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Revista da SPAGESP

versión impresa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.9 no.1 Ribeirão Preto jun. 2008

 

ARTIGOS

 

Plantão psicológico: novas possibilidades em saúde mental

 

Psycological emergency care: new possibilities in mental health

 

Plantón psicológico: nuevas posibilidades en salud mental

 

 

Fernanda Maria Donato Gomes 1

Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo - SPAGESP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O verbete plantão anuncia, em seu significado atual, a existência de uma urgência. O Plantão psicológico é uma modalidade de atendimento que possibilita enfrentar o desafio de atender um número maior de pessoas, no momento de suas necessidades, auxiliando-as a lidar melhor com seus recursos e limites e ampliando, dessa forma, os recursos disponíveis em Saúde Mental. Apresentaremos fragmentos de atendimentos, realizados no estágio de Plantão Psicológico da Universidade Paulista Campus São José do Rio Pardo, para ilustrar as possibilidades desta modalidade de atendimento.

Palavras-chave: Plantão psicológico; Saúde mental; Psicologia.


ABSTRACT

In its current meaning, the expression emergency care announces the existence of an emergency. Psychological Emergency Care is a care mode that makes it possible to face the challenge of attending a larger number of people, at the moment they need it, helping them to deal with their resources and limits in a better way, thus expanding the resources available in Mental Health. This study presents fragments of care delivered during a training period at the Psychological Emergency Care Unit of the Universidade Paulista, São José do Rio Pardo Campus, to illustrate the possibilities of this care mode.

Keywords: Psychological emergency care; Mental health; Psychology.


RESUMEN

La palabra plantón anuncia, en su significado actual, la existencia de una urgencia. El plantón psicológico es una modalidad que permite enfrentar el desafío de atender a un número mayor de personas, en el momento de sus necesidades, ayudándoles a lidiar mejor con sus recursos y límites y extendiendo, así, los recursos disponibles en Salud Mental. Presentaremos fragmentos de la atención prestada en el período de pasantía en el Plantón Psicológico de la Universidad Paulista, Campus São José do Rio Pardo, para ilustrar las posibilidades de esta modalidad de atención.

Palabras clave: Plantón psicológico; Salud mental; Psicología.


 

 

Em fevereiro de 2006 fui convidada para supervisionar o estágio Plantão Psicológico da Universidade Paulista, UNIP, Campus São José do Rio Pardo, para os alunos do 9º e 10º períodos do curso de graduação em Psicologia. O serviço funciona na Clínica Escola e também em uma escola municipal de ensino fundamental em um bairro humilde, onde sou responsável pelas supervisões. Neste local a população atendida é composta pela comunidade escolar (professores, funcionários, pais e alunos), bem como o entorno da instituição (vizinhos e parentes desta comunidade).

O atendimento tem grande aceitação do grupo. São atendidos em média de 16 a 20 pessoas por semana. A procura pode se dar de forma espontânea ou por encaminhamentos, seja da orientadora pedagógica, seja dos professores da escola.

Os estagiários ficam disponíveis para a pessoa que procurar o atendimento. Este ocorre no mesmo dia da procura e tem de 30 a 40 minutos de duração. A seguir é feita a supervisão do atendimento e verifica-se a necessidade ou não de marcar um retorno. Nesse caso, o paciente pode procurar o Plantão de uma a quatro vezes consecutivas.

O verbete plantão tem sua raiz etimológica na palavra francesa platon, que designa, em linguagem militar, a pessoa que está diuturnamente em uma posição fixa de alerta. Atualmente, seu sentido refere-se ao atendimento, fora do horário normal, por profissionais, especialmente os ligados à área da saúde.

Encontramos ainda outro significado para plantão, originário do latim plantare1, plantar (WOOD, 2004, p. 9), cuja origem vem de planta do pé. Esse sentido equipara o Plantão tanto a um serviço que tem seus pés no chão, ou seja, atende as necessidades imediatas do cliente como se faz referir ao ato de plantar, colocar um organismo vegetal dentro da terra para germinar. O referido autor considera que: “o Plantão Psicológico seria um serviço inovador que está sendo plantado na cultura brasileira” (WOOD, 2004, p. 9).

A experiência nas supervisões do estágio me leva a concordar com o entusiasmo de Wood (2004). Nesse sentido, o objetivo deste artigo é mostrar alternativas criativas, que contemplem as necessidades de renovação de recursos em Saúde Mental. Não temos a pretensão de esgotar toda a discussão a respeito do tema, mas compartilhar uma experiência.

 

OBJETIVOS DO PLANTÃO PSICOLÓGICO

O Plantão Psicológico tem por objetivo ser um atendimento breve, que atenda a pessoa no momento em que está necessitando. Esta é a característica inovadora do serviço, pois, como salienta Mahfoud (2004), o Plantão Psicológico pretende enfrentar o desafio de atender um número maior de pessoas, ampliando, dessa forma, os recursos disponíveis em Saúde Mental, já que estes são insuficientes, especialmente no contexto da saúde pública. Além disso, deve-se levar em consideração a pouca informação da população quanto às especialidades e à diversidade de cada área da saúde. Esses fatores, em conjunto, geram um afunilamento da demanda, fazendo com que sejam atendidos como prioridade apenas os casos mais graves.

O atendimento no Plantão é baseado no aconselhamento psicológico centrado na pessoa. O desafio do plantonista é o de ouvir, acolher, acompanhar o cliente. Amparado pela crença na tendência ao desenvolvimento dos potenciais inerentes à existência humana, o trabalho do plantonista é o de estimular esta tendência, ajudar o cliente a encontrar caminhos para seu sofrimento, dentro da sua própria experiência.

O cliente é autor de sua ajuda e o plantonista seu fiel acompanhante nesta construção. As palavras do rabino e escritor Nilton Bonder auxiliam-nos na compreensão das possibilidades terapêuticas do Plantão:

A grande descoberta deste século para as Ciências Humanas é a descoberta terapêutica da escuta. Não há melhor entendimento que alguém possa nos prestar do que servir-nos de ouvido para as falas baixas e quase imperceptíveis de nossa existência (BONDER apud ROSENTHAL, 2004, p. 26).

Mahfoud (2004) faz coro às palavras do rabino:

A escuta, enquanto postura básica, é saber ouvir o outro, estar preparado e disponível para receber a vivência que estiver trazendo, tomando-a em sua complexidade original, em seus múltiplos horizontes, de maneira tal a facilitar que a pessoa examine com cuidado as diversas facetas de sua experiência (MAHFOUD, 2004, p. 75).

 

PRINCIPAIS ATIVIDADES

A aplicabilidade do Plantão Psicológico é vasta. A literatura científica a respeito do tema, embora pequena, refere experiências em diversos locais, como hospitais psiquiátricos (CAUTELLA, 2004), escolas (MAHFOUD, 2004), universidades (PERES; SANTOS; COELHO, 2004) e clínicas-escola (CURY, 2004a, 2004b; SCHMIDT, 2004).

O Plantão, como forma inovadora de atendimento breve, propõe-se a lidar com vários desafios: a) trabalho com o não planejado, o inusitado, o novo e o que difere; b) atendimento da demanda em contextos determinados com intervenção imediata a partir da análise da situação de crise; c) encaminhamento para um serviço adequado quando necessário; d) auxílio na tolerância para a espera de um atendimento psicológico convencional.

 

PLANTÃO PSICOLÓGICO E PSICOTERAPIA DE EMERGÊNCIA

O Plantão Psicológico fundamentado na abordagem centrada na pessoa, que propõe uma relação terapêutica baseada na escuta atenta, empática, com ênfase na experiência que o paciente apresenta (MORATO, 1987). Aproxima-se das possibilidades propostas por Sterian (2003) na psicoterapia de emergência. Esta tem por objetivo atender a pessoa em uma situação de dor psíquica intensa. Considerando a inexistência de profissionais suficientes no serviço público para atender a demanda da população, segundo a autora, o atendimento de emergência torna-se não só uma utilidade, como uma necessidade.

De acordo com Sterian (2003), a psicoterapia de emergência pode ser indicada como prevenção ou como tratamento. Na prevenção seus objetivos seriam evitar que: a) um problema pontual se transforme em uma desordem psíquica organizada; b) uma situação aguda passe a ser uma doença crônica; c) dentro de um quadro crônico preexistente uma agudização seja causa de uma incapacidade definitiva.

No tratamento a psicoterapia de emergência estaria indicada basicamente em duas situações: crises que não demandem uma abordagem de longo prazo e dificuldades de adaptação pontuais.

Sterian (2003, p. 34) propõe o atendimento de emergência como:

A possibilidade de o indivíduo se ver enquanto tal. Fazer uma pessoa pensar em si mesma não apenas como um diagnóstico, um número ou uma unidade de consumo, oferecer-lhe a chance de reinserir-se em sua própria história de vida, de assumir-se enquanto sujeito de seus próprios desejos, necessidades e possibilidades. Para que, a partir daí, ela possa elaborar as limitações ou frustrações que sua existência for lhe trazendo.

 

FRAGMENTOS CLÍNICOS

Apresentaremos fragmentos de atendimentos realizados no estágio de Plantão Psicológico da Universidade Paulista Campus São José do Rio Pardo, para ilustrar as possibilidades desta modalidade de atendimento. Os nomes utilizados são fictícios visando preservar a identidades dos pacientes.

Anita e seus segredos

Anita comparece acompanhada de seus pais no Plantão. Estes relatam suas preocupações com a menina. A mãe diz que Anita tem muitos ciúmes da irmã mais velha, vivem em constante disputa pela atenção materna. No entanto, sua grande preocupação com Anita refere-se ao comportamento social da criança. Esta não tem muitos amigos, vive sempre muito sozinha.

Neste encontro demonstra um temor difuso quanto ao futuro de Anita. O pai acrescenta suas preocupações dizendo que a filha tem momentos de extrema tristeza, fica calada em um canto, com o pensamento distante e chora. Os pais perguntam o porquê de tamanha tristeza, mas Anita opta pelo silêncio.

A estagiária percebe os pais atentos ao sofrimento da filha, procurando o Plantão em busca de ajuda para a compreensão do que se passa.

O encontro com Anita é bastante revelador, não só pelo que é falado, mas pela aparência da menina. Apesar de seus poucos nove anos, Anita tem uma aparência de mocinha, muito vaidosa, com roupas e adornos que excedem as proporções levando-se em conta a sua idade.

Na primeira conversa com a plantonista revela pouco sobre seus sentimentos. Aos poucos Anita ganha confiança na estagiária, divide com esta seus segredos em relação às amizades e suas confusões amorosas. Tem dificuldades de manejar essas situações e acaba por sofrer muito. Compartilha com a plantonista suas dores: “Ai eu vou para o banheiro e choro, o banheiro é meu amigo, só ele me vê chorar”.

Nas supervisões percebemos que Anita vive um conflito entre viver como uma criança e comportar-se como uma adolescente. A plantonista divide essa percepção com a criança. As lágrimas correm pelo rosto de Anita concordando que sente muita vontade de brincar com suas bonecas, mas a irmã faz gozações que a inibem e acrescenta “brinco escondido com minhas bonecas, elas me entendem, pelo menos eu tenho esta impressão” (sic).

Em relação aos pais a estagiária orientou-os a estabelecer regras diferentes para as filhas já que cada uma está vivendo uma etapa diferente de vida. Explicou-lhes que Anita sofre muito por achar que precisa ser mocinha. Os pais concordam dizendo que de fato eles são muito exigentes com Anita. Agradeceram o acolhimento do plantão e seguiram seu caminho.

Papai e o bicho papão

Maria do Socorro busca o plantão para compartilhar seu sofrimento. É casada e tem um filho de seis anos. Conta que seu relacionamento conjugal é muito difícil, o marido é intransigente, está sempre bravo e mal humorado. Já chegou a agredi-la fisicamente, mas agora só discutem. Socorro apesar das dificuldades gosta do companheiro e quer permanecer com ele.

Sua dor maior é em relação a seu filho, pois o pai não tem paciência com o menino. Não gosta que ele fique por perto, não brinca e nem saem de casa todos juntos. Dentro desse panorama, Socorro busca o plantão preocupada com seu filho Raí, que tem muitos pesadelos e chora todas as noites, sendo muito difícil acalmá-lo.

A estagiária chama Raí para uma conversa. Este diz que a noite chora porque sonha com o Bicho Papão. A plantonista solicita-lhe que faça um desenho do sonho. Desenha o Bicho Papão. Quando perguntado se alguém se parece com este bicho Raí responde: “é o papai. Ele briga muito comigo, não deixa eu ver TV com ele, mesmo que eu fique quietinho ele pede para mamãe me tirar dali” (sic).

Outro encontro é marcado com Raí. Neste, seu pai, Franco, comparece, reconhece que os problemas do filho e da esposa estão relacionados com seu comportamento.

Percebe-se extremamente nervoso e irritado, tem muitos tiques, já fez tratamento psiquiátrico quando jovem, mas abandonou e recusa-se a fazer novamente. Tem a noção que sua falta de paciência com o filho é extremamente prejudicial, mas não sabe o que fazer. Seu próprio pai também foi muito distante. Alem disso carrega uma grande magoa, pois seu pai faleceu e estavam brigados.

A estagiária compreende suas limitações e propõe uma reflexão, perguntando caso isso acontecesse com Raí, se ele teria mágoa. Franco rapidamente responde que não, pois apesar do relacionamento ser distante, Raí é seu filho e ele o ama muito.

Marcam um retorno, mas a mãe vem avisar que não poderão vir, pois pai e filho foram passear na praça e não retornarão a tempo do atendimento. Na semana seguinte todos comparecem ao plantão e relatam as conquistas familiares: pai e filho têm saído juntos, a família foi a um casamento, andaram de ônibus, atividade que antes era impossível para Franco, pois este tinha pânico de ambientes fechados. O pai ainda diz ter sentido grande alivio com a reflexão sobre seu próprio pai que a plantonista propôs.

Nas supervisões compreendemos que Franco é uma pessoa com grandes dificuldades emocionais, mas também com vontade de se superar, evoluir, apesar de sua resistência em buscar um tratamento adequado.

Finalizamos o atendimento sugerindo que Franco volte ao plantão quando achar necessário. Acreditamos que talvez esta seja uma possibilidade de Franco, aos poucos ir construindo uma demanda que o leve ao tratamento necessário.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esperamos que, com a análise desses fragmentos clínicos, possamos ter compartilhado com o leitor um pouco de nossa prática. Encerramos essas reflexões tomando de empréstimo as palavras de Winnicott, que traduzem nosso modo de pensar a prática:

Psicoterapia não é fazer interpretações argutas e apropriadas; em geral, trata-se de devolver ao paciente, aquilo que o paciente traz. É um derivado complexo do rosto que reflete o que há para ser visto. Essa é a forma pela qual me apraz pensar em meu trabalho, tendo em mente que, se o fizer suficientemente bem, o paciente descobrirá seu próprio eu (self) e será capaz de existir e sentir-se real” (WINNICOTT, 1975, p. 161).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAUTELLA, W. Frutos maduros do plantão psicológico. In: MAHFOUD, M. (Org.). Plantão psicológico: novos horizontes. São Paulo: Editora CI, 2004. p. 97-114.         [ Links ]

CURY, V. Plantão psicológico em clínica-escola. In: MAHFOUD, M. (Org.). Plantão psicológico: novos horizontes. São Paulo: Editora CI, 2004a. p. 115-133.         [ Links ]

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PERES, R. S.; SANTOS, M. A.; COELHO, H. Perfil da clientela de um programa de pronto-atendimento psicológico a estudantes universitários. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 9, n. 1, p. 47-54, 2004.         [ Links ]

MORATO, H. T. P. Serviço de Aconselhamento Psicológico do IPUSP: aprendizagem significativa em ação. In: ROSENBERG, R. L. (Org.). Aconselhamento psicológico centrado na pessoa. São Paulo: EPU, 1987. p. 75-83.         [ Links ]

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SCHMIDT, M. L. S. Plantão psicológico: universidade pública e política de saúde mental. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 21, n. 3, p. 173-192, 2004.         [ Links ]

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WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. p. 153- 162.         [ Links ]

WOOD, J. K. Prefácio. In: MAHFOUD, M. (Org.). Plantão psicológico: novos horizontes. São Paulo: Editora CI, 2004. p. 7-9.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Fernanda Maria Donato Gomes
E-mail: gomesfm@uol.com.br

Recebido em 23/05/08.
1ª Revisão em 12/07/08.
Aceite Final em 18/08/08.

 

 

1 Psicóloga.Terapeuta Familiar. Docente da Universidade Paulista (UNIP)/ São José do Rio Pardo e da Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo (SPAGESP).