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Psic: revista da Vetor Editora

versión impresa ISSN 1676-7314

Psic v.4 n.2 São Paulo dic. 2003

 

ARTIGOS

 

Psicologia dos grupos: movimentos de grupo para uma psicologia como ciência

 

 

Hericka Zogbi Jorge *; Marisa Campio Müller **

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A psicologia dos grupos é uma subárea de teoria e intervenção muito utilizada atualmente. Como psicólogos muitas vezes esquecemos sua importância para nosso próprio grupo. Este ensaio pretende levantar algumas questões sobre o grupo psicologia, nossa teoria e prática, num panorama social mundial composto por tantos conflitos. O objetivo é que possamos repensar as práticas e as cisões internas em que atuamos em prol da psicologia como ciência.

Palavras-chave: Psicologia dos grupos, Psicologia como ciência, Movimentos grupais.


ABSTRACT

The psychology of groups is a subarea of theory and intervention actually very utilized. As psychologists, sometimes we forgot its importance for our group. This work intend to gather some questions about the group of psychologists, our theories and practices, in a social and world-wide landscape. The goal of this text is to rethink the practices and internal splittings that we do, for the benefit psychology a science.

Keywords: Psychology of groups, Psychology as a science, Group movements.


 

 

Falar em grupos, pensar em grupo. Dizendo assim, podemos ler de duas maneiras: falar e pensar nos grupos como algo de que não fazemos parte, e, se o fazemos, é como coordenadores, ou falar e pensar em grupo, como que pertencendo a ele, construindo seus conceitos e movimentos. A primeira idéia nos tira o sentido de autoria e identidade grupal, de participantes. A segunda nos coloca como agentes, falando em grupos porque vivemos neles (seja aqui de qualquer tipo, família, trabalho), e pensando em grupo porque é necessário pensar a experiência de/do ser em grupos.

A psicologia como ciência vem passando pelos mais variados processos de avaliação e desconstrução dos seus saberes: desde o que é uma psicologia científica ao que deve realmente ser replicado aos objetos de pesquisa (o humano), revisões do inconsciente, entre outros. Isso poderá tornar a psicologia uma ciência forte, enfim validada. Mas talvez as vias para esse acontecimento agora estejam configurando-se no plano da desintegração da profissão como um grupo.

Pensar a psicologia como grupo é algo comprometedor, pois fala de todos nós que a estamos hoje construindo. Trata-se de uma disciplina com conceitos consistentes, alguns deles empiricamente observáveis, outros não, mas que agora exigem comprovação. Nessa tentativa, parece que estamos nos desconstruindo como grupo. Essa desconstrução pode ser entendida em parte como o funcionamento dos grandes grupos desestruturados, com comportamentos primitivos, irrefletidos e emocionalmente dirigidos, semelhante aos das hordas descritas por Freud e retomadas por Kernberg ao descrever a regressão nos grupos. Este coloca que quando, neles são ativadas as relações objetais primitivas, operações defensivas aparecem, bem como a agressividade. Até agora, estamos na dinâmica de funcionamento do grande grupo, que nos remete diretamente à forma como vem funcionando o grupo psicologia no que se refere aos seus saberes e fazeres e nas divisões em que atuamos nesse momento.

O termo psicologias é corrente atualmente. Mas o que deveria ser algo integrador, acaba sendo o extremo contrário: partimos o conhecimento, partimos o homem, partimos o saber e o fazer, competimos entre subgrupos. E sobre a existência de subgrupos? Absolutamente nada contra, desde que pudessem acrescentar a idéia de todo ao entendimento do homem. E podem, desde que não queiram, narcisicamente, competir.

Considerando o funcionamento dos grupos, é possível inferir que esse grupo, não tendio podido cumprir o princípio da não-contradição por não saber ser grupo por meio da diferenciação dos seus saberes, cria outros grupos. Que o conhecimento avance e tenhamos técnicas e referenciais diferentes, tudo bem. Mas não parece eficaz a atitude de exclusão dos saberes dos outros subgrupos. A própria história da ciência contempla a evolução dos saberes por meio da teoria dos paradigmas: quando há um enigma e o instrumental usual até o momento não contempla sua resolução, abre-se es-paço ao novo conhecimento, ao novo paradigma. E isso não indica que os conhecimentos anteriores, ou diferentes, são negados. O estudo do ser humano certamente se caracteriza ainda como um enigma, mas não para a exclusão das outras especialidades dentro da psicologia.

Assim, negamos nosso potencial de entendimento. O termo plural, psicologias, acaba servindo como instrumento de minimização, ao que certamente não se propunha. Na intenção de validar aquilo que cada subgrupo entende como a melhor psicologia, foi-se a identidade de grupo. E abre-se espaço para uma nova discussão, que é a questão do nosso descrédito entre outras disciplinas da saúde, mas a princípio podemos explorar o descrédito que damos à nossas próprias especialidades, o que de certa forma desenha a indagação anterior.

O tema aqui não trata do sentimento de unidade que todo grupo, consciente ou inconscientemente, busca pois essa unidade muitas vezes caracteriza-se como indiferenciação. O objetivo é sermos uma massa indiferenciada, mas podermos conviver com a diferença.

Especialmente nesse aspecto, poderia citar uma cisão básica entre psicologia clínica e psicologia social: um saber, duas especialidades. Cada qual tomando sua verdade, sua teoria de preferência, e até aqui não há problemas. O problema começa quando a disputa teórica atrapalha o entendimento e a intervenção. Diríamos, sim, mas as disputas desenvolvem pesquisas, fazem evoluir o conhecimento. Mas quando isso tem de ser aplicado, aparece uma cisão, e não tratamos do homem cindido, a menos que esteja adoecido. Tratamos do homem como um todo e precisamos estar também integrados para esse fim. Do contrário, possivelmente a psicologia não estará apta a fazê-lo.

A discussão continua sendo os grupos. E a psicologia social parece querer dar conta apenas deles, tanto quanto a psicologia clínica parece querer dar conta apenas dos processos e das motivações internas. Retornemos então ao princípio: um ser humano, que cresce e desenvolve sua individualidade não o faz sozinho, faz em grupos. O indivíduo apenas pode existir em relação. É no grupo que vai depositar suas questões internas, tanto para desenvolver-se, quanto para desenvolver um grupo. Trata-se de um processo retroalimentado, que erroneamente, como profissionais, tentamos partir para entender. Nesse caso, parece que os psicólogos fogem ao que o Freud (1921/1976) descreveu em Psicologia das massas, não se veste a camiseta da psicologia, apenas da minha teoria de preferência. E o resto? Bom, o resto...

Nesse sentido, acabam prevalecendo os esforços citados por Kernberg (1989), no sentido de uma homogeneização e de generalizações de ideologias, que o grupo capta e transforma em verdade absoluta. Dessa maneira vão funcionando (?) os "dois" grupos da psicologia, crendo-se possuidores de verdades absolutas e excludentes entre si. Mas se o caminho do conhecimento tem que ser este, estamos partindo e nos partindo em buscas de respostas, e a angústia proveniente dessa tentativa coloca-nos distantes do objetivo maior que é o conhecimento do homem. Vivemos ao mesmo tempo numa sociedade pós-moderna que se propõe a conviver com a pluralidade de valores, e com a exclusão dos valores que são estranhos, sendo estes não reconhecidos e muitas vezes negados.

Não podemos negar nem os processos sociais nem os psíquicos. E o entendimento da psicologia dos grupos mostra-nos isso mais uma vez. Mesmo assim, algumas outras subáreas incrementam a disputa vazia, algo com o que precisamos ser críticos. O momento de incertezas teóricas e rupturas em todos os níveis da ciência nos coloca frágeis, pois somos uma ciência jovem. Mas até por esse motivo, devemos guardar nosso potencial teórico e prático para o momento do confronto com outros saberes já firmados, e não para disputas insípidas dentro da psicologia.

 

Referências

Freud, S. (1976). Psicologia dos grupos e a análise do ego. (Vol. 18, Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1921).        [ Links ]

Kernberg, O. (1989). Mundo interior e realidade exterior. Rio de Janeiro: Imago.        [ Links ]

Figueiredo, L. C., & SANTI, P. L. (2000). Psicologia: uma (nova) introdução. São Paulo: EDUC.        [ Links ]

Fonseca, J. (2000). Psicoterapia da relação: elementos de psicodrama contemporâneo. São Paulo: Ágora.        [ Links ]

Foucault, M. (1997). História da loucura. (5a. ed.). São Paulo: Perspectiva.        [ Links ]

Seminotti, N. (2000). La organización y dinámica del grupo psicológico: la multiplicidad/diversidad de organizadores. Tesis de Doctorado, Facultad de Psicología, Universidad Autônoma de Madrid, Madrid.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
ckzogbi@hotmail.com

Encaminhado em 22/07/03
Revisado em 19/11/03
Aceito em 28/12/03

 

 

Sobre os autores:

* Hericka Zogbi Jorge é psicóloga, mestranda em psicologia pela PUCRS.
** Marisa Campio Müller é psicóloga, doutora em psicologia clínica pela PUCRS, professora adjunta da PUCRS.