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Revista Psicologia Política

versión On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.23 no.58 São Paulo  2023  Epub 08-Jul-2024

 

Artigo Original

PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO DE EX-ABRIGADAS EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL PARA MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA: CARTOGRAFIA DE UMA EXPERIÊNCIA

Subjectivation processes of formerly sheltered women in institutional care for women victims of violence: cartography of an experience

Procesos de subjetivación de mujeres previamente acogidas en instituciones de atención a mujeres víctimas de la violencia: cartografía de una experiencia

BRUNA COUTINHO SILVA1  , Concepção, Análise de dados, Elaboração do manuscrito, Revisões críticas de conteúdo intelectual, Aprovação final do manuscrito
http://orcid.org/0000-0002-4862-2912

ANDREZA MOREIRA MARQUES2  , Concepção, Coleta de dados, Análise de dados, Elaboração do manuscrito
http://orcid.org/0009-0002-9264-4593

RAÍSSA FERREIRA MORAIS3  , Concepção, Coleta de dados, Análise de dados, Elaboração do manuscrito
http://orcid.org/0009-0009-0020-9174

ROBERTA CARVALHO ROMAGNOLI4  , Concepção, Análise de dados, Elaboração do manuscrito, Revisões críticas de conteúdo intelectual
http://orcid.org/0000-0003-3551-2535

1https://orcid.org/0000-0002-4862-2912 Psicóloga, pós-graduada em Filosofia Contemporânea pela PUC Minas, doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós-gradução em Psicologia da PUC Minas, Belo Horizonte/MG. E-mail: bcoutinho.psi@gmail.com

2https://orcid.org/0009-0002-9264-4593 Graduanda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: andrezaccmarques@gmail.com

3https://orcid.org/0009-0009-0020-9174 Graduanda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: raissafmorais9@gmail.com

4https://orcid.org/0000-0003-3551-2535 Psicóloga, Mestre em Psicologia Social pela UFMG, Doutora em Psicologia Clínica pela PUC SP. Estágio pós-doutoral em Análise Institucional pela Universidade Cergy-Pontoise, França. Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUC Minas, Belo Horizonte/MG. Pesquisadora do CNPq e da FAPEMIG. E-mail: robertaroma1@gmail.com


RESUMO

O presente artigo trata de pesquisa acerca dos processos de subjetivação de mulheres ex-abrigadas na Casa de Referência da Mulher Tina Martins, em Belo Horizonte, que é um dispositivo da rede de políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres. Utilizamos o método da cartografia para produzirmos uma análise das relações entre as mulheres e a casa-abrigo, na trama rizomática entre macro e micropolítica. Na produção de dados, foram elaboradas as seguintes linhas: das instituições (religião, família e Estado); das relações de poder (as facetas da reprodução da violência pelo Estado; as diferenças de classe; a naturalização e a individualização da violência contra as mulheres; a participação política como estratégia de resistência); do acolhimento; e da autonomia. A casa-abrigo, concluímos, é um espaço privilegiado para a reconstituição de projetos de vida e para a produção da autonomia a partir de movimentos singulares e coletivos de subjetivação.

Palavras-chave: Processos de Subjetivação; Acolhimento Institucional; Abrigo; Violência contra a mulher

ABSTRACT

This article deals with research on the subjectivation processes of formerly sheltered at the Tina Martins Women’s Reference House, in Belo Horizonte, which is a device the network of public policies to fight violence against women. We used the cartography method to produce an analysis of the relationships between women and the shelter, in the rhizomatic weft between macro and micro politics. In data production, the following lines were developed: institutions (religion, family, and State); power relations (the facets of reproduction of violence by the State; class differences; the naturalization and individualization of violence against women; political participation as a resistance strategy); welcoming; and autonomy. The shelter house, we conclude, is a privileged space for the reconstitution of life projects and for the production of autonomy based on singular and collective movements of subjectivation.

Keywords Subjectivation Processes; Institutional Shelter; Shelter; Violence against women

RESUMEN

Este artículo aborda una investigación sobre los procesos de subjetivación de mujeres previamente albergadas en la Casa de Referencia de la Mujer Tina Martins, en Belo Horizonte, que es un dispositivo en la red de políticas públicas de combate a la violencia contra las mujeres. Utilizamos el método de la cartografía para producir un análisis de las relaciones entre las mujeres y el refugio, en la trama rizomática entre macro y micro política. En la producción de datos se sarrollaron las siguientes líneas: instituciones (religión, familia y Estado); relaciones de poder (las facetas de la reproducción de la violencia por parte del Estado; las diferencias de clase; la naturalización e individualización de la violencia contra las mujeres; la participación política como estrategia de resistencia); acogida; y autonomía. La casa de acogida, concluimos, es un espacio privilegiado para la reconstitución de proyectos de vida y para la producción de autonomía a partir de movimientos singulares y colectivos.

Palabras clave Procesos de subjetivación; Acogida institucional; Refugio; La violencia contra las mujeres

INTRODUÇÃO

A violência contra a mulher ainda é muito presente em nossa sociedade, sendo um tipo de conduta manifestada em função de gênero, resultante de relações de poder assimétricas, mantendo a dominação masculina ocidental. De acordo com o Atlas da Violência elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2019, 3.737 mulheres foram assassinadas no Brasil, 17,3% a menos que em 2018, o que não significa que houve redução da violência letal contra mulheres, uma vez que houve registro no mesmo ano de 3.756 casos de mortes violentas sem causa determinada. Dentre as vítimas de feminicídio confirmado, 66% eram mulheres negras, ou seja, o risco de uma mulher negra ser vítima de homicídio é 1,7 vezes maior do que uma mulher não-negra, índice que só vem aumentando desde 2009, indicando a premente necessidade de articulação entre os marcadores de gênero e raça nos casos de violência contra a mulher.

Outros indicadores importantes são apresentados no relatório do Instituto de Pesquisa DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), realizada em 2021: a violência física registra maiores índices (79%), que se mantém similar desde 2011; seguida, respectivamente, da psicológica (58%), da moral (48%), patrimonial (25%) e sexual (22%). O medo do agressor foi considerado o fator principal para não haver denúncia, além da dependência financeira do agressor e da preocupação com a criação dos filhos.

Quando pensamos nesses números no contexto da pandemia causada pelo Covid-19, em que houve rupturas no modo de viver e de relacionar, muito se fala sobre o aumento da violência doméstica como consequência do isolamento social. Entretanto, o fenômeno do isolamento pode ser considerado um dos causadores da violência, mas, sobretudo, possui a potência de evidenciar o contexto social e as vivências dessas mulheres, enfatizando as desigualdades históricas e naturalizadas (Barbosa et al., 2021).

A violência contra a mulher manifesta-se de formas diversas e precisa ser compreendida de forma multifatorial. O isolamento social, por exemplo, como uma das estratégias de enfrentamento à pandemia da Covid-19, evidenciou ao mesmo tempo que produziu maiores desigualdades sociais relacionadas ao gênero, historicamente naturalizadas (Barbosa et al., 2021). O maior tempo de convivência e a restrição do espaço individual ampliaram o poder masculino no espaço doméstico, tendo como consequências maior sobrecarga feminina com o acúmulo de trabalho doméstico e não doméstico, bem como intensa vigilância sobre a mulher (de sua circulação, de suas finanças, de seus contatos) (Vieira, Garcia, & Maciel, 2020). Fatores de proteção, porém, também puderam ser observados na pandemia através do maior uso da internet para divulgar e obter informações sobre violência doméstica, conjugal e intrafamiliar, nos dando indícios para o fortalecimento da rede de apoio emocional e social das mulheres como estratégia de prevenção, em um momento em que as redes de ajuda presentes nas políticas públicas estavam desarticuladas.

Nessa direção, a rede de enfrentamento à violência contra a mulher constitui-se como principal estratégia fomentada pelo Estado para o combate dessa trama complexa, em associação com a sociedade civil e organizações não-governamentais, através da execução de serviços, programas e projetos nas áreas da saúde, da segurança pública, da assistência social, para citar as principais. Dentre tais políticas sociais, está o acolhimento institucional de caráter provisório, serviço previsto na Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais e situado na alta complexidade do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), cujo objetivo é oferecer abrigo para mulheres em situação de violência com ou sem filhos em situação de ameaças constantes e/ou risco de morte. A Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais ainda destaca o caráter de proteção integral ao assegurar um ambiente que promova o convívio familiar e comunitário com vistas ao fortalecimento psicossocial para autonomia, contando com atendimento jurídico e psicológico e executado em parceria com os outros serviços da rede socioassistencial (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2009).

Mobilizadas por esse contexto e buscando compreender a experiência de mulheres que passaram por um serviço de acolhimento institucional, também conhecido como abrigo, realizamos uma pesquisa com ex-abrigadas da Casa de Referência da Mulher Tina Martins, em Belo Horizonte (MG) cujos resultados são apresentados neste texto. O objetivo da pesquisa foi compreender os processos de subjetivação dessas mulheres desde uma perspectiva multidimensional e interseccional sobre a violência de gênero.

A partir disso, torna-se necessário traçar os principais marcos históricos da construção da Rede de Enfrentamento da Violência contra a Mulher e da Lei Maria da Penha, para adentrarmos no conceito de abrigamento e na construção do processo de subjetivação dentro desse contexto.

INICIATIVAS ESTATAIS PARA ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Em 2003, foram criadas a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Nesse período, as atuações de enfrentamento à violência foram melhor formuladas e houve a criação de diretrizes para ações coordenadas nos âmbitos municipal, estadual e federal. A Política Nacional amplia o conceito de violência e passa a incluir quatro eixos para o enfrentamento da mesma: a prevenção, o combate, a assistência e a garantia de direitos. Foram incluídas na atuação de combate à violência ações que desconstroem as desigualdades e combatem as discriminações de gênero, interferem nos padrões sexistas, promovem o empoderamento da mulher, permitem a revisão de legislações específicas e garantem os direitos humanos para as mulheres e o acesso destas a serviços especializados (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011).

Conjuntamente à Política Nacional e ao Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência, houve promulgação da Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha – que entrou em vigor em setembro de 2006. De acordo com o Artigo primeiro da Lei, esta tem como objetivo criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, através da criação dos Juizados e de medidas de assistência e proteção. Desse modo, observa-se nas disposições preliminares da Lei a formalização do compromisso do Estado em erradicar e prevenir a violência contra as mulheres, cumprindo a Constituição Federal e a Convenção de Belém do Pará. Constata-se que essa legislação inaugura uma nova forma de tratamento judicial da violência doméstica, uma vez que há a definição de violência contra a mulher de forma ampla e inscrita num sistema de proteção dos direitos humanos, um conjunto de medidas de proteção que reforçam a compreensão de que a violência não pode ser tratada isoladamente como um problema de justiça criminal, e a integração de medidas de caráter preventivo e educativo como estratégias necessárias para a coibição da reprodução social desses comportamentos violentos e da discriminação de gênero (Pasinato, 2008).

Entre as inovações da legislação, enfatiza-se as medidas protetivas de urgência. Estas são imprescindíveis para garantir os direitos das mulheres e ampliar o acesso à rede de atendimento especializada, que envolve desde o acolhimento jurídico e psicossocial até o abrigamento das mulheres e seus filhos no caso de grave ameaça e risco de morte. Dessa forma, em relação ao atendimento de mulheres previsto na lei, o abrigamento constitui um dos dispositivos fundamentais para garantir a segurança e a proteção, além da integridade física e emocional das mulheres (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011).

Em 2011, a Secretária de Políticas para as Mulheres criou a Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, que representa uma atuação articulada entre serviços governamentais e não governamentais com o objetivo de desenvolver estratégias integrais e efetivas de políticas que garantam o empoderamento e a emancipação dessas mulheres em situação de violência. Assim, a Rede foi fundamental no que diz respeito à integração de serviços como atenção básica em saúde, segurança pública e assistência social, que até então atuavam de forma isolada, portanto, a partir desse momento torna se possível abranger a totalidade dos casos e o combate à violência contra a mulher passa a ser responsabilidade de todos (Lima, Monteiro, Silva, & Costa, 2016).

No mesmo ano, foi publicado o documento de Diretrizes Nacionais para o Abrigamento, que visa redefinir o atendimento em casas-abrigo, assim como ampliar o conceito de abrigamento. De acordo com o documento, o conceito de abrigamento refere-se às possibilidades de acolhimento provisório destinado a mulheres em situação de violência que estão sob ameaça e precisam de um espaço que ofereça proteção e segurança (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011). Todavia, o abrigamento não diz respeito apenas aos serviços propriamente ditos – como albergues, casas-abrigo, casas de passagem, entre outros – mas também integra medidas de acolhimento que se constituem em programas e benefícios, assegurando o bem estar físico, psicológico e social, além da segurança e proteção das mulheres em situação de violência.

Desse modo, as casas-abrigo têm como objetivos: atender de modo integral e interdisciplinar às mulheres, contribuir para a reinserção social da mulher ao sair do abrigamento, informar a mulher sobre seus direitos e como exercê-los e oferecer um ambiente acolhedor a fim de auxiliar no exercício da autonomia e na recuperação da autoestima. Vale ressaltar, ainda, que o acesso das mulheres a essas instituições ocorre por meio de serviços de assistência social aos quais as casas-abrigo são vinculadas e pela denúncia da violência, sendo que a delegacia é responsável pelo encaminhamento da mulher à instituição (Krenkel & Moré, 2017).

A condição de abrigamento é um momento que permite à mulher vítima de violência refletir sobre o sentido de sua experiência, assim como a identificação de fatores de risco e de proteção, mediante apoio profissional durante esse processo. Pensando nisso, torna-se fundamental entender como acontece a produção de subjetivação de mulheres que recorrem às casas-abrigos como uma das chaves para a compreensão do processo de elaboração e superação de uma condição que viola seus direitos à uma tomada de posição autônoma, fortalecida e amparada frente a tais circunstâncias.

PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO, INTERSECCIONALIDADE E ABRIGAMENTO

A subjetividade no campo da Psicologia pode ser apresentada de diversas formas. Alguns teóricos acreditam em uma lógica individualizante que a considera como uma construção interna do sujeito, como sustenta a tradição da psicologia moderna fundamentada em pensamentos filosóficos que discorrem sobre o sujeito ser capaz de produzir um conhecimento objetivo do mundo a partir das experiências subjetivas. Seguindo essa perspectiva e levando em consideração que as psicologias convertem-se quase sempre numa visão de mundo altamente subjetivista, até mesmo as teorias psicológicas que não se restringem à experiência imediata da subjetividade individualizada, como a psicanálise, ao ser assimilada pela sociedade tem se tornado uma forma de manter a ilusão de liberdade e da singularidade, o que gera uma visão pouco crítica das situações cotidianas (Figueiredo & Santi, 1997; Galeano, Guareschi, Reis & Souza, 2021).

Contudo, para entender como acontece a produção de subjetividades de mulheres em situação de abrigamento é fundamental atentar-se para uma construção formada a partir de uma estreita ligação entre o interno e a pluralidade do externo, entre a interioridade do indivíduo e os atravessamentos que circulam nas relações do cotidiano do acolhimento institucional. Para isso, partimos do conceito de subjetivação fundamentado na Esquizoanálise, que traz uma concepção de singularidade baseada nas relações, em processos e agenciamentos que são feitos nos encontros. Considerando as casas-abrigo como um lugar de referência e acolhimento dessas mulheres, pensa-se na possibilidade de, a partir dos vínculos e afetos, criar-se uma potencialização das subjetividades que ali chegam muitas vezes fragilizadas ou desamparadas, mas em processo de ruptura com as violências às quais foram submetidas.

Ressalta-se que essas relações que produzem subjetividades são definidas pela Esquizoanálise como uma rede tecida a partir de linhas estratificadas, linhas maleáveis e linhas de fuga (Deleuze & Guattari, 1996). As linhas estratificadas são caracterizadas por tudo aquilo que busca a normatização ou enquadramento do sujeito funcionando como forma de controle do mesmo. Já as linhas maleáveis podem ser descritas como os acontecimentos que atravessam o ser, considerando a realidade que está sendo construída. E as linhas de fugas seriam o rompimento com aquilo que já foi vivenciado anteriormente, traçados que escapam às configurações normatizantes, que buscam a invenção e as conexões. Como afirmam Cassiano e Furlan (2013, p. 374): “São rupturas que desfazem o eu com suas relações estabelecidas, entregando-o à pura experimentação do devir, ao menos momentaneamente”. É importante destacar que essas linhas se diferenciam pelo funcionamento e não por uma questão axiológica, sendo que elas se apresentam como coexistentes no plano da realidade.

Partindo dessa análise, faz-se necessário pensar em todo o período vivenciado por mulheres em situação de abrigamento, sejam as condições que estas enfrentam devido a estratos como raça, gênero e classe, a decisão de buscar auxílio nas casas-abrigo, assim como as relações construídas durante o abrigamento até o momento em que se sentem prontas para retomar a vida fora da casa-abrigo, tudo isso sendo resultado dos fluxos que essas linhas geram, possibilitando novas formas de subjetivação. Como afirmam Parpinelli e Fernandes (2011, p. 199): “Qualquer tentativa de rotulação pode ser desfeita pela pulsação da subjetividade, ou seja, o movimento subjetivo possibilita ao sujeito se desprender de rótulos e estigmas passando a constituir outros planos existenciais”.

Pensar na construção de subjetividades a partir dos atravessamentos sociais levanta a necessidade de considerar outro ponto de análise que é a interseccionalidade. É fundamental pensar a mulher a partir de uma categoria não homogeneizante, visto que existem uma série de marcadores sociais como raça e classe1 que precisam ser considerados, pois mantêm relações de poder e de hierarquia.

A interseccionalidade entre gênero, raça e etnia nas situações de violência contra as mulheres nas relações de intimidade é um campo atravessado por relações de dominação, as quais se encontram num momento importante de tensionamentos, mas que ainda são marcadas por muita desigualdade e opressão. (Silveira, Nardi, & Spindler, 2014, p. 2)

A partir disso, torna-se imprescindível apontar as formas de poder que atravessam essas mulheres ao discutir o enfrentamento da violência de gênero, assim como os processos que essas perpassam para conseguir auxílio diante de suas vulnerabilidades, que muitas vezes não são reconhecidas. Silveira, Nardi e Spindler (2014) identificaram em outros estudos que analisaram experiências de profissionais que atendem mulheres em situação de violência que a questão racial se apresentava como irrelevante para os mesmos, não aparecendo, por exemplo, nos prontuários de atendimento nem nas discussões do caso. Ou seja, a questão da raça se apresenta no cotidiano como algo invisibilizado, “demonstrando falta de informação e de comprometimento dos/as técnicos/as com os efeitos do racismo” (Silveira, Nardi, & Spindler, 2014, p. 6). Desse modo, fica evidente que em muitos casos alguns marcadores sociais são desconsiderados ao longo do acolhimento de mulheres que sofreram violência, ou seja, a interseccionalidade e a articulação entre diversos aspectos de análise são vistos como inexistentes, mesmo que na Lei Maria da Penha, esses pontos estejam postos para consideração.

MÉTODO DE PRODUÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

Com o intuito de investigar os processos de subjetivação de mulheres que vivenciaram situação de abrigamento, foi realizada uma pesquisa qualitativa apoiada na cartografia. A diretriz cartográfica, formulada por Deleuze e Guattari, possui como objetivo acompanhar um processo e não representar um objeto. Assim, a orientação cartográfica é guiada por pistas que norteiam o percurso da pesquisa, enfatizando os efeitos de pesquisar sobre: o pesquisador, o objeto da pesquisa e os resultados. Assim, segundo Kastrup

a ideia de desenvolver o método cartográfico para utilização em pesquisas de campo no estudo da subjetividade se afasta do objetivo de definir um conjunto de regras abstratas para serem aplicadas. Não se busca estabelecer um caminho linear para atingir um fim. A cartografia é sempre um método ad hoc. Todavia, sua construção caso a caso não impede que se procurem estabelecer algumas pistas que têm em vista descrever, discutir e, sobretudo, coletivizar a experiência do cartógrafo. (Kastrup, 2009, p. 32)

Pensar os efeitos desse encontro cujo processo não é dado a priori é tratar da produção de conhecimentos a partir da experiência de pesquisa, considerando que todo conhecimento é provisório e circunstancial, como destacam Cardoso e Romagnoli (2019). Assim, a cartografia não busca modelos, mas situações que problematizam e fazem pensar, rastreando as reproduções e as invenções presentes na realidade estudada. Nesse sentido, a cartografia tal como proposta pela Esquizoanálise se constitui não apenas como método, mas também postura ético-política através da qual produz-se um horizonte analítico em que a complexidade emerge na heterogeneidade do jogo de forças, formas, linhas de composição da realidade. Essa postura sustenta a não separação da produção de conhecimento com a realidade, remetendo à dimensão relacional da pesquisa, entendida como uma prática social implicada com respostas provisórias e circunstanciais.

Para conhecer parte dessas linhas, realizamos entrevistas semiestruturadas online com ex-abrigadas2 da Casa de Referência da Mulher Tina Martins, através de ligação pelo WhatsApp, a fim de assegurar as medidas de distanciamento social em período de pandemia. Foi disponibilizado para todas as participantes o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE), assinado pelas pesquisadoras e pela orientadora. Esta pesquisa tem como princípio a ética em pesquisa com seres humanos, conforme as Resoluções n. 466 e 510 do Conselho Nacional de Saúde (2012, 2016), e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da da PUC Minas, registrada na Plataforma Brasil sobre o CAAE 44351720.4.0000.5137.

Como resposta à ineficácia das medidas protetivas do Estado, o Movimento de Mulheres Olga Benário em 2016 ocupou um prédio antigo da UFMG e após três meses de ocupação a Prefeitura de Belo Horizonte cedeu uma casa ao movimento. Desse modo, surge a Casa de Referência da Mulher Tina Martins como uma alternativa de atendimento à mulher vítima de violência, funcionando através de quatro eixos: formação política, acolhimento jurídico, assistencial e psicológico gratuitos, encaminhamento e abrigamento em situações emergenciais. A casa é gerida pelo Movimento de Mulheres Olga Benário, movimento social que luta contra a opressão patriarcal-capitalista e que já realizou diversas ocupações que se tornaram casas-abrigo no Brasil. Dentre as ocupações do Olga estão: Casa Tina Martins (MG), Mulheres Mirabal (RS), Casa Helenira Preta (SP), Casa Laudelina Melo (SP) (Cegatti, 2019). Conforme retratado por Silva (2021) a Casa Tina, como é popularmente conhecida em Belo Horizonte, representa o enfrentamento da sociedade civil contra a violência de gênero, por expressar a luta de mulheres para a efetivação de relações contra hegemônicas ao patriarcado, ao sexismo, ao machismo e ao capitalismo.

Por ser fruto de um movimento social, a Casa Tina possui peculiaridades se comparada aos serviços oferecidos pelo Estado. Dentre as diferenças, podemos citar o olhar singular para cada caso que passa pelo abrigo/acolhimento e a preocupação com a reintegração da mulher no período de pós acolhimento. Assim, a singularidade dos casos define tanto o tempo de estadia na Casa quanto os encaminhamentos para cada mulher abrigada Silva (2021).

Realizamos entrevistas com três mulheres ex-abrigadas pela casa-abrigo estudada e seus nomes foram substituídos por suas iniciais. A. é uma mulher cisgênero, autodeclarada negra, de 41 anos, solteira, mãe de um filho de 6 anos, que permaneceu acolhida por 1 ano e 3 meses. R. é uma mulher cisgênero, autodeclarada branca, de 45 anos, divorciada, mãe de 2 filhos de 18 e 5 anos, que permaneceu acolhida por 11 meses. E. é uma mulher cisgênero autodeclarada branca, de 38 anos, divorciada, mãe de um filho de 10 anos, que permaneceu acolhida por 9 meses.

A partir das entrevistas realizadas, e partindo da perspectiva institucionalista e esquizoanalítica, construímos três linhas como analisadores: a linha das instituições, a linha das relações de poder e a linha do acolhimento e autonomia. Ao buscarmos acessar o plano da experiência das mulheres que foram acolhidas pela Casa Tina Martins, tomamos como referência o conceito de rizoma na Esquizoanálise, que embasa o princípio da multiplicidade da realidade. O rizoma, afirmam Deleuze & Guattari (2011), rompe com a lógica binária, significante e segmentária dos acontecimentos, ao compreendê-los a partir de relações entre forças e formas. Nesse sentido, buscamos tomar a indissociabilidade entre macro e micropolítica no processo da pesquisa, bem como entre a produção e a análise de dados, evidenciando de que modo se relacionam na dinâmica das experiências singulares das mulheres entrevistadas.

Assim, a partir das linhas de composição do rizoma construído nesta pesquisa, trataremos dos modos como o plano de organização, segmentário e macropolítico expresso pelas políticas instituídas, pelos dispositivos estatais e não-estatais, se coengendra à micropolítica das vivências particulares das entrevistadas, nas relações interpessoais, nas transformações sentidas, nas insatisfações expressas pelos encontros com a diferença e a radicalidade da experiência.

LINHA DAS INSTITUIÇÕES

Dentro da perspectiva institucionalista, da qual fazem parte os nossos interlocutores desta pesquisa, a sociedade deve ser compreendida como uma rede de instituições, construções sociohistóricas que regulam as ações humanas e seus sentidos em diferentes tempos e culturas. Assim, Baremblitt (1992, p. 27) afirma que as instituições atuam para a “regulação de uma atividade humana, caracterizam uma atividade humana e se pronunciam valorativamente com respeito a ela, esclarecendo o que deve ser, o que está prescrito, e o que não deve ser, isto é, o que está proscrito, assim como o que é indiferente”. Hur (2015) complementa que as instituições podem ser consideradas estruturas heterogêneas de conexão, constituídas de significações que dão sentido e ordem à experiência social.

No cotidiano das instituições encontramos “políticas” que atravessam a vivência da violência contra as mulheres: a macropolítica e a micropolítica (Deleuze & Guattari, 1996). Dimensões que coexistem e são indissociáveis, o que significa que a estratégia oficial e instituída acerca do manejo com a violência também possui ações micropolíticas no dia-a-dia, que também é atravessado por questões macropolíticas, e assim por diante, denotando um processo de justaposição e entrelaçamento. A macropolítica classifica e ordena o movimento da vida, se fazendo a nível molar através das linhas duras da realidade. A micropolítica, por sua vez, opera para produzir deslocamentos, na busca de forças instituintes, embora presenciamos cada vez mais a molecularização dos binarismos e das polarizações, a presença de microfascismos (Deleuze & Guattari, 1996). Os segmentos produzidos pela macropolítica para administrar a vida são visíveis e instituídos. Já a micropolítica é da ordem do invisível, do molecular e pode atuar tanto para oprimir, através dos microfascismos, quanto para sustentar agenciamentos com forças inéditas entre as equipes e os usuários. Ou seja, essas duas dimensões operam de forma imanente no plano de forças da proteção social e da prevenção da violência.

Desse modo, nas linhas das instituições tratamos de analisar o impacto das mesmas na vivência das mulheres entrevistadas. Dentre as instituições citadas, enfatizamos o Estado, a religião e a família.

O Estado surgiu como mais uma instituição que reforçou a violência, principalmente ao falhar em seu papel de proteção e prevenção à violência contra a mulher e ao deslegitimar a fala da vítima, embora este não seja seu objetivo. Certamente o Estado sustenta uma rede de enfrentamentos da violência contra a mulher, como vimos acima, porém, no cotidiano, essa relação é complexa e pode ser percebida como um ponto de vulnerabilização. De acordo com Deleuze e Guattari (1996), o Estado se exerce por segmentos que ele mantém ou deixa de subsistir, possui sua própria segmentaridade e a impõe. Ou seja, vemos aqui a macropolítica com suas linhas duras, muitas vezes definindo, classificando e julgando as mulheres que vivem a violência.

A entrevistada R. relata que primeiramente a violência partiu dos pais do agressor, estando presente a violência moral e psicológica, e apenas dois anos depois que o ex companheiro passou a reproduzir os atos violentos, agredindo-a fisicamente, assim como os filhos. Quando toma a iniciativa de realizar a denúncia, vivencia outra faceta da violência através da abordagem da polícia civil, cujas ações demonstram a incredulidade frente ao depoimento da mulher vitimada.

Quando entrei para depor para o escrivão, falei que não falaria nada sem a presença da delegada, ele perguntou o porquê e comecei a tirar a roupa, tava com uma roupa preta e colada, havia sangue seco já colado, no momento que eu arrancava a roupa, ia puxando as feridas e ia sangrando, ai o escrivão se assustou e foi chamar a pessoa responsável, e comecei a descer o short para mostrar. E aí foi feito um BO de acordo com o que eu havia vivido . . . Mesmo mostrando o meu corpo ainda assim na própria polícia civil fui induzida a ir até o hospital passar pelo médico e retornar a delegacia. Falei que não iria fazer isso, que com a polícia militar eu não iria a lugar nenhum. Aguardei o exame do corpo de delito ali na delegacia, aguardei até 8h da manhã a examinadora chegar e fui pra casa. Só que ao chegar em casa pensei que estaria sozinha, que eles teriam encaminhado o agressor para outro lugar, mas isso não aconteceu. Quando cheguei levei um susto, porque a violência aumentou. (R.)

Nesse momento, observa-se que a deslegitimação do depoimento de R. vai além do descrédito de sua fala, menosprezando também as feridas em seu corpo, mantendo uma lógica patriarcal, expressando relações de poder assimétricas de opressão, dominação e exploração próprias da dominação masculina ocidental (Saffioti, 2004). Em pesquisa realizada em delegacia civil na cidade de Viçosa, Santos e Romagnoli (2017) também constatam a reprodução da violência por parte da instituição, endossando a culpabilização da mulher e o descrédito de sua queixa, já difícil de ser construída e vista como legítima frente à polícia. Corroborando com esses achados, em pesquisa com mulheres vítimas de violência conjugal na cidade de Porto Alegre, Rocha, Galeli e Antoni (2019), a rede social de apoio foi identificada como não-efetiva ou efetiva de acordo com as situações vivenciadas. A desqualificação da queixa, a incredulidade ou indiferença, o julgamento e a culpabilização da mulher foram atitudes frequentes identificadas como não-efetivas. Ao final do relato de R., é evidenciado que o agressor foi liberado e encaminhado para a casa, se encontrando com a ex-companheira e intensificando a violência sofrida. Assim, fica a reflexão que para além da fala e do próprio corpo, o que resta para legitimar a vida de uma mulher?

Quando nos referimos ao abrigamento, é necessário enfatizar que este é uma medida protetiva que tem como objetivo oferecer segurança, bem estar físico/emocional, informar sobre os direitos e contribuir para a reinserção social das mulheres que passam por esse espaço. Todavia, a partir das falas das entrevistadas, pode-se dizer que a preocupação com a construção da autonomia e a emancipação muitas vezes é deixada de lado e o processo de abrigamento passa a ter uma única finalidade: abrigar. A partir disso, é importante lutar pela construção de políticas públicas que realmente atendam a alta complexidade dos casos, entendendo o caráter multifacetado da violência.

Passaram 3 meses e jogaram a gente na rua, onde não tinha pra onde ir, família não apoia a gente, o agressor acha a gente . . . No abrigo [nome do abrigo em que estava anteriormente], como eu falei, eu fiquei mais deprimida. Eu fiquei deprimida porque eu sabia que eu ia ser jogada na rua, eu via as mulheres lá e eles faziam uma pressão psicológica, eles querem que você arrume a vida rápido. (E.)

Além disso, é importante refletir sobre a universalidade e a representatividade do sujeito de direito para as políticas públicas de assistência social, uma vez que as mesmas devem eleger um sujeito a quem se dirigem e por isso acabam universalizando suas ações. Esse é um mecanismo da macropolítica que tenta ordenar a realidade através de condutas normatizadas, que são necessárias, mas não suficientes para lidar com a violência. A Lei nº 11.340/2006) propõe a articulação de gênero e raça, mas nem sempre essa articulação é privilegiada na prática. De acordo com Saffioti (2004), o gênero deve ser definido a partir de uma visão de igualdade política e social que inclua o sexo, a raça e a classe, assim, a luta contra a violência deve considerar a complexidade das vulnerabilidades que cada mulher está exposta, já que as desigualdades se entrecruzam. Logo, a visibilidade das diferentes formas de opressão pode contribuir para políticas públicas mais assertivas e efetivas no enfrentamento à violação dos direitos das mulheres (Silveira, Nardi, & Spindler, 2014).

Outra instituição que também emergiu na fala das entrevistadas como um fator que corroborou com a manutenção das relações violentas com ex-companheiros foi a religião, se tornando um contexto associado à naturalização da violência doméstica em prol do matrimônio. De acordo com a entrevistada R.:

A igreja ensina que temos que orar que vai mudar, uma vez casada não existe divórcio. Era comum ouvir da própria família que aquilo era natural e que acontecia aquilo mesmo, ouvir das pessoas e da igreja que era só orar e passava, e ouvir da família que depois de casada não podia separar, ninguém sabia o que passava dentro de casa.

Essa fala reforça a preservação da família em detrimento da saúde da mulher, na medida em que retira a possibilidade do divórcio e coloca a oração como única escolha para lidar com a relação violenta, sendo papel da mulher aguardar essa mudança de forma passiva. Na fala de R. é evidenciado como sua família era contra o seu divórcio, principalmente com a afirmação de que, depois de casada, não se pode separar. A questão da religião aparece também na pesquisa estatística de Monteiro, Romio e Drezett (2021), no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), acerca do feminicídio no Brasil, em que identificaram características comuns nas ocorrências, como a prevalência da violência doméstica com pessoas íntimas, seja parceiro ou familiar; a religiosidade como fator de manutenção de relações abusivas, especialmente, entre mulheres evangélicas; e a baixa escolaridade.

Por vezes, as instituições reforçam a ideia de que a violência cometida por homens é fruto de características individuais ou patologias psíquicas, negligenciando a influência de uma estrutura de poder relacionada com a constituição social do gênero. O homem agressor não é visto como “criminoso” por ser um pai de família ou marido da vítima, a partir disso, o crime continua sendo visto como pertencente ao âmbito privado, mesmo com todo o avanço histórico e luta pelo reconhecimento da violência contra a mulher como um problema social (Silveira, Nardi, & Spindler, 2014).

A instituição familiar também esteve presente na fala das entrevistadas. Para enfrentar a violência de gênero é essencial uma rede de apoio composta não apenas por uma rede socioassistencial, mas também por uma rede social composta por vínculos interpessoais da mulher que está em um relacionamento violento, incluindo a família. Entretanto, a instituição familiar também reproduz a cultura patriarcal, sendo um meio que pode tanto apoiar e reforçar a violência conjugal quanto dificultar a saída da mulher do relacionamento com o agressor.

Então assim, desde o início era um ciclo de violências muito pesado, não vinha do próprio agressor, inicialmente vinha dos pais que incentiva e dois anos depois ele passa a reproduzir a violência dos pais. Porque os pais violavam moralmente, psicologicamente e ele veio completar com todos os tipos de violência, até chegar a violência física. (R.)

Nessa reprodução, a falta de apoio dificulta que essas mulheres consigam se livrar do agressor e construir uma nova vida, como coloca E.: “eu tava toda sem estrutura nenhuma. Eu tinha perdido família porque nessa hora tu não tem mais família, tu não tem mais ninguém pra te ajudar, teu chão teu teto, tudo cai”. Rocha, Galeli e Antoni (2019) apontam que a restrição do contato ao ambiente doméstico (marido e filhos) por parte do agressor gera isolamento da mulher, sentimento esse ao lado de vergonha, ora por terem sido criticadas pela família ao apontarem o desejo de sair do relacionamento, ora pela neutralidade ou indiferença frente à sua queixa, corroborando com a naturalização da situação de violência, ausência de apoio emocional e material que ajudassem a mulher na tomada de uma decisão frente à situação.

LINHA DAS RELAÇÕES DE PODER

No entrecruzamento das linhas do Estado, religião e da família, temos as relações de poder, que permeiam o cotidiano da violência. Para falar sobre o processo de subjetivação de mulheres vítimas de violência é necessário envolver as relações de poder vivenciadas e evidenciadas ao longo de suas narrativas. É importante salientar que entende-se aqui como poder a concepção apresentada por Cassiano e Furlan (2013, p. 375):

O poder torna-se o responsável pelo enquadramento das coisas, pela manutenção da ordem, semelhante ao papel das linhas de segmentaridade dura trazidas por Deleuze e Guattari. O poder não é responsável apenas pela repressão, mas, sobretudo, pela produção de saberes, que assim vai constituindo subjetividades e práticas sociais.

Assim, novamente vemos a imanência, a justaposição da macropolítica e da micropolítica, do molar e do molecular, das linhas duras e das linhas flexíveis e de fuga, mantendo a complexidade do enfrentamento da violência. Partindo desse pensamento nos questionamos se é possível articular as relações de poder com o discurso das mulheres entrevistadas. Se começamos nossa análise partindo de uma crítica sobre a reprodução da violência pelo Estado, as diferenças de classe, as possibilidades de enfrentamento e naturalização dessas violências, bem como a participação política das mulheres como estratégia de resistência contra a realidade que lhes é imposta, entendemos que essa articulação é concebível.

Em uma de suas obras, Deleuze (1988, p. 39) afirma que “o poder produz realidades antes de reprimir e também verdade antes de ideologizar, antes de abstrair ou de mascarar”. Partindo desse ponto de análise é possível identificar como a realidade destas mulheres é cercada por dinâmicas de poder que as reprimem de inúmeras maneiras. Ao longo das entrevistas, foi possível entender como o Estado influencia na permanência dessas mulheres com o agressor3, uma vez que os dispositivos não garantem suficiente segurança física, psicológica e financeira para essas mulheres. Além disso, observamos a classe social atuando como forma de poder instituído sobre a vida dessas mulheres, destacando-se a dependência financeira e de recursos básicos como mobilidade, moradia e alimentação que interferem diretamente na luta das entrevistadas. No estudo de Monteiro, Romio e Drezett (2021), a autonomia financeira das mulheres foi vista como fator de proteção, uma vez que mulheres dependentes economicamente dos parceiros tendem a permanecer no espaço de maior prevalência das ações violentas, o espaço doméstico.

Nessa direção, vemos uma intersecção de vulnerabilidades nas experiências de violências cotidianas. O conceito de interseccionalidade pode ser compreendido de forma rizomática, desse modo, falamos de estruturas em tramas que se ramificam, de modo não hierarquizado, como ponto de contato entre elementos e categorias, onde as intersecções não são fixas e predeterminadas, mas estão em constante movimento. A partir disso, faz-se necessário pensar nas diferenças como experiências, uma vez que as diferenças nem sempre são marcadores de opressões, desigualdades e discriminações, podendo também remeter a diversidade, igualitarismo e formas democráticas de agência política (Piscitelli, 2008).

Ainda sobre as dinâmicas de poder, evidencia-se a naturalização da violência como um aspecto presente na narrativa de duas das entrevistadas, já que essa é uma estratégia das linhas duras, do molar, para manter o que está instituído, para operar para a reprodução. A entrevistada E. conta como era vista por outras pessoas ao dizer das agressões que sofria: “Eu já fui julgada por uma mulher que falou assim: você apanha porque quer, porque você merece”. Infelizmente, essa ainda é a concepção de muitas pessoas a respeito da violência doméstica, muitos desconsideram o contexto social que essas mulheres estão inseridas, visto que, como visto anteriormente, muitas vezes faltam oportunidades e condições mínimas para que essas consigam sair de um relacionamento violento.

Partindo de outro aspecto apresentado por Cassiano e Furlan (2013) no início deste tópico, no qual afirmam que o poder também é responsável pela produção de saberes que constituem as subjetividades e práticas sociais, destaca-se aqui as expressões singulares vivenciadas por essas mulheres por meio da autonomia, das redes sociais de apoio e da atuação política como resistência às formas apresentadas anteriormente, produzindo novas forças e novos saberes diante de suas vivências no abrigamento.

Assim, é necessário evidenciar que o poder não só molda a subjetividade, mas também é uma prática de resistência. Ao longo de todo o período de abrigamento, as mulheres entrevistadas nos contaram sobre o que planejavam para o futuro e como o abrigamento pode contribuir para a construção de linhas de fuga.

Lembro da época que eu comecei a fazer bolos pra vender, ajudar a casa... fazia pão. Eu tenho a minha profissão, as meninas la da casa começaram a trazer outras da casa pra eu cortar o cabelo, as meninas me deram tesoura, me deram as coisas e ali eu conseguia me sentir muito bem, ajudando dessa forma. (T.)

Michel Foucault (1984/2006) defende o caráter produtivo do poder, uma vez que produz tanto assujeitamentos quanto estratégias para dinamizar o jogo de forças constituído pelas opressões. Hoje, T. possui seu próprio salão de beleza e passamos a refletir sobre como a rede de apoio construída durante o abrigamento agiu como estratégia para a possibilidade da construção de linhas de fuga, abalando o jogo de forças opressoras e funcionando como prática de resistência.

Assim, como T., R. também trouxe reflexões acerca da trajetória e como o abrigamento, que foi um dispositivo que trouxe estranhamentos, questionamentos e um certo assujeitamento, uma vez que a instituição impõe suas próprias regras para as mulheres que chegam, também foi um ambiente que colaborou para a possibilidade de traçar linhas maleáveis e linhas de fuga. Após o período de abrigamento, todas as entrevistadas passaram a residir em uma ocupação urbana de um movimento parceiro do Olga. A. e R. ainda residem nesse local e estão ativas no movimento por moradia.

LINHA DO ACOLHIMENTO E DA AUTONOMIA

A Política de Humanização do Sistema Único de Saúde (SUS) apresenta uma definição de acolhimento pautada no paradigma ético-estético-político (Guattari, 1992) de cuidado que muito nos interessa:

ética no que se refere ao compromisso com o reconhecimento do outro, na atitude de acolhê-lo em suas diferenças, suas dores, suas alegrias, seus modos de viver, sentir e estar na vida; estética porque traz para as relações e os encontros do dia-a-dia a invenção de estratégias que contribuem para a dignificação da vida e do viver e, assim, para a construção de nossa própria humanidade; política porque implica o compromisso coletivo de envolver-se neste “estar com”, potencializando protagonismos e vida nos diferentes encontros. (Ministério da Saúde, 2010, p. 6)

Desse modo, vemos que o acolhimento é uma estratégia intencionalmente produzida para o fortalecimento da dimensão singular e inventiva da vida, a fim de promover processos de autonomia pela coletividade e pelas relações.

Antes de passarem pela Casa Tina Martins, algumas entrevistadas passaram por outros dispositivos de proteção, apresentando comparações entre os processos de abrigamento. E. menciona que chegou a estar abrigada diversas vezes em uma casa-abrigo do Estado, onde afirmou ter um prazo insuficiente para conquistar a própria autonomia, colaborando com o retorno à casa do agressor. R. também relata o sentimento de desamparo frente às medidas oferecidas pelo Estado.

Infelizmente o Estado não oferece pra gente nada que garanta os direitos da mãe e do filho. Passei diversas vezes pelo Espaço [nome do abrigo frequentado anteriormente], mas é um tratamento muito superficial, não te induz e empodera, só conversa e dialoga e você volta pra casa sempre. Não tem nenhuma alternativa, não te dão alternativas reais para você desenvolver sua vida de forma diferente. (R.)

Como apontado por Silva (2021) e endossado pelas entrevistadas, o dispositivo de referência presente em Belo Horizonte para acolhimento de mulheres em situação de violência, em função do prazo estipulado pela própria política nacional de acolhimento, acaba por não conseguir garantir o tempo necessário para que consigam construir um plano de vida, assegurando as materialidades necessárias para a ruptura com o contexto de agressão. Para tanto, vemos a premente necessidade da articulação do acolhimento institucional com políticas de geração de renda e emprego e moradia.

No que diz respeito à coletividade, o eixo de formação política presente na Casa Tina prevê que, na passagem pelo abrigo, as mulheres acolhidas consigam reconhecer o contexto social da violência que sofreram, tornando o abrigamento uma experiência de acolhimento, empoderamento e emancipação, a partir de rodas de conversa, núcleos de estudo e leituras feministas.

Meu conhecimento foi adquirido no abrigamento, uma pessoa vivida, eu não sabia que eu passava por violências, eu aprendi os cinco tipos de violência dentro da casa, pra mim aquilo era natural, era só uma pessoa violenta que era casado comigo e era comum . . . Eu comecei a pesquisar, ler os livros na biblioteca das meninas . . . A partir do momento que eu comecei a entender, a partir de pesquisas, que pedi pra tirar aquilo de mim, eu comecei a me enxergar de outra forma, e aí fui me fortalecendo, e vi aquilo de outra maneira, sem preconceito ou racismo, e comecei a ver aquilo sem costumes que tinham implantados dentro de mim, aí foi onde comecei a me fortalecer de verdades, me empoderar, participar dos estudos. Inclusive meu TCC foi sobre isso, o tema foi feminismo no brasil. E uma parte fala sobre esse abrigamento, não exatamente quanto a mim, mas sobre o empoderamento que a casa oferece. (R.)

A casa me tornou uma grande mulher, caramba! De pegar e bater no peito e não pedir nada a ninguém, de não depender de ninguém, eu e outras mulheres, nós fazemos a força. . . . O acolhimento te levanta, ele te ajuda, ele te dá força, tu fica uma mulher forte, tu não aceita mais.. pra quê? Aí muita gente fala assim “tu aceitou tanta coisa, isso aí é fichinha pra você”, não, eu não preciso aceitar, eu perdi minhas forças, eu não acreditei no que eu estava passando, é inacreditável. Meu pai nunca me bateu pra um vagabundo chegar e bater, jurar amor, subir no altar, como eu sempre falo “a mão quem te oferece amor é a mão que te mata em 5 minutos”. Mas não podemos aceitar, hoje eu não aceito violência, hoje eu não aceito que grite comigo, hoje eu aprendi a me valorizar. (E.)

Esse acolhimento integrado oferecido pela Casa Tina Martins possibilita que as mulheres abrigadas desenvolvam sua autonomia, uma vez que passam a ter o entendimento a respeito destes fatores que as sujeitam e que reduzem sua existência, ou seja, a partir do momento em que essas mulheres entendem sobre esse sistema social que estão envolvidas e encontram o apoio e acolhimento adequado elas passam a produzir resistência e luta contra esses jogos de poder. Silva e Côrtes (2021), bem como Krenkel, Moré e Espinosa (2020), ao entrevistarem mulheres que foram acolhidas em casas-abrigo afirmam que o acesso às informações mediadas pelos profissionais da casa acerca da violência de gênero, a partilha das histórias de vida em oficinas e os atendimentos psicológicos contribuíram para a ressignificação das experiências vividas, favorecendo processos de autonomia e construção de projeto de vida.

O fortalecimento da autonomia das mulheres entrevistadas fica perceptível durante as entrevistas, mas o mais marcante é como na maioria das narrativas percebemos que, apesar de ser um processo individual, a luta é coletiva para todas. A entrevistada E., nessa direção, afirma que todas compartilham do mesmo objetivo de “ser livre, ter voz e ter a identidade de volta”; já a entrevistada R. diz sobre sua vontade em realizar um concurso público para que possa “lutar por moradias para que outras mulheres possam ter condição de ter um teto, que possam fortalecer entendendo que não precisam retornar pra casa do agressor”. É a partir dessas falas que percebemos a importância e o impacto de ter uma rede de apoio durante e após o período de abrigamento, visando esse processo de construção da autonomia vivenciado durante o acolhimento.

Portanto, a micropolítica cotidiana do cuidado e do acolhimento é uma linha de força conquistada pelas relações estabelecidas entre a equipe presente no abrigo e as mulheres acolhidas, demonstrando que, mesmo em situação de extrema vulnerabilidade psicossocial e financeira, quando possuem apoio efetivo e constante, mulheres vítimas de violência podem enfrentar o que foi vivenciado e construir saídas inventivas e singulares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Trabalhar com o acolhimento institucional não é tarefa fácil e comporta várias dimensões, como vimos brevemente em nosso texto. Esse acolhimento se faz na coexistência da macropolítica e da micropolítica, das linhas duras e das linhas flexíveis que perpassam a atuação dos profissionais com as mulheres acolhidas. Assim, entendemos que acolher é uma experimentação que aflora nos encontros, nas forças que circulam entre as relações para acessarmos a dimensão intensiva da vida, para além da sua precarização em linhas de violência.

A política de acolhimento institucional se mostrou fundamental para permitir a pausa necessária no ciclo de violência para a reconstrução de projetos de existência para as mulheres e seus filhos, perpassando pela vivência da solidariedade do coletivo e do aprendizado partilhado no cotidiano de convivência.

As fragilidades da rede socioassistencial de enfrentamento à violência ainda se fazem presentes, como a baixa articulação do acolhimento institucional com outras políticas sociais, sobretudo, de geração de renda e emprego e de moradia, apontando a necessidade de repensarmos as estratégias macropolíticas para permitir condições também materiais de superação de vulnerabilidades e violências.

Diante disso, buscamos apresentar as estratégias psicossociais construídas pelas mulheres na relação com a casa-abrigo para a superação da violência, enfatizando as dinâmicas de poder entre as formas (reprodução de violências pelos dispositivos estatais, religiosos e familiares) e as forças (expressões singulares de fortalecimento pessoal e coletivo das mulheres, através da autonomia, das redes sociais de apoio e da atuação sociopolítica), em uma relação permanente de imanência e coexistência.

Financiamento

Não houve financiamento

Consentimento de uso de imagem

Não se aplica.

Aprovação, ética e consentimento

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC Minas, após registro na Plataforma Brasil (CAAE n. 44351720.4.0000.5137).

1Como tantos outros são possíveis de ser considerados em uma análise interseccional: gênero, cultura, raça/etnia, orientação sexual, religião, classe social, região geográfica, deficiências, dentre outros.

2À época da realização da pesquisa, uma das pesquisadoras tinha o contato de mulheres ex-abrigadas pela Casa Tina Martins, em função de ter atuado no movimento social até aquele momento. A pesquisadora tinha o contato de três mulheres ex-acolhidas, todas convidadas para participar da pesquisa e foram elas as entrevistadas.

3Todas as mulheres entrevistadas sofreram violência por parceiros masculinos, o que não foi critério para seleção das mesmas, e sim uma coincidência.

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Recebido: 27 de Abril de 2022; Revisado: 07 de Dezembro de 2022; Aceito: 05 de Julho de 2023

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