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Revista da SPAGESP

versión impresa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.21 no.1 Ribeirão Preto enero/jun. 2020

 

ARTIGOS

 

Percepções de adolescentes sobre seu território: olhar ecológico para riscos e vulnerabilidades

 

Perceptions of adolescents about their territory: ecological look at risks and vulnerabilities

 

Percepciones de adolescentes sobre su territorio: mirada ecológica para riesgos y vulnerabilidades

 

 

Juliana de Oliveira1, I; Mariana Silva Cecílio2, II; Guilherme Faria Ribeiro3, III; Fabio Scorsolini-Comin4, IV

ISecretaria de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, Brasília-DF, Brasil
II
Universidade de Uberaba, Uberaba-MG, Brasil
III
Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba-MG, Brasil

IV
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do estudo foi relatar uma atividade realizada por profissionais de um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) na identificação de fatores de risco presentes na vida de adolescentes acompanhados por um Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV). Inspirada no método Autofotográfico, a atividade lançou-se como um convite ao registro de espaços que representassem vulnerabilidades e riscos sociais. A análise foi pautada no Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner. O exercício salientou a oportunidade de incentivar equipes a realizarem atividades como esta, e que envolvam outros temas (família, lazer, educação, por exemplo), a fim de se adentrar às leituras de mundo de adolescentes e ampliar seus repertórios quanto a fatores de risco/proteção, ratificando a importância de intervenções preventivas frente às demandas presentes.

Palavras-chave: Vulnerabilidade; Adolescentes; Fatores de risco; Resiliência.


ABSTRACT

The aim of the study was to report the experience of professionals of a Social Assistance Reference Center in the identification of risk factors present in the life of adolescents accompanied by a Service of Coexistence and Strengthening of Links. Inspired by the Auto-Photographic method, the activity launched to young people invited them to register spaces that represent vulnerabilities and social risks, discussing important demands based on their experiences and relationships. The analysis was based on the Bioecological Model of Bronfenbrenner. The exercise highlighted the opportunity to encourage teams to carry out activities like this, and involving other topics (family, leisure, education, for example), allowing a reading of the importance of the engagement of these adolescents when thinking about the present reality. This exercise contributed to the development and expansion of repertoires of abilities, ratifying the importance of preventive interventions.

Keywords: Vulnerability; Adolescents; Risk factors; Resilience.


RESUMEN

El objetivo del estudio fue relatar la vivencia de profesionales de un Centro de Referencia de Asistencia Social en la identificación de factores de riesgo presentes en la vida de adolescentes acompañados por un Servicio de Convivencia y Fortalecimiento de Vínculos. Inspirada en el método Autofotográfico la actividad lanzada a los jóvenes hizo una invitación al registro de espacios que representasen vulnerabilidades y riesgos sociales, discutiendo importantes demandas a partir de sus vivencias y relaciones. El análisis fue pautado en el Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner, posibilitando una lectura de la importancia del compromiso de estos adolescentes al pensar en la realidad presente. Este ejercicio contribuyó al desarrollo y ampliación de repertorios de habilidades, ratificando la importancia de intervenciones preventivas.

Palabras clave: Vulnerabilidad; Adolescentes; Factores de riesgo; La resiliencia.


 

 

A partir de uma contextualização histórica, é possível notar que o olhar sensível para a infância e a adolescência, assegurando políticas públicas de prevenção, proteção e garantia de direitos, é um acontecimento recente. Um dos grandes objetos desse debate ainda tem sido o direito deste público ser ouvido e se expressar. Contudo, parece ecoar a dúvida sobre quais seriam ou deveriam ser as políticas de atenção oferecidas para que crianças e adolescentes se reconheçam como sujeitos protagonistas em/de suas histórias, sobretudo quando os encontramos em situações de risco e vulnerabilidade, em uma perspectiva micro e macrossocial.

Por vulnerabilidade social entende-se determinadas condições de sujeitos expostos a fatores de risco, como violência, uso de drogas e experiências relacionadas a privações afetivas, de rompimento de vínculos e condições socioeconômicas que desfavoreçam o desenvolvimento biopsicossocial e espiritual do indivíduo (Braga, Moreno, Silva, & Balduino, 2018). De acordo com Ayres, Franca Junior, Calazans, e Saletti Filho (1999), o conceito de vulnerabilidade está na falta ou na não-condição de acesso a bens materiais e bens de serviço. Portanto, podemos também elencar dificuldades no âmbito escolar, precárias condições de saúde, falta de informação e relações afetivas precárias com o próprio indivíduo, seus familiares e a sociedade (Braga et al., 2018).

Fatores de riscos e estressores sempre estiveram presentes em qualquer tempo e lugar, o que mudou, na verdade, foi a construção social do que se entende por risco (Poletto & Koller, 2008), sobretudo na adolescência. Segundo Schenker e Cavalcante (2015), os fatores de risco na adolescência não devem ser compreendidos somente como falta de condições socioeconômicas, de desigualdade social ou falta de recursos materiais. Fatores que abranjam a fragilização de vínculos, sentimentos de não pertencimento, presença de violência nos ambientes que faz parte, perda dos direitos fundamentais, alto índice de reprovação escolar, falta de perspectivas profissionais e de projetos para o futuro, assim como a inserção precoce ao trabalho infantil, entre outros, também devem ser levados em conta.

Acontece que, por um bom tempo caracterizados como "menores" em situação de risco, lia-se, nas entrelinhas, que tais crianças/adolescentes, taxadas como marginais, colocariam em perigo a sociedade, necessitando essa infância ser contida, salva e controlada (Frota, 2007; Perez & Passone, 2010). Felizmente, superando a Doutrina de Situação Irregular e introduzindo a Doutrina de Proteção Integral sob responsabilidade compartilhada entre Estado, Família e Sociedade, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990) se apresenta de maneira revolucionária. A partir desses primeiros passos, outras ordenações legais fundamentais para as conquistas atuais foram instituídas, sendo exemplos: a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda (Lei Federal n. 8.242/91) e a Lei Orgânica da Assistência Social – Loas (Lei Federal n. 8.742/93), como ressaltam Perez e Passone (2010).

Estruturas institucionais foram criadas ou readaptadas para dar forma a uma rede de proteção social que teria como premissa articular equipamentos sociais como: sistema de saúde, sistema de assistência social, sistema de segurança pública, sistema educacional, dentre outros que compõem o Sistema de Garantia de Direitos (SGD) (Faraj, Siqueira, & Arpini, 2016). Um dos serviços criados para assegurar o cumprimento e a exigibilidade de direitos universais e da proteção especial de crianças e adolescentes no Brasil, é o ofertado pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), a porta de entrada dos usuários da política de assistência social, de acordo com a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS (NOB-RH/SUAS) (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, 2009).

Por meio de um trabalho com equipe multiprofissional, o CRAS desempenha papel central no território onde está localizado, destacando-se as ações de prevenção de situações de risco no território e o desenvolvimento de um conjunto de estratégias de atenção às famílias e indivíduos em vulnerabilidade social, abrangendo ações que contemplem abordagens psicológica e social, individuais ou grupais. Por meio de um trabalho intersetorial, a equipe do CRAS deve promover a convivência familiar e comunitária, com o objetivo de melhorar as condições de vida das famílias (MDS, 2009).

Uma das modalidades de acompanhamento ofertado por este órgão é o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) (MDS, 2013), que busca complementar o trabalho social com famílias a fim de prevenir a ocorrência de situações de risco social por meio de estimulação e orientação dos usuários na construção e reconstrução de suas vivências individuais e coletivas, tanto no âmbito da família quanto no território. Nesse sentido, as normativas trazem que o objetivo do trabalho com adolescentes – foco de atenção neste relato – na atenção básica, deve buscar contribuir para o fortalecimento da convivência familiar e comunitária e para o retorno ou permanência dos jovens na escola, estimulando atividades de desenvolvimento social, participação cidadã e formação para o mundo do trabalho. Além disso, as propostas devem abordar atividades que contribuam para o desenvolvimento de habilidades gerais, tais como capacidade comunicativa e inclusão social. As intervenções devem valorizar a pluralidade e a singularidade das expressões juvenis e suas diferentes visões e posicionamentos de mundo (MDS, 2013).

A adolescência deve ser entendida como uma fase do desenvolvimento que marca a transição da infância para a vida adulta, mostrando-se presentes alguns conflitos devido as mudanças físicas, psicológicas, sexuais e sociais inerentes a essa etapa. Pontua-se, todavia, a necessidade de condições favoráveis a um desenvolvimento saudável nesta etapa do ciclo desenvolvimental (Braga et al., 2018). Por reconhecer a importância desse cuidado, o presente relato visou a contribuir com percepções e discussões voltadas ao atendimento socioassistencial, com foco em serviços prestados na proteção básica (MDS, 2004).

Para tanto, considerando as constantes inquietações sobre os alcances de trabalhos realizados com adolescentes expostos à vulnerabilidade social, o objetivo deste relato de experiência foi narrar uma atividade realizada por profissionais de um CRAS na identificação de fatores de risco presentes na vida de adolescentes acompanhados por um SCFV. Como meta tangencial, buscou-se, também, pensar como a experiência de dar voz às percepções dos adolescentes, sobre a realidade do contexto imediato em que vivem, pode se configurar como fator de proteção diante de adversidades, enfatizando o valor de intervenções preventivas (Lutti, 2008; Silva & Assis, 2018).

 

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Trata-se de um relato de experiência sobre uma atividade realizada em um CRAS com grupo de adolescentes de um SCFV.

PARTICIPANTES

Os adolescentes do grupo no qual a atividade foi realizada possuíam entre 15 e 17 anos e, em sua maioria negros, advindos de famílias também acompanhadas pelo serviço, por meio de encontros do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), visitas domiciliares e acolhimentos individuais para liberação de benefícios eventuais, como a cesta básica. Participavam, na época, 15 adolescentes no SCFV de 15 a 17 anos.

CONTEXTO DE REALIZAÇÃO DA VIVÊNCIA

O CRAS em questão oferta serviços de acompanhamento familiar por meio do PAIF e, de forma complementar, realiza grupos (SCFV) com a população atendida, a fim de trabalhar durante os encontros temas importantes para a promoção da autonomia das famílias a fim de diminuir a vulnerabilidade social. A população atendida provém de famílias em situação de pobreza, com baixo grau de escolaridade, índices de desemprego altos e com uso abusivo de álcool e outras drogas. Demandas de violência doméstica contra mulheres e crianças, negligência no cuidado de crianças e adolescentes, trabalho infantil, falta de habitação adequada, prostituição de crianças e adolescentes, vulnerabilidade econômica, entre outras, chegam à equipe do CRAS. As atividades do SCFV são planejadas pela equipe técnica de referência (um profissional do Serviço Social e um da Psicologia) juntamente com o orientador social (profissional da Terapia Ocupacional) e a Secretaria de Assistência Social do município conta com uma unidade do CRAS.

O serviço existe com este formato (grupos do SCFV) desde de 2015 e se localiza em um município de pequeno porte (cerca de oito mil habitantes) no interior do Estado de Minas Gerais. Tem como economia principal a agropecuária, com produção expressiva de gado e o plantio da cana-de-açúcar, com a presença de uma usina de álcool. As lavouras de cana-de-açúcar cobrem quase toda a área rural da cidade. A usina, por sua vez, configura-se como a maior fonte de emprego local. Essas características favorecem que o município possua uma população flutuante - conjuntos de indivíduos presentes no território por um período de curta duração, usualmente, advindos de outros Estados, como Alagoas, Bahia, Paraíba – que chegam em busca de emprego.

ATIVIDADE PROPOSTA

Foi proposta aos adolescentes participantes do grupo uma atividade que trouxesse à reflexão quais seriam os problemas sociais existentes na comunidade onde moram. Para isso, registrariam fotos de locais e situações que eles mesmos entendiam como sendo fatores de risco e/ou vulnerabilidades no território. Os adolescentes foram convidados a usarem seus próprios celulares, portanto, não foi ofertado a eles câmeras fotográficas. Aqueles que não tinham ou não podiam usar seu aparelho, poderiam fazer a atividade juntamente com outros colegas. Um dos objetivos também era expor o material produzido em pontos estratégicos da cidade, como prefeitura, departamento de educação, departamento de assistência social, departamento de cultura, câmara municipal, entre outros, levando essa discussão para toda a comunidade externa ao CRAS. Quer dizer, o intuito foi também expor as produções para ambientes os quais os jovens não estão envolvidos diretamente (exossistema), podendo ser influenciados ou até mesmo influenciar indiretamente, já que o material possibilitaria a geração de algum tipo de impacto, e, quem sabe, a mobilização do poder público local para essas demandas.

A proposta aconteceu em quatro encontros: o primeiro para acordar o objetivo da atividade e tirar as possíveis dúvidas que os jovens poderiam ter; dois encontros para que pudéssemos percorrer os bairros próximos ao CRAS e registrar o que seria um problema social para cada adolescente; e um encontro final para discutir o que cada um entendia como problema social, além dos aspectos que as fotos tiradas traziam sobre as vulnerabilidades elencadas. Destaca-se, de imediato, que a proposta veio ao encontro da teoria bioecológica de possibilitar transições e inserções ecológicas em diferentes contextos microssistêmicos, mobilizando processos proximais a partir da interação das características pessoais dos jovens com o ambiente visitado/registrado.

Durante toda a atividade os jovens relataram os variados motivos que os levavam a registrar determinada foto. Ao fim, compartilharam sobre como foi a experiência de ter pensado sobre os elementos ali discutidos. Antes de saírem para as ruas, a equipe explicou aos jovens o que significavam os termos "vulnerabilidade" e "fatores de risco", a fim de dar embasamento aos adolescentes sobre o objetivo da atividade e permitir um olhar mais crítico para essas questões. No decorrer dos encontros, o grupo se mostrou bastante participativo e muitas fotos foram registradas. Ao longo da caminhada pelos bairros, os adolescentes relatavam sobre como viviam naquele espaço. A atividade foi proposta também no intuito de efetivar a territorialização do serviço.

Por meio da atividade, buscou-se acessar percepções sobre a realidade de cada adolescente perante os ambientes e as relações estabelecidas dos diversos contextos que está inserido, não abrangendo a totalidade de demandas sociais do território. Quais os processos proximais mobilizados? O campo de visão se amplia ou se restringe aos espaços que eles se inserem (microssistema) ou transitam (mesossistema)? "Novos" microssistemas surgiram ao explorarem o território? O que pensar e o que fazer com o impacto dessa realidade que se apresenta? Perguntas como essas nos auxiliaram no processo de análise e elaboração de novas atividades a serem colocadas em prática, a fim de que a identificação dos fatores de risco/vulnerabilidade não se apresentasse como atividade-fim, mas precursora de um olhar para outras leituras despertadas pelos jovens.

O MÉTODO AUTOFOTOGRÁFICO COMO PORTA-VOZ

A fim de alcançar as percepções dos adolescentes sobre fatores de risco e vulnerabilidade presentes nos territórios em que estão inseridos, buscou-se realizar uma atividade utilizada em pesquisas científicas (Borowsky, 2003; Dollinger, 1996; Dollinger, 2002; Gosciewski, 1975; Neiva-Silva, 2003), que pudesse oferecer suporte à prática profissional. O método utilizado foi o Autofotográfico (Neiva-Silva & Koller, 2002; Ziller & Smith, 1977), partindo do princípio de que uma imagem produzida por uma pessoa pode ser uma rica fonte de informações e significados sobre o seu autor. Nele, cada participante recebe uma câmera fotográfica e é instruído a tirar determinado número de fotos na tentativa de responder a uma questão específica, a fim de, num momento posterior, levantar percepções sobre as próprias imagens produzidas.

Neste relato, serão retratados os conteúdos e os sentidos trazidos às fotos pelos adolescentes, compreendendo a produção como grupal, sem fazer especificações sobre cada participante, a fim de conseguir traduzir quais foram as construções realizadas sobre as vulnerabilidades presentes no território em que vivem de modo geral. As pesquisas em Psicologia que utilizaram este método têm demonstrado interesse em compreender as atribuições de significados às imagens, entendendo que parte das pessoas demonstram dificuldade em expressar verbalmente determinados temas e que o uso da fotografia poderia auxiliar na comunicação desses significados (Neiva-Silva, 2003). Portanto, o método se mostrou útil nessa investigação, possibilitando também o protagonismo desses jovens ao serem os autores dessa produção sobre os espaços que circulam e pertencem.

REGISTRO DA ATIVIDADE E ANÁLISE DOS DADOS ENCONTRADOS

A equipe, após cada encontro, relatava nos prontuários de cada núcleo familiar nos quais os adolescentes fazem parte, resumo sobre a atividade realizada e observações importantes sobre o encontro grupal. Ao finalizarem os quatro encontros da atividade, os profissionais redigiram um relatório sobre o conteúdo e os resultados das discussões geradas a partir das fotos tiradas, a fim de deixar registrado em material impresso para posteriormente servir de suporte em reuniões com a rede. Como a atividade realizada chamou a atenção pelos significativos resultados, a equipe aproveitou a oportunidade para um registro mais detalhado, permitindo a realização deste relato de experiência. Nesse sentido, para o presente estudo, os dados foram analisados à luz do Modelo Bioecológico do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner (2011).

A atividade realizada foi formulada partindo-se do pressuposto de que dar a devida atenção ao direito de crianças e adolescentes não somente abre espaço para avaliarmos suas fragilidades e potencialidades, mas permite que eles mesmos mobilizem esforços que evitem agravos psicossociais decorrentes de situações de risco e violência (Polleto & Koller, 2008; Poletto, Souza, & Koller, 2012). Sendo assim, o que se observa é a importância de se realizar análises sobre o desenvolvimento de crianças e adolescentes em situação de risco, sobretudo em estudos da Psicologia do Desenvolvimento, contextualizando os espaços os quais participam e estabelecem relações, direta ou indiretamente (Polleto & Koller, 2008).

Bronfenbrenner (2011) traça um referencial teórico que compreende o desenvolvimento humano organizado a partir de quatro componentes: processo, pessoa, contexto e tempo (PPCT). Segundo a teoria, postulado como interativo, recíproco e indissociável entre indivíduo e meio, o desenvolvimento humano teria como motor principal o que Bronfenbrenner chamava de processo. Compreendendo a ideia de interações recíprocas e progressivamente mais complexas de uma pessoa com objetos, símbolos e outras pessoas em seu ambiente imediato, os processos proximais ditam a singularidade da trajetória desenvolvimental, tendendo a produzir efeitos de mudança e continuidade (Bronfenbrenner, 2011; Koller, 2011). Como os processos proximais se referem as interações, o segundo componente pessoa é fundamental para dizer da capacidade de gerar e sofrer influências dos contextos nos quais participa, pois analisa as características biopsicológicas construídas na relação com o ambiente.

O terceiro componente, então, refere-se ao contexto, abarcado em estruturas concêntricas – microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema. Compreendendo um conjunto de relações imediatas, o microssistema é o contexto no qual a pessoa em desenvolvimento vivencia face a face um padrão de atividades, papéis sociais e relações interpessoais, sendo nele que os processos proximais se operam, produzindo e sustentando o desenvolvimento. Quando uma pessoa transita entre dois ou mais microssistemas, chamamos esse conjunto de mesossistema, que diz da interdependência e inter-relações estabelecidas por eles. Já naqueles ambientes em que a pessoa não está inserida ou participa ativa e diretamente, mas que sofre "disfarçadamente" influência o seu desenvolvimento, nomeia-se exossistema. O macrossistema, por sua vez, apresenta-se como uma estrutura mais ampla e abrangente, composta pelo conjunto de ideologias, valores e crenças, religiões, culturas e subculturas, formas de governo presentes na vida das pessoas e aspectos socioeconômicos que influenciam seu desenvolvimento (Koller, 2011; Poletto & Koller, 2008; Souza, Dutra-Thomé, Schiró, Morais, & Koller, 2011).

O tempo, quarto e último componente, permite analisar a influência das mudanças e continuidades que ocorrem ao longo do ciclo de vida da pessoa em desenvolvimento, sendo dividido em três níveis. O microtempo, observado dentro de pequenos episódios de processos proximais, considerando uma base de tempo relativamente regular para a ocorrência de uma interação recíproca, progressivamente mais complexa. O mesotempo, que se refere à periodicidade dos episódios por meio de intervalos de tempo (dias e semanas), nos quais episódios de microtempo acontecem, podendo gerar efeitos cumulativos significativos. E o macrotempo, destinado às expectativas e aos eventos de mudança imediata ou geracional na sociedade, dizendo de uma temporalidade histórica (Bronfenbrenner, 2011).

Em busca de alcançar e avaliar o que propõe a teoria: compreender a pessoa em desenvolvimento como ser social, contextualizado, que transforma e é transformado pelos ambientes em que participa direta ou indiretamente, em uma interação recíproca, um recurso recomendado é a técnica de Inserção Ecológica, que privilegia que o pesquisador possa se inserir no ambiente ecológico e assim estabelecer proximidade com o objeto de estudo (Koller, Morais, & Paludo, 2016). Contando com a interação e vinculação entre pesquisadores e participantes em atividades comuns, os encontros proporcionados devem progredir para uma maior informalidade e assuntos cada vez mais complexos, produzindo processos proximais em todos os envolvidos e impactando respectivamente o seu desenvolvimento (Cecconello & Koller, 2003; Souza et al., 2011).

Nesse sentido, especificamente acerca da presente proposta temática, como será possível observar a seguir, a inserção e análise ecológica realizada pelos profissionais-pesquisadores apresentaram-se como ferramentas fundamentais para acessar as percepções dos adolescentes sobre a realidade do contexto imediato em que vivem. Além disso, compreende-se que a inserção ecológica aconteceu não apenas pelo fato de a equipe técnica estar inseria diariamente na comunidade, por meio de visitas domiciliares, campanhas, projetos e atividades in loco, que pressupõe o trabalho na proteção social básica, mas também por atividades realizadas com a própria população atendida nos ambientes que compõe essa comunidade, a partir dos recursos que ela mesma apresenta.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

UMA LEITURA ECOLÓGICA DE EXPERIÊNCIAS INTERVENTIVAS NA PROTEÇÃO BÁSICA

Se olharmos para o cenário, o entrelaçamento de equipes profissionais, família e jovens sugere a ideia de investimento em uma rede de apoio social. Definida como "um conjunto de sistemas e de pessoas significativas que compõem os elos de relacionamento existentes e percebidos" pela pessoa (Habigzang, Azevedo, Koller, & Machado, 2006, p. 380), essa rede tem agregado ainda o elemento afetivo, fundamental para a construção e manutenção do apoio. Assim, tomando como referência o apoio social e afetivo, o trabalho realizado está relacionado com a percepção que os jovens possuem do seu mundo social, como se orienta nele e quais as estratégias e competências são importantes para estabelecer vínculos (Brito & Koller, 1999; Habigzang et al., 2006).

A análise das relações que constituem o espaço do CRAS pela perspectiva ecológica considera este espaço como um microssistema no qual esses jovens fazem parte de forma imediata, sem ter outros intermediadores nessa inserção. Sendo assim, nesse microssistema, várias relações face-a-face acontecem entre as diversas pessoas que compõe este cenário: orientador social, equipe técnica de referência (psicólogo e assistente social), adolescentes, familiares e funcionários da recepção e serviços gerais. Além disso, outros microssistemas importantes fazem parte do mesossistema com o serviço em questão, tais como: a família dos adolescentes, os serviços de saúde, os serviços de educação, entidades religiosas e a comunidade em geral. Os adolescentes, portanto, transitam entre todos esses espaços, interagem com pessoas inseridas neles, ocupam diferentes papéis nas relações e atividades, interligando-os como uma rede social próxima.

O CRAS, enquanto instituição, equipe e serviços prestados, pode não apresentar ligação direta com outros microssistemas relacionados aos citados anteriormente, mas sofre influência indireta deles – o que chamamos de pertencimento ao exossistema. Da mesma forma, os jovens que frequentam esse espaço físico podem não frequentar diretamente outros espaços, mas serem influenciados por eles. Equipamentos sociais da rede de proteção social que funcionam de forma intersetorial, como Conselho Tutelar, ou as famílias e escolas dos colegas com quem convivem, podem se configurar como estruturas sociais das quais seu acesso não é direto, mas participa de forma 'passiva'. Além disso, o CRAS pertence a estruturas ainda mais amplas, sofrendo influências sociais, culturais, econômicas, jurídicas, políticas e ideológicas. Em uma cultura que ainda são percebidas construções de estereótipos de que jovens pobres de periferia são pessoas perigosas, "delinquentes" e de "má índole", este é o macrossistema o qual os adolescentes do CRAS estão inseridos (Bronfenbrenner, 2011).

Como já mencionado como uma ferramenta importante, a inserção ecológica (Koller, Morais, & Paludo, 2016; Souza et al., 2011) pode ser sugerida aqui como uma técnica a ser utilizada pelos profissionais da rede, especificamente a equipe do CRAS, de forma a proporcionar maior aproximação com o território e as demandas da comunidade. A partir de uma observação participante in loco, é possível conhecer a realidade vigente e a maneira como aquela população lida e se adapta a um ambiente físico e social, para melhor elaboração de estratégias interventivas que coloquem em cheque situações de risco e vulnerabilidade, enaltecendo as potencialidades em forma de fatores de proteção.

A equipe, engajada em atividades recíprocas e cada vez mais complexas, precisa estar atenta a todos os movimentos das pessoas que compõem a comunidade. O olhar para o coletivo se mostra importante, uma vez que diz da maneira como ele reage a determinadas circunstâncias situacionais. Contudo, como enfatiza o modelo bioecológico, olhar para as pessoas que compõem o coletivo revela o quanto as experiências significativas são diferentes para cada um e merecem atenção, considerando que são as interações que ditarão os efeitos de mudança e continuidade nos processos proximais dos envolvidos. Além disso, a simples oportunidade para os adolescentes de "pensar sobre" e "falar sobre', pode favorecer a criação de um microssistema que implicaria em assumir papéis mais assertivos, e por que não dizer de autorresponsabilização, o que poderá resultar na mudança de comportamentos significativas, como observaram Souza et al. (2011).

Em outras palavras, como um efeito em cadeia, se desejamos alcançar o coletivo e cuidar da comunidade atendida, é imprescindível que se olhe para quem a compõe. São essas pessoas que se influenciam mutuamente nos diferentes contextos pelas quais transitam, bem como são também essas pessoas que ditarão o ritmo de mudança imediata ou geracional, em um movimento macro (sistêmico e temporal). Portanto, se a nossa preocupação se pauta em 'prevenir para não remediar', parece fazer sentido cuidar das relações, cuidar das experiências vividas, cuidar das histórias de vida, reconhecendo que a rede social só se faz e acontece quando os processos proximais estiverem ativos contemplando essas demandas, individuais e coletivas. Isso quer dizer que oferecer espaços de escuta e expressão suscita oportunidades de políticas públicas serem criadas.

A VULNERABILIDADE SOCIAL SOB A ÓTICA DOS ADOLESCENTES PODE SE TORNAR FATOR DE PROTEÇÃO?

Como bem destacam Habigzang et. al (2006), os conceitos de vulnerabilidade e resiliência envolvem fatores de risco e de proteção. Enquanto risco está associado às características ou eventos que podem levar ao enfraquecimento da pessoa diante da situação estressora ou adversa a qual está exposta, a proteção se conecta à inibição ou redução do impacto deste risco, auxiliando na avaliação do quão vulnerável a pessoa estará. O que de fato importa pensar, portanto, refere-se ao modo como a pessoa irá responder a determinadas situações, de forma adaptada ou não, haja vista que tais conceitos de risco e proteção não se apresentam enquanto construtos imutáveis (Cecconello & Koller, 2003).

Para o momento, reservamos a oportunidade de discutir, portanto, não uma realidade estática e cristalizada, tal como ela se apresenta para os adolescentes por meio das fotografias, mas qual a realidade subjacente a elas, sentida, refletida e interpretada. Na atividade com os 15 adolescentes, cerca de 50 fotos foram registradas. Em seguida, solicitou-se que cada participante elegesse duas fotos que fossem mais significativas, a partir de suas visões, a fim de iniciarmos a discussão em grupo. Neste enredo, 28 fotos foram escolhidas, levando-se em consideração que as demais foram excluídas por não serem representativas significativamente para eles ou por registrarem os mesmos locais, fugindo de um critério de serem inéditas. A escolha pelas 18 fotos finais foi do grupo, ao entender que as fotos dos mesmos locais não precisariam aparecer mais de uma vez.

De forma geral, os registros fotográficos retrataram lixos e entulhos espalhados pelos bairros; construções não acabadas e outras que caíram devido ao tempo que estavam abandonadas; veículos abandonados no pátio municipal, como ônibus e ambulâncias antigas; ruas sem asfalto e com buracos; obras ainda não concluídas pela prefeitura, gerando uma espera grande da população para efetivação de alguns serviços; casas muradas com lonas, demonstrando a falta de segurança nessas moradias; terrenos baldios que estão acumulando mato e lixo; e praças mal cuidadas e sem nenhum espaço para prática de esportes. Tais registros demonstraram várias leituras do ambiente que os jovens circulam, trazendo à tona diversos significados a partir do modo de ser e compreender o mundo que cada um possui (Neiva-Silva & Koller, 2002).

Como um dos bairros fica às margens da rodovia, isso também foi visto pelos adolescentes como risco. Barracos de famílias ciganas que estavam próximas ao CRAS também foram registrados, já que muitos demonstraram desconhecimento e receio de como a tradição cigana se organizava: casas construídas com lonas, identificando o risco de desabamento e insegurança de determinadas famílias.

Dentre as fotos, duas chamaram a atenção: cerca de cinco adolescentes fotografaram a escola do bairro e a Secretaria de Educação. Foram identificados sentimentos de ódio e insatisfação por parte deles, manifestados por meio de falas como "não gosto de ir à escola porque o professor não gosta de mim", "vou levar uma faca pra escola e matar todo mundo", "todos os dias sou punido e castigado pela professora", "é muito chato estudar", "nada de interessante é ensinado pelos professores", "a escola está caindo aos pedaços", "a escola é horrível", "não gosto de estudar", "a secretária de educação não gosta de ninguém". Pontua-se, também, que independentemente de as fotos terem sido registradas por apenas cinco adolescentes, parte considerável do grupo manifestou insatisfação, raiva e tristeza pela escola e pelos professores.

Percebeu-se que os jovens trouxeram à discussão aspectos importantes e delicados no que diz respeito às relações estabelecidas, pincipalmente no microssistema escolar. Um dos aspectos a ser destacado refere-se ao discurso carregado de agressividade, que a depender da forma como é canalizada, pode resultar em manifestações construtivas (o que fazer com tudo isso que pensa ou sinto?) ou destrutivas (expressão da violência). Pode-se dizer que o que fica evidente e precisa ser fonte de atenção, refere-se ao espaço oportunizado para que esses adolescentes expressem suas angústias e insatisfações, ou seja, sejam ouvidos e se escutem. Mais do que terapêutico, embora este não tenha sido o enquadramento inicial, esse espaço permite observar quais são os cuidados demandados por esse público, suas famílias, sua comunidade, sua escola. Além disso, também é o espaço para pensarmos por que a escola não é caracterizada como um ambiente de cuidado, que desperta prazer, acolhimento e pertencimento. O que é preciso ser feito para que esse cuidado que se manifesta em agressividade não se transforme em violência? Por que intervenções preventivas podem ser balizadoras desse trabalho?

Aproveitando a leitura bioecológica, alguns aspectos podem ser analisados. O primeiro dele diz respeito do componente Pessoa, uma vez que podemos olhar para como os adolescentes se expressam. As disposições pessoais (força) ficam em evidência por tratar do que motiva os discursos. Quando essas disposições apresentam atributos negativos, pode dizer da dificuldade de conter emoções e comportamentos. Não se trata literalmente do que estamos discutindo aqui, haja vista que os adolescentes apenas esboçaram o que sentem e pensam a respeito da escola, mas deve ser foco de atenção, justamente para que não haja desdobramentos comportamentais, ou seja, não coloquem em prática essas manifestações de raiva.

Intervenções são mais do que necessárias nessa direção. São nesses momentos que podemos favorecer discussões que não se limitem ao fato concreto, mas o que se fazer com ele. Dessa forma, observaremos os recursos pessoais que podem influenciar, enfraquecendo ou fortalecendo as disposições pessoais a partir do momento em que auxiliaremos esses jovens a refletir utilizando seus conhecimentos e suas experiências e habilidades, a fim de que seu repertório seja ampliado. Nesse ínterim, eles poderão também olhar para as suas características de demanda, qual a impressão eles causam nos contextos em que interagem e em suas relações interpessoais (Fontes & Brandão, 2013). São criticados e desprezados ou são afagados? Eles acreditam que essas manifestações de outras pessoas correspondem ao que eles emanam ou gostariam de ser vistos com outros olhos? Como poderiam despertar ou inibir reações sociais sobre como se posicionam?

A ideia é que os adolescentes possam compreender que seus sentimentos são legítimos e possuem o direito de senti-los, mas que algumas ações podem partir deles mesmos, ainda que os resultados não sejam imediatos e a curto prazo. Prevenir situações que coloquem em risco eles ou outras pessoas deve fazer parte de discussões que explorem formas alternativas de se comunicarem ou resolverem conflitos, pois os seus processos desenvolvimentais estão intrinsecamente ligados ao dinamismo das interações com outras pessoas e contextos, podendo a exposição à vulnerabilidade ser inibida ou amenizada. Não se pretende atribuir a esses adolescentes a responsabilidades sobre a realidade presente a qual se deparam, mas trabalhar aquilo que estaria e não estaria ao seu alcance, vislumbrando a superação de dificuldades e pensamentos limitantes, que dão margem à expressão da resiliência.

Os adolescentes trouxeram à discussão situações de violência que sofrem ou acabam presenciando no ambiente escolar. Elencaram como motivo para que a violência estivesse presente nesse espaço o bullying, a dificuldade que os professores e a coordenação têm em colocar limites nos alunos e a falta de diálogo entre eles. Uso e venda de drogas também foram mencionados. Estes aspectos são importantes de serem compreendidos no trabalho social com famílias, já que o objetivo do CRAS é atuar de forma intersetorial, abrangendo ações que construam estratégias de proteção aos sujeitos em vulnerabilidade. Compreender que a escola (microssistema), que deveria estar cumprindo uma função de educar e proteger, está envolta por processos retroalimentáveis de violência e sofrimento, chama-nos a atenção a fim de que possamos adentrar este espaço e buscar entender a complexa teia de relações que a compõe. O fortalecimento de vínculo do adolescente com a escola parece fundamental pelas possibilidades de intervenção e benefícios que um ambiente escolar seguro, acolhedor, afetivo e estimulador pode proporcionar (Poletto & Koller, 2008). Assim, como o microssistema do CRAS sofre influências de outros microssistemas que os adolescentes fazem parte, a escola também funciona nessa mesma lógica. Portanto, é premente a compreensão de como o microssistema família também está sendo organizado no que diz respeito aos conflitos ali presentes. Uma análise de contexto nos dá a possibilidade de olhar para essas queixas escolares ligadas à violência como resultado de construções micro e macrossitêmicas e que sofrem influência de fatores multideterminantes.

A importância de se questionar o modelo atual de resolução de conflitos na escola significa questionar também a forma vigente de lidar com as expressões de violência, implicando em revisar como as relações nesse espaço se dão, como o diferente é tratado, como as manifestações próprias da juventude são acolhidas, como os limites são colocados, quais valores são trabalhados, entre outros fatores. A promoção de uma cultura de paz passa necessariamente pela discussão de como as relações estão sendo construídas e mantidas e em como os conflitos estão sendo resolvidos (Poletto & Koller, 2008). Tais aspectos devem ser discutidos não somente no âmbito escolar, mas nos grupos que compõem o CRAS, juntamente com as famílias atendidas. Nesse sentido, ao criar espaços que esses vários microssistemas possam dialogar e discutir novas estratégias para essa mudança de cenário, estamos investindo no fortalecimento desses vínculos institucionais, buscando instituir uma comunicação ativa entre esses entes, além de promover uma valorização e ampliação da rede de apoio que essas famílias podem acessar.

Ainda sobre os registros fotográficos realizados, a equipe buscou trazer o tempo todo à discussão não apenas a questão concreta presente nas fotos, de forma a somente descrevê-las, como a presença de lixos e entulhos nas ruas, construções e casas não acabadas, veículos abandonados, ruas sem asfalto ou com buracos, mas o que esses aspectos poderiam influenciar as vidas daqueles jovens e suas famílias. Quando estes elementos não eram trazidos de forma espontânea, a equipe tentava propor essa reflexão mais aprofundada. Sobre este aspecto, faz-se importante salientar que o simples fato de identificação dos fatores de risco pode abrir portas para uma reflexão sobre fatores de proteção, considerando estes como influências que alteram ou melhoram respostas pessoais de adaptação ao contexto.

Na verdade, partimos do pressuposto de que a escuta interna possibilitada viria ao encontro de "pensar sobre" como reagir às influências mencionadas no primeiro momento. Em uma perspectiva ainda mais otimista, é neste processo de olhar para as incertezas e angústias, inerentes à realidade que denota risco e vulnerabilidade, que esses jovens podem fazer o exercício de enfrentamento, a fim de que se desenvolvam e amadureçam frente a eventos estressores, desencadeando processos de resiliência. Possivelmente, a qualidade do vínculo estabelecido entre equipe e adolescentes foi substancial para que a atividade tivesse êxito, tanto na execução quanto no aprofundamento das discussões. Essa observação muito diz dos processos proximais dos envolvidos, bem como das características pessoais, despertando: atenção e interesse – características disposicionais –, engajamento na atividade – característica de recursos, por influenciar a capacidade de envolvimento –, e disponibilidade com foco no estabelecimento de vínculo seguro e afetivo – característica de demanda, que diz do tratamento correspondente a impressão gerada. Dessa forma, a espontaneidade na fala só pôde ser despertada devido ao contato gradualmente mais próximo entre a equipe e os adolescentes, permitindo que os profissionais "acessassem" seus discursos.

Esses discursos permeiam não apenas aspectos negativos das suas vidas e territórios, mas comtemplam vários elementos do campo da resiliência, ao observar que dentre as queixas levantadas pela atividade há presença de afeto, superação, reflexão, sentimento de pertença, habilidades de autocuidado e proteção a riscos, entre outros. Desta forma, mesmo que na presença de risco, os jovens buscam engajar-se, ainda que de modo inconsciente, em atividades que promovem o enfrentamento de situações de risco, como o grupo do CRAS (Poletto & Koller, 2008; Souza et al., 2011). Este fator reforça a importância das ações praticadas na atenção básica, de modo a valorizar investimentos a essas políticas públicas.

De forma geral, todos os membros dos grupos estão expostos a vulnerabilidades diversas, que podem vir a colocá-los em situação de riscos mais graves. Alguns dos jovens, por exemplo, estão envolvidos com tráfico da cidade, por serem usuários, responsáveis pela venda da droga e/ou até mesmo fazerem parte da família de traficantes. Suas experiências de vida transitam na linha tênue da promoção pela proteção e da presença real de fatores de desproteção. Como esses jovens lidarão com esses fatores em suas vidas cotidianas não está ao alcance das equipes, que muitas vezes apenas acessam a situação após o direito ser violado. Por esse motivo, e por tanto outros que tangenciam essa reflexão, as práticas de prevenção precisam ser cada vez mais valorizadas nesse cenário de tantas realidades sociais que, por vezes, influenciam negativamente o desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Ao fim, depois que o grupo e a equipe selecionaram as fotos para serem apresentadas na exposição, a gestão do Departamento Social desaprovou a ideia de expô-las, tendo em vista que assim vários problemas sociais seriam escancarados à população. Desta forma, a equipe revelou as fotos e realizou uma exposição menor no próprio CRAS, tentando, de alguma forma, valorizar o trabalho produzido pelo grupo. Compreendemos que essa desaprovação também viola o direito à voz desses adolescentes. Ainda que essas fotos pudessem ressoar em outras audiências importantes, considera-se que a exposição no microssistema também é potente não apenas pelo reconhecimento do trabalho, mas pela valorização e legitimação do olhar desses jovens. Esses olhares são importantes e devem ser fortalecidos também em outras intervenções.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender as trajetórias desenvolvimentais de jovens apenas pela perspectiva dos fatores de risco e vulnerabilidade restringe as possibilidades de ampliar esse olhar para outros elementos presentes nos ambientes e relações construídas pelos sujeitos. Neste relato, buscou-se discutir outros aspectos que são pilares quando falamos de trajetórias marcadas pelas diversas desigualdades presentes em nossa sociedade, a partir da atividade proposta aos jovens, de lançar o olhar, por meio de registros fotográficos, para as vulnerabilidades presentes em seu território.

Para além da mera descrição das fotografias tiradas pelos adolescentes, objetivou-se que eles pudessem entrar em contato com seus sentimentos e emoções, permitindo que os mesmos manifestassem não apenas suas ideias e concepções, mas também se escutassem, na busca de promover neles ampliação de repertório sobre as possibilidades de mudança e proteção. Desta forma, a atividade se mostrou importante no trabalho da proteção social básica, ao permitir que a equipe pudesse acessar nuances do território a partir das lentes da própria comunidade. Sendo assim, permitiu-se que os próprios usuários do serviço fossem autônomos na descrição de suas demandas, reforçando a importância de se investir ainda mais em práticas preventivas e que tragam os sujeitos como autores de suas histórias.

Um dos fatores limitantes foi a não exposição das fotos nos pontos da rede municipal, gerando neles descrença no que foi produzido e impossibilitando que outros olhares também pudessem ser impactados pelos registros fotográficos. Esse cerceamento pode e deve ser trabalhado não no sentido de impedir as vozes desses jovens, desmotivando-os, mas da constante busca por espaços de pertencimento e de audiências que revelem seus desejos e, mais do que isso, da necessidade de que seus direitos sejam garantidos pelo poder público. Buscar formas de sensibilizar as equipes gestoras acerca dessa necessidade é um desafio perene. Outras fotos, no futuro, também podem garantir que tais vozes ainda reverberem. Com parcimônia, pode-se afirmar que a atividade, por mais potente que se mostrou ser, não consegue abarcar a totalidade das realidades ali propostas, mas gerou material importante para a equipe planejar seu trabalho tanto em nível de serviço quanto em nível de intersetorialidade. Para tanto, reservamos a oportunidade de incentivar equipes profissionais a realizarem atividades como esta, e que envolvam outros temas (família, lazer, educação, por exemplo), a fim de se adentrar às leituras de mundo de adolescentes e ampliar seus repertórios quanto a fatores de risco/proteção, ratificando a importância de intervenções preventivas frente às demandas presentes.

 

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Endereço para correspondência
Juliana de Oliveira
E-mail: juoliveira.o@hotmail.com

Recebido: 08/07/2019
Reformulado: 15/10/2019
Aceito: 22/01/2020

 

 

1 Juliana de Oliveira é mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Atua na Secretaria de Justiça e Cidadania do Distrito Federal.
2 Mariana Silva Cecílio é mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Docente da Universidade de Uberaba.
3 Guilherme Faria Ribeiro é mestrando em Psicologia pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
4 Fabio Scorsolini-Comin é doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Docente da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

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