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Psicologia USP

versión On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.1 n.2 supl.2 São Paulo dic. 1990

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Estratégias de aproximação social em crianças de dois a seis anos

 

Strategies of social approach by 2 to 6 years old children

 

 

Ana Maria Almeida CarvalhoI,*; João Eduardo Coin de Carvalho**

IDepartamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da USP

 

 


RESUMO

Investiga estratégias de abordagens de parceiros sociais em crianças de 2 a 6 anos, observadas em situação de atividade livre. Analisa 108 episódios de abordagem social extraídos de registros em vídeo. Além das variáveis sexo e idade dos sujeitos, e desenlace dos episódios, já focalizadas na literatura, explora relações entre as formas de abordagem e algumas variáveis do contexto, tais como composição e configuração espacial do grupo abordado, tipo de atividade em que os parceiros abordados estão envolvidos, tipo de relação entre os membros do grupo e grau de familiaridade da criança com o grupo. Os resultados indicam a importância da orientação visual como recurso de obtenção de informações para a abordagem. Eles também indicam a preferência pela abordagem de grupos de crianças de sexo igual ao do sujeito, assim como a adequação entre a ação do sujeito e o que caracteriza a atividade do grupo. O desenlace positivo se mostrou correlacionado com o tempo de permanência do sujeito no grupo, com a ocorrência de intermediação através de adulto ou de objeto, e com a adequação à atividade do grupo. Sugere algumas direções de pesquisa futura sobre o tema.

Descritores: Desenvolvimento infantil. Interação Social. Interação Interpessoal.


ABSTRACT

This study investigates the strategies of peer approach used by 2-6 years old children during free play. 108 episodes of social approach were selected from 40 video-recorded observation sessions. The strategies of approach were categorized, and were analysed in relation to: sex and age of the child, his/her degree of familiarity with the partners, social composition and spatial configuration of the approached group, activities in which the approached group was engaged, relationship between the members of the group, and outcome of the episode. The children approached preferably same-sexed groups. The results pointed out the role of visual orientation, which appears to enable the child to collect information about the approached, and to adjust his/her actions to the activity in which group is engaged. Positive outcomes were correlated with the degree of familiarity with the partners; with the occurrence of mediation by an adult or by an object; and with the adjustment between the child's action and the activity of the approached group. Some directions for future research are suggested.

Index terms: Childhood development. Social interaction. Interpersonal interaction.


 

 

A ocorrência de contato social exige que os parceiros obtenham acesso ao espaço interpessoal um do outro (Corsaro, 1979). As formas de obtenção desse acesso, ou de iniciação de contato social, têm sido bastante estudadas no caso de interação entre adultos. Goffman (1971) chama de "rituais de acesso" os comportamentos ritualizados de saudações e de despedida, cuja função seria sinalizar aos parceiros uma mudança no grau de acesso mútuo, e sustenta que, entre adultos americanos, quase todas as trocas sociais são abertas e fechadas por rituais. Diversos pesquisadores (como, por exemplo, Morris, 1977; Davis, 1979; Knapp, 1982) estudaram a iniciação de contato entre adultos em função de variáveis tão diversificadas como contextos culturais, situação social imediata, familiaridade entre os parceiros, natureza da interação iniciada, disposição espacial dos parceiros abordados, etc.

A questão da iniciação do contato social entre crianças, que parece ser comparativamente menos estudada do que entre adultos, apresenta interesse tanto do ponto de vista teórico como prático. Ela se situa numa área que vem recebendo crescente atenção dos pesquisadores do desenvolvimento infantil — a interação criança-criança. O interesse por essa área reflete, pelo menos em parte, as condições de criação que tendem a prevalecer na sociedade atual, onde as crianças são, cada vez mais cedo, criadas em situações de maior exposição a parceiros de idade, como creches e escolas maternais (Carvalho, 1989). O conhecimento dos processos envolvidos na interação entre crianças, e de suas repercussões no desencolvimento se reveste, portanto, não só de importância científica, mas também social.

Do ponto de vista teórico, por outro lado, o estudo ontogenético das formas de iniciação de contato social pode contribuir para a compreensão do processo de aquisição dos rituais de acesso que virão a ser utilizados na interação social adulta. Segundo Corsaro (1979), os estudos disponíveis sobre esse processo focalizaram principalmente o papel dos adultos como agentes de um treinamento formal que resultaria na aquisição de rotinas de contato social (saudações, despedidas, agradecimentos, etc.); o possível papel da interação entre crianças nesse processo teria sido negligenciado. É principalmente nesse contexto que o autor situa seu próprio estudo, realizado com dois grupos de crianças (de 2al0m a 3al0m; e de 3allm a 4al0m) observados durante atividade livre em pré-escola. A partir da análise de 146 episódios interativos, categorizados segundo as estratégias de acesso e respostas (positiva ou negativa) da criança abordada, Corsaro sugere que as estratégias de acesso utilizadas pelas crianças na interação entre coetâneos são bastante diferentes dos rituais de acesso adultos (por exemplo, a maioria dos acessos observados, e a maior parte daqueles que foram seguidos de respostas positivas, não envolvia mediação verbal). No entanto, segundo o autor, o uso de estratégias de acesso envolve uma consciência crescente da função dos rituais de acesso, que seria uma característica central da competência social; neste sentido, a interação entre crianças seria uma experiência relevante do ponto de vista de desenvolvimento da competência.

Como aponta ainda este mesmo autor, o estudo dos rituais de acesso das crianças é importante também para a compreensão da organização do mundo infantil em si mesmo. Phinney (1979) observou e registrou tentativas de contato iniciadas por crianças de 3 a 5 anos em uma variedade de ambientes de pré-escola, codificando-os em termos de sete categorias de iniciação verbal e quatro categorias de iniciação não-verbal, e analisando suas relações com idade e sexo de iniciadores e abordados, e com o sucesso ou fracasso da iniciação. Novamente, os acessos não verbais apresentaram maior incidência de sucesso do que os verbais; além disso, verificou-se forte preferência pela abordagem de crianças do mesmo sexo, casos em que eram também os mais bem sucedidos. Tal como Corsaro (1979), esta autora sugere o interesse e a conveniência de estudos futuros sobre o tema, tanto no sentido de verificar a generalidade dos resultados já disponíveis, como no de aprofundar a descrição qualitativa das estratégias de acesso utilizadas por crianças.

É neste contexto que se situa o presente estudo. Seus objetivos foram identificar e descrever formas pelas quais a criança aborda os parceiros e obtém acesso à participação na brincadeira, e analisar possíveis relações entre essas estratégias e algumas variáveis presentes na situação, no sentido de replicar e complementar os resultados disponíveis na literatura. Além das variáveis sexo, idade e desenlace do episódio de contato, focalizadas nos estudos citados anteriormente, pretendeu-se explorar possíveis relações entre as variáveis sugeridas por estudos de iniciação de contatos entre adultos, tais como: composição e configuração espacial do grupo abordado, tipo de atividade em que os parceiros abordados estão envolvidos, tipo de relação entre os membros do grupo, e grau de familiaridade da criança com o grupo.

 

MÉTODO

Sujeitos

Foram sujeitos do estudo 36 crianças entre 21 e 78 meses de idade (19 meninos e 17 meninas), que frequentavam um centro de recreação situado nas cercanias da cidade de São Paulo. Pelas características de organização do centro, as crianças compunham, em cada semestre letivo, um único grupo de cerca de 20 crianças de idade multivariada, que brincava livremente sob a supervisão de dois ou três adultos. Essas condições propiciavam a ocorrência de um grande número de interações espontâneas entre as crianças, bem como ampla liberdade na escolha de parceiros e de atividades

Equipamento

As observações foram video-gravadas pela primeira autora, com equipamento portátil (video-gravador Panasonic modelo PV 8000 M, e câmera National modelo VY 1958 PN).

Procedimento

a) Coleta — Entre setembro de 1985 e março de 1987 foram realizadas 32 sessões de observação com cerca de uma hora de duração, totalizando aproximadamente 30 horas de registro. A maior parte dos registros foi realizada durante recreação livre em áreas externas (playground com brinquedos, mesinhas de atividades, tanque de areia e extenso gramado). As tomadas focalizavam alternadamente crianças acompanhadas individualmente durante 3 a 5 minutos (tomadas focais), e grupos de crianças engajadas em atividades, tanto cooperativas como solitárias, desde que suficientemente próximas para serem abrangidas pelo foco da câmera (tomadas de grupo).

b) Seleção de episódios — No material registrado foram selecionados 108 episódios de abordagem de parceiros sociais. O critério de seleção consistiu na detecção de aproximação física da parte do sujeito (criança que aborda) em relação a uma outra criança ou grupo de crianças; a ocorrência de uma aproximação física era tomada como o início de um episódio, que passava então a ser transcrito da forma especificada a seguir.

c) Transcrição — cada episódio foi transcrito em um protocolo de forma a conter as seguintes informações:

— número do episódio e sua localização nas fitas gravadas, para possibilitar identificação da data da gravação e reexame do material caso necessário;

— identidade da criança-alvo (sujeito, ou a criança que aborda);

— identidade da(s) criança(s) abordada(s);

— informações sobre contexto: atividades das crianças abordadas, local e configuração espacial no caso de grupos;

— descrição cursiva do comportamento da criança-alvo, incluindo referência à orientação visual e postural, forma de aproximação, e forma de contato social utilizada;

— descrição cursiva do desenlace do episódio;

d) Classificação e categorização dos episódios — cada episódio foi caracterizado em relação a quatro aspectos gerais: variáveis do sujeito, do contexto, características da estratégia de abordagem utilizada e desenlace.

Os Sujeitos foram classificados quanto ao sexo, à idade e à familiaridade com o grupo. Em termos de idade, foram agrupados em três classes: 21 a 36 meses; 37 a 48 meses; e mais de 48 meses. Esse sub-grupamento foi guiado pela suposição, corrente na literatura (Phinney, 1979); Hartup, 1983), de que a idade de três anos constitui um marco no desenvolvimento da sociabilidade em relação a parceiros não-adultos. A familiaridade com o grupo foi tratada em termos de tempo de freqüência da criança no centro de recreação, sendo classificada em dois casos: menos de um semestre letivo, e mais de um semestre letivo.

O Contexto foi analisado sob quatro aspectos: composição do grupo abordado, configuração espacial, atividade do grupo, e tipo de relação entre os membros do grupo. Quanto à composição, especificava-se o sexo dos integrantes (masculino, feminino ou misto), e o número de elementos (um, dois, três ou mais). Quanto à configuração espacial, critério aplicado apenas quando havia pelo menos duas crianças abordadas, foram classificados em abertos (quando as crianças estavam dispostas em arco) ou fechados (quando dispostas em forma de polígonos fechados ou círculos). A atividade do grupo foi classificada como motora (toda atividade em que ocorre "movimento pelo movimento"; as condutas implicam predominantemente a utilização das capacidades sensório-motoras das crianças) ou imaginativa (aquela em que a criança se utiliza do símbolo para representar aquilo que 'não está'; ela assume papéis, finge, realiza desejos). Esta subdivisão foi adotada considerando-se que, dada a variação etária das crianças focalizadas, poderiam emergir diferenças interessantes, passíveis de serem relacionadas com a evolução da criança a partir do período sensório-motor. Finalmente, classificou-se a relação entre os membros do grupo (quando fosse o caso) em independente, imitativa ou complementar. Na relação independente, cada indivíduo, mesmo estando próximo a outros que desempenham atividade análoga, parecia executar a sua, sem interferência dos outros; a relação foi considerada imitativa quando envolvia a repetição de atividades ou movimentos de um ou mais membros do grupo por outros; na relação complementar, dois ou mais indivíduos apresentam comportamentos diferentes, mas aparentemente orientados por um objetivo comum.

As Estratégias de abordagem utilizadas pelo sujeito foram descritas de forma a ilustrar como ocorreu a abordagem desde o primeiro momento até a entrada, ou não, da criança no grupo ou atividade. Para isso foram identificadas a ocorrência, e, quando fosse o caso, as características, dos seguintes aspectos do comportamento do sujeito e do grupo:

a) ORIENTAÇÃO da atenção do sujeito para o grupo antes da aproximação física.

b) forma de APROXIMAÇÃO FÍSICA: frontal, lateral ou por trás do grupo abordado.

c) CONVERSA PRÉVIA: se o sujeito, e/ou algum dos elementos do grupo, entraram em contato através de linguagem verbal.

d) CONVITE: se uma das crianças do grupo abordado, ou um dos adultos presentes, dirigiram ao sujeito um convite para participar da atividade.

e) INTERMEDIAÇÃO: se o sujeito, ao abordar o grupo, utilizou a intermediação de um adulto, ou de um objeto, brinquedo ou ferramenta relacionados com a atividade em curso.

f) NATUREZA DA AÇÃO do sujeito em relação a do grupo: se o sujeito abordou o grupo através de uma ação independente, imitativa ou complementar, segundo os critérios já descritos acima.

g) O DESENLACE foi classificado em positivo ou negativo conforme o sujeito chegasse ou não a entrar em interação, participando da atividade do grupo durante o período mínimo de um minuto.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos episódios quanto às variáveis do sujeito e do contexto.

Dos 108 episódios analisados, 53% foram iniciados por meninas, e 47% por meninos. A distribuição em termos de idade dos sujeitos foi menos homogênea: apenas 20% dos episódios envolveram a faixa etária mais jovem (21-36 meses), contra 37% na faixa de 37 a 48 meses e 42% na faixa superior (+ de 48 meses). Quanto à familiaridade com o grupo, a maioria dos episódios (63%) envolveu sujeitos com mais de 6 meses de experiência no grupo.

A composição do grupo abordado está representada de forma bastante equilibrada na amostra de episódios: 34% de grupos masculinos, 33% femininos e 33% mistos. Em 28% dos casos foi abordada uma criança isolada, em 33% uma díade, e em 39% um grupo de 3 ou mais crianças.

Em 58% dos episódios a atividade do grupo foi caracterizada como motora, e em 40% dos casos como imaginativa; nos 2% restantes não foi possível classificar a atividade por insuficiência de informação nos registros.

Na caracterização do contato quanto à configuração espacial do grupo abordado foi mais frequente a abordagem de grupos fechados (52%) do que de grupos abertos (19%), sendo que em 29% dos episódios houve a abordagem de um indivíduo isolado. A relação entre os membros do grupo era complementar em 14% dos episódios, imitativa em 26%, e independente em 60%.

Caracterização dos episódios quanto às estratégias de abordagem e suas relações com variáveis do sujeito e do contexto.

O conjunto de episódios apresentou características bastante homogêneas em relação à maioria dos aspectos descritos. Em 55% dos episódios verificou-se orientação da atenção do sujeito para a criança ou grupo abordado antes da aproximação; se forem excluídos 37% de episódios em que não foi possível identificar a orientação dos sujeitos, a proporção de casos em que ela ocorre se torna bem mais expressiva (87%).

A aproximação física foi frontal em 78% dos casos, lateral em 16% e em apenas 9% dos casos se deu por trás da criança ou grupo abordado. Na grande maioria dos episódios não ocorreu troca verbal prévia (78%) nem convite (88%), mas ocorreu algum tipo de ação do sujeito (Fig. 1), indicando a prevalência da ação sobre a verbalização como recurso de contato social na situação focalizada. A abordagem envolveu intermediação por objetos em 19% dos episódios, por adulto em 16% e por ambos em 4%. A maioria das abordagens (62%), portanto, não envolveu qualquer intermediação.

 

 

Foram testadas as relações entre as variáveis do sujeito, do contexto, as estratégias de abordagem e desenlace através do teste de qui-quadrado (NS=0,05). A amostra se revelou insuficiente para a realização de análises que envolvessem simultaneamente mais de duas variáveis (por exemplo, idade e familiaridade versus desenlace e outras correlações do mesmo tipo).

A caracterização acima manteve-se independentemente do sexo e idade dos sujeitos, bem como da familiaridade do grupo. Interessante apontar que também nos estudos de Corsaro (1979) e Phinney (979) não foram encontradas relações significativas entre a idade e as características da abordagem.

O sexo do sujeito se mostrou significativamente relacionado com a composição sexual do grupo abordado (Fig. 2), replicando um resultado já apontado na literatura: há clara preferência pela abordagem de crianças do mesmo sexo, sendo que as meninas parecem tender, ligeiramente mais do que os meninos, à abordagem de grupos mistos. Uma outra diferença sexual interessante se verifica em relação à intermediação: entre os episódios que envolveram intermediação pelo adulto, 82% foram iniciados por meninas. Por outro lado, entre os intermediados por objetos a proporção se mantém mais equilibrada, favorecendo ligeiramente os meninos (Fig. 3).

 

 

 

 

A existência de preferência por parceiros do mesmo sexo na faixa etária considerada neste trabalho está bem documentada na literatura (Hartup, 1983). Kholberg (1966) sugere que esse fato reflita e ao mesmo tempo desempenhe um papel no processo de construção de uma identidade sexual, através da 'busca do semelhante'; o mesmo processo poderá estar subjacente à maior incidência de utilização do adulto como intermediário por parte das meninas, considerando-se que os adultos eram do sexo feminino.

O resultado mais sugestivo encontrado na análise de relações entre as variáveis e as características da estratégia de abordagem se refere à natureza da ação do sujeito em relação à que se verificava no grupo (Fig. 4): em uma proporção significativa dos casos, a criança aborda o grupo através de uma ação compatível com aquela que está caracterizando a relação entre seus membros no momento da abordagem, ou seja, através de uma ação complementar, imitativa ou independente, conforme a relação que se verifica entre os membros do grupo seja por sua vez complementar, imitativa ou independente. Este resultado indica, por um lado, que a criança é regulada em sua forma de abordagem por aspectos sutis e relacionais da situação social; por outro lado, sugere uma reflexão sobre o papel da orientação visual no estabelecimento de contato social nesta faixa etária.

 

 

A existência de orientação da atenção do sujeito antes da aproximação em uma considerável parcela dos episódios, que é ainda mais significativa se levarmos em conta somente aqueles aonde esta foi passível de ser verificada, já indica a importância deste primeiro momento de aproximação, dando conta que é através do olhar que a criança faz o primeiro contato com a atividade/grupo do qual vai se aproximar, inclusive, possivelmente, obtendo assim informação sobre o sexo do grupo, identidade de seus membros e outros possíveis fatores de atração. Mas, além disso, parece ser o exame visual da situação, mais do que outros recursos (haja vista a baixa proporção dos convites e conversas verbais), que lhe permite colher informações que orientam ou regulam sua forma de abordagem. Esta orientação não parece ser feita segundo um critério de dificuldade ou elaboração (se pensarmos, por exemplo, que uma relação do tipo complementar seria mais elaborada por envolver uma maior sintonia entre sujeito/grupo/atividade) mas pela adequação à maneira como a atividade já vem sendo realizada no grupo. O sujeito é capaz não só de ver o que se passa, mas também de se comportar de acordo com esta situação.

Não investigamos aqui em que medida a troca de olhares — a retribuição do olhar — seria um fator determinante para a aproximação, ou seja, em que medida o olhar de um ou mais dos integrantes do grupo poderia funcionar como permissão ou facilitação para a abordagem. A relevância desse aspecto é sugerida por Camaioni (1980), que considera como pré-requisito para a ocorrência de interação a existência de orientação visual, especificada seja pela atenção do parceiro dirigida a quem inicia a interação, seja pela orientação mútua dos parceiros, ou por sua orientação conjunta para um mesmo objeto, atividade ou evento. Segundo essa autora a ocorrência desses indicadores de orientação visual, associada à proximidade física, cria condições ótimas para a emergência da interação, embora isso não implique que a interação não possa ocorrer na ausência dessas condições.

Embora não sejam disponíveis, nesta análise, informações sobre a orientação visual da(s) criança(s) abordada(a), um outro dado, já mencionado, sugere a importância do contato visual no processo de abordagem: a grande maioria das aproximações se dá frontalmente, o que favorece a possibilidade de que a criança seja vista pelo grupo abordado.

Estes vários resultados sugerem, portanto, que uma análise mais minuciosa das características do contato visual na situação de abordagem seja um aspecto de interesse em estudos futuros sobre este tema em crianças na faixa etária considerada, uma vez que o olhar aparece aqui como um instrumento privilegiado do contato social.

As demais variáveis de contexto (número de elementos do grupo, configuração espacial e atividade) não apresentaram relações significativas nem com as variáveis do sujeito nem com as características da abordagem.

O desenlace dos episódios

As abordagens tiveram desenlaces positivos em 64% dos casos. Verificou-se relação entre desenlace positivo e a familiaridade do sujeito em relação ao grupo (Fig. 5), a existência de intermediação (Fig. 6) e a natureza da ação (Fig. 7) desempenhada pelo sujeito durante a abordagem. Quanto à familiaridade os resultados podem ser interpretados de várias maneiras. Poderiam indicar, por um lado, que os sujeitos "veteranos" procurem preferencialmente grupos onde exista maior familiaridade recíproca, daí o alto índice de desenlaces positivos; os sujeitos há mais tempo no grupo talvez procurem parceiros com os quais já tem, em outras palavras, mais experiência. Por outro lado poderíamos supor que está em jogo o conhecimento que o sujeito possui em relação à maneira como se estrutura aquele grupo de crianças. O veterano seria capaz de identificar no grupo algum indício que o auxiliaria na abordagem. Este índice poderia ser — sugerindo uma direção de pesquisa — a figura de destaque naquele grupo, sendo que a aceitação do sujeito por este "líder" seria o aval para sua efetiva entrada na atividade. Outro dado que nos leva a pensar nisto diz respeito à relação entre desenlace positivo e intermediação. Esta, quando utilizada (39%), é fator decisivo para a entrada em atividade, principalmente quando se dá através de monitor. Neste caso o monitor seria identificado àquela figura de destaque de que falávamos.

 

 

 

 

 

 

A natureza da ação empreendida pelo sujeito, ao se mostrar correlacionada ao desenlace, parece indicar que na direção da relação mais próxima entre pares é que reside o sucesso da aproximação social: o índice de desenlaces positivos, quando se fala em natureza da ação, é maior de acordo com a maior integração que essa ação implica; nos casos em que ela é total, ou seja, quando a atividade se desenrola de maneira complementar, o índice de desenlaces positivos é 100%. Desta forma a qualidade da integração, que neste caso implica numa sincronia que não é da ordem da capacidade motora (como poderia ser entendido no caso da imitação), se baseia numa percepção do objetivo ao qual se dedica o grupo abordado, revelando já nesta faixa etária a competência social do sujeito.

Os presentes resultados, além de complementarem os já disponíveis na literatura (Corsaro, 1979; Phinney, 1979), também sugerem algumas direções potencialmente interessantes para estudos futuros sobre o tema, as quais indicamos a seguir:

— Uma investigação mais detalhada sobre o papel da linguagem na abordagem — não feita aqui por limitação do material e da categorização utilizados — poderia esclarecer melhor a relação entre a linguagem e a ação como recursos de aproximação social;

— O cruzamento entre combinações das variáveis idade, estratégia e desenlace, forneceria mais elementos para a análise das escolhas das estratégias na faixa etária considerada;

— Não foi feita nesta análise um mapeamento das relações entre os membros do grupo que permitiria investigar o possível papel da percepção dessas relações como reguladora do comportamento da criança que aborda. Como foi sugerido acima é possível que a identificação da criança que lidera a brincadeira, ou outros indicadores de status diferencial das crianças no grupo, poderia ser um elemento orientador das estratégias de abordagem.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMAIONI, L. L'interazione pra bambini. Roma, Armando, 1980.        [ Links ]

CARVALHO, A. M. A. & BERALDO, K. E. A. Interação criança — criança: o ressurgimento de uma área de pesquisa e suas perspectivas. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, (71):55-61, nov. 1989.         [ Links ]

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* Pesquisadora Bolsista do CNPQ.
** Bolsista de Iniciação Científica do CNPQ durante parte do período de realização do trabalho.