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Psicologia: teoria e prática

versión impresa ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.14 no.2 São Paulo ago. 2012

 

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

 

Resenha do livro Clínica psicodinâmica: olhares contemporâneos, de Santuza Fernandes Silveira Cavalini e Claudio Bastidas

 

 

Tales Vilela Santeiro

Universidade Federal de Goiás, Campus de Jataí – GO – Brasil

Endereço para correspondência

 

 

O livro Clínica psicodinâmica: olhares contemporâneos é um produto coletivo, em predomínio constituído por autores associados à Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). É organizado pelos doutores Santuza Fernandes Silveira Cavalini e Claudio Bastidas, os quais têm extensa prática de ensino e formação como psicólogos em instituições de ensino superior.

Publicar um volume sobre aspectos da clínica psicodinâmica mostra‑se um grande desafio no Brasil, realidade na qual iniciativas semelhantes ainda são incipientes. É grande a atividade acadêmica dos professores de Psicologia Clínica e de seus estagiários, entretanto é fato que pouco se sistematiza e se publica sobre essas experiências práticas, de ensino, de extensão e de pesquisa. Esse argumento se fortalece quando se considera a existência de centenas de cursos de Psicologia ativos e cadastrados no Ministério da Educação e, igualmente, quando se pondera sobre o quanto a Psicologia Clínica de orientação psicanalítica tem se mantido como uma das maiores opções feitas por psicólogos brasileiros, nos dias atuais (GONDIM; BASTOS; PEIXOTO, 2010). Desse modo, a publicação resenhada insere‑se como uma contribuição a esse cenário.

A organização do conteúdo é balizada por dois conjuntos temáticos, a avaliação psicológica (AP) e as psicoterapias psicodinâmicas. Assim, construir pontes entre esses dois domínios da Psicologia, os quais se complementam de modo contínuo, torna‑se interessante ao leitor. Nessa direção, a parte inicial se ocupa dos temas relativos à AP em seis capítulos, os quais tracejam desde estudos brasileiros realizados nos últimos anos, até os processos psicodiagnósticos, sobretudo ocorridos em contextos de clínica‑escola e de pesquisa. Na segunda parte, os temas de psicoterapia psicodinâmica são discutidos em três outros capítulos, em especial aqueles tocantes aos processos psicoterapêuticos breves.

O Capítulo 1, de autoria de Terezinha Amaro, Lucas Carvalho e Nídia Vailati, focaliza o panorama dos estudos realizados no Brasil, entre 2000 e 2010, sobre AP. O processo de AP, o ensino de AP e estudos de qualidades psicométricas de testes psicológicos foram as temáticas mais divulgadas em artigos disponíveis on‑line, nas Bases de Dados Lilacs (n = 171) e PePsic (n = 33). As limitações metodológicas do estudo foram contempladas pelos autores, o que o favorece como proposição agregadora de novas ponderações a estudos semelhantes (BARROSO, 2010; PRIMI, 2010).

No capítulo seguinte, a inteligência e sua mensuração padronizada no contexto clínico é alvo de atenções por parte de Santuza Cavalini e Lucia Lee. A despeito dos questionamentos quanto à necessidade de se avaliar ou do que venha a caracterizar a inteligência, ela tem se mantido como um dos temas centrais da Psicologia. As autoras fundamentam suas ideias, denotando preocupação com o sentido que o processo de AP da inteligência possa tomar: como em qualquer outro, a conduta clínica precisa exceder análises puramente quantitativas. Nesse caminho, elencam contribuições qualitativas admitidas pelo uso de testes de avaliação da inteligência infantil e adolescente: Desenho da Figura Humana‑III, Teste de Matrizes Progressivas de Raven – Escala Especial, Escala de Maturidade Mental Colúmbia e Escala de Inteligência Wechsler para Crianças‑III. As informações selecionadas são vantajosas para aqueles que se adentram nos processos de AP.

Eliana de Felice debate o uso do procedimento de desenhos-estória (D‑E) no processo psicodiagnóstico (Capítulo 3), o que beneficia análises globais do sujeito. Embora, no capítulo anterior, as autoras tenham se direcionado ao uso de instrumentos padronizados, aqui se visualizam inquietações semelhantes, com o diferencial de haver ilustração do uso dos D‑E com três casos clínicos, de uma criança, de um adolescente e de um adulto. Desde que entendido que essa estratégia de AP se fundamenta no modelo teórico‑prático psicanalítico, sua aplicabilidade é ampla e, como observado pela autora, não envolve grandes custos, dado significante na realidade brasileira. Também há detalhamento de como utilizar os D‑E, passo a passo, esclarecendo o quanto eles podem enriquecer a busca por informações sobre o mundo interno do avaliado, e existem alertas para a necessidade de haver boa experiência clínica por parte do aplicador.

No Capítulo 4, de autoria de Elisa Villela, Maria Lucia Paiva e Rosa Affonso, e no Capítulo 5, de autoria de Rosa Affonso, o uso das estratégias projetivas permanece em foco. Os usos do Teste de Apercepção Temática e da técnica projetiva ludodiagnóstica são ilustrados com casos clínicos ocorridos em processos psicodiagnósticos. No primeiro caso, o procedimento das entrevistas de devolução de informações é detalhado em um caso de adulto; no segundo, a avaliação cognitiva infantil se torna alvo de nova explanação (cf. Capítulo 2). Nos dois capítulos as informações são expostas de modo didático e podem servir de apoio a estudantes, em momentos de confecção de relatórios de estágio, decorrentes de processos psicodiagnósticos, intermediados pelo uso técnicas de projetivas. No Capítulo 5, ressalta‑se o favorecimento de integrações entre os fundamentos teóricos psicanalíticos, especialmente sobre o mecanismo da projeção, e os piagetianos (Epistemologia Genética), que elucidam a relação entre afeto e cognição no desenvolvimento e na avaliação infantil, com destaque para as noções de espaço, tempo e causalidade.

Os aspectos diagnósticos de adolescentes em situação de luto são explorados em profundidade no Capítulo 6, escrito por Mônica Mota e Elisabeth Wiese. No capítulo seguinte, aquele que inaugura o bloco de produções sobre psicoterapia psicodinâmica, Maria Leonor Enéas e Glaucia Rocha se debruçam sobre a condução do término em psicoterapia breve; ao fazê‑lo, emparelham ponderações, até este momento, dispersas na literatura, aos estudiosos e práticos desse campo de atuação. Os Capítulos 6 e 7 se acoplam na medida em que conciliam achados teóricos sobre situações de perdas físicas e simbólicas, envolvidas na morte e no processo psicoterapêutico de caráter focal, em que a fase de término caracteriza uma premissa. Essas ocasiões, inerentes à condição humana e profissional, representam limites para todos os que as vivem, todavia, a elaboração ensejada por elas também indica rumos para a continuidade do crescimento e do desenvolvimento emocional.

O Capítulo 8, proposto por Claudio Bastidas, é referente aos aspectos cotidianos da clínica psicanalítica: a dimensão sensoperceptiva. Focado em contribuições iniciais propostas por Freud e Ferenczi, o autor ilustra a relevância das observações que o terapeuta faz sobre expressões faciais, da postura corporal, das vestimentas, dos gestos e dos comportamentos de seus pacientes. A partir de vinhetas de dois casos clínicos, ressalta que o significado dos elementos sensoperceptivos é compreensível quando esses elementos estão situados no contínuo das manifestações transferenciais e contratransferenciais.

Maria Leonor Enéas e Martha Dantas (2011, p. 165) encerram o livro com aclaramentos sobre critérios de indicação de psicoterapia breve em clínica‑escola, de modo específico quando pacientes difíceis (borderline) recorrem a esses serviços (Capítulo 9). Nesse sentido, auxiliam supervisores e estagiários a discernir aspectos fundamentais no manejo clínico desses indivíduos, com ênfase daqueles com grau leve de adoecimento. "Desse modo, ao estabelecer os objetivos [...] estes devem ser delimitados, pouco abrangentes e compatíveis com as capacidades dos estagiários e com as características da clínica".

Como dito, a produção é composta por profissionais atuantes na capital do Estado de São Paulo – e, portanto, sugere que o subtítulo possa ser complementado: "olhares contemporâneos de paulistanos". Trata‑se, porém, de uma referência útil para instigar diálogos entre estudantes, profissionais e professores de Psicologia situados em outras realidades. Ela parece alinhar‑se, além disso, a uma política de professores universitários que produzem clínica para além da sala de aula e dos consultórios (por exemplo, CARPIGIANI, 2011). E isso permanece construtivo para a consolidação de uma clínica verdadeiramente dinâmica – e contemporânea.

 

Referências

BARROSO, S. M. Avaliação psicológica: análise das publicações disponíveis na SciELO e BVS‑PSI. Fractal: Revista de Psicologia, v. 22, n. 1, p. 141‑154, 2010.         [ Links ]

CARPIGIANI, B. Teorias e técnicas de atendimento em consultório de Psicologia. São Paulo: Vetor, 2011.         [ Links ]

ENÉAS, M. L. E.; DANTAS, M. S. Critérios de indicação de psicoterapia breve em clínicaescola com pacientes difíceis. In: CAVALINI, S. F. S.; BASTIDAS, C. (Org.). Clínica psicodinâmica. São Paulo: Vetor, 2011. p. 153-170.

GONDIM, S. M. G.; BASTOS, A. V. B.; PEIXOTO, L. S. A. Áreas de atuação, atividades e abordagens teóricas do psicólogo brasileiro. In: BASTOS, A. V. B.; GONDIM, S. M. G. (Org.). O trabalho do psicólogo no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 174‑199.

PRIMI, R. Avaliação psicológica no Brasil: fundamentos, situação atual e direções para o futuro. Psicologia: teoria e pesquisa, Porto Alegre, v. 26, n. esp., p. 25‑35, 2010.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Contato
Tales Vilela Santeiro
e‑mail: talessanteiro@hotmail.com

Tramitação
Recebido em dezembro de 2011
Aceito em maio de 2012