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Psicologia em Revista

versión impresa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.24 no.1 Belo Horizonte enero./abr. 2018

https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2018v24n1p175-190 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9563.2018v24n1p175-190

 

PPráticas de educação dos filhos em contexto não urbano

 

Child-rearing practices in non-urban context

 

Prácticas de educación de los hijos en contexto no urbano

 

 

Lucivanda Cavalcante Borges*; Nádia Maria Ribeiro Salomão**

 

 


Resumo

Este estudo investigou as práticas de educação dos filhos, com base no relato de mães, em um contexto não urbano. Participaram 30 mães de crianças com idade entre 4 e 30 meses. Como instrumento, foi utilizada uma entrevista semiestruturada que abordava questões relativas aos cuidados diários que as mães apresentavam com os filhos, atividades desenvolvidas na interação mãe-criança e as práticas de controle do comportamento infantil. Os resultados da entrevista foram considerados por meio da análise de conteúdo. De uma forma geral, esses resultados apontaram a preocupação das mães com os cuidados básicos na educação dos filhos, interações lúdicas no cotidiano mãe-criança e o uso do diálogo como estratégia de controle do comportamento da criança. Considera-se que as práticas de educação dos filhos relacionam-se, de forma bidirecional, com as características da criança e dos pais, assim como do contexto sociocultural em que estão inseridos.

Palavras-chave: Práticas educativas. Desenvolvimento infantil. Contexto não urbano.


Abstract

This study investigated child-rearing practices based on mothers’ reports in a non-urban context. 30 mothers of children aged from 4 to 30 months took part in this study. A semi-structured interview was applied with questions concerning the daily care mothers had with their children, activities carried out within the mother-child interaction and practices used to keep control of child behaviors. Results were studied using the analysis of content. In general, these results indicated mothers’ concern towards basic care in their child education, ludic interactions in the mother-child routine and the use of dialogue as a strategy to control the child behavior. It is considered that child-rearing practices are related, in a bidirectional way, to the child’s and parents’ characteristics, as well as to the socio-cultural context in which they live.

Keywords:Child-rearing practices. Child development. Non-urban context.


Resumen

Este estudio investigó las prácticas de educación de los hijos, con base en los relatos de las madres en un contexto no urbano. Participaron 30 madres de niños de 4 a 30 meses. Como instrumento se utilizó una entrevista semiestructurada donde se trataron temas relacionados con el cuidado diario que las madres tenían con sus hijos, las actividades desarrolladas en la interacción madre-hijo y las prácticas de control de la conducta del niño. Los resultados de las entrevistas se analizaron mediante análisis de contenido. En general, estos resultados indican la preocupación de las madres con los cuidados básicos en la educación de sus niños, interacciones lúdicas en la relación cotidiana madre-hijo y el uso del diálogo como estrategia de control de la conducta del niño. Se considera que las prácticas de educación de los hijos se relacionan bidireccionalmente con las características del niño y los padres, así como del contexto socio-cultural en el que viven.

Palabras clave: Prácticas educativas. Desarrollo infantil. Contexto no urbano.

1 INTRODUÇÃO

A interação social constitui um fator imprescindível para o desenvolvimento infantil. Nesse processo, destaca-se o papel da família, nos primeiros anos da criança, como o principal microssistema ou nicho de desenvolvimento em que ocorrem os processos proximais e as relações bidirecionais (Bronfenbrenner, 1996; Harkness & Super, 1994).

Segundo Super e Harkness (2002), a forma como os pais organizam o contexto físico e social da criança expressam crenças, expectativas e valores sobre o desenvolvimento infantil e tem relação com as práticas de criação dos filhos, constituindo oportunidades para eles adquirirem competências em seu desenvolvimento. Desse modo, as práticas de cuidado são prescritas pelo grupo cultural do qual a pessoa faz parte e apresenta-se integrada a cultura maior. Elas tornam-se tão habituais em determinada comunidade que passam a ser percebidas como naturais, de maneira que os indivíduos que delas compartilham não costumam questioná-las.

As relações afetivas positivas entre os familiares e as crianças contribuem para o desenvolvimento infantil, representando um fator de proteção diante dos possíveis riscos que ela possa enfrentar. No caso da parentalidade irresponsável, esta é considerada precursora de estresse psicológico e outros efeitos sociais negativos na criança (Bronfenbrenner & Evans, 2000).

Além das relações afetivas positivas, as práticas de cuidado também funcionam como fatores de proteção à criança. O estudo de Harkness e Super (1994) sobre desenvolvimento das crianças do Quênia, na década de 1970, mostrou que os costumes de cuidado infantil afetam a saúde e o desenvolvimento em geral do infante. Nas comunidades kokwets, as crianças pequenas são envolvidas em panos, amarradas aos pescoços das mães, sendo carregadas em suas costas durante todo o dia, enquanto elas realizam suas atividades cotidianas, permitindo-lhes interagir com o ambiente circundante. À noite, as crianças dormem junto das mães e podem mamar o tempo todo. Esses cuidados, de acordo com Harkness e Super (1994) influenciam os processos de atenção e o desenvolvimento neuromuscular precoce das crianças, como também evitam o contato com organismos causadores de doença. Nesse caso, os costumes de cuidado infantil desenvolvidos pelas mães, mesmo realizados de forma não intencional, contribuíram para a saúde e desenvolvimento em geral das crianças.

Como observado nas considerações supracitadas, a interação da criança no contexto familiar influencia significativamente seu desenvolvimento. Nesse contexto, a figura materna desempenha um papel fundamental, uma vez que, apesar das mudanças nos papeis sociais de gênero ocorridas nas últimas décadas, ela ainda é a principal responsável pelos cuidados oferecidos à criança (Vieira et al., 2014).

Em relação ao termo cuidar/educar as crianças, esse tem sido caracterizado por diferentes terminologias no campo da pesquisa científica, como práticas educativas, práticas parentais, práticas de cuidado e cuidados parentais (Macarini, Martins, Minetto, & Vieira, 2010). Alvarenga e Piccinini (2001) definem as práticas educativas parentais como estratégias, com objetivo de modificar comportamentos inadequados às regras e padrões morais e sociais, e ensinar comportamentos considerados adequados. Hoffman (1975) classifica as práticas educativas em indutivas e coercitivas. As práticas indutivas se referem ao uso do diálogo, explicações lógicas sobre as consequências de determinados comportamentos. No caso das práticas coercitivas, estas envolvem o uso de ameaças e da força, como a punição física, privação de privilégio. Essas práticas podem gerar tensões nas crianças, reduzindo sua capacidade de entender o que está sendo ensinado e prejudica a internalização das regras sociais (Alvarenga & Piccinini, 2001), como também podem gerar problemas de externalização (Alvarenga, Magalhães, & Gomes, 2012).

cuidados diários das mães com a criança nos primeiros anos de vida, tais como cuidados ligados à higiene, à alimentação, estimulação do desenvolvimento e estabelecimento de limites. Estudar as práticas educativas da criança é uma das formas de conhecer como se processa o desenvolvimento, pois elas expressam o sistema de significados culturais que orientam o desenvolvimento da criança em um determinado contexto. Por elas, as crianças tornam-se participantes ativas da cultura, transformando-a e repercutindo em seu comportamento.

A esse respeito, o estudo de Barnett, Deng, Mills-Koonce, Willoughby, e Cox (2008) com pais euro e afro-americanos, sobre a relação entre as práticas, crenças parentais e comportamento da criança, mostrou que práticas parentais intrusivas e crenças baseadas no controle do comportamento, exploração e disciplina influenciam os problemas de comportamento infantil. Marin, Piccinini e Tudge (2011) investigaram o uso de práticas educativas de pais e mães com os filhos, e observaram que ambos empregam mais as práticas indutivas, como a explicação, na regulação do comportamento deles. As práticas coercitivas foram utilizadas em situações de higiene, saúde e birra. Alvarenga et al. (2012) constataram que o uso da punição física está associado a famílias de baixa renda e baixa escolaridade. Para esses autores, é possível que práticas mais eficazes e menos coercitivas não estejam disponíveis ou bem estabelecidas no repertório parental dessas famílias. Outros autores, como Bordin, et al. (2009), ressaltam que essa relação entre nível socioeconômico baixo e uso de práticas educativas punitivas pode ser explicada pela sobrecarga de trabalho das mulheres em casa e em outros contextos, o que pode reduzir a habilidade dessas mães em dar suporte emocional aos filhos.

Isto posto, o contexto de vida da família como também as características bidirecionais pais-criança influenciam as práticas educativas dos pais. Ademais, faz-se necessário explicitar que as práticas de criação dos filhos apresentam diferentes significados de acordo com o contexto sociocultural. Assim, determinadas práticas educativas podem ser apropriadas para uma determinada cultura e não serem para outra. Como assinalado por Ruela e Moura (2007), cada cultura imprime o que os pais pensam sobre os cuidados parentais e sobre o que desejam para seus filhos, o que reforça a importância de estudar como os contextos culturais constroem e são construídos pelo desenvolvimento humano.

Com o objetivo de conhecer as crenças e as práticas de cuidados maternos sobre desenvolvimento infantil nos contextos rural e urbano, os resultados do estudo de Kobarg e Vieira (2008) indicaram que as mães da zona rural e mães de zona urbana com baixa escolaridade valorizaram mais práticas de criação relacionadas à disciplina, enquanto mães de zona urbana e com elevada escolaridade valorizaram mais práticas de estimulação da criança. Esses resultados mostraram que, além do contexto, o nível de escolaridade das mães foi um fator importante na valorização das práticas de criação infantil. Ainda sobre a valorização de práticas de criação dos filhos no Brasil, Martins, et al. (2009) encontraram um maior percentual das práticas de cuidados primários realizados pelas mães do interior, enquanto mães de capitais apresentaram maior percentual na realização e valorização de cuidados relativos à estimulação. No entanto, ao relacionar as práticas de cuidado com o nível de escolaridade das mães, os resultados mostraram que tanto as mães das capitais como as mães do interior e com maior escolaridade realizaram e valorizaram mais a estimulação do desenvolvimento dos filhos. Mais uma vez, a escolaridade mostrou ser um fator importante nas práticas de educação dos filhos.

Outro estudo realizado em contexto não urbano foi o de Ruela e Moura (2007), em uma comunidade do interior do Rio de Janeiro. Essas autoras buscaram estudar os nichos de desenvolvimento infantil, como as concepções e práticas de cuidado de mães em relação aos filhos. Os resultados mostraram que as principais responsáveis pelos cuidados com as crianças e tarefas da casa eram as mulheres, quer sejam mães, avós, tias e irmãs mais velhas. Em relação às práticas de cuidados, observou-se que os bebês dormiam junto com os pais; a maioria era alimentada no peito; as crianças brincavam com brinquedos variados de acordo com a faixa etária e as brincadeiras em grupo envolviam imitação de papéis sociais do adulto, como brincadeiras de casinha.

É importante ressaltar o caráter bidirecional das práticas educativas apresentadas pelos pais, pois tanto as características destes como as da criança influenciam nessa escolha, além de fatores como redes de apoio social, família extensa, concepções sobre a infância e relação pais e filhos. Nesse sentido, considerase que as atividades e cuidados diários que as mães desempenham com seus filhos precisam ser analisadas com base nas características pessoais e no contexto sociocultural dos participantes da interação. Compreende-se que os resultados encontrados em um dado contexto sociocultural não podem ser generalizados para outros, sobretudo em um país com a extensão e a diversidade cultural do Brasil (Moura et al., 2004). Considera-se, também, que as pesquisas sobre as práticas de cuidado infantil contribuem para a compreensão das características das interações mãe-criança e suas implicações para o desenvolvimento infantil.

Dessa forma, a partir deste trabalho, pretende-se analisar as práticas educativas de mães em relação aos seus filhos, em contexto não urbano.

2 MÉTODO

2.1 Participantes

Participaram deste estudo 30 mães de crianças, estas na faixa etária entre 4 e 30 meses, residentes em um contexto não urbano do Município de Petrolina, Estado de Pernambuco, Brasil.

2.2 Contexto da pesquisa

Petrolina está situada no extremo oeste de Pernambuco, a 730 km da capital, Recife, na região do semiárido do Vale do Submédio São Francisco, que agrupa municípios dos estados brasileiros de Pernambuco e Bahia. Apresenta economia predominantemente agrícola, caracterizando-se pela forte presença do rural, apesar do acelerado crescimento urbano, e é considerada a sexta maior economia do Estado. Tem uma população de 326.017 habitantes (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2014) e corresponde ao quinto maior Município de Pernambuco. De acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014), o número de famílias residentes em domicílios particulares da zona não urbana ou rural de Petrolina é de 19.248. Os contextos estudados localizam-se a 20 km da cidade de Petrolina, correspondem a perímetros irrigados para produção agrícola familiar e destacam-se pela produção de fruticultura. Dois dos contextos contam com postos de saúde e ruas asfaltadas; os três apresentam creches e escolas municipais e pequenos comércios. As residências dos moradores desses contextos são próximas e apresentam amplo espaço aberto (terreiro) ao seu redor.

2.3 Instrumento

Utilizou-se um questionário sociodemográfico com informações sobre os participantes da pesquisa e uma entrevista semiestruturada elaborada com base nos objetivos do trabalho e da literatura na área da Psicologia do desenvolvimento. Esse instrumento compõe-se de nove questões que envolvem características do nicho de desenvolvimento da criança, como as atividades cotidianas da criança e da família e as práticas de cuidado infantil na perspectiva das mães.

2.4 Procedimentos para coleta e análise dos dados

Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, da Universidade Federal da Paraíba, conforme Resolução 196/96, versão 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), sob número 22655413.0.0000.5188. A seleção dos participantes ocorreu de forma não probabilística, por meio de visitas diretas a suas residências, assim como por meio de indicações de outros participantes e convidados a participarem da pesquisa. Cada participante foi informado sobre os objetivos da pesquisa, sua confidencialidade e o caráter voluntário da participação e, em seguida, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

As entrevistas foram gravadas, transcritas e submetidas à análise de conteúdo (Bardin, 2010), seguindo os passos de pré-análise, exploração e tratamento do material obtido, bem como sua interpretação. Essa análise atendeu aos critérios de exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência. Os resultados foram discutidos com base na literatura na área da Psicologia do desenvolvimento.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Características sociodemográficas dos participantes

As mães estudadas apresentaram idade entre 17 e 42 anos (média de 27 anos). Em relação à escolaridade, 40% das mães tinham o 2º grau completo, 26,7% tinham escolaridade entre o 1º e 2º anos; 20% entre a 5ª e a 8ª série do 1º grau e 13,3% entre a 1ª e a 4ª série do 1º grau. A renda média familiar foi de R$ 820,00, ou seja, em torno de um salário mínimo. Sobre o número de filhos, 46,6% das mães tinham apenas 1 filho, 43,4% tinham entre 2 e 4 filhos e 10% tinham entre 5 e 7 filhos. Em relação ao sexo da criança, 56,6% eram do sexo feminino e 43,4% do sexo masculino. Apenas uma frequentava a creche. Sobre a profissão, 80% das mães eram donas de casa, 13,3% exerciam atividades esporádicas como faxineiras, e 6,7% trabalhavam de carteira assinada. No que tange ao estado civil, 40% das mães eram casadas, 36,7% viviam em união estável, 13,3% eram separadas e 10% eram solteiras.

As falas das mães permitiram a elaboração de três categorias não excludentes, referentes às práticas de educação dos filhos, a saber: cuidados diários, atividades cotidianas mãe-criança e práticas de controle do comportamento dos filhos.

3.2 Cuidado diário das mães em relação aos filhos

Quando questionadas as mães sobre quais cuidados elas consideravam importantes na educação de seus filhos, 31,8% das respostas referiram-se à prevenção de acidentes domésticos (panelas quentes no fogão, eletricidade) e de rua (carros, violência), conforme fala da mãe a seguir:

Como o mundo está hoje, não é como antigamente que as crianças tinham muito acesso às ruas, não tinha muito carro […]. Todo cuidado, nesse instante, ela estava lá no fogão, e caiu uma panela perto dela; tem que ter cuidado para as coisas não caírem perto dela, a energia da casa, tudo (Mãe 17).

Como dois dos contextos estudados apresentaram ruas asfaltadas e algumas casas eram muito próximas das pistas, é compreensível que as mães apresentassem esse tipo de preocupação, sobretudo devido à idade dos filhos. O não urbano já não apresenta as características de tranquilidade e distanciamento do meio urbano de outrora. De acordo com Arcila e Silva (2013), o urbano e não urbano envolvem múltiplas interações, o que leva à necessidade de superação da dicotomia entre ambos. A despeito dessa interação entre o não urbano e o urbano, cada contexto apresenta suas singularidades que influenciam e são influenciadas por seus participantes.

 

 

A tabela 1 mostra, ainda, que 22,7% das respostas das mães referiram-se aos cuidados com o afeto e atenção à criança: "Dar carinho, amor" (Mãe 27); seguidas dos cuidados com a saúde (20%): "Banhar sempre, escovar, dar comida na hora certa para não ficar com fome, sempre tá oferecendo água" (Mãe 23); cuidados com a aprendizagem formal/escolar das crianças (11,4%):

Prestar muita atenção na escola e em casa também, nas tarefas e seguindo o ritmo, não só deixar ela lá no colégio e abandonar, deixar por conta da professora não, tem também que ter o estímulo em casa, pra ela se desenvolver se desenrolar (Mãe 20).

Cuidados com o convívio social (9,1%): "Eu tenho cuidado pra ela não viver no meio de rua, brincar com menino homem, porque acontecem muitas coisas aqui de menino-homem pegar menina-mulher. Tenho muito medo, ela sai eu saio atrás" (Mãe 24); disciplina (4,5%): "Cuidar bem, mostrar as coisas como é, o que pode e o que não pode" (Mãe 19).

Percebe-se, nas respostas das mães, uma maior valorização de cuidados básicos em relação aos filhos. O estudo de Martins et al. (2009) com mães do interior e da capital do Estado de Santa Catarina mostrou resultados nessa mesma direção, pois as mães do interior atribuíram maior importância aos cuidados primários em comparação às práticas de estimulação dos filhos, valorizadas por mães da capital. No caso dos resultados desta pesquisa, a idade das crianças pode explicar a priorização dos cuidados básicos, tendo em vista que as crianças se encontravam na faixa etária entre 4 e 36 meses, exigindo mais esse tipo de cuidado por parte dos pais e outros cuidadores.

Apesar de as respostas das mães pontuarem um maior percentual nos cuidados básicos com a criança, percebe-se, por meio dos resultados, a valorização de cuidados com a educação formal dos filhos e a importância do estímulo para que a criança se desenvolva, não dependendo apenas dos aspectos maturacionais. Outro dado que chama a atenção na fala das mães é a preocupação com a convivência social das crianças no contexto rural, destacando o abuso sexual envolvendo a criança do sexo feminino e outros tipos de violência. Em relação à disciplina, essa categoria apresentou um menor percentual nos cuidados priorizados pelas mães da zona rural. Esse resultado difere daquele encontrado por Kobarg e Vieira (2008), em que as mães da zona rural e mães da zona urbana com baixa escolaridade priorizaram mais a disciplina como prática de cuidado da criança em relação às mães da zona urbana.

3.3 Atividades cotidianas mãe-criança

A literatura tem apontado os efeitos da interação adulto-criança sobre o desenvolvimento infantil e ressalta que a qualidade dessa interação está relacionada ao seu bem-estar psicossocial (Habilov, 2012; Salomão, 2012; Moura et al., 2004). Conforme Zamberlan (2002), durante os primeiros anos de vida da criança, ocorrem mudanças significativas e mútuas no infante assim como na mãe, dentro de um padrão interacional singular, além das variações culturais e educacionais que afetam, de maneiras específicas, a responsividade materna.

A tabela 2 mostra as atividades cotidianas desempenhadas entre a mãe e a criança no contexto familiar.

 

 

As mães relataram passar mais tempo com seus filhos em atividades lúdicas (65,5%), como brincar, contar histórias, passear e cantar, como exemplificado na fala desta mãe: "Brinco o dia todinho, fico no meio do terreiro, brincando com ela, com as coisinhas dela, faço a rodinha, pego caderno pra escrever, fazendo desenho" (Mãe 24); conversar com a criança (12,7%): "Eu converso com ele, mesmo que ele não fale, eu converso… Mesmo que ele não saiba, mas já começa a entender, desde pequeno" (Mãe 5); assistir à TV/DVD (10,9%): "Assistir Encontro, de Ana Maria Braga, ela assiste, ela não gosta de assistir desenho" (Mãe 4); e realizar atividades rotineiras (10,9%), como almoçar juntas, dormir juntas e realizar tarefas domésticas: "As coisas de casa mesmo, eu fazendo as coisas dentro de casa, eu dou um pano, se for lavar a roupa, lavar uma louça, ela fica no pé, querendo fazer" (Mãe 24).

As atividades que a criança e a mãe, ou outra pessoa, desempenham juntas, caracterizadas por interações recíprocas, duradouras e progressivamente mais complexas, constituem processos proximais, os quais são apontados por Bronfenbrenner e Morris (1998) como propulsores do desenvolvimento humano. Esses processos variam em razão das características da criança, da mãe e do contexto em que vivem, desde o mais próximo ao mais distante. Desse modo, a forma, o conteúdo e a estrutura das interações entre a mãe e a criança, as atividades que desempenham juntas podem contribuir para a otimização do desenvolvimento infantil.

Pode-se verificar que o contexto não urbano em que vivem os participantes estudados influencia os tipos de atividades desenvolvidas na interação mãecriança, como a brincadeira no terreiro, espaço externo à casa onde moram. Ademais, como a maioria das mães estudadas não trabalha e, com exceção de uma criança que frequenta a creche, as demais passam o dia em casa e interagem com as mães, inclusive durante o momento em que estas realizam atividades do lar. Observa-se, ainda, que as interações mãe-criança são influenciadas pela concepção materna acerca do desenvolvimento infantil. Como relatado por uma das mães, embora a criança ainda não apresente a fala, ela é capaz de compreendêla e, portanto, a mãe interage de forma que estimule a conversação entre ambas. As mães deste estudo passam a maior parte do tempo em casa com seus filhos e também são responsáveis pelas tarefas do lar. Elas expressam que fazem dessas atividades momentos de interação e aprendizado com a criança. De acordo com Super e Harkness (1997), as práticas de cuidado, assim como a organização da rotina diária da criança, são importantes fontes de mensagens culturais, e estas variam não somente em conteúdo como também na natureza da participação da criança nesses contextos.

Em relação às práticas de controle do comportamento que as mães empregam na educação de seus filhos, a tabela a seguir mostra os resultados encontrados:

 

 

Observa-se, na tabela 3, que a maioria das mães entrevistadas empregaram práticas indutivas, como conversar com a criança, ensinar a discernir entre o certo e o errado, incentivar os estudos (69,5%) na educação dos filhos, como ilustrado na fala desta mãe:

Eu sento ela nessa cadeirinha e converso com ela. Eu não coloco ela de castigo porque é uma forma de humilhar. Ela vê a irmã brincando e ela ali no canto, de castigo, eu não gosto de colocar, eu gosto de explicar o que ela fez, e ela fica quietinha (Mãe 26).

Nessa mesma direção, foram os resultados da pesquisa de Piccinini, Frizzo, Alvarenga, Lopes, e Tudge (2007) com pais e mães de crianças com idade em torno dos 18 meses, de diferentes níveis socioeconômicos, cujos resultados mostraram maior frequência de práticas educativas indutivas, mencionadas pelos participantes na educação de seus filhos.

Esse resultado difere daqueles encontrados na literatura (Alvarenga et al., 2012; Bordin et al., 2009), os quais mostram que as mães de nível socioeconômico baixo utilizam mais práticas coercitivas, como a punição, na educação dos filhos do que as mães de nível socioeconômico elevado. Essa diferença de resultados pode ser explicada pelo fato de que as mães apresentadas neste trabalho passam a maior parte do tempo em casa com os filhos e tem o apoio social dos familiares, como os avós. Nesse sentido, essas mães podem ter mais disponibilidade para acompanhar o comportamento dos filhos, utilizando práticas indutivas na educação destes. Conforme o estudo de Linver, Brooks-Gunn e Kohen (2002), o suporte parental adequado pode contribuir para o desenvolvimento psicológico das crianças que se encontram em situação de pobreza. A escolaridade das mães estudadas também constitui outro fator importante na explicação das práticas educativas utilizadas pelos pais, uma vez que as pesquisas mostram que, quanto maior a escolaridade, maior acesso à informação sobre o desenvolvimento infantil (Moura et al., 2004).

Algumas mães relataram usar as práticas coercitivas (19,5%) para controlar o comportamento de seus filhos, tais como reclamações, palmadas e castigos: "Se ela fizer uma coisa errada eu chamo, bato na mãozinha dela, reclamo com ela, ela diz 'Mãe, não é assim não', eu digo não, e ela já não faz" (Mãe 24). Um menor percentual de mães afirmou deixar que os filhos aprendessem observando (2%): “Eu deixo ela aprender observando (Mãe 27); e evitam expor os filhos a situações de violência, seja real ou fictícia (2%): "Nada de filme, palavrão dentro de casa, nem pensar. Nada de filme que não seja para a idade dele, violência, porque isso é um incentivo para a criança" (Mãe 13).

Conforme Hoffman (1975), as práticas coercitivas, sobretudo o uso da punição física, geram na criança emoções como medo, ansiedade e raiva, e dificulta a internalização de regras sociais e morais, pois a criança não é ensinada sobre a necessidade de mudar seu comportamento. Desse modo, buscar práticas educativas que possibilitem à criança pensar sobre as consequências de seu comportamento pode contribuir para o seu desenvolvimento psicossocial, pois um ambiente familiar saudável tem poderosas influências na socialização da criança, sobretudo na prevenção de problemas comportamentais (Linver et al., 2002). É preciso considerar, também, que as práticas educativas são influenciadas pelas crenças e valores dos pais, nível de escolaridade, características da criança e relacionamento conjugal. Ademais, essas práticas tendem a mudar com a idade da criança, devido à aquisição de novas competências e uma maior autonomia (Crepaldi, Andreani, Hammes, Ristof, & Abreu, 2006).

Com base nesses resultados, considera-se a relevância do estudo das práticas educativas parentais para o desenvolvimento infantil, destacando-se a necessidade de estudá-las em diferentes contextos, como o não urbano.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo investigou as práticas de educação maternas para os filhos em um contexto não urbano. Com base nos relatos das mães, os resultados apontaram que estas consideram como importantes os cuidados básicos em relação a seus filhos, seguido da estimulação da aprendizagem formal, cuidados com a convivência social e a disciplina. Sobre as atividades cotidianas mãe-criança, foram destacadas as atividades lúdicas, a conversa, o desenvolvimento de habilidades comportamentais, acompanhamento de programas televisivos e realização das atividades da rotina da alimentação, sono e serviços domésticos. Em relação às práticas de controle que os pais utilizam na educação dos filhos, ressaltase o uso de estratégias indutivas pelas mães. Esse resultado é particularmente importante, considerando-se o nível socioeconômico das famílias estudadas e a relação apresentada na literatura entre nível socioeconômico baixo e o uso de práticas punitivas na educação das crianças (Alvarenga et al., 2012; Bordin et al., 2009). Acredita-se que o nível de escolaridade das mães tenha contribuído para a compreensão da importância do uso do diálogo como estratégia educativa no desenvolvimento infantil.

É importante destacar que, de acordo com as perspectivas sociocultural e contextual, o desenvolvimento infantil envolve um contínuo processo de trocas interativas bidirecionais entre o sujeito e o seu contexto físico, social e cultural (Bronfenbrenner, 1996; Harkness & Super, 1994). O adulto atua como mediador das trocas interativas com as crianças, inserindo-a na cultura e tornando-a participante ativa e construtiva desse processo. Assim, as práticas educativas utilizadas pelos pais na educação dos filhos são o resultado de múltiplos fatores, como as características individuais da criança, dos pais e do contexto sociocultural maior, o nível socioeconômico e o nível de escolaridade, além dos padrões culturais que prescrevem as formas de educar as crianças, tendo em vista que as práticas têm relação com as crenças e valores de seu grupo social.

Enfim, considera-se que os resultados deste trabalho possam contribuir para o conhecimento sobre relações mãe-criança no contexto não urbano e suas implicações sobre o desenvolvimento infantil. Uma limitação deste trabalho é que o estudo das práticas educativas foi realizado com base nos relatos das mães e não por meio da observação. Logo, sugere-se que os demais estudos sobre o tema possam utilizar metodologias como a observação direta, diário de campo ou estudos etnográficos.

REFERÊNCIAS

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Texto recebido em 28 de novembro de 2014 e aprovado para publicação em 26 de abril de 2016.

 

 

* Mestra, professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf ).E-mail: luci.cborges@ig.com.br..
**Professora doutora no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).E-mail: nmrs@uol.com.br..

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