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Psicologia USP

versión On-line ISSN 1678-5177

Psicol. USP v.16 n.1-2 São Paulo  2005

 

PSICOLOGIA AMBIENTAL E POLÍTICA AMBIENTAL: ESTRATÉGIAS PARA A CONSTRUÇÃO DO FUTURO

 

Psicologia Ambiental e futuro - reflexões geopolíticas sobre Política Ambiental

 

Environmental psychology and the future - geopolitical reflections on environmental policy

 

Psychologie environnementale et futur - réflexions géopolitiques sur la politique environnementale

 

 

Eda Terezinha de Oliveira Tassara1

Instituto de Psicologia - USP

 

 


RESUMO

A partir de uma conceituação de ambiente oferecida pelos geógrafos Milton Santos e Aziz Ab'Saber, o artigo propõe, para que se possa chegar à construção intencional do futuro um novo paradigma científico transdisciplinar: a Ciência Ambiental prospectiva. Tal paradigma deveria possibilitar relacionar, em seus projetos de conhecimento e intervenção, ciência, filosofia, história e política, configurando para a Psicologia Ambiental como objeto de estudo as relações entre a subjetividade humana e a consciência ambiental, na história e na geografia.

Descritores: Psicologia ambiental. Ambiente. Geopolítica. Subjetividade. Pesquisa interdisciplinar.


ABSTRACT

Based on a conception of environment offered by the geographers Milton Santos and Aziz Ab'Saber, this article proposes, so that we can achieve a true Environmental Policy, that is, the intentional construction of the future, a new scientific transdisciplinary paradigm - prospective Environmental Science. This paradigm should be able to relate, in their projects of knowledge and intervention, science, philosophy, history, and politics, establishing, as the object of study of Environmental Psychology, relations between human subjectivity and environmental conscience, in history and geography.

Index terms: Environment. Environmental psychology. Geopolitics. Subjectivity. Interdisciplinary research.


RÉSUMÉ

À partir d'une estimation d'environnement fournie par les géographes Milton Santos et Aziz Ab'Saber, et afin d'aboutir à une vraie Politique Environnementale, à savoir, à la construction intentionnelle du futur, l'auteur propose un nouveau paradigme scientifique transdisciplinaire - Science Environnementale prospective. Ce paradigme devrait permettre de mettre en rapport, dans ses projets de connaissance et d'intervention, la science, la philosophie, l'histoire et la politique, en configurant, pour la Psychologie Environnementale, en tant qu'objet d'étude, les relations entre la subjectivité humaine et la conscience environnementale dans l'histoire et dans la géographie.

Mots-clés: Psychologie de l'environnement. Environnement. Géopolitique. Subjectivité. Recherche interdisciplinaire.


 

 

A compreensão histórica da problemática do ambiente pós II Grande Guerra Mundial inscreve-se necessariamente no contexto geopolítico. Constata-se que, neste período, a evolução do discurso geopolítico culminou por consolidar a Ideologia do Naturalismo, tendo como substrato a Ideologia da Conservação da Natureza, difundindo-se em escala mundializada e em nível de massa.

Este panorama de argumentos, por sua vez, desvelando sistemas lógicos e de significação, apresenta-se como projeção de redes de interesses político-econômicos que se movimentam no planeta e, em particular, em ampla área da América do Sul, sob a égide de instâncias internacionais que se legitimam gradativamente, pós suposta falência de governos locais, como governos supranacionais.

Apoiada sobre a consciência difusa de problemas que nascem do desencontro entre a lógica científica e a lógica política - isto é, da desproporção evidente entre o poder científico-tecnológico e a maturidade civil que deve guiar este poder-, a Ideologia do Ambientalismo produz-se como discurso elaborado propagando-se como estratégia de dominação. Alimentada pela referida provocação de perspectiva pantoclasta, expande-se acabando por influir no exercício da própria atividade intelectual de crítica dos mecanismos auto-destrutivos do "Ocidente", dela disparadores, deslizando-se para a análise da problemática do ambiente desenvolvida sob tom a-histórico, fragmentando-a como totalidade.

Tais reducionismos, do ponto de vista epistemológico, assentam-se sobre falácias inscritas em, pelo menos, duas dimensões de paradoxo: dimensão advinda da não consistência entre sistemas de argumentos construídos sobre representações baseadas em leituras naturalistas da realidade social, e dimensão advinda da aplicação indistinguível de noções distintas de tempo na interpretação da realidade social - o tempo a-temporal da Física Dinâmica e os tempos de transformação do desenrolar de etapas processuais.

Esta fragilidade paradigmática decorrente dos problemas epistemológicos apontados impõe-se, então, como questão de método delimitando uma situação onde, na análise da problemática ambiental, o inquirir do cientista não mais se separa do inquirir do historiador e verdade científica confunde-se, no limite, com verdade histórico-literária.

Entendendo-se o ambiente como "espaço total" (Santos, 2004), e considerando-se tal espaço como os fragmentos de um território, diferenciados entre si, presente no mundo atual de um lugar qualquer, consiste este ambiente em a organização humana no referido espaço, herança do passado que se expõe no quadro do presente. Ele é composto por remanescentes dos ecossistemas naturais presentes nos fragmentos daquele território, áreas de agro-ecossistemas, áreas rurais que substituíram os ecossistemas naturais, áreas dos ecossistemas urbanos (bacias ou redes urbanas) e o conjunto de fatos que dá dinâmica aos fragmentos dos territórios considerados (Ab'Saber, 2004).

Assim delimitado o tema ambiente, tem-se que considerar, contudo, que o mundo contemporâneo pode ser pensado como se constituindo em uma fronteira urbana em contínua e crescente expansão, configurando bacias e redes urbanas conectadas simbolicamente entre si por meio de sistemas planetários de comunicação tecno-eletrônica.

Como conseqüência, o tema urbanização torna-se estratégico sob a lógica da industrialização. Desta forma, embora a realidade da industrialização tenha produzido uma dimensão social da natureza necessária para a sua reprodução e para a viabilização de sua estratégia, esta dimensão apresenta-se encoberta pela naturalização do tema. Por sua vez, a naturalização do tema produz o fechamento do universo de locução como condição para padronizar o humano - o urbano como ambiente natural torna-se o ambiente natural do urbano.

Além disso, o discurso da mundialização, típico da sociedade ocidental e da lógica de produção capitalista, tendo a sua expressão máxima no ambiente urbano, assenta-se também em uma falácia democrático-igualitária, escondendo o fundamental - as necessidades e desejos que imprimem dinâmica à vida psíquica e social não são os mesmos para todos, com conseqüências fundamentais para a qualidade de vida do ambiente urbano. Torna-se, assim, o ambiente urbano, palco de amplificação de conflitos e tensões, negando a diferença, a alteridade, tentando uniformizar o que é singular, retirando do indivíduo sua autonomia como ser humano. Em síntese, um espaço de relações humanas pouco democráticas em sua essência (Damergian, 1992; Tassara e Damergian,1996).

Face a essas considerações, conceituar a problemática da urbanização, do ponto de vista sócio-político, requer adjetivá-la, designando-a de urbanização capitalista. Analisá-la com competência exige contextualizá-la geopoliticamente, mundializá-la, integrando-a, como totalidade, na lógica da industrialização; do ponto de vista tecnológico, significa reconhecer sua qualidade de inscrição geográfica, com as implicações deste fato sobre objetivos, métodos e conquistas da cognição dela advindos - a lógica do "Ocidente" com sua bagagem científico-filosófica geradora dos problemas em questão, agravados pela transposição de modelos viciados que serão abordados mediante o uso de instrumental tecnológico e de pensamento inadequados.

Estariam, assim, colocadas as premissas racionais necessárias para a transformação do processo de organização humana no espaço total em esperança projectual, através do exercício de métodos intelectuais de crítica para a produção intencional de configurações específicas de relação cultura-técnica-ambiente, traçando caminhos articuladores de realidades e utopias, enfim, gerando tecnologias ambientais que expressem respostas a problemas estratégicos de política, gestão, educação técnica e programas de trabalho aplicados à problemática ambiental.

Fundamento para a construção de um novo paradigma científico transdisciplinar - o paradigma da Ciência Ambiental Prospectiva-, estas premissas constituem-se também, no limite, em condição "sine qua non" para viabilizar iniciativas legítimas de Política Ambiental. Estruturado necessariamente sobre a ruptura da hierarquia que subordina o racional ao social, este paradigma assim colocado não mais comportaria separação entre ciência e política. Ou seja, a Ciência Ambiental Prospectiva seria constituída de sistemas dinâmicos de tecnologias, informações e juízos fundamentando decisões sobre o futuro construído do planeta, articulando a participação crescente de indivíduos, grupos, sociedades e humanidades, relacionando em seus projetos de conhecimento e intervenção ciência, filosofia, história e política.

Nesse contexto, quais poderiam ser as contribuições da Psicologia Ambiental?

Consideramos que a Psicologia Ambiental deve contemplar a concretude da experiência humana no ambiente para, desenvolvendo explicações apoiadas sobre uma dialética entre as teses do psicologismo e do sociologismo, propiciar, por meio de seus programas de investigação, conhecimentos sobre como se adapta o homem ao sistema-mundo e como este sistema-mundo se interioriza na subjetividade deste homem. Consideramos, ainda, que desvelar como se processa a interiorização das vivências nas situações de espaço e tempo, nas quais a história se constrói, facultará a condução estratégica da desnaturalização do tema ambiental, inscrevendo-o no processo histórico, sincrônica e diacronicamente.

Tal desnaturalização apresentar-se-ia como condição essencial para a produção do que Habermas (1987) chama de "espaços de locução", nos quais ocorreria a desinstrumentalização dos preconceitos, aí incluindo-se os relativos às questões ambientais, possibilitando o engajamento em processos de construção intencional da organização humana no espaço, ou seja, na transformação da ação de intervenção em Política Ambiental.

Estas são condições que permitiriam ao homem desenvolver um olhar crítico original sobre seu cotidiano, necessário para a almejada busca de transformação do mesmo. Ao lado desta dimensão cognitiva, necessitaria ainda, este homem, possuir uma matriz de identidade capaz de suportar esta saída do estabelecido, na busca de uma possibilidade de relações humanas a inventar/construir. Para tal, é preciso que ele saiba reconhecer em si o desejo de transformar sua realidade ambiental e suas circunstâncias de determinação, aquilo que, no dizer de Espinosa (1670/1973a, 1677/1973b), consistiria na potência de ação, cotidiana e política, libertadora da existência sob servidão, ou seja, sob o jugo da fortuna.

Em síntese, a Psicologia Ambiental, no quadro da Ciência Ambiental Prospectiva, deveria, então, privilegiar programas de investigação que, compromissados ética e politicamente com o referido processo de emancipação humana (conforme conceituação oferecida por Horkheimer & Adorno, 1947/1985), possam propiciar conhecimentos sobre as relações entre a subjetividade humana e a consciência ambiental, na história e na geografia.

A temática Psicologia Ambiental e futuro, como totalidade, coloca-se, então, como uma heurística para a definição de novos modelos de pensamento aplicados à construção de um ponto de vista superior de análise das questões ambientais.

 

Referências

Ab'Saber, A. (2002). Entrevista concedida a Marcello Tassara. In R. Laurenti & S. M. Oliva Filho (Coord.), USP recicla [vídeo-documentário]. São Paulo: CECAE-USP.        [ Links ]

Damergian, S. (1992) Fluxos migratórios e o meio ambiente urbano. Seminário apresentado ao Grupo de estudos sobre Urbanização e Meio Ambiente. São Paulo: USP, novembro de 1992.        [ Links ]

Espinosa, B. (1973a). Etica. (J. Carvalho, J. F. Gomese, & A. Simões, trads., Os Pensadores, Vol. 17). São Paulo: Abril. (Trabalho original publicado em 1670)        [ Links ]

Espinosa, B. (1973b). Tratado da correção do intelecto (C. L. Mattos, trad., Os Pensadores, Vol. 17). São Paulo: Abril. (Trabalho original publicado em 1677)        [ Links ]

Habermas, J. (1987). Teoria de la acción comunicativa (M. J. Redondo, trad., Vol. 2). Madrid: Taurus.        [ Links ]

Horkheimer, M., & Adorno, T. (1985). Dialética do esclarecimento. Fragmentos filosóficos (G. Almeida, trad.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1947)        [ Links ]

Santos, M. (2004). Pensando o espaço do homem (5a ed.). São Paulo: EDUSP.        [ Links ]

Tassara, E., & Damergian, S. (1996) Para um novo humanismo: contribuições da Psicologia Social. Estudos Avançados, 10 (28), p.291-316.        [ Links ]

 

 

Recebido em 5.04.2004
Revisto e encaminhado em 23.02.2005
Aceito em: 7.03.2005

 

 

1 Professora do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da USP; fundadora e coordenadora do LAPSI; orientadora dos programas de Pós-Graduação em Psicologia Social e em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo.Endereço para correspondência eletrônico:lapsi@edu.usp.br