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Psicologia USP

versión On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.16 n.1-2 São Paulo  2005

 

A PSICOLOGIA AMBIENTAL E AS DIVERSAS REALIDADES HUMANAS

 

Por uma Psicologia Ambiental das diferenças

 

For an environmental psychology based on differences

 

Pour une psychologie de l'environnement des différences

 

 

Elaine Pedreira Rabinovich1

Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

Esta apresentação define a posição da autora dentro de um enfoque relativista e culturalista - epistemologica e metodologicamente considerado - apontando para o viés etnocêntrico e para a alienação do real campo de pesquisas como conseqüências de posicionamentos que não levam em consideração a posição do pesquisador no mundo. Aproxima-se, assim, de uma postura equivalente a uma "Psicologia Ambiental Indígena".

Descritores: Psicologia ambiental. Objeto. Realidade. Fatores socioculturais. Poética. Psicologia indígena.


Abstract

This presentation defines the author's position within a relativist and culturalist approach - epistemologically and methodologically considered -, pointing to the ethnocentric bias and to the alienation of the real research field as consequences of positions that do not take into account the researcher's place in the world. Thus, it resembles a posture that is equivalent to an "Indian environmental psychology".

Index terms: Environmental psychology. Object. Reality. Sociocultural factors. Poetics. Indigenous psychology


Résumé

Cette présentation définit la position de l'auteur dans une optique relativiste et culturaliste - du point de vue épistémologique et méthodologique - signalant le biais ethnocentrique et l'aliénation du domaine réel de recherches comme conséquences de positionnements qui ne tiennent pas compte de la position du chercheur dans le monde. Cette présentation s'approche, ainsi, d'une posture équivalente à une "psychologie de l'environnement indigène".

Mots-clés: Psychologie de l'environnement. Objet. Réalité. Aspects socioculturel. Poétique. Psychologie "indigène".


 

 

Inicialmente, o LAPSI havia pensado em formular a pergunta quanto à influência da realidade sociocultural sobre o enfoque na Psicologia Ambiental a partir da própria experiência do pesquisador. Esta formulação foi posteriormente alterada para uma formulação mais objetivada. Contudo, ao me defrontar com a tarefa de respondê-las, não me é possível fazê-lo independentemente da minha trajetória, no tempo e no espaço. Portanto, estas considerações serão organizadas e expostas a partir da minha própria experiência e do modo como estamos construindo o objeto em Psicologia Ambiental.

Parece-me impossível diferenciar a primeira pergunta: qual é o objeto da Psicologia Ambiental? quais aspectos da realidade constituem este objeto? - da segunda pergunta: diferentes realidades socioculturais podem levar a diferentes enfoques de Psicologia Ambiental?

Posso afirmar que foi, e tem sido, a segunda pergunta - a própria realidade sociocultural - que originou a primeira: o objeto em Psicologia Ambiental. Por habitar o território Brasil, e problematizar o que elegera para estudar - moradias populares brasileiras, seus moradores e suas crianças -, houve a compreensão de que o objetivo destes estudos, em realidade, é a construção de seu objeto, qual seja, o modo de ocupação do espaço no Brasil. A mestiçagem, como o processo histórico de formação identitária, presentificou-se como a matriz deste tipo de ocupação de espaço, indicando a origem indígena e africana de tal formação.

De certo modo, repeti a experiência do francês Pierre Denis que, no início do século XX, escreveu: "Um clima muito ameno não ensinou aos brasileiros o home; a julgar pelas suas habitações, parece que acampam na terra e não residem nelas" (citado por Wissenbach, 1998, p. 68). De fato, foi a percepção de uma diferenciação intra e intercultural no Brasil que gerou a série de estudos que, em sua evolução, aproximaram-nos da Psicologia Ambiental e da psicologia intercultural - dentro da área da psicologia - na procura de uma resposta às indagações suscitadas pela realidade brasileira em tal ocupação do espaço.

O termo "ocupação" está sendo utilizado tanto para caracterizar o campo quanto para enfatizar o caráter nômade que orientou tais estudos, pois, partindo da psicologia do desenvolvimento infantil, ou seja, da constituição do ser enquanto pessoa sócio-histórica, escolhemos como locus do estudo a relação mútua entre a pessoa e a sua circunstância - consecutivamente, a casa, o bairro e a cidade, casa, bairro e cidade conseqüências desta mistura - no tempo e no espaço - de trajetórias cuja origem é multicultural.

Deste modo, mais do que o sujeito ou o objeto, foi a própria relação entre ambos que esteve no centro das preocupações teóricas e metodológicas.

Este tem sido, de modo geral, o objeto da Psicologia Ambiental, definido genericamente como a relação pessoa-ambiente, e da própria psicologia em geral que pode ser dita responder a esta questão dentro de enfoques filosóficos diferenciados, como, por exemplo, o realismo ou o idealismo.

A diferenciação da Psicologia em geral e a aproximação da Psicologia Ambiental ocorreu devido à consideração do ambiente em sua concretude: a casa, por exemplo, seus materiais e sua textura, suas divisões, seus cheiros e sons, os movimentos dos corpos por ela propiciados, os hábitos do cotidiano ancorados na organização do espaço, seu fora e seu dentro, principalmente os seus espaços semi-privados e semi-públicos, seus ornamentos e cores; enfim, um espaço sentido, vivido e produzido, se formos lembrar Lefebvre (1994). Nós não vimos no objeto o seu fantasma, enquanto, ao mesmo tempo, nosso interesse estava em atender ao processo de fazer-se pessoa em uma relação que, concomitantemente, personalizava o meio.

Por outro lado, aquilo que estávamos estudando foi conduzindo o estudo para dentro, no tempo - para a colonização e para a escravidão - e foi conduzindo para dentro igualmente no espaço - para moradias, famílias e crianças do interior nordestino e do quilombo rural -, e para um outro espaço-tempo - as moradias dos moradores na rua e os túmulos nos cemitérios. Estes estudos, no seu conjunto, conduziram para a questão da brasilidade.

O conceito de mediância surgiu para amparar tais estudos. Tal conceito vem de Berque (1993), um geógrafo humanista, em uma reinterpretação japonesa do pensamento fenomenológico de Heidegger.

A mediância é definida como o momento estruturado - e estruturante - de ser (verbo) - (traço-de-união) humano. Mediância é relação. O ser humano - em sua ação - se torna humano no encontro com o meio circundante, meio este produto das longas cadeias de ações de seus antecessores. A existência é esse es-sistere - se colocar e ser fora neste movimento-momento.

O fato de o conceito de mediância vir de um geógrafo - e não de um psicólogo - a nosso ver, apenas ratifica que a psicologia esvaziou de conteúdo o ambiente (assim como o sujeito também foi esvaziado dos componentes ambientais, exceto os sociais e/ou relacionais). Segundo Jodelet (1982), isto ocorreu porque a psicologia do ambiente apoiou-se nos métodos, modelos teóricos e problemáticas apenas da psicologia, incidindo em abordagens de orientação individualista e subjetivista, de um lado, e fisicalista e objetivista, de outro. Kurt Lewin originou de fato, através de Barker, os pioneiros estudos em Psicologia Ambiental, mas, a nosso ver, com ênfase nos aspectos "estruturados". A questão motivacional, contudo, que nos parece central ao estudo em geral, pode ser melhor vista nos aspectos "estruturantes", naquilo que se pode denominar como processos de subjetivação. O conceito de transação, por sua vez, onde indivíduo e ambiente se definem mutuamente em uma relação interdependente, não parece poder responder a uma questão que o de mediância responde: uma especificidade do sujeito em seu ato como sujeito: o seu "fazer o mundo" como o "seu" local de "morada", ou seja, uma contribuição específica da fenomenologia - um movimento que é o momento do ser-humano.

Neste sentido, são os aspectos decorativos do ambiente os que mais se prestam a esse encontro em que o ser/fazer se revela em sua dupla face: estruturado e estruturante, vitrine e espelho.

Foram, de fato, as decorações de moradias de baixa renda e de moradores de rua que originaram o conceito de poética como uma das dimensões do morar humano.

A poética emergiu da observação de moradias de pessoas desfavorecidas que mantinham não apenas a sua identidade e identificação através da decoração que imprimiam a suas casas, como também, através delas, falavam de uma qualidade cuja inerência extrapolava as condições de sua existência. Falavam de uma existência que se definia em uma dimensão outra que o social, e além do nível da necessidade.

A partir de estudos empíricos, a poética foi vista como o caminhar da humanidade em direção à própria humanidade, e o seu reconhecimento como o que integra cada ser humano nesta longa cadeia.

Estas considerações algo "poéticas", incluso porque baseadas no poeta Paz (1973), dificilmente encontram escuta em uma Psicologia Ambiental dominada por um fisicalismo em um afã de ter o status de reconhecimento científico.

Contudo, ela se insere em uma longa tradição da própria Psicologia Ambiental, decorrente de Bachelard (1978), que encontrou um desenvolvimento posterior nos geógrafos humanistas, como Tuan (1983), e, atualmente, pode ser vista em Sansot (1996), entre outros.

Paz (1973) define a poética como o instante consagrado, donde a questão da poética se une, portanto, à da temporalidade.

Em nossos estudos, fomos defrontadas com o tempo na geração e constituição do espaço e, como Braudel (1983), em uma percepção da presença concomitante de tempos longos, sociais e psicológicos. Estes três tempos estão e podem ser vistos na poética: pois o que nos move - e/mociona, co/move, move junto, e, nas palavras de Maffezolli (2001), constitui a estética - o compartilhar de emoções - é basicamente esse compartilhar deste grande destino da humanidade que é a própria humanidade. Se esta é a matriz básica motivacional, portanto associada a um tempo longo, a poética se expressa formalmente segundo os diversos momentos históricos tanto sociais quanto individuais. A sua expressão e incarnação se dá segundo os modos e os meios socialmente produzidos e acessíveis ao indivíduo.

A dimensão da poética foi vista no estudo realizado no bairro paulistano da Barra Funda (Tassara & Rabinovich, 2001), sendo expressa nos diversos tempos como algo partilhado por todos, por alguns, por poucos. É este elo que torna possível supor a transformação do presente em um futuro desejado. Se o espaço só pode ser conceitualizado, nos estudos sobre o ambiente, no momento em que ele é apreendido na sua realidade social, histórica e geográfica, é o elo que une o passado de poucos, de alguns e de todos que permite supor a transformação do presente em um futuro desejado.

A ênfase em resgatar os aspectos concretos da experiência humana, em sua história e em seu território, baseia-se na compreensão de que o estudo das relações pessoa - ambiente decorre das relações que o estudioso tem com o seu ambiente, o que, além de sua evidência para a formulação do estudo, tem uma conseqüência não evidente, principalmente para o pensamento hegemônico, de impedir, calar, silenciar possibilidades outras que não as contempladas por tal produção científica.

A não detecção deste silenciamento de possibilidades outras, que não as produzidas pelo pensamento hegemônico, gera, sistematicamente, um viés etnocêntrico, cuja pior conseqüência é o escamoteamento de uma temática que corresponda ao seu objeto: no caso, a uma temática do objeto "Brasil". O Brasil sempre teve as suas "idéias fora de lugar", isto é, importadas e canibalizadas. A recente eleição de Lula - O Filho do Brasil, título de um livro biográfico sobre o novo Presidente - dá ao brasileiro, talvez pela primeira vez, a autoridade para articular a sua própria fala, já que língua própria não temos.

Dois franceses, um deles Roger Bastide, o outro Pierre Verger, puderam perceber a sociedade brasileira em sua diversidade e especificidade. Bastide, ao estranhar a extrema fluidez e a pluralidade cultural encontradas no Brasil, comparadas à longevidade e permanência cultural européia, pode percebê-las como expressão de uma sociedade ela própria fluida e plural. Não apenas construiu o seu objeto a partir de suas experiências no território brasileiro, como transformou-se pessoalmente, passando pelos rituais iniciáticos no Candomblé, assim como Pierre Fatúmbi Verger.

Foi neste sentido que dissemos, no início desta fala, não diferenciar a primeira da segunda pergunta: não apenas o objeto não existe independente do campo e do sujeito, como, se e quando existir, estará fadado a cometer um epistemicídio: o assassinato de possibilidades outras de conhecimento que não as contidas e produzidas pelo pensamento hegemônico.

Acreditamos que é a realidade brasileira, conforme inscrita nos fenômenos e nas pessoas que aqui vivem, que constrói o objeto da pesquisa. O pesquisador, ao ser assujeitado por esta realidade, constrói o objeto da pesquisa no decorrer desta: o nosso objetivo é o objeto.

Deste modo, realizamos uma apropriação de nossa própria história e inserção geográfica, o que possibilita que tomemos consciência de uma herança civilizatória, à qual continuamos submetidos, - por exemplo, ao considerar urbanidade como sinônimo de civilidade -, herança esta que compõe tanto a nossa realidade quanto o processo de construção da mesma.

Este é um modo de contextualizar as nossas reflexões e investigações em um plano de uma civilização - brasileira e latino-americana -, em que, segundo Vargas (2002), mexicano, também as soluções devem ser colocadas, para não se cair em autoengano. Para este autor, esta contextualização "implica em questionar a raiz de toda civilização, o que só poderá ser feito em um diálogo inter-civilizacional, em que incorporamos a sabedoria contida em outros grupos humanos pertencentes a outras tradições distintas das européias. Igualmente significa uma ruptura e transgressão das limitações "antropocêntricas" e "descontextualizantes" contidas no seio da "racionalidade ocidental". Significa também uma abertura criativa para a construção de outras formas intelectuais de conhecer e viver a realidade com a qual formamos parte indissolúvel" (p. 23).

Para finalizar, concluímos que, a nosso ver e a partir dos arrazoados acima, o objeto da Psicologia Ambiental é estudar o modo de ocupação, no tempo e no espaço, das trajetórias dos indivíduos no território, não esvaziando-o de sua especificidade cultural, mas inscrevendo-o em sua geografia e história. No Brasil, o objeto é a brasilidade.

Com isto, não estamos trazendo para a Psicologia Ambiental a discussão se há ou não uma "indigenous Environmental Psychology", mas a necessidade de uma crítica permanente quanto à importação de conceitos e modelos, que só pode ser realizada ser realizada se utilizarmos métodos de investigação que correspondam a este objetivo: desvelar o objeto, e não encobri-lo e silenciá-lo.

 

Referências

Bachelard, G. (1978). A poética do espaço. In Bachelard (Série: Os Pensadores, pp. 181-354). São Paulo: Abril Cultural.        [ Links ]

Berque, A. (1993). Du geste à la cité. Formes urbaines et le lien social au Japon. Paris: Gallimard.        [ Links ]

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Jodelet, D. (1982). Les représentations socio-spatiales de la ville. In P.-H. Derycke (Org.), Conceptions de l'espace (pp. 145-177). Paris: Recherches Pluridisciplinaires de l'Université aris X-Nanterre,        [ Links ]

Lefebvre, H. (1994). The production of space. Oxford: Blackwell.        [ Links ]

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Tassara, E. T. O., & Rabinovich, E. P. (2001). A invenção do urbano e o poético: uma cartografia afetiva – Estudo sobre o bairro paulistano da Barra Funda. In E. T. O. Tassara (Org.), Panoramas interdisciplinares: para uma psicologia ambiental do urbano (pp. 211-267). São Paulo: EDUC / FAPESP.        [ Links ]

Tuan, Y. -F. (1983). Espaço e lugar. São Paulo: Difel.        [ Links ]

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Wissenbach, M. C. C. (1998). Da escravidão á liberdade: dimensões de uma privacidade possível. In F. A. Novais (Org.), História da vida privada no Brasil (N. Sevcenko, Org. Vol. 3, pp. 49-130). São Paulo: Companhia da Letras.        [ Links ]

 

 

Recebido em 5.04.2004
Revisto e encaminhado em 23.02.2005
Aceito em: 7.03.2005

 

 

1 Doutora em Psicologia Social; fundadora e pesquisadora do Laboratório de Psicologia Sócio-Ambiental e Intervenção - Instituto de Psicologia - USP; pesquisadora do Centro de Estudos do Crescimento e Desenvolvimento Humano-CDH-FSPUSP; Editora Assistente da Revista Brasileira do Crescimento e Desenvolvimento Humano. Endereço para correspondência eletrônico:elainepr@clas.com.br