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Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento
versión impresa ISSN 1519-0307versión On-line ISSN 1809-4139
Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv. vol.19 no.1 São Paulo enero/jun. 2019
https://doi.org/10.5935/cadernosdisturbios.v19n1p81-97
Futebol e funções executivas: um estudo de revisão
Soccer and executive functions: a review study
Fútbol y funciones ejecutivas: un estudio de revisión
Ronê PaianoI; Alexandre Slowetsky AmaroII; Fernanda GarciaIII; Rodrigo Carlos Toscano FerreiraIV; Kamila Santos RessurreiçãoV; Luiz Renato Rodrigues CarreiroVI
IUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: rone.pefe@gmail.com
IIUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: aleslowetzky@gmail.com
IIIUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: fernanda.garcia@mackenzie.br
IVColégio Palmares, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: rodrigotoscano@hotmail.com
VUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: kamila.ressurreicao@mackenzie.br
VIUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: renato.carreiro@gmail.com
RESUMO
A prática do futebol, além de ser uma forma de atividade de lazer, sociabilização, competição e melhora da aptidão física, pode estar associada também a benefícios cognitivos, pois um ambiente rico de desafios, como é o dos esportes coletivos, pode contribuir para estimular as funções executivas (FE). Este artigo tem como objetivo realizar um estudo de revisão sobre as correlações entre a prática do futebol e FE em crianças e adolescentes. Foram feitas buscas nas bases de dados PubMed e SciELO com os equivalentes em inglês do termo "futebol" associado a "funções executivas", ou "funções cognitivas" ou memória de trabalho, ou controle inibitório, ou flexibilidade cognitiva até fevereiro de 2019, que resultaram em 112 artigos. Após os critérios de exclusão, restaram nove artigos que foram analisados. O componente mais avaliado nos artigos foi a memória de trabalho, seguido de atenção, controle inibitório, fluência e flexibilidade cognitiva. Cinco trabalhos associaram as FE à prática do futebol. Em dois trabalhos, observou-se que os atletas adolescentes que treinavam futebol em clubes profissionais apresentavam melhores resultados nos testes de FE do que aqueles que treinavam em clubes amadores. A análise dos artigos deste estudo de revisão demonstrou que a prática de atividades esportivas - nesse caso, o futebol - pode trazer benefícios para as FE e as habilidades atencionais em crianças e adolescentes. Entretanto, mais pesquisas precisam ser desenvolvidas para se compreender a magnitude das adaptações em função do nível de complexidade e da demanda energética das atividades esportivas propostas.
Palavras-chave: Esporte. Funções cognitivas. Crianças. Controle inibitório. Futebol.
ABSTRACT
The practice of soccer, besides being a form of leisure activity, socialization, competition and improvement of physical fitness, may also be associated with cognitive benefits, because an environment rich in challenges, such as team sports, can contribute to stimulating executive functions (EF).The objective of this article meant to do a review study on correlations between soccer practice and EF in children and adolescents. We searched the PubMed and SciELO database with the English equivalents of soccer terms associated with "executive functions", or "cognitive functions" or working memory, or inhibitory control, or cognitive flexibility until February 2019, which resulted in 112 reports. After the exclusion criteria, nine articles got analyzed. The most evaluated component in the articles remained the working memory followed by attention, inhibitory control, fluency, and cognitive flexibility. Five sets of research associated EF with soccer practice. In two studies it was observed that the adolescent athletes who trained soccer in professional clubs presented better results in the tests of EF than the adolescents that trained in amateur clubs. The analysis of the articles of this review study revealed that the practice of sports activities, in the case of soccer, can bring benefits to the EF and the attentional abilities in children and teenagers. However, more research demands to be done to understand the magnitude of the adaptations due to the level of complexity and energy demand of the proposed sports activities.
Keywords: Sport. Cognitive function. Children. Inhibition. Soccer.
RESUMEN
La práctica del fútbol, además de ser una forma de actividad de ocio, sociabilización, de competencia o de mejora de la aptitud física, puede estar asociada, también, a beneficios cognitivos, pues un ambiente rico de desafíos, como son los deportes colectivos, pueden contribuir a estimular las funciones ejecutivas (FE). El objetivo de este artículo fue el de hacer un estudio de revisión sobre correlaciones entre la práctica del fútbol y FE en niños y adolescentes. Se realizaron búsquedas en la base de datos PubMed y SciELO con los equivalentes en inglés de los términos fútbol asociado a "funciones ejecutivas", o "funciones cognitivas" o memoria de trabajo, o control inhibitorio, o flexibilidad cognitiva hasta febrero de 2019, que resultaron en 112 artículos. Después de los criterios de exclusión quedaron nueve artículos que fueron analizados. El componente más evaluado en los artículos fue la memoria de trabajo seguida de atención, control inhibitorio, fluencia y flexibilidad cognitiva. Cinco trabajos asociaron a las FE a la práctica del fútbol. En dos trabajos se observó que los atletas adolescentes que entrenaban fútbol en clubes profesionales presentaban mejores resultados en las pruebas de FE que los adolescentes de entrenaban en clubes aficionados. El análisis de los artículos de este estudio de revisión demostró que la práctica de actividades deportivas, en el caso del fútbol, puede traer beneficios para las FE y las habilidades atencionales en niños y adolescentes. Sin embargo, más investigaciones necesitan ser desarrolladas para comprender la magnitud de las adaptaciones en función del nivel de complejidad y de la demanda energética de las actividades deportivas propuestas.
Palabras clave: Deporte. Funciones cognitivas. Niños. Control inhibitorio. Fútbol.
INTRODUÇÃO
O futebol é praticado por pessoas de todas as camadas sociais como forma de atividade de lazer, sociabilização, competição e melhora da aptidão física. Entretanto, a prática do futebol pode estar associada também a benefícios cognitivos, como a melhora das funções executivas (FE).
As FE podem ser definidas, segundo Baggetta e Alexander (2016), como um conjunto de processos cognitivos que
orientam a ação e os comportamentos essenciais para os aspectos da aprendizagem e o desempenho humano em tarefas diárias;
contribuem para o acompanhamento ou o regulamento de tais tarefas; e
pertencem não só ao domínio cognitivo, mas também aos âmbitos socioemocional e comportamental do desempenho humano.
Apesar de diferentes autores divergirem quanto à identificação dos componentes das FE (DE PAULA et al., 2013; SEABRA et al., 2014; BAGGETTA; ALEXANDER, 2016), existe, no geral, uma concordância com relação às três FE principais, a saber: controle inibitório, memória operacional e flexibilidade cognitiva (DIAMOND; LEE, 2011; DIAMOND, 2013; BAGGETTA; ALEXANDER, 2016). A partir desses componentes, são derivadas outras funções superiores, como raciocínio, planejamento e resolução de problemas (DIAMOND; LEE, 2011; DIAMOND, 2013).
Nesse sentido, um ambiente rico de estímulos, como são os esportes coletivos, pode contribuir mais significativamente para uma melhora nas FE. Segundo Verburgh et al. (2014), os esportes coletivos requerem rápida antecipação e adaptação às contínuas situações de mudança decorrentes da oposição gerada pelo adversário, do compartilhamento do espaço de jogo, da alternância entre as situações de ataque e defesa, e da interação com os companheiros de equipe.
O estudo de Schmidt et al. (2015) investigou, durante seis semanas, o efeito de três programas de atividade física sobre as FE de crianças entre dez e doze anos de idade. Um grupo de crianças participou de um programa de atividades com alto nível de esforço físico e alta demanda cognitiva (jogos de equipe), outro grupo participou de um programa de educação física com alto esforço físico, mas baixa demanda cognitiva (exercício aeróbico), e o terceiro grupo participou de um programa de atividade física com baixo esforço físico e de baixa demanda cognitiva (condição de controle). Após intervenção, somente o grupo que participou do programa de atividades com jogos apresentou significativa melhora nas FE. Os pesquisadores concluíram que a inclusão de demanda cognitiva em atividade física parece ser o tipo mais promissor de intervenção de longo prazo para melhorar as FE em crianças.
Cardeal et al. (2013) realizaram um estudo no qual compararam FE e desempenho motor de crianças de seis a dez anos de idade, de escolas públicas de uma cidade no Brasil, as quais foram submetidas a sete meses de aulas de educação física. Os autores compararam essas crianças com um grupo que não fazia aulas de educação física. Os resultados demonstraram que o grupo que sofreu intervenção obteve resultados significativamente superiores ao grupo controle nos testes de FE, tempo de reação e atenção seletiva.
Para Diamond (2015), as pesquisas sobre os benefícios cognitivos da atividade física devem ir além de atividades contínuas, de características aeróbias que demandam poucos processos cognitivos, como correr em uma esteira ou pedalar em uma bicicleta ergométrica. Existem evidências de que atividades com pouco ou nenhum envolvimento cognitivo trazem pouca ou nenhuma melhoria para as FEs (DIAMOND; LEE, 2011; DIAMOND, 2015; DIAMOND; LING, 2016).
Assim, o objetivo deste artigo foi fazer um estudo de revisão sobre correlações entre a prática do futebol e FE em crianças e adolescentes.
A modalidade de futebol foi escolhida, pois, segundo Galatti et al. (2017), no Brasil o conjunto dos jogos esportivos coletivos tem especial relevância sociocultural, reportando-se a modalidades mais populares, como futebol, futsal, voleibol, basquetebol e handebol. E também por ser a modalidade mais praticada no país segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2015 - Pnad (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2017).
MÉTODO
Foram feitas buscas nas bases de dados PubMed e SciELO com os equivalentes em inglês do termo "futebol" associados a "funções executivas", ou "funções cognitivas" ou memória de trabalho, ou controle inibitório, ou flexibilidade cognitiva até fevereiro de 2019. Os critérios de inclusão foram:
a avaliação das FE;
a amostra composta por crianças e/ou adolescentes; e
o futebol como parte do programa de intervenção física.
Os critérios de exclusão foram:
pesquisas que abordassem o uso de suplementos ou
envolvimento de pacientes com lesão cerebral ou transtornos do neurodesenvolvimento.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na base de dados SciELO, não foram encontrados artigos. Na base PubMed, a busca dos termos football e soccer associados a cognitive function ou executive function ou a working memory, ou inhibition, ou shifting e não concussão gerou 112 artigos. Após exclusão dos artigos duplicados e a aplicação dos critérios de inclusão, nove artigos foram elegíveis para análise.
O Quadro1 apresenta o resumo dos nove estudos.
O componente mais avaliado foi a memória de trabalho, que aparece em cinco trabalhos. Atenção, controle inibitório, fluência e flexibilidade cognitiva foram investigados em três trabalhos. Apenas o trabalho de Gonzaga et al. (2014) utilizou The Iowa Gambling Task (IGT) para avaliar a tomada de decisão.
Neste trabalho de revisão, três baterias de testes foram encontradas: Cogstate® Brief Battery utilizada em dois trabalhos (VESTBERG et al., 2017; LIND et al., 2018), batteria di valutazione neuropsicologica (BVN 5-11) utilizada em um trabalho (ALESI et al., 2016) e Delis-Kaplan executive function system test battery (D-KEFS) também utilizada em um trabalho (VESTBERG et al., 2017).
A utilização de baterias de testes encontrados nos resultados das análises dos artigos desta revisão vai ao encontro dos resultados de Baggetta e Alexander (2016), que encontraram onze baterias diferentes para avaliar as FE e 109 testes individuais diferentes. Esses autores recomendaram a utilização de baterias de testes que pudessem acessar as FE de diversas formas.
Quatro trabalhos avaliaram as FE pré e pós-implementação de um programa de intervenção que utilizou treinamento de futebol (ALESI et al., 2016; DAVIS et al., 2011; LIND et al., 2018; TSAI; WANG; TSEN, 2012).
Alesi et al. (2016) avaliaram melhorias na agilidade e nas FE em 44 crianças de oito anos divididas em dois grupos. Um grupo participou de um programa de treinamento de futebol (treino específico e jogos), durante seis meses, duas vezes por semana, e sessão de treinamento de 75 minutos. O grupo controle não participou dos treinamentos e tinha comportamento sedentário. A agilidade e as FE foram mensuradas no pré-teste e pós-teste. Após o treinamento, houve diferenças significativas na agilidade e nas FE do grupo que recebeu treinamento, e o pós-teste demonstrou ganhos maiores nas medidas de agilidade, memória de trabalho visuoespacial, atenção, planejamento e inibição do que o grupo sedentário. Análises de covariância (ANCOVA) foram realizadas para comparar os resultados para o grupo do futebol e grupo dos sedentários no pré-teste e novamente no pós-teste. O objetivo foi avaliar as correlações entre a capacidade de agilidade e as FE, em que se constatou uma correlação significativa positiva entre agilidade e precisão no teste de discriminação visual.
Davis et al. (2011) realizaram um estudo de coorte em que investigaram o efeito de dose-resposta do exercício físico sobre as FE em crianças sedentárias e com sobrepeso, e, em um projeto adjacente, pesquisaram o possível efeito da dose-resposta do exercício físico sobre áreas corticais sabidamente estimuladas pelo exercício físico em adultos.
Após o rastreio inicial que contou com a avaliação de 840 crianças, 171 eram elegíveis para o estudo e foram aleatoriamente distribuídas em três grupos: grupo controle (GC), grupo baixo nível de atividade física (GL) e grupo alto nível de atividade física (GH). Os GL e GH, após as escolas, eram encaminhados para a prática de diferentes modalidades esportivas. O GL praticava uma vez 20 minutos de atividade física (FC > 150 bpm), enquanto o GH praticava duas vezes 20 minutos de atividade física (FC > 150 bpm). O GC participou de jogos de tabuleiro, jogos eletrônicos e oficina de pintura.
Cada grupo participou em média de 13 sessões de treinamento. Para verificar a FE, foi utilizado o sistema de avaliação cognitiva que avalia planejamento (estratégia geral e aplicação, autoregulação, intencionalidade, utilização do conhecimento), atenção (atividade cognitiva e resistência à distração), simultâneo (lógica e espacial) e sucessivo (religação de estímulo e formação de som). Para verificar competência acadêmica, foi empregado o teste de realização III, que avaliou leitura e matemática.
As avaliações aconteceram pré e pós-intervenção, e os resultados demonstraram o efeito de dose-resposta na avaliação de FE (planejamento). Ou seja, o GH apresentou melhor resultado que o GL, que, por sua vez, apresentou melhores resultados que o GC. Análise complementar utilizando IRMf em 20 crianças de cada grupo revelou maior atividade no córtex pré-frontal bilateral (U = 20, p = 0,04) e diminuição no córtex parietal bilateral posterior (U =18, p = 0,03) no grupo treinado.
Lind et al. (2018) buscaram avaliar um programa específico para o ensino do futebol, o FIFA 11 FOR HEALTH, que combina pequenos jogos de futebol, exercícios e educação em saúde. Os pesquisadores submeteram 838 crianças a onze meses de intervenção, com o programa substituindo duas das cinco atividades semanais pelo FIFA 11 FOR HEALTH para o grupo experimental (GE), enquanto o grupo controle (GC) continuou com as atividades regulares. Os resultados mostraram que o GE obteve escores maiores nas funções psicomotoras, atenção e memória de trabalho. Os resultados forneceram evidências de que o programa de atividade física escolar FIFA 11 FOR HEALTH para a Europa pode melhorar o desempenho cognitivo em crianças pré-adolescentes dinamarquesas.
Tsai, Wang e Tsen (2012) estudaram o efeito do treinamento de futebol sobre a coordenação motora, o controle inibitório e a atividade neurocortical em crianças (nove-dez anos de idade) com deficiência do desenvolvimento da coordenação (developmental coordination disorder - DCD). Os instrumentos de avaliação utilizados foram o M-ABC, paradigma de atenção visuoespacial (congruente e incongruente) e EEG (N2 e P3, amplitude e latência), respectivamente. O programa teve duração de dez semanas, foi realizado cinco vezes por semana, e as sessões duravam 50 mintos. Foram adicionadas ao programa de treinamento tarefas específicas para a FE, com foco no controle inibitório. Dezesseis crianças com DCD (DCDt) participaram do estudo. Os resultados foram comparados com o grupo de crianças com desenvolvimento típico (n = 21) e com um grupo de crianças com DCD (14) que não participou do programa de treinamento.
Ao final da intervenção, o grupo DCDt demonstrou melhora na coordenação motora global, melhora no controle inibitório e no tempo de reação, e, principalmente, melhora na rede de atenção executiva. Na avaliação da atividade neurocortical, o componente P3 latência apresentou redução no grupo DCDt. Esse resultado representa melhora na velocidade de processamento do estímulo cognitivo e na seleção de resposta.
Cinco trabalhos associaram as FE à prática do futebol (GONZAGA et al., 2014; HUIJGEN et al., 2015; VERBURGH et al., 2014, 2016; VESTBERG et al., 2017).
Em dois trabalhos, observou-se que os atletas adolescentes que treinavam futebol em clubes profissionais apresentaram melhores resultados nos testes de FE do que os adolescentes que treinavam em clubes amadores (VERBURGH et al., 2014; HUIJGEN et al., 2015).
O estudo de Verburgh et al. (2014) analisou crianças praticantes de esporte (µ = 11 anos de idade). Os resultados mostraram que o tempo gasto na prática do futebol foi associado positivamente com memória de curto prazo, memória de trabalho e atenção. Além disso, o tempo gasto jogando ao ar livre também foi associado à memória de trabalho. Em contraste, o tempo gasto no computador ou em jogos foi negativamente associado à inibição. No estudo de Huijgen et al. (2015), foram avaliados jovens atletas (µ = 15 anos de idade). Os jovens jogadores dos melhores clubes apresentaram melhores resultados do que seus pares de clubes amadores nos testes de metacognição, controle inibitório e flexibilidade cognitiva, mas não em tempo de reação e capacidade visuoperceptiva.
O trabalho de Vestberg et al. (2017) investigou se maiores escores nas FE estariam associados ao sucesso esportivo. Trinta jogadores de futebol, entre 12 e 19 anos de idade, foram selecionados entre os clubes da região para o estudo. Um dos critérios de seleção era que o jogador tivesse pelo menos um gol entre 2012 e 2014. Os resultados foram comparados com o grupo controle pareado por idade, mas não praticante de futebol. O grupo de jogadores apresentou resultados significativos melhores nos testes de FEs que o grupo controle, e foi observado que os jogadores que marcaram mais gols durante uma temporada apresentavam escores mais altos nos testes de FE.
Verburgh et al. (2016) avaliaram o possível efeito da dose-resposta do exercício físico sobre funções cognitivas. Cento e sessenta e nove pré-adolescentes (8-12 anos de idade), do sexo masculino, participaram desse estudo. A amostra era composta por garotos que não estavam envolvidos na prática regular de atividade física e esporte (GC = 51; 10,4 ± 1,2 anos de idade), garotos que participaram de jogos de futebol, mas de forma amadora [GA = 48; 10,5 ± 1,3 anos de idade] e garotos que participaram de treinos de futebol em clubes esportivos (GE = 69; 10,6 ± 1,4 anos de idade).
Os participantes foram submetidos a testes neurocognitivos para avaliar inibição motora, por meio da tarefa de sinal de parada (stop signal task), e calcularam-se as variáveis (no atraso entre o sinal de ir e parar) e tempo de reação do sinal de parada. Memória de curta duração e memória de trabalho foram avaliadas utilizando a escala de inteligência de Wechsler III (Wechsler Intelligence Scale III - WISC III).
Verificaram-se dois aspectos da atenção por meio do teste de rede de atenção (attention network test - ANT): alerta e orientação. Outro componente da atenção foi avaliado utilizando uma versão modificada da tarefa de Flanker (Flanker task). O índice de massa corporal (IMC) foi calculado por meio da razão em peso (kg) por estatura ao quadrado (m2) e atividade física, e o comportamento sedentário foi avaliado por meio de questionário.
Os resultados do estudo demonstraram que o GE tinha menor QI e tempo assistindo à TV que o GA. O GA e o GC não apresentaram diferenças significativas nessas duas variáveis. O GE passa mais tempo em atividades outdoor que o GC e mais tempo praticando esporte que o GC e GA. O GE demonstrou melhor controle inibitório (SSRT) que o GA e GC, e melhor memória de curto prazo que o GC; e o GE não diferiu de GA na variável memória de trabalho. Os resultados mostram que o tempo despendido em esporte organizado estava positivamente associado com memória de curto prazo, memória de trabalho e lapsos de atenção, enquanto o tempo despendido com computador e jogos eletrônicos estava negativamente associado com inibição.
O trabalho de Gonzaga et al. (2014) foi o único estudo que avaliou a influência da tomada de decisão afetiva sobre comportamento tático. Cento e cinquenta e três jogadores de futebol com idade inferior a 15 anos participaram do estudo. O comportamento tático foi dividido em: comportamento ofensivo, comportamento defensivo e tática de jogo.
Os resultados revelaram que os jogadores com melhor tomada de decisão afetiva apresentaram melhor comportamento defensivo e tático. Os autores sugerem que os jogadores com melhor capacidade para lidar com as condições de riscos e incertezas em situações de jogo são mais eficientes no desempenho tático defensivo do que na tática defensiva, uma vez que não houve diferença na tática ofensiva.
Apesar de os trabalhos de Gonzaga et al. (2014), Huijgen et al. (2015), Verburgh et al. (2014, 2016) e Vestberg et al. (2017) terem observado melhores indicadores de FE em praticantes de futebol do que no grupo controle, não é possível assegurar que a melhora de desempenho seja decorrente do treinamento do futebol ou se os praticantes de futebol foram seletivamente incorporados na equipe, dada a melhora de desempenho observada previamente (DIAMOND; LEE, 2011).
Merece atenção o trabalho de Verburgh et al. (2016) que encontrou melhores indicadores de FE nos seguintes casos: crianças muito ativas, piores indicadores de controle inibitório e mais tempo gasto com jogos eletrônicos - cenário ao qual muitas crianças estão sujeitas hoje.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos artigos aqui apresentados demonstrou que a prática de atividades esportivas - no caso deste artigo, o futebol - pode trazer benefícios para as FE e as habilidades atencionais em crianças e adolescentes, resultados encontrados em pesquisas com grupos controle e experimental.
O componente mais avaliado nos artigos foi a memória de trabalho, seguido de atenção, controle inibitório, fluência e flexibilidade cognitiva. Em dois trabalhos, observou-se que os atletas adolescentes que treinavam futebol em clubes profissionais apresentaram melhores resultados nos testes de FE do que os adolescentes que treinavam em clubes amadores.
Observou-se também que o nível de complexidade da tarefa pode contribuir para um melhor desenvolvimento das FE e que melhores indicadores de FE foram encontrados em praticantes mais habilidosos de futebol, o que pode ser um indicador de sucesso nesta ou em outras modalidades. Entretanto, mais pesquisas precisam ser desenvolvidas para se compreender a magnitude das adaptações em função do nível de complexidade e da demanda energética das atividades esportivas propostas. Essa revisão aponta para o potencial do futebol como importante elemento para o desenvolvimento físico e cognitivo de crianças e adolescentes.
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Recebido em: 15.03.2019
Aprovado em: 25.04.2019