, a aplicação de um pré-teste como instrumento avaliativo, definição de datas e horário para os futuros encontros.
No segundo encontro, abordou-se A Sexualidade, cultura e valores. Portanto, percorreu as temáticas, ética e cidadania; também se esclareceu a diferença entre sexo, sexualidade e afetividade; a permanência e transmissão dos papéis atribuídos ao homem e à mulher, as mudanças nas relações de gênero, valores e o preconceito de inerentes naturezas. No terceiro encontro, intitulado Formas de expressão da sexualidade, os tópicos pautados foram masturbação e preconceito, resposta sexual humana, desejo, excitação, orgasmo e relaxamento, fantasias sexuais, sexo virtual e direitos sexuais.
Anatomia e fisiologia da sexualidade humana, tema do quarto encontro, tratou-se do aparelho reprodutor da mulher e do homem, menstruação e ciclo menstrual, fecundação, gravidez, parto, e higiene. Ao passo que, no quinto encontro, Os métodos contraceptivos receberam atenção os métodos anticoncepcionais, responsabilidade masculina; e informação e diálogo. As disfunções sexuais compôs o sexto encontro com a sua definição, fatores psicológicos causadores, os estereótipos de gênero capazes de gerá-las, disfunções sexuais mais comuns entre as mulheres e entre os homens e, finalmente, as várias modalidades de tratamentos.
No sétimo encontro, Doenças Sexualmente Transmissíveis/Aids foi o assunto escolhido que discorreu acerca das principais doenças sexualmente transmissíveis, sintomas e tratamentos; em especial, definição de Aids, a ação do vírus no organismo; a saúde reprodutiva e cuidados preventivos, exames preventivos de câncer: de colo de útero, mamas e de próstata. Sexualidade e uso de drogas foi a questão estudada durante o oitavo encontro em que se discutiu o porquê das pessoas usarem drogas; a vulnerabilidade do ser humano; tipos de drogas, sensações e efeitos; e drogas e sexo. Finalmente, no nono encontro encerrou-se o ciclo esclarecendo a respeito de Sexualidade e qualidade de vida, quando se realizou o pós-teste para avaliação final das atividades realizadas. Ressalta-se aqui que, os temas trabalhados no decorrer dos encontros foram escolhidos pelos próprios usuários, a partir de sugestões, escritas e anônimas, colocadas em uma caixinha na recepção uma semana antes da assembleia.
Participaram dez homens residentes na cidade de Vitória da Conquista – Bahia e locais circunvizinhos que faziam tratamento por uso indevido do álcool no CAPSad (Centro de Atenção Psicossocial em álcool e outras drogas e Centro de estudo e atenção às dependências químicas). As idades dos participantes variaram entre 34 e 67 anos.
A avaliação da oficina de sexualidade foi elaborada por meio da comparação entre o pré e pós-teste, perguntas sobre o tema, e de depoimentos orais e escritos dos participantes da Oficina. Verificou-se por intermédio dos mencionados testes, maior compreensão após a exposição dos temas.
Na avaliação qualitativa, observou-se que a prática de oficina nesse serviço de saúde revelou-se como grande aliada no tratamento ao apontar para um movimento de recriação do fazer psicológico e da atuação profissional. Assim como fortaleceu a autoestima e a autoconfiança, valorizou o potencial expressivo, o reconhecimento da diversidade e propôs esclarecimentos, contudo, evidenciou preconceitos relacionados ao tema, principalmente no que tange às mulheres, como pode ser verificado nos seguintes depoimentos extraídos durante os encontros.
"S., 34 anos, solteiro: Eu acho que tem profissões que não são para as mulheres, por exemplo, a de soldado. Não é preconceito, nem machismo. Mulher policial para mim é homem. Pois ela tem um corpo tão bonito, e não combina com aquela farda. Antes eu também achava que mulher que dirigia automóveis tinha maior capacidade de trair os maridos. Pois elas podem dar carona a alguém e aí, a gente não descobre nunca."
Outra questão observada relaciona-se à descoberta de informações que antes, por falta de oportunidade ou por vergonha, não eram discutidas, o que pode proporcionar a compreensão do outro em seus aspectos mais cotidianos.
"F., 34 anos, solteiro, declara: "Eu tava na igreja esses dias, e tinha uma mulher com o corpo muito bonito, ajoelhada fazendo uma oração. Daí eu comentei com um amigo e a gente até tirou o sentido da oração por causa dela. Mulher tem dessas coisas mesmo, de despertar o homem.". Ou ainda: "J., 67 anos, casado, diz: "Quer dizer que a mulher tem duas saídas: uma pro xixi, e a outra pra menstruação?!? Eu pensei que fosse só uma, que servia pras duas coisas."
Na avaliação da Oficina de Sexualidade pelos participantes,
"P., casado, 67 anos, comenta: "A oficina foi muito boa, porque eu tô velho, e tem coisas que eu não sabia, e eu aprendi. Hoje eu estou preparado para conversar com meus filhos sobre estes assuntos, ainda tenho uma filha de 30 anos que não se casou e hoje posso conversar com ela sobre sexualidade."
Conclusões
Neste projeto analisou-se que, ao final de cada encontro, os participantes se mostraram à vontade para se expressarem tanto de forma escrita quanto verbal. O sucesso alcançado junto aos usuários trouxe uma vitória não apenas do ponto de vista profissional, como também afetivo. Desde o início, os usuários se mostraram receptivos à equipe do projeto, participando de todas as atividades, não só ouvindo as explanações, mas interagindo e fazendo perguntas bem como respondendo aos questionamentos, com espontaneidade e desenvoltura.
O desenvolvimento do projeto foi considerado satisfatório, no que diz respeito à interação entre a equipe interdisciplinar, os profissionais convidados e os usuários. Além de ampliar o conhecimento dos participantes, possibilitou a estes identificarem que a sexualidade não se limita apenas ao ato sexual, mas se expressa na vida como um todo e é construída a partir das possibilidades individuais e de sua interação com o meio e a cultura. Possibilitou ainda aos participantes exercerem sua sexualidade de forma segura e preventiva, diminuindo, desse modo, os riscos à saúde, e proporcionando o bem-estar físico, psicológico e social. Sendo assim, as oficinas realizadas nos CAPS são espaços de interação e socialização que objetivam a inserção do usuário na sociedade, por meio de atividades que promovem a expressão de sentimentos e vivências que levam ao resgate da cidadania. Dessa forma, cumprem a finalidade de reabilitação psicossocial ao promoverem a reconstrução de papéis e de intercâmbios sociais.
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Endereço para correspondência
Marlene Alves da Silva
E-mail: alvesmarlene2002@yahoo.com.br
* Psicóloga. Mestre e doutoranda em Psicologia com ênfase em Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco. E-mail: alvesmarlene2002@yahoo.com.br
**Psicólogo. Especialista em Psicologia Clínica e em Hospitalar, Mestre em Psicologia Clínica PUC-SP, Doutor pela Unicamp com Pós-Doutorado em Psicologia Clínica pela PUC-SP, Ph.D. pela University of Glendale, Docente da Universidade São Francisco.
Agradecimentos aos usuários e profissionais do CAPSad de Vitória da Conquista – BA; e aos profissionais Lígia Matos e Emanuel Pedreira de Carvalho.