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Revista da SBPH

versión impresa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.22 no.2 São Paulo jul./dic. 2019

 

ARTIGOS

 

Grupo de mães em UTI neonatal: um espaço de escuta e intervenção precoce em psicanálise

 

Group of mothers in neonatal ICU: a place for listening and early intervention in psychoanalysis

 

 

Rafaela Paula Marciano1; Patrícia Gonçalves Evangelista2; Waldemar Naves do Amaral3

Universidade Federal de Goiás – Goiânia/Goiás

 

 


RESUMO

O nascimento de um bebê prematuro é marcado pelo trauma do nascimento de risco e pode trazer prejuízos na maternidade, afetando a relação mãe-bebê. A intervenção psicológica na unidade neonatal implica em ajudar os pais a construir suas próprias articulações sobre o evento traumático e a construir estratégias para se vincular ao bebê. O objetivo desse trabalho foi analisar a função do grupo de mães em uma UTI neonatal enquanto um dispositivo de escuta e de construção de uma narrativa subjetiva sobre o bebê. Trata-se de uma pesquisa descritiva, qualitativa, fundamentada na Psicanálise. Participaram da pesquisa quinze mães de bebês prematuros, frequentadoras assíduas do grupo de mães. Foram realizadas dozes sessões grupais e, a partir do discurso das participantes, foram elaboradas seis categorias: conflitos com a equipe, dificuldades com a amamentação, dificuldades da permanência hospitalar, retrocessos e evolução do bebê, a rede de apoio durante a hospitalização e sentimentos e expectativas para alta hospitalar. Os resultados apontaram que o grupo pode ser um espaço de resgate da competência da função materna e de sustentação de um lugar simbólico para o bebê.

Palavras-chave: nascimento prematuro; psicanálise; intervenção precoce.


ABSTRACT

The birth of a premature baby is marked by trauma of the birth of risk and can bring losses in the motherhood, affecting the mother-baby relationship. Psychological intervention in the neonatal unit aims to help parents build their own perceptions regarding the traumatic event and to build strategies for bonding with the baby. The objective of this study was to analyze the role of the mother’s group in a neonatal ICU as a device for listening and constructing a subjective narrative about the baby. This is a descriptive, qualitative research based on Psychoanalysis. Fifteen mothers of preterm infants, frequent attendants of the parents group, participated in the study. Sixteen group sessions were realized and from the discourse of participants, six categories were developed: conflicts with team, difficulties with breastfeeding, difficulties in hospital permanence, regression and evolution of the baby, support network during hospitalization and feelings and expectations for hospital discharge. The results pointed that the group can be a space of rescue of the competence of the maternal function and of sustentation of a symbolic place for the baby.

Keywords: premature birth; psychoanalysis; early intervention.


 

 

Introdução

Todo bebê humano nasce imerso no desamparo psíquico e depende de seu semelhante para suprir suas necessidades físicas. A mãe é a figura que, geralmente, provê as necessidades do bebê. Os cuidados oferecidos à criança vão além de suprir as necessidades físicas dela, pois são atos acompanhados de intenso investimento libidinal. O corpo do bebê passa a ser erogeneizado, recebe as marcas da pulsão e dos significantes que vão permitir sua entrada no mundo simbólico, da cultura (Freud, 1895/1996; 1905/1996).

Para garantir uma inscrição significante no mundo simbólico, é necessária uma particularização dos cuidados dirigidos ao bebê. Isso é o que diferencia a maternagem, que é da ordem do universal, da função materna, que é da ordem do singular (Kamers, 2004). A função materna é essencial para que o bebê se organize e se constitua. Para tanto, é necessário que o outro transmita ao bebê o significante que imprime no corpo dele as marcas do desejo e o insere no mundo da linguagem. A criança necessita de um outro que lhe transmita palavras, significações, sua miragem corporal. É a partir da relação da criança com a mãe ou com o cuidador que ela se subjetiva (Bernardino, 2006; Saruwatari, Gaviglia, Antonio, 2018).

Para que o bebê possa advir como sujeito psíquico, a mãe ou seu substituto precisa executar algumas ações simbólicas nos cuidados com ele. Essas ações têm efeito de marcas primordiais que se instalam na vida psíquica e se constituem como pilares de sustentação de uma estrutura. A falha ou a falta de algum desses pilares ou até mesmo um reforço exagerado em um deles podem provocar efeitos devastadores na estruturação psíquica do sujeito (Sales, 2005).

É comum observar essas falhas na clínica da prematuridade, pois o bebê prematuro encontra-se numa defasagem com relação à função materna em um período muito precoce, no qual há extrema dependência do Outro. Devido à separação abrupta entre mãe e bebê, que se impõe logo após o nascimento, e ao risco iminente de morte, a mãe poderá apresentar conflitos e dificuldades em se vincular com esse bebê real, diferente daquele imaginado durante a gravidez. Dessa forma, a prematuridade pode ser considerada uma situação de risco não apenas orgânico, mas também psíquico, pois o bebê, privado da função materna, terá dificuldade em desenvolver aquilo que Winnicott (1990) chamou de continuidade de existir.

Estudos sobre a relação mãe-bebê (Klaus & Kennel, 1992; Brazelton & Cramer, 1992; Spitz, 1979/2013) apontam que esse vínculo é um meio importante para promover a recuperação do neonato em situação de risco. A presença materna na UTI neonatal é extremamente vital para investir afetivamente no bebê, contribuindo para sua sobrevivência orgânica e permitindo que ele possa também se constituir como sujeito.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (World Health Organization, 2012), atualmente, nascem cerca de 15 milhões de prematuros (nascidos com menos de 37 semanas de gestação) por ano no mundo. Mais de um milhão morrem dias após o parto. Nesse cenário, a prematuridade se constitui como questão de saúde pública, sendo a segunda causa de morte em crianças com menos de cinco anos de idade. No Brasil, a primeira causa de mortalidade infantil são as afecções perinatais, que compreendem os problemas respiratórios, a asfixia ao nascer e as infecções, que são mais comuns em bebês pré-termo e de baixo peso. Além disso, muitos bebês são acometidos de distúrbios metabólicos, dificuldades para se alimentar e para regular a temperatura corporal. Assim como a prematuridade, o elevado número de neonatos de baixo peso constitui também um importante problema de saúde e representa um alto percentual na morbimortalidade neonatal, além das graves consequências médicas e sociais.

As implicações do nascimento prematuro vão além do período neonatal, podendo se estender por toda a vida, causando impacto em toda a família e na sociedade. Segundo Mathelin (1999), a chegada ao mundo do bebê prematuro é marcada pelo trauma e pela situação de urgência própria a um nascimento de risco. Esse trauma é acentuado pelo fator surpresa por estar em uma situação de perigo sem estar preparado para isso. Esse evento potencialmente traumático, tanto para mãe quanto para o bebê, pode trazer prejuízos na capacidade de maternagem, afetando a relação entre mãe e filho e o processo de causação psíquica na criança (Ansermet, 2003; Soares, 2018). Assim, as condições para que o bebê possa advir como sujeito são diferentes na clínica da prematuridade, sendo que as primeiras inscrições psíquicas do bebê serão realizadas no ambiente hospitalar em que pais e bebê são separados pela incubadora e pelas regras da instituição. Tais restrições poderão afetar a relação entre eles.

Jerusalinsky (2000) aponta que, na UTI neonatal, os pais encontram-se impossibilitados de exercer a função materna e paterna. Há um vazio de palavras e frases aparentemente desconexas devido à surpresa do nascimento prematuro. Na clínica da prematuridade, todas as referências maternas vacilam. A mãe vê sua dedicação cair no vazio, sentindo-se incapaz de oferecer ao bebê os cuidados necessários para sua sobrevivência.

Um bebê de risco necessita de uma série de cuidados médicos que não podem ser efetuados pela mãe. Além disso, a mãe se encontra com um bebê que difere da conduta espontânea esperada por bebês nascidos a termo e saudáveis. Essas condições causam efeitos de fratura no exercício da função materna, que só pode operar sob certas condições. Nas situações de prematuridade, a mãe fica deslocada da posição de saber o que fazer com o seu bebê (Jerusalisnky, 2000).

Enquanto o bebê está internado em uma unidade neonatal, o serviço se apresenta para a mãe como algo da interdição da simbiose entre ela e o filho. Assim, destituída de seu lugar de mãe de um bebê sadio, ela acaba ocupando um lugar de cuidadora do corpo (Jerusalisnky, 1999). Essa atitude permanece mesmo depois da saída da maternidade, e a mãe acaba ocupando uma função mais médica do que maternal. Ela não está em um estado de preocupação materna primária como Winnicott nomeou, mas num estado de preocupação médica primária (Agman, Druon & Frichet, 1999).

Apesar de o bebê receber os cuidados necessários pela equipe para salvar sua vida orgânica, é somente o discurso parental que significa a vida psíquica. Mesmo que a mãe não tenha conhecimento médico especializado, ela é a única que pode apresentar o mundo para o bebê de modo que tenha um sentido para ele. A mãe sabe como fazê-lo, não por ter aprendido e não por sua inteligência, mas simplesmente pelo fato de ser mãe (Jerusalinsky, 1999; Winnicott, 1989).

Os estudos de Klaus e Kennel (1992) sobre a interação mãe-bebê apontam que quanto mais a mãe estiver próxima do bebê, permitindo que ele possa sentir seu cheiro e escutar sua voz, melhor será sua evolução. Jerusalinky (2000) acrescenta a importância do como, ou seja, a qualidade dessa presença. Estes estudos mostram que os bebês reconhecem a voz da mãe entre dezenas de outras e preferem a voz feminina por causa de seu tom mais agudo. O modo como as mães falam com os bebês, chamado de ''manhês'', ajusta-se à percepção auditiva do bebê, chamando a atenção dele.

A presença da mãe na unidade neonatal é decisiva para que os recém-nascidos sobrevivam, especialmente os prematuros que são sensíveis à presença materna. É importante levar as mães a pensarem que, se a criança está viva, elas têm alguma coisa a ver com isso (Jerusalinsky, 1999; Mathelin, 1999). No entanto, não basta simplesmente permitir a presença da mãe na unidade neonatal, pois o acesso irrestrito dos pais não garante que eles encontrem seu lugar junto ao filho. Diante da instabilidade do bebê, afastar-se dele, às vezes, é o único meio que os pais encontram, ainda que a equipe se esforce ao máximo para pôr os bebês nos braços das mães. Não se deve em caso algum ''forçar'' uma relação entre uma mãe e seu filho. É preciso que o traumatismo do nascimento possa simbolizar-se primeiro, para que então a mãe possa assumir sua função materna (Mathelin, 1999).

Sustentar junto aos pais o seu projeto de filho, imaginando um futuro para essa criança, permite que se abra um lugar no imaginário deles que garanta a vida. Outra forma de intervenção precoce é evitar que o bebê de risco seja lido como doença tanto pela equipe quanto pelos pais. Um bebê deve ser referenciado pelo nome próprio, por um apelido familiar, pelo seu lugar na história dos pais, como foi esperado, e não pela patologia que ele porta (Zen & Motta, 2008).

O trabalho com os pais na unidade neonatal implica em ajudá-los a construir suas próprias articulações sobre o evento, reformular dúvidas e preocupações para que possam refazer a imagem do bebê e construir estratégias de encontro com ele, apesar dos obstáculos presentes na internação e pelo risco de morte do recém-nascido (Mathelin, 1999; Catão, 2002).

É preciso construir lugares de escuta que permitam aos pais falarem sobre essa experiência, pois a palavra humaniza o sofrimento (Dolto, 1977) e reanima o bebê no desejo dos pais. O psicanalista que atua na unidade neonatal está comprometido com a escuta do sujeito e as manifestações de sua dor. Oferecer um espaço de escuta para os pais dentro da unidade neonatal é importante para que eles tenham um lugar onde expor sua dor, raiva, medo, culpa. Porém, não se trata apenas de uma catarse, mas poder simbolizar esse sofrimento e dar um outro lugar a esse filho. É importante trabalhar com os pais a questão da perda e da insustentável presença da morte, pois o luto é o risco que encontra cada mãe diante dessa experiência. Quanto mais o bebê for falado, mais os pais estarão em condições de fazer o luto desse bebê doente (Bertoldi, 2002; Mathelin, 1999; Dias, 2008).

Klaus e Kennel (1992) citam os estudos de observação de grupo de pais com bebê hospitalizado e apontam que os pais encontram alívio ao falar, expressar e comparar sentimentos com os outros pais. Foi observado também que os pais que participam desse tipo de grupo visitam o bebê com mais frequência, tocam, falam e olham mais para os seus filhos do que os pais que não participam do grupo. Além disso, as mães que participavam do grupo mostravam mais envolvimento com os seus bebês durante a amamentação e se preocupavam mais com o desenvolvimento geral do bebê três meses após alta hospitalar. O grupo de pais é uma possibilidade de manter a construção de um projeto desejante para o bebê, que não se restrinja ao que ele é, mas se expanda para aquilo que ele se tornará (Zen & Motta, 2008).

O efeito traumático de uma internação longa, de intervenções médicas invasivas no bebê, de separações súbitas decorrentes de situações clínicas, advém não apenas da situação em si, mas da impossibilidade de construir uma narrativa a posteriori da situação traumática. Golse (2003) afirma que a narratividade tem uma função antitraumática, pois abre espaço para o novo e o inédito, possibilitando a criação de uma nova história. A narrativa do indivíduo se revela como um indicativo de sua construção psíquica, garantindo a continuidade da consciência de existir. É por isso que a hospitalização não é obrigatoriamente fonte de complicações psicológicas para o bebê, desde que ele seja acolhido logo no início como um sujeito portador de uma história e que seus pais possam sustentar um lugar simbólico para ele. Se há escuta para o bebê e sua família dentro da UTI, é possível salvar a vida orgânica e também psíquica do bebê. Essa escuta, para além dos cuidados, é essencial (Mathelin, 1999).

 

Método

O estudo foi realizado na unidade neonatal do Hospital e Maternidade Dona Íris (HMDI), localizado no município de Goiânia. Esse hospital é uma instituição pública, municipal e é referência em todo o estado em assistência ao parto e nascimento humanizado. A unidade neonatal do HMDI é dividida em Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN) e Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal Convencional (UCINco) sendo dez leitos em cada e mais cinco leitos para UCIN-Canguru, cuja unidade é destinada a prática do Método Canguru entre mãe e bebê, para repouso e permanência no mesmo ambiente nas 24 horas por dia, até a alta hospitalar. As mães são incentivadas por toda a equipe a permanecer na unidade para auxiliar nos cuidados com o bebê e para estimular o aleitamento materno. A grande maioria das mães permanece na unidade durante o dia, e algumas outras permanecem 24h.

A pesquisa respeitou os cuidados éticos de pesquisa envolvendo seres humanos de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde/MS 466/12. Após aprovação do Comitê de Ética (parecer n. 686.227), as participantes foram abordadas e informadas dos princípios éticos e, aquelas que atenderam aos critérios de inclusão e desejaram participar da pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Todas as mães eram convidadas a participart do grupo de apoio que era realizado semanalmente, com duração de 1 hora e 30 minutos, com local e horário fixos. O grupo contava com a participação de toda a equipe multiprofissional: neonatologista, assistente social, nutricionista, fisioterapeuta, fonoaudióloga, enfermeira e era coordenado pela psicóloga da unidade. A equipe multiprofissional se revezava na participação do grupo. Tratava-se de um grupo aberto, permanente, com encontros não estruturados previamente, cujo objetivo era promover o apoio e suporte emocional entre os membros, além de facilitar a livre expressão e compartilhamento de sentimentos, preocupações e dúvidas, esclarecendo informações sobre o quadro clínico do bebê e, possibilitando a elaboração das experiências vividas. Os dados foram coletados entre junho a outubro de 2014, período estabelecido de acordo com a permanência das mães participantes desta pesquisa na unidade neonatal.

Participaram da pesquisa quinze mães de bebês prematuros que atenderam aos critérios de inclusão: a) mães de bebês prematuros; b) mães presentes na unidade neonatal; c) mães participantes assíduas do Grupo de Apoio. Excluiu-se da pesquisa as mães de bebês que permaneceram menos de uma semana internados na unidade neonatal. Cada participante era convidada a se apresentar e falar sobre o tema que quisesse. Foram realizadas doze sessões, registradas imediatamente após o seu término.

As participantes eram convidadas a apresentar-se e falar livremente sobre o tema que quisessem. A apresentação não tinha apenas o objetivo de saber o nome dos participantes e integrar o grupo, mas saber o quanto os pais estavam informados a respeito do diagnóstico e prognóstico do filho. As intervenções feitas durante a sessão buscavam incentivar a expressão dos sentimentos, elucidando a experiência vivida no hospital. Geralmente, após a apresentação, as participantes relatavam a história da gestação, do parto de urgência, o tempo de hospitalização do bebê e algum acontecimento recente na unidade neonatal. A experiência trazida por parte de cada integrante funcionava como estímulo, propiciando que os demais participantes relatassem sua história na mesma sequência.

Os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo, conforme proposta por Bardin (1977), para descobrir os temas emergentes no material cuja presença fosse significativa para o material analítico. Foi realizada leitura, exploração e codificação do material para elaboração das unidades de sentido presentes nos discursos dos sujeitos.

A partir das sessões do grupo foram elaboradas seis categorias referentes aos temas que emergiram nas falas dos participantes. As categorias serão apresentadas com os temas que mais surgiram nas sessões, ilustradas com alguns fragmentos dos discursos das participantes. Os nomes das participantes foram alterados para preservar o anonimato das mesmas.

 

Resultados e Discussão

1. Conflito com a equipe de saúde

Nas sessões do grupo, a queixa mais frequente das mães com relação à equipe era a falta de atenção com os bebês, principalmente quando acontecia alguma intercorrência com o filho. As mães sentiam-se inseguras para se afastar da unidade com medo de que a equipe não veja o bebê passando mal. Outra questão levantada pelas mães no grupo é a falta de sensibilidade por parte da equipe ao se comunicar com elas.

O neném já nasce antes do tempo né… as pessoas tinham que falar com a gente de outro jeito, mais delicado. Todas as mães aqui já choraram na UTI. Então tem que ter mais cuidado para falar. Por exemplo, às vezes, a técnica fala: nossa, você tem que trocar a fralda do bebê! A gente sabe disso… a gente é mãe. Não precisa falar assim. (Camila, 25a, 28s, 940g)

Por sentirem-se impotentes e incompetentes diante do filho, os pais projetam tais sentimentos na equipe, questionando os procedimentos realizados por ela, bem como sua eficácia (Battikha, 2011). Além disso, os conflitos presentes na UTIN, segundo Lamy (2000), são inerentes ao exercício das diferentes profissões que giram em torno do saber e do poder. A presença diária da mãe na UTIN e sua participação nos cuidados com o bebê e no tratamento dele se constitui em um novo saber para a equipe. Assim, a presença contínua da mãe ao lado do filho internado faz com que as interações ocorridas dentro da unidade se redesenhem. A relação entre os pais e a equipe na UTIN é conflituosa. Por um lado, a equipe incentiva a participação dos pais nos cuidados com o filho; em outros momentos, desautoriza a iniciativa deles. Além disso, a presença dos pais faz com que a equipe se sinta vigiada e avaliada em seu trabalho.

A respeito da comunicação, Lamy (2000) aponta que as informações dadas aos pais não atendem às necessidades e expectativas da família. A comunicação inadequada da equipe com os pais na UTIN causa impotência, frustração, irritação e ansiedade (Moreira, Braga & Morsh, 2003). Observa-se no relato acima que as mães estão em um momento de fragilidade psíquica e que demandam um cuidado com as palavras que lhes são dirigidas.

2. Dificuldades com a amamentação

O tema da amamentação era mais frequente quando a nutricionista e/ou fonoaudióloga participavam do grupo, pois as mães percebiam esse momento como uma oportunidade para esclarecer dúvidas com as profissionais que lidavam diretamente com a amamentação e a coleta de leite humano. As mães mais novas no grupo apresentavam dúvidas e preocupação sobre quando iriam começar a amamentar, com medo de que a demora fizesse seu leite secar.

Todas as mães que ainda não amamentavam eram orientadas a ordenhar o leite para o seu filho para estimular a produção. As mães que já estavam amamentando apresentavam queixas referentes às dificuldades do bebê: dificuldade em fazer a pega correta, bebê muito sonolento na hora de amamentar, imaturidade orgânica do bebê para sugar. Outras queixas que apareceram nas sessões: medo de que o leite materno não seja suficiente para o bebê, medo de que o bebê rejeite o seio, dor ao amamentar, como pode ser visto nas falas abaixo:

Eu queria saber quando vou poder começar a amamentar, porque tenho medo do meu leite secar. (Elisa, 22a, 29s, 1800g)

Fico pensando que a neném não gosta do meu peito porque ele é muito grande e não cabe direito na boca dela. (Camila, 25a, 28s, 940g)

A mãe que não se sente capaz de sustentar a amamentação para o bebê vive uma relação conflituosa com filho e sente-se destituída de suas referências. Há aqui uma fratura na possibilidade da ilusão de completude entre mãe e bebê, pois a mãe não se sente digna de ter sido capaz de produzir um filho saudável.

Eu comecei a amamentar essa semana, mas está sendo muito difícil porque ela tem dificuldade em pegar no seio e eu fico muito ansiosa. Sei que tenho que ter calma e paciência, mas queria ver ela mamando logo. (Claudia, 32a, 30s, 1035g)

Percebe-se que as mães enfrentam a dificuldade em sustentar o aleitamento materno na UTIN, porque a produção de leite está ligada às questões emocionais da mãe que, nesse momento, vivencia uma situação de muita angústia, ansiedade e estresse reativos à internação do bebê. Para grande parte das mulheres, a amamentação faz parte dos cuidados que uma mãe deve realizar para o filho. Não poder amamentá-lo é uma ferida narcísica que deixa uma marca de incompletude na mulher (Jerusalinsky, 2000).

Outro fator estressante para as mães na unidade neonatal é a utilização da amamentação exclusiva como um dos critérios de alta hospitalar. As mães se sentem pressionadas em manter o aleitamento a qualquer custo, o que torna a amamentação uma situação estressante e não prazerosa. As mães associam a demora do bebê em começar a mamar no seio a uma maior permanência no hospital. Assim, a obrigatoriedade do aleitamento materno pode transformar o incentivo em uma imposição, trazendo diversas consequências para o relacionamento entre a mãe e filho.

Sabe-se que as vantagens do aleitamento materno são inquestionáveis. Porém, Santos, Toscano, Lima, Amorim e Leal (2001) afirmam que práticas que apenas consideram a demanda biológica da criança não garantem o sucesso da continuação da amamentação após a alta hospitalar. O que garante o aleitamento é o desejo materno. A amamentação por si só não é garantia de que o vínculo está sendo construído sem a presença de fatores de riscos psíquicos para a constituição do bebê. Não é o peito ou a mamadeira que garantem a saúde mental da criança. O fundamental para a constituição psíquica da bebê é o investimento libidinal materno.

3. Dificuldades da permanência hospitalar

Nas sessões do grupo, era muito comum a queixa referente à longa permanência hospitalar. Essa permanência no hospital durante a internação do bebê foi vivida com muito sofrimento. As mães relatavam sentimentos como estresse, angústia, medo, incerteza. Além disso, apontavam como principais dificuldades em permanecer no hospital: o cansaço, a ansiedade, a saudade dos familiares e dos outros filhos. Mães trabalhadoras autônomas, sem licença maternidade, apontavam o trabalho como outro fator que dificultava uma permanência maior no hospital.

Eu não trabalho aqui, mas estou presente de manhã, de tarde e de noite (risos). Estou com muita vontade de ir embora, mas sei que não adianta ficar ansiosa. Quero fazer o que é melhor para ele. Prefiro ficar mais tempo aqui sem precisar voltar do que ir para casa e ter que internar novamente. (Fátima, 33a, 34s, 2330g)

Eu sei que tenho pelo menos mais um mês pela frente. A vontade de ir embora é grande, mas sei que ficar aqui é o melhor para meu filho. Quero sair com ele bem daqui para não precisar mais voltar. (Marina, 25a, 28s, 940g)

A mãe que acompanha seu filho hospitalizado sofre mudanças em sua vida familiar e se vê obrigada a mudar hábitos, projetos de vida e a relação com a família,. Além disso, a mãe afasta-se de suas atividades diárias, do seu trabalho, de seus amigos, marido, filhos e familiares para ficar à disposição do filho internado (Oliveira, 1998; Zanfolin, Cerchiari & Ganassin, 2018).

Vasconselos (2004) aponta que as mães que permaneciam com o filho prematuro até a alta hospitalar, apresentavam ansiedade decorrente do afastamento do lar e vivenciavam uma situação conflitante quando tinham que deixar o marido e os outros filhos em casa.

Apesar das dificuldades em permanecer no hospital e da vontade de ir para casa, muitas mães não admitem sair do hospital sem o filho e reconhecem a importância e a necessidade de permanecer junto ao bebê. Dias (2008) pontua que a abertura das unidades neonatais para uma maior participação dos pais nos cuidados com o filho exige a construção de lugares de escuta que permitam situar os desdobramentos dessa abertura, pois o acesso irrestrito dos pais não garante que eles encontrem o lugar que lhes é devido junto ao filho.

4. Retrocessos e evolução do bebê

As queixas mais comuns frente aos retrocessos do bebê eram: medo de o bebê perder peso, medo de não mamar no seio, medo de voltar a respirar com ajuda de oxigênio, medo de voltar para UTIN e, consequentemente, adiar a alta hospitalar.

Hoje eu não estou em um dia bom. Os médicos descobriram que minha filha está com intolerância à lactose e vai ter que ficar uns dias sem mamar no peito porque eu tenho que fazer dieta sem lactose para poder amamentar. Quando tudo está evoluindo pra gente ir pra casa, acontece alguma coisa e tem que retroceder. Agora ela vai ficar uns dias sem mamar no peito e ter que aprender de novo a sugar. (Elisa, 22a, 29s, 1800g)

Eu fiquei arrasada quando meu filho teve que voltar para UTI por causa de uma infecção intestinal. É um retrocesso muito grande. A gente pensa que quando vai para UCIN está perto de ir embora. (Marina, 25a, 28s, 940g)

Sobre os benefícios para evolução do bebê, as mães também apontavam a importância do Método Canguru e da autonomia em realizar os cuidados com o filho. O Método Canguru é definido como um modelo de assistência neonatal voltado para a melhoria da qualidade do cuidado e parte dos princípios da atenção humanizada. O método consiste em manter o bebê na posição canguru (vertical), o maior tempo possível para reduzir o tempo de separação entre mãe e bebê e fortalecer o vínculo entre eles. Além disso, o método tem como benefícios o controle térmico adequado, a melhora nos ritmos cardíacos e respiratórios do bebê, a redução do estresse e da dor no recém-nascido e, maior competência e confiança dos pais no cuidado do seu filho, inclusive após alta hospitalar (Brasil, 2009).

Depois que eu fui para UCIN-Canguru e comecei a fazer mais a posição canguru, percebi o quanto ele ficou mais tranquilo. (Fátima, 33a, 34s, 2330g)

Na UCIN é bem melhor que na UTIN porque lá a gente faz todos os cuidados sem precisar ficar esperando pelas técnicas de enfermagem. (Patrícia, 25a, 30s, 1410g)

Apesar das dificuldades enfrentadas durante a internação do bebê, as mães também percebiam alguns pontos positivos durante a permanência hospitalar tal como aprender a realizar os cuidados com o filho. Brazelton e Cramer (1992) afirmam que os pais passam a se sentir mais necessários, fortalecendo a comunicação e o vínculo com o bebê quando começam a realizar os cuidados com ele.

5. A rede de apoio durante a hospitalização

A falta de rede de apoio era uma queixa muito frequente durante a hospitalização do filho. Nas sessões do grupo, as mães que moravam em outras cidades apontavam a falta de rede de apoio como uma dificuldade para permanecer no hospital.

Eu sou de Manaus e vim para Goiânia passar alguns dias na casa da minha sogra com as minhas filhas. Mas não tenho muito apoio da minha sogra e o meu marido não pode vir pra cá por questões financeiras. (Fabiana, 15a, 27s, 1900g)

No entanto, a maioria das participantes percebia o grupo como uma rede de apoio, pois se identificava com as histórias alheias, reconhecendo-se em seus pares.

Eu sempre via na UTI, as mães que recebiam alta, voltarem para mostrar seus bebês para equipe e ficava imaginando quando eu faria isso. Aí hoje eu resolvi vir mostrar o meu bebê para vocês e contar a minha história para dar uma força para as mamães, porque sei que essa experiência é muito difícil. (Carla, 29a, 30s, 930g)

A rede de apoio aumenta os sentimentos de autoconfiança, realização pessoal e dedicação ao bebê (Stern, 1997; Maldonado, 1985). Observa-se que o grupo, além de funcionar como um espaço terapêutico eficaz, constituía-se como uma importante rede de apoio à medida que as diversas dimensões do sofrimento emergiam e os participantes apoiavam-se uns aos outros, seja compartilhando sua própria experiência ou com palavras de apoio, conselho e conforto.

6. Sentimentos e expectativas com a alta hospitalar

Durante as sessões do grupo, as mães relatavam a pressão sofrida pela equipe quanto aos critérios de alta hospitalar tais como o peso mínimo e o aleitamento materno exclusivo. Além desses critérios, inclui-se também a capacidade da mãe em cuidar do filho e o compromisso em dar continuidade ao atendimento ao bebê no ambulatório de seguimento.

As mães relatavam também sobre a insegurança de ir para casa com o filho prematuro, o medo de o bebê passar mal em casa e o medo de precisar retornar ao hospital.

Agora que minha filha fez a cirurgia, sei que está próximo da gente ir embora. Mas eu ainda me sinto insegura, apesar de estar há 4 meses aqui. Eu faço quase todos os cuidados, mas ainda não tive coragem de dar banho e tenho medo que ela passe mal em casa. (Pamela, 25a, 30s, gemelares)

A alta hospitalar é um momento de grande expectativa para a família do prematuro. A proximidade da alta hospitalar é um momento repleto de angústia e sentimentos ambivalentes. Ao mesmo tempo em que os pais anseiam pela alta, sentem insegurança para cuidar do filho em casa sem ter o mesmo apoio que recebia no hospital. As mães reconheciam a complexidade desse momento de alta e apontavam a importância de um preparo para a casa, com orientações sobre os cuidados com o bebê. Vale destacar que esse preparo para alta hospitalar acontecia durante toda a internação do bebê, orientando a família e inserindo-a na rotina da unidade neonatal.

Eu acho que o Canguru é uma etapa de transição para casa. Eu teria medo se fosse embora direito da UCIN para casa. (Claudia, 32a, 30s, 1035g)

Klaus e Kennel (1992) afirmam que, apesar dos critérios de alta, as mães de prematuros têm dificuldade para reconhecer que seu filho se tornará saudável. As preocupações com a saúde do bebê, o medo de contaminar e prejudicar o filho são comuns mesmo com o passar do tempo e o desenvolvimento da criança. A preocupação com o ganho de peso é a mais comum entre as mães de prematuros.

Em síntese, observa-se na análise das sessões, que as mães expressavam, frequentemente, sentimentos de sofrimento relativos à experiência do nascimento prematuro. Apontaram como principais dificuldades dessa experiência: a hospitalização do bebê e a permanência como acompanhante do filho; a ausência dos familiares nesse processo; as dificuldades da amamentação tais como pega, sucção e manutenção do aleitamento materno a qualquer custo; medo e insegurança de pegar o bebê e realizar os cuidados de higiene; conflitos na relação com as outras mães e com a equipe de saúde; insegurança com a alta hospitalar. As mães apontaram também aspectos positivos com relação à permanência na UTIN, como o aprendizado para realizar os cuidados com o filho e o apoio das outras mães no enfrentamento das situações adversas.

 

Considerações Finais

Os resultados do presente estudo apontaram, durante as sessões grupais, que as participantes expressavam, frequentemente, sentimentos de sofrimento relativos à experiência do nascimento prematuro. As mães expressaram como principais dificuldades dessa experiência: a separação precoce, a longa permanência hospitalar, a instabilidade orgânica do filho e os retrocessos em sua evolução clínica foram fatores que influenciaram negativamente essa experiência e que dificultaram a vinculação com o bebê em um primeiro momento.

A abertura das UTIN/UCIN para uma maior permanência dos pais no tratamento de seus filhos exige a construção de lugares de escuta. A análise dos dados reflete a importância de um olhar e escuta analítica precoce das mães durante a internação do filho na UTIN, apostando na escuta do sujeito de desejo, para que o sofrimento não se torne uma consequência do vazio de palavras que se traduz em feridas e marcas na história do sujeito.

Os dados também contribuem para a importância de se criar um ambiente mais acolhedor para receber a família ao entrar pela primeira vez na unidade neonatal. Os conflitos entre a equipe de saúde e as mães apontam que os profissionais, apesar de reconhecerem a importância da presença materna na recuperação do recém-nascido, não estão preparados para lidarem com o olhar vigilante dos pais e as dificuldades da família. Os pais, ao serem agressivos com os membros da equipe, transferem sua angústia a respeito da hospitalização do filho. A equipe, porém, tem dificuldade em compreender essas atitudes como sinais de desespero.

A partir da escuta analítica, as mães participantes dessa pesquisa puderam falar sobre o nascimento do filho, marcado pela urgência e pelo risco de morte, em um momento em que elas ainda estavam vivenciando essa situação e lidando com os diversos conflitos presentes na unidade neonatal.

Acredita-se que o grupo contribuiu para elaboração e significação da história vivida. Ao falarem sobre suas dores, medos e angústia com seus pares, as mães foram tecendo uma rede de apoio com aqueles que se identificavam por compartilhar uma experiência parecida com a sua. O grupo permitiu a expressão dos sentimentos das mães frente ao nascimento e internação do filho prematuro, trazendo efeitos terapêuticos importantes.

 

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1 Responsável técnica pelo setor de psicologia do Hospital e Maternidade Dona Íris, especialista em Psicologia Hospitalar, mestra e doutoranda em Ciências da Saúde pela UFG –rafaela.psi2016@gmail.com.
2 Mestra e doutoranda em Ciências da Saúde pela UFG - patriciae-vange@gmail.com.
3 Professor Livre Docente pela Universidade de São Paulo, diretor acadêmico do Hospital e Maternidade Dona Íris - dr@waldemar.med.br.

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