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Psicologia: teoria e prática
versión impresa ISSN 1516-3687
Psicol. teor. prat. v.10 n.2 São Paulo dic. 2008
ARTIGOS ORIGINAIS
A Fotolinguagem©: um método grupal com perspectiva terapêutica ou formativa1
The Fotolanguage©: a method of group work with therapeutical or formative perspective
La Fotolenguaje©: un método grupal con perspectiva terapéutica o formativa
Claudine Vacheret
Université Lumière - Lyon II
RESUMO
A Fotolinguagem© consiste em um método de trabalho em grupo originalmente desenvolvido sobre bases empíricas. Por meio de sua prática clínica e suas pesquisas, a autora dota esse método de uma compreensão psicanalítica própria à sua utilização com objetivos terapêuticos e de formação. Como tal, a autora identifica processos e formações psíquicas especialmente solicitadas e mobilizadas nesses grupos, o que tem conseqüências técnicas fundamentais no campo da definição das indicações para participação e do papel dos profissionais responsáveis pelos grupos.
Palavras-chave: Imagem, Imaginário, Fotolinguagem©, Grupo, Objeto mediador.
ABSTRACT
The Fotolanguage© consists on a method of group work which was originally developed on empirical bases. Through her clinical practice and researches, the author gives this method a psychoanalytical frame which allows it to be used for therapeutic and professional educational purposes. As such, the author identifies psychic processes and formations specially requested and mobilized by these groups which have fundamental technical consequences regarding the indications for participation in the groups and the role of the professionals who are responsible for them.
Keywords: Image, Imaginary, Fotolanguage©, Group, Mediating object.
RESUMEN
La Fotolenguaje© consiste en un método de trabajo en grupo originalmente desarrollado sobre bases empíricas. A partir de su práctica clínica y sus investigaciones la autora da a este método una compresión psicoanalítica propia para su utilización con objetivos terapéuticos y de formación. Como tal, la autora identifica procesos y formaciones psíquicas especialmente solicitadas e mobilizadas en estos grupos, lo que tiene consecuencias técnicas fundamentales en el campo de la definición de las indicaciones para la participación e para el papel de los profesionales responsables por los grupos.
Palabras clave: Imagen, Imaginario, Fotolenguaje©, Grupo, Objeto mediador.
Introdução
Um primeiro desvio parece se impor. Trata-se, com efeito, de permitir ao leitor representar-se à maneira como se desenvolve uma sessão de Fotolinguagem©, de forma mais próxima possível da situação concreta. Essa apresentação do dispositivo e de sua especificidade será precedida de algumas palavras sobre a história do método e sobre a apresentação dos dossiês de fotos.
Histótia do Fotolenguaje©
Esse método foi criado a partir de 1965 por um grupo de psicólogos e psicossociólogos lioneses que trabalhava com adolescentes e que propôs, de maneira totalmente intuitiva no início, a utilização de fotos que servissem de suporte à fala para os jovens que encontravam dificuldades de se exprimir e falar em grupo de suas experiências diversas, e por vezes dolorosas, no plano pessoal. As primeiras fotos foram feitas por fotógrafos diferentes, sobre papel fotográfico, em preto-e-branco. Qual não foi a surpresa dos animadores desses primeiros grupos nos quais repentinamente as trocas se desenvolviam e as línguas se soltavam com espontaneidade. Rapidamente, a idéia foi aplicada ao domínio da formação de adultos, e é ainda nesse setor de atividade, em empresas e no campo social, que a Fotolinguagem© é mais utilizada, tanto na França como em outros países. Ao ouvir os animadores que se servem da Fotolinguagem©, parece bem que esse método lhes presta um grande serviço. Em todo caso, eles são unânimes em dizer que o apreciam particularmente quando se trata de começar um grupo, ou finalizar um grupo, utilizando a Fotolinguagem© como técnica de avaliação.
Fora desses campos e situações padrão, onde a Fotolinguagem© encontra classicamente sua utilização, é no domínio do cuidado (soin)2 que nos fixamos em aplicar esse método com o grupo de clínicos lioneses que trabalham em conjunto há mais de 15 anos. Com adolescentes difíceis, psicopatas, toxicomaníacos, pacientes psicóticos, pessoas de idade, em diversos lugares de cuidado, tais como hospital psiquiátrico, hospital-dia, dispensários, CATTP 3 e prisões, tem sido implantado um número crescente de grupos animados por psicólogos clínicos, que co-animam com enfermeiros psiquiátricos.
Principais aspectos do dispositivo
No domínio da saúde mental, o número de participantes é de cinco a oito pacientes, que constituem um grupo semanal de uma hora ou uma hora e quinze minutos. Em formação de adultos, trabalhamos com um grupo restrito de 12 a 15 participantes, com duração de um mínimo de duas horas por sessão.
Em formação, contamos um animador para um grupo restrito, dois animadores para um grupo grande (de 25 a 30 pessoas), enquanto, com pacientes, o psicólogo certifica-se de que duas ou três pessoas, sempre as mesmas, garantirão com ele a continuidade do trabalho de grupo (psicólogos, psiquiatras, enfermeiros). No cuidado, o número de cuidadores é mais importante proporcionalmente ao número de pacientes.
Os grupos semanais com local e hora fixos na instituição dão ao grupo sua dimensão terapêutica, sabendo que os grupos não se interrompem mais do que algumas semanas por ano, durante as férias. Essa continuidade do grupo, de semana em semana, permite que os cuidadores preparem a sessão seguinte com base na evolução do grupo, dos pacientes e da instituição. É particularmente na formulação da questão que será apresentada ao grupo na semana seguinte que encontramos toda a atenção dada pelos animadores para assegurar uma continuidade no fio das associações e dos pensamentos do grupo.
A diversidade de patologias é uma preocupação partilhada por todos os cuidadores. Os próprios médicos psiquiatras contribuem, alguns fazendo da participação no grupo de Fotolinguagem© uma prescrição no projeto terapêutico elaborado a propósito de um paciente. Compreendemos facilmente o interesse para o grupo de que haja pacientes mais capazes de se exprimir com certa espontaneidade do que alguns grandes crônicos. Em certas instituições, podemos pensar em reunir os pacientes que sofrem de uma mesma patologia, como é o caso de alcoolistas ou toxicomaníacos.
Cada sessão começa com uma questão cuidadosamente preparada pelo animador e que, uma vez apresentada ao grupo, provoca a escolha das fotos. A escolha da questão faz parte do dispositivo. A experiência se refina ao longo do tempo para as diferentes equipes que preparam, com cuidado, a escolha das palavras, a construção da questão e o grau de implicação que ela suscita. A cada semana, a questão muda. Em formação, as questões apresentadas ao grupo são indutoras de uma evolução, elas marcam as principais etapas da sessão.
A experiência nos ensinou que este é o ponto mais delicado do dispositivo, o que demanda dos animadores o maior cuidado e a maior criatividade. Com efeito, as questões apresentadas no início da sessão não devem ser nem diretas demais, nem longas demais, nem complexas demais.
Preparação dos dossiês
Acabamos de evocar a maneira como os cuidadores selecionam um número limitado de fotos entre todas as que são publicadas no comércio sob o nome de Fotolinguagem©. Cabe-nos agora apresentar algumas considerações sobre como são fabricados os dossiês, pois esse método guarda um lado muito empírico e artesanal. Para ilustrar nosso propósito, partiremos do exemplo do último dossiê publicado, intitulado Saúde e prevenção, o qual foi elaborado por demanda de certos colegas americanos que trabalham com grupos de enfermos atingidos pela aids. A demanda pela preparação de um dossiê vem mais freqüentemente de uma demanda social.
Claire Bélisle5 está na origem de todos os dossiês, pois foi ela quem animou as diferentes equipes que trabalharam em sua preparação. Em um primeiro momento, trata-se de fazer um levantamento de todas as representações sociais, mas também individuais, que podem ser exploradas em numerosos grupos experimentais de voluntários interessados pelo assunto. As trocas que estes fazem, sob a forma de um brainstorm, permitem elaborar uma tipologia das representações. É com base nessa tipologia que são pesquisadas as fotos em agências ou exposições. Essas fotos são então experimentadas com novos grupos, como em uma sessão de Fotolinguagem© habitual. Pede-se somente aos voluntários que preencham um questionário complementar depois da sessão. Com base nos resultados quantitativos e qualitativos desses questionários, a equipe estabelece a lista de fotos mais lembradas e as razões pelas quais elas foram escolhidas em função da questão colocada. Quando 48 fotos são definitivamente escolhidas, os direitos de autor são comprados dos fotógrafos e as reproduções das fotos são impressas, segundo as técnicas que respeitam, da melhor forma possível, a qualidade e a granulação da foto. Essa última etapa precede a difusão dos dossiês. Isso explica porque são necessários vários anos antes de se conseguir chegar à publicação de um novo dossiê.
Desenvolvimento de uma sessão
Uma sessão de Fotolinguagem© se desenvolve em dois tempos: escolha das fotos e trocas em grupo.
Escolha de fatos
Depois de enunciar a questão que inicia a sessão do grupo e que origina a escolha de uma ou mais fotos, o animador dispõe com cuidado as fotos sobre as mesas, de uma maneira bem organizada e suficientemente espaçada para que todos os participantes possam circular na sala, passar de mesa em mesa, olhar livremente as fotos, sem ordem preestabelecida. O animador deve comunicar que:
É proposto aos participantes que se deixem interpelar pelas fotos, olhá-las atentamente, a fim de se sensibilizarem com aquelas que lhes falam mais. O animador deve dizer explicitamente ao grupo, durante o enunciado de todas essas instruções, que ele mesmo escolherá também uma foto e participará das trocas em grupo como os outros membros. Essa instrução é importante por várias razões. É verdade que o fato de o animador participar do jogo pela escolha de sua foto é uma especificidade desse método. No domínio do cuidado, essa disposição tem uma influência capital sobre a maneira como o trabalho é percebido pelos pacientes. Apresentei a hipótese, já há vários anos, de que, se os grupos de Fotolinguagem© se desenvolvem muito prontamente, isso se dá em parte pelo fato de que, quando os animadores se implicam, os participantes têm imediatamente a percepção de que não se trata de uma atividade muito perigosa. Além disso, essa implicação favorece significativamente a possibilidade de os pacientes se identificarem com os cuidadores e com o prazer que estes têm de jogar, quer dizer, de associar, fazer laços pelo pensamento. Imaginamos facilmente o efeito produzido sobre um paciente quando este constata que escolheu a mesma foto que um dos cuidadores e que, dessa mesma foto, eles podem experimentar pontos de vista semelhantes e diferentes. Depois disso, vem o segundo tempo da sessão.
Trocas em grupos
Esse tempo é limitado à duração da sessão, os participantes são convidados pelo animador a partilharem esse tempo grupalmente. O animador deve dizer: Cada um apresentará sua foto quando desejar, articulando-se eventualmente com o que foi dito antes. Escutaremos atentamente aquele ou aquela que apresenta sua foto. Não faremos nenhuma interpretação no sentido psicanalítico do termo, mas somos convidados, depois desta apresentação, a dizer o que vemos de semelhante ou de diferente na foto.
Essa instrução é importante, pois ela determina o espaço de um hiato entre o mais semelhante e o mais diferente. O tempo da apresentação para aquele que fala de sua foto permite ao sujeito se apropriar de sua escolha, de se escutar ao fazer a formulação daquilo que constitui sua visão pessoal e irredutível da realidade, tal qual ele a vê. Destacamos nesse método a qualidade da escuta quando um participante apresenta sua foto. Além do mais, não é raro que o suporte fotográfico e sua dimensão simbólica favoreçam, naquele que fala, uma formulação próxima da poesia. Essa dimensão contribui para o prazer partilhado de falar e escutar falar das fotos. Surpreendemo-nos freqüentemente ao descobrirmos, por meio da fala de um outro, toda uma visão nova e criativa, um ponto de vista bem diferente sobre a realidade, que parece nos abrir os horizontes. Enfim, a palavra tomada por esses membros do grupo que desejam intervir sobre uma foto contribui para alimentar a cadeia associativa. Aquele que escuta os outros falarem da sua foto percebe o espaço de jogo entre a foto que é a sua e que é um pouco ele, na medida em que ela representa sua escolha e, entretanto, não é ele, pois é claro que se trata de uma foto.
Cada um se reconhece mais ou menos em sua escolha, mas sobretudo naquilo que os outros dizem sobre ela o olhar dos outros faz evoluir sensivelmente sua própria percepção da foto. Acontece também que seja o inverso, que se produza e que um paciente expresse com violência um movimento pulsional mortífero ao olhar do outro. Outras vezes, independentemente das trocas e associações que se desdobram de uma foto, aquele ou aquela que a escolheram exprime com força o caráter irredutível de sua percepção, a permanência de sua representação, o que nos permite saber que ela está bem ligada à estiva (arrimage) do afeto à imagem sensorial. Nesse caso, nada mudará a maneira como o objeto é tomado, manipulado, guardado como posse, testemunha do apego do sujeito à sua foto, e o possessivo não é uma simples figura de estilo. A todos esses dados, soma-se esta particularidade indizível do método que produz prazer de partilhar, de estar em grupo, de funcionar e de pensar. Esse método facilita enormemente que o sujeito fale perante o grupo, ele o ajuda a acontecer, ele ancora (étaie) seu pensamento, sua criatividade e sustenta as trocas, em particular as produções imaginárias em sua dimensão individual e grupal, favorecendo assim as trocas identificatórias.
Especificidade do método Fotolinguagem©
A especificidade da Fotolinguagem© concerne de uma parte dos elementos do dispositivo e de outra parte dos processos grupais, tais como se apresentam e podem ser identificados em seu desenrolar.
Concernindo o dispositivo, uma das particularidades do método é determinada pelo fato de o animador apresentar uma questão ao grupo que deverá ser respondida com a ajuda de uma foto. Esse componente é essencial, pois define um espaço de jogo entre a mobilização do pensamento em idéias, lógico, organizado, secundarizado em vista de responder a uma questão de uma parte e a mobilização do pensamento por imagens, que faz o sujeito reagir associativamente a partir de suas imagens interiorizadas e dos afetos que o acompanham segundo a analogia, ou melhor, a ana-lógica (ana- logique) do processo primário. Esse espaço de jogo encontra-se balizado de uma maneira bem definida, na medida em que o dispositivo determina os limites do trabalho tornado possível, tanto do lado do pensamento em idéias quanto do pensamento em imagens. Esse aspecto do método é muito importante porque define os limites estritos do trabalho, possibilitado pelo enquadramento dado pelas instruções. O dispositivo que enquadra é imediatamente interiorizado pelos participantes.
Essa particularidade do método tem dois efeitos maiores sobre o desenvolvimento de uma sessão. De uma parte, o efeito de contenção é evidente, pelo fato de haver uma consistência que chamo freqüentemente de os dois guarda-corpos: de um lado a questão, de outro a foto. De outra parte, o espaço do jogo assim definido se estrutura entre o processo primário (o pensamento em imagens) e o processo secundário (o pensamento em idéias). As condições do jogo residem no hiato assim determinado, constituindo em si uma verdadeira área de jogo. É igualmente nesta área de jogo que cada um dos participantes poderá se expressar sobre a foto do outro, sabendo que cada um tem em mente a questão apresentada enquanto comenta uma foto, quer se trate da sua, quer de um outro participante. Essa área de jogo, intermediária entre o processo primário e o processo secundário, favorece os processos de ligação de um a outro dos dois registros assim especificados, assegurando a dupla articulação entre o intrapsíquico e o intersubjetivo.
Precisamos agora abordar mais precisamente a natureza dos processos específicos solicitados por esse tipo de dispositivo. Apoiar-me-ei em minha prática clínica de grupo com o método Fotolinguagem© para estabelecer meu propósito. Nessa técnica, a mediação é a fotografia, escolhida por cada membro do grupo, com base em uma questão apresentada ao grupo, no início da sessão, pelo animador.
Assim, uma participante evoca, ao mostrar sua foto de uma casa de campo, suas férias passadas com a avó, quando ela era pequena. Por meio dessa imagem, ela é capaz de recordar-se de que sua avó colocava ramalhetes de lavanda em seus armários de lençóis e toalhas. Ela se lembra de que amava o odor que lhe vinha cada vez que sua avó abria as portas dos armários que rangiam. E então somos tomados, no grupo, por uma evocação visual, auditiva e olfativa.
Sem dúvidas, é isso que Freud conceituou (1900/1967) em termos de representação de coisa, cuja tradução representação-coisa parece mais judiciosa. A coisa da qual se trata é a imagem e o afeto, nos confins do corpo e da pulsão. Esta é a razão pela qual prefiro falar de imagem, não somente porque a mediação da qual falo se apóia sobre as imagens fotográficas, mas também porque a imagem sensorial, teorizada como pictograma por Piera Aulagnier (1975) ou como significante formal por D. Anzieu (1987), é, como diz o próprio Freud, o modo de pensamento mais próximo dos processos inconscientes. Ou seja, o pensamento em imagens como ele o designou em O ego e o id (FREUD, 1923/1970) é um pensamento cujas modalidades de figuração são inscritas na experiência corporal. Trata-se de ancoragens preceptivas e sensoriais, inscritas naquilo que podemos chamar de memórias do corpo.
Se retorno ao meu exemplo, entretanto, é que o registro dos afetos que acompanham esse encadeamento perceptivo surge rapidamente como o mais importante nesta cena simples da vida de uma pequena garota, que faz parte das lembranças da mulher adulta, que se exprime diante de nós. Imagem e afeto seriam eles indissoluvelmente ligados? Como não o constatar cada vez que um participante nos diz que somente esta foto lhe fala, que não foi ele que a escolheu, mas que ela, a foto, se impôs a ele: Eu só vi esta foto, entretanto não é raro que ele continue: Eu não sei bem por que, não sei o que dizer sobre ela. Quando uma foto se impõe a nós, ela não é mais uma simples fotografia, aquela de um fotógrafo identificado que tirou um instantâneo em uma época dada, com todos os dados objetivos daquilo que a foto pode denotar, como testemunho de uma realidade. Quando uma foto nos fala, nos toma, nos escolhe, é que ela se tornou uma imagem. Ela é então para nós a capacidade de conotar uma outra coisa que não uma simples realidade histórica, sociocultural. Ela nos faz pensar, evoca uma história, metaforiza uma outra situação, traz-nos, por analogia, uma lembrança ou, às vezes, somente uma ambiência afetiva. Uma foto escolhida como objeto mediador se torna, pelo investimento do qual ela é o objeto, uma imagem própria a mobilizar nossas imagens interiores, associadas e religadas pelo afeto que as sustenta. Assim, somos convidados a apresentar nossa foto diante do grupo e, por esse fato, expor nosso imaginário, expondo-nos aos olhares dos outros. Com essa mediação, não falo mais de mim diretamente, como em um grupo de fala sem mediação, falo de mim através de uma foto, a partir dela, e daquilo que vejo nela associativamente. Os outros me escutam, eles viram esta foto, ela os havia solicitado ou, bem, não lhes disse nada. Minha apresentação os familiariza com minha visão das coisas. Então eles poderão dizer o que experimentam depois de me haver escutado falar assim de minha foto, e, ao se exprimirem sobre minha foto, eles vão falar deles, mas também um pouco de mim, sem saberem. Por meio de suas diversas evocações, vou ser confrontado com imaginários diferentes, que se opõem com o meu ou que o sustentam e alimentam. O grupo vai produzir um imaginário comum, feito de múltiplas facetas que cada um traz em si, e diversas imagens das quais somos portadores, individual e grupalmente, vão se agenciar, organizar-se e transformar-se. Escutamos freqüentemente nos grupos: É verdade, eu não via as coisas deste modo, agora vejo minha foto de um jeito um pouco diferente. Sabemos bem que a foto não mudou, em revanche o que mudou são as imagens interiores, aquelas de nosso pensamento em imagens, que foram atingidas, tocadas, mobilizadas, do lado do processo primário, e que desse fato desencadearam uma mudança de ambiência, de clima afetivo.
Se o pensamento em imagens é mais próximo do inconsciente, o que dizer do espaço psíquico mobilizado neste trabalho? Cada vez que propomos um objeto mediador, solicitamos o imaginário ao qual devemos alocar um espaço psíquico. É em nosso pré-consciente que o imaginário vem se desdobrar, se exprimir e produzir. O pré-consciente tem aqui uma especificidade do ponto de vista tópico, ele tem uma vertente próxima do inconsciente se exprimindo segundo as figuralidades (figurabilités)6 próprias ao processo primário, é o pensamento em imagens e tem uma vertente próxima da consciência, o que Freud chamou, em uma época (antes de 1920), de sistema pré-consciente-consciente, que se exprime segundo as modalidades do processo secundário. Essa bipolaridade do pré-consciente é o que constitui sua riqueza, a potencialidade de ser um espaço de trânsito, quer dizer um espaço transicional, o espaço intermediário de trocas, trocas imaginárias que se exprimem e se desdobram graças às representações intermediárias do sujeito e do grupo.
A foto atingiu um status de imagem, as imagens são constitutivas de certo imaginário, e os afetos que acompanham essas imagens vão nos permitir aceder a uma outra dimensão.
Com efeito, sob as produções tornadas manifestas pelo e no imaginário, encontram-se outras produções psíquicas por essência mesmo inconscientes. Essas produções são as fantasias7 cuja origem é inconsciente, fantasias originárias8 e organizadoras da vida psíquica. Assim, fantasias de sedução, de castração e da cena primitiva se encontram figuradas no grupo por intermédio das fotos e do que se diz sobre elas. Disso o animador não falará em termos clássicos de interpretação no sentido psicanalítico, ele intervirá como os outros participantes, ele mesmo escolhendo uma foto. Ele pode então se autorizar a dizer o que vê na foto apresentada por cada membro do grupo, contentando-se em dizer o que vê, como os outros participantes.
São nossas intervenções sobre a foto do outro que têm um valor interpretativo, e não é raro sentirmos a violência da interpretação em nossa recusa de ver o que o outro percebeu em nossa foto. Foi assim que uma mulher recusava a visão de um outro participante, que via uma criança morta no deserto a partir de sua foto, que era para ela a foto de uma criança dormindo tranqüilamente ao contato da areia quente, sobre a praia, no verão. Nossos imaginários entram em choque, portadores que são de pulsões, pulsão de vida e pulsão de morte. Nossos imaginários não são conteúdos revelados, como se as lembranças, as experiências, a história de cada um estivesse na origem de seu imaginário, como um reservatório imutável de imagens, jamais marcado pelo selo de Eros ou de Tânatos, inelutavelmente inscritas em nosso funcionamento psíquico?
Com as técnicas mediadoras, como a Fotolinguagem©, aprendemos que o imaginário apenas se revela em termos de conteúdos, mas que ele é também uma função psíquica. Ele é uma função na medida em que se transforma, evolui, muda com as trocas. De um ponto de vista econômico, ao trocarmos entre imaginários, fazemos trocas com movimentos pulsionais, mas também com potencialidades identificatórias. Todo grupo de mediação oferece ao sujeito uma oportunidade de encontrar novos modelos identificatórios por meio de novos dados dos quais os outros são portadores, por difração9. Dentre os personagens, colocados em cena, figurados, encenados na cadeia associativa grupal, o sujeito toma a parte que lhe retorna e se reapropria um pouco de sua história e de sua grupalidade psíquica interna. Depois de terem transitado pelo intermediário do imaginário dos outros, algumas facetas ou imagens dele retornam ao sujeito, desintoxicadas, transformadas, sem que isso seja de conhecimento de cada um e do grupo.
O objeto foto é mediador, maleável e transformador de imaginários. Desse fato, ele contribui para favorecer a função integrativa do imaginário. É assim que graças a ele o inconsciente pode se tornar consciente. O objeto mediador serve de suporte, ele suporta as projeções, sustenta as produções, tolera as contradições, não é nem eu, nem o outro, ancora os dois, é o terceiro entre o outro e mim, intermediário. Ele tem uma dupla polaridade entre o sujeito e o objeto, entre o dentro e o fora. Tem também uma dupla polaridade entre sua vertente inscrita na realidade, na materialidade, visível, tangível, manipulável e sua vertente de representatividade metaforizante de uma outra realidade. A alteridade se deposita sobre a vertente da representatividade no laço intersubjetivo, pois a imagem fotográfica é percebida de diversos modos e encenada por relatos múltiplos. Dessas duas vertentes do objeto mediador que coexistem, materialidade e representatividade, nasce o caráter simbólico (symbolicité) do objeto. Dito de outro modo, a falha de simbolização é uma falha da ligação pelo pensamento entre a experiência corporal o percebido colocado em imagens sensoriais, próprio ao processo primário com a representação de coisa e a colocação em palavras que atualiza uma capacidade de nomear sua vivência com representações colocadas em palavras. Os processos de simbolização aparecem como a resultante de um trabalho psíquico de ligação entre os processos primários e os processos secundários, pelo intermediário dos processo terciários, conceito que foi proposto e elaborado por A. Green (1982).
A primeira etapa desse percurso psíquico é o da contenção do universo pulsional, que ameaça o sujeito de explodir, em um agir agressivo ou violento, ou que o ameace de implodir provocando uma fragmentação interna, a somatização ou a depressão. Trata-se inicialmente de reconstruir ou restaurar os continentes de pensamento, a fim de conter as pulsões, canalizá-las, colocar o enquadramento à prova, o grupo, que, mesmo atacado, não será destruído, dando segurança, assim, ao sujeito em relação aos riscos que sua própria destrutividade comporta.
Compreende-se bem como o objeto mediador pode ser o receptáculo de uma violência verbal transposta sobre a foto, que pode ser comentada negativamente, criticada, demolida por palavras, sem que o outro se sinta inteiramente destruído, pois ele continua a pensar que é bem e somente uma foto que está em questão, mesmo que se trate daquela que ele escolheu. Constatamos então que o hiato entre a foto objeto-externo e a foto objeto-interno cria um espaço de jogo. Trata-se de um jogo sério, pois a foto objeto-externo recolhe os movimentos pulsionais destrutivos, do lado da pulsão de morte.
De todo modo, não tendo nunca sido mais do que uma simples foto, ela não é destruída e desvia a pulsão, que poderia ou deveria ter sido transferida sobre o outro. Assim, o sujeito salvaguarda para ele mesmo a foto imagem-interna. Consegue fazê-lo tanto melhor na medida em que os outros membros do grupo tenham ali depositado, por sua vez, suas próprias representações, diversas e contrabalanceadas pela pulsão de vida. Sua foto imagem-interna acede assim a uma maior ambivalência, nem fecalizada de fato, nem idealizada ao extremo, ele pode então se reapropriar dela. Ele colhe na riqueza e pluralidade dos imaginários que passaram pelas trocas, o que, a despeito dele e a despeito dos outros membros do grupo lhe retorna, lhe é dirigido.
É somente quando o sujeito tenha ouvido o outro se dirigir em eco, uma fala que lhe retorne, e lhe tenha enviado em espelho, uma imagem que lhe pertença, que o sujeito em questão poderá aceder a uma autêntica tomada de consciência, esta sendo a condição necessária e prévia a todo trabalho psíquico de integração no aparelho psíquico pela simbolização.
O grupo de mediação pela imagem fotográfica coloca de um lado a grupalidade do dispositivo em sua externalidade e, de outra parte, a mediação de um objeto em posição intermediária. Um e o outro são necessários para facilitar a passagem, não somente dos processos primários aos processos secundários, em uma perspectiva tópica, favorecendo a regressão formal e temporal, mas também em uma perspectiva econômica, facilitando as trocas entre imaginários, entre grupos internos e grupos externos, os grupos diacrônicos (familiares) estando reatualizados na sincronia do grupo aqui e agora. De um ponto de vista dinâmico, o grupo e o objeto mediador favorecem uma melhor contenção da dinâmica violenta dos sujeitos em luta com seus conflitos narcísicos primários, da ordem da luta pela vida e pela morte. Os grupos de mediação asseguram uma melhor contenção, pois a mediação propõe um espaço de jogo e um hiato, descolando a realidade do imaginário, alterando a posição do sujeito em relação aos seus objetos, o objeto externo, a foto, mobilizando os objetos internos investidos afetivamente.
Desse modo, cada membro do grupo investe sua foto de uma maneira que ultrapassa muito largamente o quadro de uma simples relação a um objeto cultural. A foto representa uma pequena parte de nossa vida interior. Ela figura um momento, uma lembrança, um personagem, um traço que ela mobiliza, por intermédio das imagens perceptivas e reativadas. Ela não é nunca o reflexo exato de nossa realidade interna, ela não é mais do que uma aproximação, uma forma contígua, um contorno analógico, uma anamorfose. Ela entra em nosso mundo interno por uma janela, a da sensorialidade. A via primeira sobre os outros sentidos, mas o visual é associativamente ligado ao auditivo, ao olfativo, ao tátil. Uma foto pode evocar uma música, um perfume, um movimento, um contato pelo toque. Todas as técnicas mediadoras têm sua especificidade, cada uma privilegia uma porta de entrada no mundo interno e íntimo de nossa sensorialidade.
Referências
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KAËS, R. La diffraction des groupes internes. Revue de Psychothérapie Psychanalytique de Groupe, v. 11, p. 159-174, 1985. [ Links ]
Das notas de tradução
FREUD, S. (1900) Die Traumdeutung. In: _________. Gesammelte Werk. Frankfurt am Main: Fischer Taschenbuch Verlag, 1999. v. 2-3. [ Links ]
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LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.-B. Vocabulário de psicanálise. 9. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1986. [ Links ]
Endereço para correspondência
Claudine Vacheret-Vivier
30 Rue Godefroy 69006
Lyon France
E-mail: claudine.vacheret@orange.fr
Tramitação
Recebido em setembro de 2008
Aceito em novembro de 2008
1 Traduzido e revisado por Pablo de Carvalho Godoy Castanho e publicado com a autorização da autora do artigo.
2 Pode-se argumentar que o termo soin em francês desperta mais diretamente a associação com a atividade “clínica” do psicólogo do que o termo “cuidado” em português pode evocar. (N. T.)
3 Sigla francesa para Centro de Acolhimento Terapêutico de Tempo Parcial.
4 Os fundadores do método, atualmente co-editores da coleção, são Claire Bélisle e Alain Baptiste.
5 Claire Bélisle é engenheira na CNRS em Lyon.
6 O termo francês figurabilité é a tradução francesa mais comum para o termo alemão Darstellbarkeit,que surge em A interpretação dos sonhos (FREUD, 1900/1999). A consideração freudiana sobre Rücksicht auf Darstellbarkeit é apresentada no Vocabulário de psicanálise (LAPLANCHE, PONTALIS, 1986, p. 250 ) como Exigência a que estão submetidos os pensamentos do sonho: eles sofrem uma seleção e uma transformação que os tornam aptos a serem representados em imagens, sobretudo visuais. Darstellbarkeit é, portanto, a modalidade de registro psíquico manifesta nos sonhos. O termo figura, em português, parece assim nos aproximar do sentido original do termo em alemão. Porém, cabe ainda determinar qual seria a forma exata que o termo deveria assumir em português. Ao nos distanciarmos da linguagem técnica, constatamos que o sentido do termo figurabilité em língua francesa corrente é o mesmo que o Dicionário Houaiss (HOUAISS, 2001, p. 1339) atribui ao termo figuralidade: característica, condição, atributo do que apresenta ou pode ser representado por figura. Consideramos, assim, ambos os termos traduções apropriadas, em suas respectivas línguas, para o Darstellbarkeit freudiano. Por isso, nesta tradução, utilizaremos o termo figuralidade. Entretanto, advertimos que o leitor certamente encontrará, nos meios psicanalíticos de língua portuguesa, o termo francês figurabilité freqüentemente traduzido pelo neologismo figurabilidade. (N. T.)
7 Traduziremos o termo francês fantasme por fantasia, tendo em vista que nos referimos ao que Freud denominou Phantasie em alemão. Remetemos o leitor ao Vocabulário de psicanálise (LAPLANCHE; PONTALIS, 1986) para maiores esclarecimentos sobre esta opção de tradução. (N. T.)
8 Optamos traduzir fantasmes originaires por fantasias originárias, tendo em vista sua raiz no termo Uhrphantasie, utilizado por Freud em alemão. O leitor deve, no entanto, ser advertido de que se trata do mesmo conceito freqüentemente traduzido como fantasia primitiva em português. (N. T.)
9 Conceito elaborado por Kaës (1985).