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Avaliação Psicológica
versión impresa ISSN 1677-0471versión On-line ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.17 no.1 Itatiba enero/marzo 2018
https://doi.org/10.15689/ap.2017.1701.06.13175
ARTIGO
Interface positiva trabalho e família: proposta de instrumento e evidências de validade
Positive interface work and family: proposal of instrument and validity evidence
Interfaz positiva trabajo y familia: propuesta del instrumento y evidencias de validez
Carolina Villa Nova AguiarI; Antonio Virgílio Bittencourt BastosII
IEscola Bahiana de Medicina e Saúde Pública - EBMSP - Salvador
IIUniversidade Federal da Bahia - UFBA- Salvador
RESUMO
O presente trabalho tem o objetivo de propor um instrumento para a mensuração da interface positiva entre trabalho e família. Para isso, dois estudos empíricos foram conduzidos. O primeiro buscou alcançar uma primeira versão da medida, aplicando-a em uma amostra de 200 trabalhadores baianos. Foram conduzidas análises fatoriais exploratórias (AFE) e selecionados os melhores itens. O segundo estudo pretendeu refinar a investigação da medida por meio da aplicação em nova amostra, dessa vez composta por 446 trabalhadores de diferentes regiões. Os procedimentos de análise envolveram AFE e análise fatorial confirmatória. Os resultados apontaram o modelo com dois fatores como o que melhor representa a dimensionalidade do construto (X2/gl = 2,12; GFI = 0,87; CFI = 0,91; RMSEA = 0,07). A versão final da medida foi composta por 19 itens: nove referentes à interface positiva trabalho-família (α = 0,90) e 10 à interface positiva família-trabalho (α = 0,87). Acredita-se que a medida proposta poderá contribuir com a perspectiva da Psicologia Positiva nas organizações.
Palavras-chave: interface positiva trabalho-família; interface positiva família-trabalho; validação
ABSTRACT
This paper aims to propose an instrument for measuring the positive interface between work and family. To this end, two empirical studies were conducted. The first sought to reach a first version of the measure, applying it to a sample of 200 workers in the state of Bahia. Exploratory Factor Analyzes (EFA) was conducted and the best indicators were selected. The second study aimed to refine the investigation of the measure through application in a new sample, this time composed of 446 workers from different regions. The analysis procedures involved EFA and Confirmatory Factor Analysis. The results showed the two-factor model as the best representation the dimensionality of the construct (X2/gl = 2.12, GFI = 0.87, CFI = 0.91, RMSEA = 0.07). The final version of the measure consisted of 19 items: nine referring to the positive work-family interface (α = 0.90) and 10 to the positive family-work interface (α = 0.87). The proposed measure may contribute to the perspective of positive psychology in organizations.
Keywords: positive work-family interface; positive family-work interface; validation
RESUMEN
Este trabajo tiene por objetivo proponer un instrumento para medir la interfaz positiva entre trabajo y familia. Para ello, se llevaron a cabo dos estudios empíricos. El primero tuvo por objetivo lograr una primera versión de la medida, aplicándola en una muestra de 200 trabajadores de Bahía. Se realizaron Análisis Factorial Exploratorio (AFE) y fueron seleccionados los mejores indicadores. El segundo estudio trata de perfeccionar la investigación de la medida a través de la aplicación de una nueva muestra, compuesta esta vez por 446 trabajadores de diferentes regiones. Los procedimientos de análisis fueron AFE y Análisis Factorial Confirmatorio. Los resultados señalaron que el modelo con dos factores es el que mejor representa la dimensionalidad del constructo (X2/gl = 2,12; GFI = 0,87; CFI = 0,91; RMSEA = 0,07). La versión final de la medida fue compuesta por 19 ítems: nueve relacionados con la interfaz positiva entre trabajo y familia (α = 0,90) y 10 relacionados a la interfaz positiva entre familia y trabajo (α = 0,87). Creemos que la medida propuesta puede contribuir con la perspectiva de la psicología positiva en las organizaciones.
Palabras clave: interfaz positiva trabajo-familia; interfaz positiva familia-trabajo; validación
Por muito tempo, o campo das interfaces entre as esferas familiar e ocupacional esteve amplamente focado no estudo do conflito trabalho-família - fenômeno proposto originalmente por Greenhaus e Beutell (1985) para representar uma forma de incompatibilidade entre as demandas advindas do trabalho e da família. Em contraposição a essa visão tradicional, alguns pesquisadores têm investido em uma nova forma de encarar as relações entre o trabalho e a família, defendendo que o acúmulo desses papéis pode ser responsável por importantes benefícios tanto para as mulheres quanto para os homens (e.g., Barnett & Hyde, 2001; Carlson, Kacmar, Wayne, & Grzywacz, 2006; Frone, 2003; Wayne, Grzywacz, Carlson, & Kacmar, 2007). Apesar do crescente interesse por tal perspectiva positiva, seu corpo de conhecimento ainda é extremamente reduzido quando comparado com a produção existente sobre os conflitos e potenciais prejuízos causados pelo acúmulo de diversos papéis (Aryee, Srinivas, & Tan, 2005; Chambel & Santos, 2009; Greenhaus & Powell, 2006).
De acordo com Hanson, Hammer e Colton (2006), um dos aspectos que ainda precisam ser superados para possibilitar um melhor desenvolvimento da área se refere à construção de ferramentas de mensuração apropriadas. Para que esse ponto seja respondido, no entanto, é fundamental que, antes, um outro desafio seja superado: a escolha de uma nomenclatura única e consensual para fazer referência a esse fenômeno.
Na literatura internacional, rótulos, como enriquecimento, facilitação, valorização e extravasamento positivo trabalho-família têm sido utilizados para falar das vantagens da participação simultânea nas esferas ocupacional e familiar (Edwards & Rothbard, 2000; Fisher, Bulger, & Smith, 2009; Greenhaus & Powell, 2006; Wayne et al., 2007). A Figura 1 apresenta as principais nomenclaturas adotadas na literatura e suas respectivas definições.
A partir da apresentação das diversas propostas conceituais presentes na literatura, o que se nota é que todas elas apresentam um núcleo comum - que se refere à capacidade das experiências vividas em um domínio (trabalho, família) gerarem benefícios diretos e significativos para o outro domínio (família, trabalho) - o que as coloca sob um mesmo "guarda-chuva" conceitual. Apesar da grande proximidade conceitual, escalas de mensuração independentes foram desenvolvidas para mensurar o enriquecimento, a facilitação, a valorização e o extravasamento positivo trabalho-família. A Figura 2 apresenta as principais características das medidas propostas.
Com base na revisão das principais medidas existentes na área, nota-se que há um predomínio de escalas multidimensionais e que, em muitos casos, uma ou mais dimensões dos diferentes instrumentos estão claramente sobrepostas. As dimensões afetiva e comportamental, por exemplo, surgem em dois conceitos (enriquecimento e extravasamento no primeiro caso e extravasamento positivo e facilitação, no segundo). Além disso, as dimensões capital e psicológica, presentes nos conceitos de enriquecimento e facilitação, respectivamente, embora não sejam nomeadas da mesma forma, referem-se a um aspecto comum, que é o ganho de recursos psicológicos em função da participação em um domínio contribuindo para um melhor desempenho frente a situações enfrentadas em outro domínio.
O quadro apresentado até aqui evidencia a grande confusão conceitual e empírica que cerca esse campo de estudo, sendo possível concluir que a pluralidade de rótulos e de instrumentos não significa que objetos diferentes estejam sendo mensurados. Ao contrário, todos eles referem-se a um mesmo fenômeno, que pode ser compreendido como as diferentes formas por meio das quais o acúmulo dos papéis de trabalhador e de membro ativamente participativo de uma família contribuem para um melhor desempenho em ambos os domínios. Dessa maneira, considera-se que a utilização de qualquer uma das nomenclaturas anteriormente relatadas seria capaz de denominar adequadamente o alvo de estudo do presente trabalho. Contudo, tendo em vista que a escolha de um dos rótulos poderia levar a equívocos e reduções inadequadas no futuro, optou-se, aqui, por adotar uma expressão geral para se referir ao fenômeno em questão: interface positiva entre o trabalho e a família.
Uma vez decidido pela adoção de um conceito geral para se referir ao fenômeno em questão, o presente trabalho se propõe a oferecer uma ferramenta de mensuração unificada que seja capaz de contemplar os elementos essenciais trazidos pelas medidas anteriormente propostas. Para isso, fez-se necessária a condução de dois estudos empíricos independentes: o primeiro teve como objetivo propor a primeira versão de um instrumento de medida para a mensuração da interface positiva entre trabalho e a família, e o segundo dedicou-se à busca de evidências de validade do instrumento em uma amostra de trabalhadores brasileiros.
Método
Estudo 1
Participantes. A amostra foi composta por 200 trabalhadores do estado da Bahia alocados em diferentes segmentos e ocupações. Do total de participantes, 60,7% são do sexo feminino, 52,1% são solteiros e 63,3% não têm filhos. Quanto à escolaridade, a maioria (55,4%) têm nível superior completo. Há uma grande concentração de participantes que possuem responsabilidade financeira na manutenção da família (85,9%). A média de idade é de 36 anos (DP = 11,84).
No que diz respeito às características organizacionais, a maioria encontra-se em empresas privadas (55,6%), com mais de 100 funcionários (66,4%). Além disso, há uma maior concentração de pessoas no setor de prestação de serviços (35,0%). Por fim, quanto às características ocupacionais, a maioria não ocupa cargo de chefia (71,2%) e trabalha pelo menos 40 horas semanais (68,0%).
Instrumentos. O questionário de pesquisa foi composto pelas escalas previamente apresentadas (Figura 2) para a mensuração dos diferentes conceitos ligados às interfaces positivas entre o trabalho e a família.
Enriquecimento Trabalho-Família. Trata-se de medida proposta por Carlson et al. (2006) composta por seis dimensões: capital trabalho-família (3 itens, α = 0,90); afeto trabalho-família (3 itens, α = 0,91), desenvolvimento trabalho-família (3 itens, α = 0,73), desenvolvimento família-trabalho (3 itens, α = 0,87), afeto família-trabalho (3 itens, α = 0,84) e eficiência família-trabalho (3 itens, α = 0,82).
Facilitação Trabalho-Família. Foi utilizada a medida proposta por Steenbergen et al. (2007), composta por quatro dimensões espelhadas para cada uma das direções do fenômeno (facilitação trabalho-família e facilitação família-trabalho): facilitação baseada no tempo (três itens para cada direção, α = 0,79 e 0,83), facilitação baseada na energia (três itens para cada direção, α = 0,72 e 0,76), facilitação baseada no comportamento (três itens para cada direção, α = 0,82 e 0,82) e facilitação psicológica (três itens para cada direção, α = 0,83 e 0,86).
Extravasamento Positivo Trabalho-Família. O instrumento de Hanson et al. (2006) é composto por três dimensões espelhadas para as duas direções do extravasamento positivo (facilitação trabalho-família e facilitação família-trabalho): baseado no afeto (4 itens para cada direção, α = 0,90 e 0,93), baseado no comportamento (3 itens para cada direção, α = 0,90 e 0,91) e baseado nos valores (3 itens para cada direção, α = 0,90 e 0,90).
Valorização Trabalho-Família. Utilizou-se a medida proposta por Fisher et al. (2009), que é composta por apenas uma dimensão geral para cada uma das direções da valorização: trabalho-família (3 itens, α = 0,75) e família-trabalho (3 itens, α = 0,90).
Tendo em vista que não foram identificados trabalhos de validação dessas escalas para o contexto brasileiro, optou-se pela tradução e adaptação dos itens por meio do procedimento de back-translation. Todos os itens foram respondidos por meio de uma escala Likert de seis pontos, variando de 1 (discordo totalmente) a 6 (concordo totalmente).
Procedimentos de análise. Para o estudo, foram conduzidas análises fatoriais exploratórias (AFE), com método de extração Unweighted Least Squares (ULS) e rotação oblíqua do tipo direct oblimin. Com o objetivo de verificar quais itens melhor representavam empiricamente cada uma das direções da interface entre o trabalho e a família, optou-se pela condução, em um primeiro momento, de duas AFEs independentes, sendo a primeira realizada com os 35 itens referentes à direção trabalho-família e a segunda, com os 35 itens relacionados à direção família-trabalho. Para a seleção dos itens que deveriam permanecer para uma segunda fase de análise, foi adotado o critério da carga fatorial, sendo excluídos todos os itens com cargas inferiores a 0,50.
Em seguida, partiu-se para uma nova AFE com os itens restantes que objetivou alcançar um formato mais enxuto da medida por meio da seleção dos melhores itens. Para isso, foram levados em consideração as cargas fatoriais e, ainda, o conteúdo semântico dos itens. Por fim, foram analisados os índices de consistência interna da medida por meio do indicador alfa de Cronbach. Para tal, seguiu-se o critério estabelecido na literatura, sendo considerados aceitáveis valores a partir de 0,70 e de alta confiabilidade os índices a partir de 0,80 (Hair, Anderson, Tatham, & Black, 2005).
Estudo 2
Participantes. A amostra de pesquisa contou com 446 trabalhadores de diferentes organizações e segmentos ocupacionais. Houve uma predominância de mulheres (60,7%) e de pessoas sem filhos (57,6%). A partir da idade dos participantes, é possível afirmar que se trata de uma amostra jovem, com média de idade de 33 anos (DP = 11,19). Em sua grande maioria (80,9%), os participantes residem no estado da Bahia. Quanto à escolaridade, nota-se uma concentração maior de participantes com alta escolaridade, sendo que 57,5% declararam ter ingressado no ensino superior. Em relação às caraterísticas ocupacionais, 65,6% dos participantes têm jornada de trabalho de 40 horas semanais ou mais e 84,3% não ocupam cargo de chefia. Por fim, no que se refere às variáveis organizacionais, a maioria dos participantes se encontra em empresas privadas (75,0%) e com mais de 100 funcionários (57,1%).
Instrumento. O questionário de pesquisa foi composto pelos 20 itens resultantes da proposta de medida da interface positiva entre o trabalho e a família. Para cada item apresentado, os participantes deveriam indicar o seu grau de concordância por meio de uma escala Likert de seis pontos, variando de 1 (discordo totalmente) a 6 (concordo totalmente). De forma complementar, o instrumento contemplou questões gerais de caracterização pessoal, ocupacional e organizacional dos participantes.
Procedimentos de análise. Os dados foram submetidos à AFE, com método de extração Unweighted Least Squares (ULS) e rotação oblíqua do tipo direct oblimin. Para a estimação do número de fatores, foram considerados o critério da raiz latente (autovalor), do critério do scree plot e realizada análise paralela (AP) para comparação dos autovalores empíricos encontrados e os autovalores gerados por meio de uma matriz aleatória.
Em seguida, empregou-se a Modelagem por Equações Estruturais (MEE) como técnica de análise fatorial confirmatória (AFC). Observou-se a razão do qui-quadrado com os graus de liberdade e foram calculados os seguintes índices de aderência do modelo: Comparative Fit Index (CFI) e Goodness-of-Fit Index (GFI) e Tucker-Lewis Index (TLI) que, quanto mais próximos de 1,0 representam uma melhor qualidade de ajuste do modelo. Além disso, considerou-se o Sample-Size Adjusted Bayesian (BIC) que quanto menor representa melhor o ajuste dos dados ao modelo. Finalmente, calculou-se o Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA), sendo os valores abaixo de 0,08 considerados aceitáveis (Silva, 2006).
Tendo em vista que o delineamento metodológico contemplou duas etapas de análises fatoriais (AFE e AFC), optou-se por dividir a amostra em dois subgrupos aleatórios (cada um com 223 participantes) como estratégia para evitar o possível enviesamento dos dados em função do uso da mesma amostra para os dois procedimentos de análise. Por fim, para a verificação da confiabilidade interna, foi calculado o coeficiente alfa de Cronbach para cada dimensão, sendo considerados aceitáveis valores a partir de 0,70 e de alta confiabilidade os índices a partir de 0,80 (Hair et al., 2005).
Resultados e Discussão
Estudo 1
Para alcançar o objetivo proposto por este trabalho, qual seja, o de propor um instrumento único e abrangente para a mensuração da interface positiva entre trabalho e família, foram conduzidas análises que permitissem a avaliação e posterior seleção dos melhores itens de cada uma das cinco medidas traduzidas e adaptadas para o português.
Inicialmente, conduziu-se uma AFE com os 35 itens referentes à direção trabalho-família. Para tal análise, obteve-se KMO de 0,887 e o teste de esfericidade de Bartlett foi significativo (p < 0,001), o que atestou a fatorabilidade da matriz. Considerando o objetivo inicial da análise (excluir os piores itens), julgou-se pertinente forçar a solução fatorial em apenas um fator, já que que todos eles devem fazer referência, em algum grau, a um fator geral - interface positiva trabalho-família. Levando em consideração a intenção de reduzir o número de itens, optou-se por trabalhar com um alto rigor no que se refere à análise das cargas fatoriais, sendo excluídos 11 itens por apresentarem cargas abaixo de 0,50. Em seguida, o mesmo procedimento foi realizado para os 35 itens referentes à direção família-trabalho. Nesse caso, a fatorabilidade da matriz também foi confirmada por meio do valor do KMO (0,862) e do teste de esfericidade de Bartlett (p < 0,001). A análise das cargas fatoriais permitiu a exclusão de 12 itens, todos com carga inferior a 0,50.
Uma vez concluídas as primeiras análises exploratórias, partiu-se para a condução de uma nova AFE, que teve como objetivo verificar se os 47 itens restantes se distribuiriam adequadamente nos dois grandes fatores que representam as direções da interface positiva entre o trabalho e a família. Além disso, essa nova fase de análises pretendeu subsidiar a proposta de um instrumento mais enxuto para a mensuração do fenômeno em estudo por meio da seleção dos melhores indicadores, levando-se em consideração tanto o comportamento empírico dos itens (cargas fatoriais) quanto os conteúdos e linguagem das sentenças. Desse modo, foram mantidos aqueles itens com cargas elevadas, mas também buscou-se preservar a maior diversidade possível de indicadores, ou seja, itens que fizessem referência às diversas subdimensões da interface positiva entre trabalho e família mencionadas na literatura (tempo, comportamento, energia, valores, capital, etc.).
Nessa etapa, o KMO alcançado foi 0,909 e o teste de esfericidade de Bartlett também foi significativo (p < 0,001). A solução com dois fatores mostrou-se adequada para representar as duas direções da interface entre trabalho e família. O Fator 1 agrupou, predominantemente, itens relativos à interface positiva família-trabalho e o Fator 2 reuniu, exclusivamente, itens referentes à interface positiva trabalho-família. A partir do resultado obtido, procedeu-se a seleção dos melhores itens para representar cada uma das direções. Inicialmente, foram excluídos os quatro itens que teoricamente deveriam representar a interface positiva trabalho-família, mas carregaram na direção oposta. Em seguida, foram descartados os itens que apresentaram algum grau de ambiguidade fatorial e, ainda, aqueles que obtiveram as menores cargas. Por fim, foram realizadas a leitura exaustiva das sentenças e a escolha dos itens para compor o instrumento, sendo conservada uma quantidade que foi considerada suficiente para permitir a saturação do fenômeno em questão, mas sem muitas repetições.
A versão final da proposta do instrumento foi composta por 10 itens para cada uma das direções da interface positiva entre o trabalho e a família. Os itens mantidos e suas respectivas cargas fatoriais estão apresentados na Tabela 1. Os índices de confiabilidade das duas dimensões foram satisfatórios - 0,89 para a interface positiva família-trabalho e também, para a interface positiva trabalho-família -, o que se configurou em uma evidência adicional da adequação da medida proposta.
Cabe registrar, aqui, que dos 20 itens que compuseram o instrumento 8 foram derivados da escala de extravasamento positivo trabalho-família, seis da escala de enriquecimento trabalho-família, quatro da escala de facilitação trabalho-família e dois da escala de valorização trabalho-família. Nota-se, portanto, que todas as medidas foram contempladas e capazes de contribuir, em algum grau, para a elaboração da proposta de um instrumento único e integrador, reforçando a ideia de que todas as nomenclaturas e respectivas definições localizadas na literatura podem ser compreendidas a partir de um mesmo construto - a interface positiva entre o trabalho e a família.
Estudo 2
Na AFE, o KMO alcançado foi de 0,864 e o teste de esfericidade de Barlett foi significativo (p < 0,001), o que assegurou a adequação da amostra aos dados de pesquisa e a fatorabilidade da matriz. A priori, optou-se por analisar os resultados a partir da livre estimação dos fatores por meio do critério da raiz latente, que sugeriu a existência de cinco fatores, conforme apresentado na Tabela 2.
Embora a estimação livre dos fatores tenha apontado a existência de até cinco fatores distintos, a análise da solução com cinco dimensões revelou que ela ocorreu de tal modo que os fatores não se mostraram satisfatoriamente distintos e interpretáveis. Ademais, AP (Tabela 3) sugeriu a existência de apenas dois fatores empiricamente justificáveis.
A partir dessas considerações, optou-se pela condução de nova AFE, forçando a solução em uma estrutura bidimensional, conforme apresentado na Tabela 4. Como pode ser observado, o primeiro fator agrupou nove itens referentes à interface positiva trabalho-família, enquanto o segundo fator reuniu 10 itens que se referem à interface positiva família-trabalho, sendo os dois fatores juntos responsáveis por 47,1% da variância explicada. Cabe registrar que o item "ter um bom dia no trabalho me permite ser otimista com minha família" foi excluído por ter apresentado ambiguidade fatorial.
Como etapa subsequente do presente estudo, foi conduzida a AFC com os 223 participantes restantes para confirmação da melhor estrutura fatorial para a medida em análise. Inicialmente, um modelo hipotético de dois fatores foi construído com base nos resultados da AFE e, em seguida, um modelo alternativo unifatorial foi também estimado para fins comparativos. Conforme apresentado na Tabela 5, o modelo com dois fatores obteve índices de ajuste bastante superiores, encontrando-se próximos aos satisfatórios.
Apesar de o modelo com dois fatores ter se revelado mais adequado que o unifatorial, os índices não se revelaram totalmente satisfatórios, indicando a necessidade de condução de alguns ajustes complementares no modelo para aprimorar a sua aderência aos dados. Considerando que as cargas fatoriais de todos os itens na AFC foram elevadas (variando de 0,55 a 0,83), optou-se pela conservação dos 19 itens e pela condução dos ajustes por meio da observação dos índices de modificação. Conforme apresentado na Figura 4, um parâmetro entre os erros de dois itens da direção trabalho-família foi inserido, o que garantiu um aumento dos índices de ajuste (Tabela 5). Embora o GFI ainda esteja um pouco abaixo do valor estimado como satisfatório, novos parâmetros não foram inseridos com o objetivo de zelar pela parcimônia do modelo.
Por fim, foram analisados os índices de consistência interna das duas dimensões da interface positiva entre o trabalho e a família. A direção trabalho-família da interface obteve α = 0,90 enquanto a direção família-trabalho alcançou α = 0,87. É válido registrar, ainda, que a exclusão de nenhum item foi indicada como forma de aumentar a confiabilidade da escala, o que reforça a decisão de manter a estrutura com os 19 itens testados na AFC. A Tabela 6 sumariza os resultados parciais obtidos em cada etapa do trabalho até se alcançar a versão final da escala, que encontra-se no apêndice A.
Considerações Finais
Após a revisão e discussão dos diferentes conceitos existentes para se fazer referência aos potenciais benefícios oriundos do engajamento mútuo nos papéis de trabalhador e membro participativo de uma família, o presente trabalho defendeu a pertinência da consideração de que as nomenclaturas "facilitação", "enriquecimento", "valorização" e "extravasamento positivo trabalho-família" devem ser compreendidas a partir de um mesmo leque conceitual, denominado de interface positiva entre trabalho e família. Tal decisão fundamentou-se não somente na observação da proximidade conceitual existente entre os diferentes rótulos, como também em testes empíricos envolvendo as medidas propostas para a mensuração de cada um deles.
Além da proposta integradora, um ponto relevante do presente trabalho refere-se à dimensionalidade do construto interface positiva entre o trabalho e a família. Diferentemente da maioria das medidas propostas no cenário internacional, no Brasil, cada lado da interação (trabalho-família e família-trabalho) foi composta por apenas uma dimensão geral. Tendo em vista que resultado similar foi encontrado em estudo sobre o conflito trabalho-família (Aguiar, 2016), é possível supor que a realidade brasileira não favorece a diferenciação entre diferentes subtipos de influência entre trabalho e família, seja ela positiva ou negativa.
Tal suposição, contudo, não deve ser tomada de forma conclusiva e definitiva. É importante registrar que o presente trabalho não descarta a existência de subdimensões em cada uma das direções da interface positiva entre o trabalho e a família, que poderão ser empiricamente sustentadas em estudos futuros que se proponham a aprimorar e a conduzir novos testes empíricos com a medida.
Por fim, conclui-se que o presente estudo foi capaz de atingir os objetivos propostos, contribuindo de forma substancial para a produção de conhecimentos sobre as interfaces positivas entre o trabalho e a família. Acredita-se que o produto final do trabalho oferece potencial para incrementar a adoção de uma perspectiva positiva para a análise das relações trabalho-família com outros fenômenos organizacionais.
Referências
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Endereço para correspondência:
Carolina Villa Nova Aguiar
Rua Waldemar Falcão, 2106
Horto Florestal, 40286-050, Salvador, BA
E-mail: carol.vna@gmail.com
Telefone: +55 71 991128839
Recebido em dezembro de 2016
Aprovado em agosto de 2017
Nota sobre os autores:
Carolina Villa Nova Aguiar é graduada em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (2009), mestre em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (2012) doutora em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia, com concentração em Psicologia Organizacional e do Trabalho (2016). Atualmente, é professora adjunta na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) e líder do grupo Núcleo de Estudos em Processos Psicossociais e Trabalho (NEPPT).
Antonio Virgilio Bittencourt Bastos é graduado em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (1976), mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia (1982) e doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília (1994), com concentração em Psicologia Organizacional e do Trabalho. Coordenador de área da CAPES de 2011 a 2018, pesquisador I-A do CNPq, atuando, principalmente, em temas da área de Comportamento Organizacional, a exemplo de: comprometimento no trabalho, mudanças organizacionais, significado do trabalhar, cognições organizacionais, mapas cognitivos e redes sociais em contextos organizacionais.
1 - Vamos apresentar para você algumas frases sobre como o seu trabalho pode influenciar a sua vida familiar. Avalie, com base na escala abaixo, o quanto você concorda com cada ideia apresentada.
2 - Agora, vamos apresentar para você algumas frases sobre como a sua família pode influenciar sua vida no trabalho. Avalie, com base na escala abaixo, o quanto você concorda com cada ideia apresentada.