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Winnicott e-prints

versión On-line ISSN 1679-432X

Winnicott e-prints vol.5 no.2 São Paulo  2010

 

Artigos

 

O direito ao segredo do self

 

Le droit au secret du self

 

The Right to Secrety of the self

 

Laura Dethiville

Société de Psychanalyse Freudienne, Paris (Society of Freudian Psycho–analysis)
e–mail: laura.dethiville@wanadoo.fr

 

 


Resumo

Com a noção de si–mesmo (self), Winnicott afirma que, no coração do psiquismo, há um núcleo secreto que deve permanecer como "um elemento não comunicável, sagrado, cuja preservação é muito preciosa". Isto parece estar em contradição com o "tudo dizer" da regra fundamental da psicanálise e isto explica, segundo o autor, "a raiva que as pessoas têm da psicanálise" e, em particular, a desconfiança dos adolescentes que temem que sua intimidade seja desvelada. O analista deve portanto oferecer ao paciente um lugar possível de comunicação implícita com o objeto subjetivo, lugar em que ele poderá experimentar a "capacidade de estar só", desenvolvendo, assim, uma capacidade para o relacionamento.

Palavras–chave: self primitivo ; self modificado ; senso de self ; continuidade da existência ; sentimento de existir ; communicação implícita ; não comunicação ativa ; não comunicação reativa; analiste como objeto subjectivo.


Resumé

Avec la notion de self, Winnicott affirme qu'il y a au coeur du psychisme un noyau secret qui doit rester « un élément de non–communication sacré dont la sauvegarde est très précieuse ». Cela peut paraître s'inscrire en contradiction avec le « tout dire » de la règle fondamentale de la psychanalyse et cela explique, selon lui, « la haine des gens pour la psychanalyse » et, en particulier, la défiance des adolescents qui ont peur que leur intimité soit dévoilée. L'analyste doit donc offrir au patient un lieu possible de communication implicite avec l'objet subjectif, lieu où pourra s'expérimenter la « capacité d'être seul », qui développe une capacité à la relation.

Mots–clés: self primitif ; self modifié ; sens du self ; continuité d'existence ; sentiment d'exister ; communication implicite ; non–communication active ; non–communication réactionnelle ; analyste comme objet subjectif.


Abstract

With the notion of self, Winnicott puts forward the idea that, in the heart of psyche, a secret core has to remain « an incommunicado element which is sacred and most worthy of presentation ». This seems to be in contradiction with the fundamental psycho–analytical rule of « telling all » (tell everything) and explains « the hatred people have against psychoanalysis » and particularly the suspicion of teenagers afraid to be robbed of their intimacy. Therefore the analyst has to offer to the patient an implicit place of communication with subjective objects. In such place will be tested the « capacity to be alone », which is essential to the ability of a relationship.

Keywords: primitive self ; modified self (false self) ; sense of the self ; continuity of being ; feeling of being ; implicit communication ; active non–communication ; reactive non–communication ; analyst as a subjective object.


 

 

Tendo este artigo sido preparado inicialmente para uma conferência, a ser pronunciada no XV Colóquio Winnicott, em São Paulo, cujo tema foi "O verdadeiro e o falso si–mesmo", percebo agora como é verdadeira a afirmacão de Winnicott quando diz: "alegremo–nos de ver o que fazemos quando é no texto de outros que nós o encontramos" (Winnicott, 1987b/1989).

No fundo, é o que prefiro: ouvir meus colegas lidarem com as mesmas dificuldades, fazerem–se as mesmas perguntas, mesmo que com lógicas e vocabulários diferentes. É muito reconfortante porque, citando Winnicott novamente, "são os nossos pacientes que nos ensinam essas coisas e tudo o que sabemos, aprendemos ontem" (Winnicott, 1965j[1963]/1990).

Escrevi este texto a partir da minha perspectiva francesa, pois, inegavelmente, de um país a outro há uma música diferente, um estilo próprio do caráter de um povo, tecidos por sua história e cultura. As "línguas" psicanalíticas não são questões de língua nacional, entretanto, as traduções trazem marcas de escolhas clínicas diferentes.

Ocorre o mesmo com o termo self. Não conheço o português, mas penso que compreendo um pouco a leitura graças ao latim e ao espanhol. Parece–me que o termo si–mesmo é uma escolha que representa de maneira correta o caráter íntimo do verdadeiro self.

É certamente por essa razão que um dos meus colegas, que trabalha bastante sobre Winnicott, um brasileiro que vive na França, Heitor O'Dwyer de Macedo, propôs o termo "íntimo–intimidade", que é muito próximo do seu si–mesmo. Nós, em francês, temos mais problemas com a tradução, logo, também com a maneira de compreender a noção de self.

Ao longo de sua vida, Winnicott utilizou indiferentemente e de maneira pouco precisa os termos "self", "ego", "realidade psíquica" ou "psique". Foi somente nos últimos dez anos que ele afinou mais a sua posição. A isso se acrescentam, para nós, franceses, problemas de tradução quase impossíveis de resolver. Lembremos que os ingleses escolheram, para traduzir o "ich" alemão, utilizar o termo "ego", pronome sujeito de uma língua morta que não restitui a subjetividade engajada pelo "ich" alemão ou o "je" francês, língua viva hoje. Portanto, criaram o self.

Os analistas franceses escolheram traduzir o "ich" por "moi", ou seja, um pronome complemento no lugar de um pronome sujeito.

A comissão linguística para a unificação do vocabulário psicanalítico francês assim decidiu, dado que "je" e "surje" seriam pouco elegantes em termos eufônicos e linguísticos. Além disso, enquanto a posição inicial era: moi, soi et surmoi, a discussão fez com que ça, moi e surmoi prevalecessem. No self de Winnicott, temos algo desse soi e, para, outra vez, evitar mais confusões, a maior parte dos tradutores preferiu manter o termo self tal qual. A outra dificuldade se refere à gramática francesa. Em seus textos, Winnicott emprega "ego" ou "me", não indiferentemente, mas desta vez de uma maneira bem precisa. "Me" é um termo que ele utiliza mais precisamente para acentuar a ideia de uma experiência interna subjetiva, enquanto que "ego" seria o sujeito que fala, o eu consciente – e isso não pode aparecer nos textos franceses que empregam "moi" nos dois casos. Dessa forma, em uma carta a sua tradutora francesa a propósito de suas dificuldades de traduzir o "self", ele escreve: "o self, que não é o ego", que encontramos traduzido em geral por: "o self, que não é o eu".* Posteriormente, nesse mesmo texto, ele emprega "me" com uma acepção diferente, não há outra maneira de traduzir a não ser uma vez mais por "moi". Diante dessa dificuldade, certos tradutores decidiram citar entre parênteses o termo inglês.

São sutilezas extremamente importantes relativas a essas noções tão essenciais em Winnicott de "self", "falso self" e "ego". Vemos, portanto, a grande complicação e, sobretudo a confusão que isso acarreta para os leitores franceses. Ao trabalhar com atenção sua obra, e mesmo nas contradições que podemos certas vezes encontrar, percebemos que o "je", o "ego", é um princípio organizador do "self". Nesse sentido, ele é uma parte do "self", mas somente uma parte, pois o "self" é composto de partes que se interpenetram.

Sem dúvida, é uma das razões pelas quais essas noções de verdadeiro e de falso self, em particular a noção de falso self, que prefiro descompor em "self modificado", de um lado, e falso self, de outro, produzem grandes debates na comunidade psicanalítica francesa e foram amplamente utilizados pelos críticos de Winnicott e, especialmente, pelo próprio Lacan e por aqueles que se referem a isso: "Mas quem não vê também que não há outro true self por trás dessa situação, a não ser o próprio senhor Winnicott, que se coloca ali como presença da verdade"?.1

Entretanto, olhando de perto, encontramos nas noções lacanianas de sujeito, de divisão do sujeito, de sujeito do inconsciente, com termos diferentes, semelhanças relativas às concepções winnicottianas de sujeito. Lacan, cuja obra polemizava bastante com a Ego psychology americana, enfatizou a noção de divisão do sujeito e distingue entre um eu que ele situa no campo do imaginário, de uma captação que se deve aos efeitos do imaginário – um pequeno eu que é o que se dirige ao eu do analista – e o sujeito do inconsciente que fala de "um saber que não sabe" e que, emprestando esse saber a um outro, espera o seu retorno de uma forma inversa. Assim o eu, segundo Lacan, é "uma função imaginária, embora ele determine num determinado plano a estruturação do Sujeito. Ele é tão ambíguo quanto pode ser o próprio objeto, do qual é de alguma maneira, não somente uma etapa, mas o correlato idêntico" (Lacan, 1978, p. 68).

É, portanto, bastante difícil dar uma definição do que Winnicott chama de self, tanto que ele mesmo mostra hesitação, e até imprecisão, em relação a esse tema, ao longo de sua obra. Quando percebemos o que ele quer dizer com esse termo – e às vezes muito mais o que ele não quer dizer –, é mais complicado expressá–lo e transmiti–lo. Tentaremos, portanto, uma descrição, mais do que uma definição.

Car le self se présente d'abord comme une absence. Il existe de ne pas être trouvé!

Pois, o self se mostra primeiramente como uma ausência. Ele existe por não ser encontrado!

Em primeiro lugar, Winnicott coloca o fato de "se sentir real" no cerne do sentimento de si, e ele associa essa noção à ideia que esteve presente em toda a sua vida e segundo a qual "o essencial é poder viver de forma criativa". (Winnicott, 1986h[1970]/1986)

Ele escreve: "Somente o verdadeiro self, na verdade, pode ser criador e somente o verdadeiro self pode ser sentido como real" (Winnicott, 1965m[1960]/1990). Embora seja difícil dizer o que Winnicott entendia por "real", a clínica, ao contrário, nos ensina que a existência na forma de um "self defensivo" cria um sentimento de irrealidade e/ou um sentimento de inanidade.

No início, Winnicott diz, nos seus primeiros esboços de explicitação, o self "não é senão o fato de viver". Ele tem a sua origem na "soma da vida sensoriomotriz" e provém da "vida dos tecidos corporais e do livre jogo das funções corporais". (Winnicott, 1965m[1960]/1990) É o que ele chama também de "self primitivo", cuja raiz se situa na vida fetal.

Ao longo de sua obra, Winnicott sustentará a ideia de que, no âmago do ser, se encontra esse primeiro self que deve permanecer inviolado, essa parte secreta de nós à qual podemos ter acesso em alguns momentos privilegiados. Um paciente me dizia: "É como se houvesse uma parte de mim mesmo totalmente inacessível e cuja existência eu não suspeitava, e como se, nesse lugar, eu também fosse totalmente inacessível".

Para falar desse primeiro self (processo primário), Winnicott recorre à imagem – bem conhecida das crianças inglesas – de "Humpty Dumpty pendurado no alto de seu muro, frágil e meio disforme". Humpty Dumpty é um pequeno personagem de cantiga de ninar, herói de quadrinhos. Ele parece uma espécie de ovo, mas tem olhos, nariz, boca, bracinhos e perninhas. Humpty Dumpty, equilibrado em seu muro, cai no chão e se quebra em pedaços, que, certamente, temos dificuldade em voltar a colar. No início, ele explica, o self parece com isso; ele é informe, "formless", instável e sem defesa. Ele começa como uma fonte de experiências.

Em "Distorções do ego em termos de verdadeiro e de falso self", ele escreve: "Uma parte essencial de minha teoria baseia–se na ideia que o verdadeiro self só se torna uma realidade viva se for o resultado de um êxito repetido da mãe quando ela responde ao gesto espontâneo ou à alucinação sensorial do bebê" (Winnicott, 1965m[1960]/1990). A criança produziu um movimento e o mundo se modificou em função dele, enviando–lhe também, como um eco, sua própria modificação. Cada êxito de uma dessas experiências reforça o sentido do self. O trabalho de tradução da mãe aliado a cada atividade do bebê permite que essas vivências entrem uma a uma na esfera de onipotência do bebê. Desse modo se consolida o que Winnicott chama de um "sentido do self". Com o tempo,

decorre, de cada novo período de vida no qual o verdadeiro self não foi gravemente interrompido, um crescimento do sentimento de ser real, que é acompanhado na criança de uma aptidão cada vez maior de suportar dois tipos de fenômenos que são, por um lado, rupturas da continuidade da existência do verdadeiro self, e em segundo lugar, experiências reacionais chamadas de falso self, relacionadas ao ambiente ao qual nos submetemos. (Winnicott, 1965m[1960]/1990)

No caso de fracasso desse processo nos momentos iniciais, o self não tem, para sobreviver, outro meio senão o isolamento. Por definição, o self deve ser e não reagir. Toda reação, mesmo se necessária, provoca uma perda temporal do "sentimento contínuo de existir", o que Winnicott chama de "agonias primitivas", "um termo que contém em si a palavra ‘morte'", assevera ele.

Enfatizemos desde já que as intrusões são inevitáveis e, para Winnicott, todas essas pequenas falhas de adaptação são reparadas quase que imediatamente pela continuidade do "holding". Winnicott é claro sobre esse assunto: as intrusões "integráveis" reforçam o "sentido do self", enquanto que aquelas que ultrapassam a capacidade integrativa da criança –o "transbordamento da paraexcitação" – colocam um problema. São somente as intrusões maciças que conduzem a essas agonias primitivas às quais ele se refere.

Desse modo, diz Winnicott, em todos os casos, o comportamento mais ou menos adaptado "de um ambiente médio com que podemos contar permite o estabelecimento de uma unidade (unit–status), um estado de integração espaço–temporal em que existe um eu – um self – englobando tudo, e não elementos dissociados e compartimentados, dispersos e espalhados" (Winnicott, 1971g/1975). Tal processo gera uma "continuidade de existência" que acaba se tornando um "sentimento de existência", um sentimento de si que conduz, afinal, à autonomia.

Essa maneira de Winnicott de considerar as coisas leva, nós o veremos, a uma concepção original da cura, que não é mais, portanto, só uma "rememoração" ou uma "reconstrução", segundo as expectativas freudianas, mas uma "experimentação completa", talvez pela primeira vez, para que ocorra, enfim, o que não havia acontecido, para que se inscreva aquilo que, na época da infância, não havia encontrado espaço para se inscrever. Entretanto, no momento, com o propósito de não se desintegrar, de não "perder sua identidade", de não se diluir em um mundo sem limites, a criança não tem outra solução senão colocar em funcionamento mecanismos de defesa, mecanismos de sobrevivência. O "pseudo–self2" é um desses mecanismos. Esse pseudo–self é uma necessidade para cada um de nós. Tem um aspecto estrutural.

E, enquanto o verdadeiro self tenta persistir protegido e mesmo "incomunicado", o falso self, ou pseudo–self, segundo a terminologia de Winnicott, é aquele que o indivíduo manifesta, aquele que lhe permite estar em contato com o mundo, aquele que funciona muitas vezes perfeitamente bem.

Se observarmos bem, essa ideia de um self secreto – e que deve se manter assim – percorre toda a obra de Winnicott, pois este leva para a psicanálise a noção do ser, do sendo. Desse modo, o sujeito é concebido no movimento de uma emergência, uma emergência que leva em conta o ambiente. O sujeito, para Winnicott, é caracterizado por esse "potencial de relação com o desconhecido de si, com o não advindo de si" (Roussillon, 1991). Essa ideia, no entanto, aparece somente de maneira esparsa e, em especial, em seus textos sobre a adolescência. Ele fala da desconfiança dos adolescentes em relação à psicanálise, que lhes interessa intelectualmente, mas os amedronta (eles temem ser violados psiquicamente).

A lógica da articulação de Winnicott se refere à necessidade de preservar a integridade do self, esse self que não deve ser exposto a qualquer um, o conduz a um de seus mais famosos paradoxos: ele sustenta que o direito de não se comunicar deve ser absolutamente respeitado. Lembremos também que é o mesmo homem que diz: "Eu levo vocês a um lugar onde a verbalização não tem sentido" (Winnicott, 1987a/1987).

Em um artigo escrito em 1963, ele escreve: "Enquanto preparava este artigo para uma Sociedade estrangeira, rapidamente cheguei, para minha grande surpresa, ao ponto de reivindicar o direito de não me comunicar. Era um protesto que vinha do fundo de mim mesmo contra a fantasia angustiante de ser explorado ao infinito, contra a fantasia de ser descoberto" (Winnicott, 1965j[1963]/1990).

Nesse artigo, Winnicott reforça aquilo que ele chama de "comunicação implícita", a que vem de um tempo pré–verbal. Essa forma de comunicação funciona com um "objeto subjetivo" – devemos nos lembrar que se trata de um "objeto" ainda não diferenciado de si – através da experiência da troca.

No processo "normal" de desenvolvimento, a não comunicação simples corresponde aos momentos tranquilos de não–integração entre a mãe e o bebê, momentos em que se trata somente de existir. Desse modo, essa não comunicação é semelhante ao repouso (estado de atividade de vigília). É um estado de existir plenamente. Ele pode se transformar em comunicação, e depois voltar, de um modo bem natural, a um estado de não comunicação. Assim, o sujeito alterna entre essas duas formas de ser para o outro e para si mesmo.

Progressivamente, o objeto é reconhecido como outro diferente de mim (not me), tornando–se então objeto de ataques pulsionais. E, com o advento do objeto percebido objetivamente, uma outra forma de comunicação se instaura pouco a pouco. A comunicação é ou explicita, ou muda.

Neste ponto, Winnicott faz surgir um elemento ainda mais inesperado: ao mesmo tempo em que exige o direito de não se comunicar, ele faz da não comunicação uma forma de comunicação! De certo modo, ele diz, "eu comunico que não me comunico!" (Winnicott, 1965j[1963]/1990). Pois, ao mesmo tempo em que o indivíduo experimenta o prazer de utilizar diferentes modos de comunicação, ele também procura proteger o self que não se comunica, verdadeiro núcleo, vivendo no isolamento. Com certeza esse é o ponto crucial da obra de Winnicott. Cito: "Ainda que pessoas saudáveis se comuniquem e se sintam felizes se comunicando, o inverso também é verdadeiro. Cada indivíduo é um elemento isolado em estado de não comunicação permanente, sempre desconhecido, jamais efetivamente descoberto" (Winnicott, 1965j[1963]/1990).

Porém, ele acrescenta, "esse fato bruto é atenuado pela experiência partilhada que pertence a toda dimensão da experiência cultural" (Winnicott, 1965j[1963]/1990). Isso porque, se não fosse assim, conclui ele, "seria necessário resignar–se a cessar de compreender os seres humanos" (Winnicott, 1965j[1963]/1990). A "não comunicação ativa" é, portanto, um sinal de maturação e resulta de uma escolha deliberada. Ela faz parte da saúde. Nesse sentido, a "não comunicação" do paciente constitui uma contribuição positiva.

A não comunicação reativa, ao contrário, se apresenta de maneira paradoxal. Ela pode se manifestar tanto através de um silêncio ativo quanto em uma conversa que serve de pano de fundo.

O silêncio ativo é uma forma de não comunicação que acontece através de um silêncio construído com tal violência que produz opacidade, não somente para o outro ao lado, mas para o próprio indivíduo. Nesse caso, não se trata da "capacidade de ficar só", no sentido que falávamos antes, do isolamento necessário para uma comunicação implícita, mas de uma reclusão quase autista que, por um breve momento, impede o indivíduo de ter acesso ao seu mundo interno. Tudo ocorre, então, como se (e é o que nos contam nossos pacientes) não existisse mais nenhuma outra realidade psíquica senão aquela constituída por esse esforço de não se comunicar, não se comunicar com o mundo objetivo nem com seu próprio mundo subjetivo.

No outro extremo dessa forma de não comunicação, Winnicott evoca esse mesmo fenômeno sob o mais desconcertante, à primeira vista, de seus aspectos, o de uma "aparente" comunicação que se realiza a partir da parte clivada que representa o falso self e, nesse caso, é o falso self que está no papel do não comunicar reativo. Existe uma aparência de comunicação, mas trata–se de uma comunicação fictícia. O sujeito recita um discurso vazio. Na vida corriqueira, é comum encontrar pessoas cujo falatório perpétuo preenche todo o espaço da relação, não deixando nenhum espaço para a possibilidade de uma comunicação autêntica e barrando todo acesso ao mundo interno, aliás, tanto o seu quanto o do outro.

Na cura, no tempo evidentemente limitado das seções, o silêncio, em geral, é vivido como inútil, como tempo perdido e mesmo, muitas vezes, como algo perigoso e persecutório. Para esse tipo de paciente, é necessário preencher todo o espaço sonoro para não deixar nenhum eventual espaço que possibilite a emergência de uma realidade interna da qual não se quer saber nada. No entanto, essa comunicação ilusória jamais é experimentada completamente como real. "Não é uma verdadeira comunicação, diz Winnicott, porque ela não diz respeito ao núcleo do self, o que poderíamos chamar de verdadeiro self (true self)" (Winnicott, 1965j[1963]/1990).

No fundo, esse posicionamento não surpreende alguém que sempre foi um pensador da capacidade de estar só, mas só na presença de um outro não intrusivo; um pensador da solidão do pensamento, de um mundo secreto, um self secreto. Mas esse self secreto supõe que há um "outro", ao mesmo tempo criado e encontrado, estrangeiro e familiar, o Nebenmensch de Freud, senão estaríamos no campo da psicose.

"Existe uma reciprocidade entre a capacidade de estar só, mas com a presença efetiva do outro que está ali sem exigir nada, e a aptidão de sentir a pulsão como experiência pessoal. Senão a pulsão permanece como um elemento perseguidor" (Winnicott, 1965j[1963]/1990).

É necessário que o espaço transicional com o outro permita flexibilidade suficiente para o estabelecimento de um pseudo–self que proteja o verdadeiro self de uma violação, de uma explosão. Muitas defesas chamadas de falso self impedirão o acesso a esse self primeiro e o indivíduo viverá na hipocrisia, ou então, em um retiro autista.

Estranha afirmação, entretanto, para um analista. Como conciliar essa ideia e a regra fundamental de "dizer tudo"?

Primeiramente, deve–se retificar esse "dizer tudo", pois Freud o adaptou posteriormente de maneira diferente. Trata–se de comunicar "o que vem à mente", "Einfall", aí, no próprio momento, dizer, não selecionar nada, não omitir nada. Na verdade, não é dizer tudo, mas não excluir nada. Deixar de lado a reflexão, o controle. Mas acontece que a linguagem, a comunicação aparente, pode ser justamente a mais bela das defesas. Desse modo, uma análise pode se prolongar indefinidamente, por causa da colusão entre o analista e seu paciente que estão na negação da não comunicação.

Mas, pergunta Winnicott, "nossa técnica permite ao paciente comunicar–nos que ele não está se comunicando?" (Winnicott, 1965j[1963]/1990).

Para que a comunicação seja reconhecida como uma forma de não comunicação, devemos, escreve Winnicott, estar preparados, "enquanto analistas, a compreender o sinal: ‘Eu não me comunico', e ser capazes de diferenciar isso do sinal de sofrimento associado a um fracasso da comunicação" (Winnicott, 1965j[1963]/1990). Alguns de nossos pacientes precisam, eles necessitam absolutamente, reconciliar–se com o momento fundador de sua "criatividade primária", e devem poder encontrá–lo na cura. O que quer dizer que, durante a sessão, eles devem poder experimentar uma comunicação silenciosa ou secreta com objetos subjetivos que trazem para eles um sentimento real.

Quando tais momentos se produzem, para alguém que sempre utilizou a palavra como defesa, como máscara, o analista deve deixar que a integralidade dessa experiência se mostre sem, de maneira alguma, intervir de maneira intrusiva. Nesses episódios essenciais, que podem surgir somente em períodos de regressão profunda, a menor manifestação do analista, mesmo um rangido de garganta, pode reproduzir uma situação de invasão (impingement) e interromper o processo em curso. É por essa razão que o silêncio que o paciente pode, enfim, se permitir, sem riscos, no processo de cura, pode ser considerado como um desenlace. Talvez, nesses momentos, ele seja capaz, pela primeira vez, de estar só, mas só no sentido que Winnicott lhe dá, ou seja, só "na presença de alguém", só na presença de um outro não interventor, não intrusivo, e que, não obstante, mantém sob controle (holding) o conjunto da situação. Em outras palavras, trata–se de "estar isolado sem ser cortado do mundo". Essa maneira de conceber o espaço da cura, esse apagamento no real, do analista no momento em que ele se torna um objeto subjetivo, abre numerosas vias de reflexão. "Pode ser", diz Winnicott, "que a resposta possa vir das mães que jamais se comunicam (no sentido habitual), na medida em que elas são objetos subjetivos" (Winnicott, 1965j[1963]/1990). Pois, "quando as mães são percebidas objetivamente, seu bebê se tornou mestre em diferentes técnicas de comunicação indiretas, sendo a mais evidente o emprego da linguagem" (Winnicott, 1965j[1963]/1990).

De todo modo, não se trata, para o analista, de ser "brilhante", como essas mães muito "perfeitas" que sabem muito bem e muito rápido o que seus filhos necessitam e não deixam nenhum espaço para sua própria criatividade. Trata–se, ao contrário, para o analista, de "recriar" o espaço que o paciente precisa, que lhe é necessário, ou seja, o espaço da não–integração primária. É preciso "manter" esse lugar do outro que permite que essa experiência, ao invés de ser um desmantelamento, progrida na direção da "personalização".

O trabalho que, em casos semelhantes, cabe ao analista, lembra a maneira, já citada, de Winnicott considerar o processo de desenvolvimento como dependente da presença efetiva de um outro: "O sentimento de si", ele escreve,

se constitui baseado em um estado não integrado que, contudo, por definição, não é nem observado, nem relembrado pelo indivíduo, e que está perdido, a não ser que seja observado e refletido num espelho por um ser em quem se pode confiar, que justifica essa confiança e vai ao encontro da dependência. (1971a/1975)

O que quer dizer que essa experiência disforme, não integrada, só se tornará fonte de desenvolvimento pessoal se alguém estiver ali para refleti–lo – tal como a criança que se vê no rosto da mãe, depois no espelho e que extrai dessa confrontação o sentimento de existir

Encontramos aqui a atividade essencial do analista: refletir o que o paciente traz, fazer a ligação entre os elementos esparsos.

Mas voltemos ao "direito ao segredo do self", que é meu título.

Não se trata, vocês compreenderam bem, de silenciar um segredo, mas de gerenciar para o self o direito a uma vida secreta, o direito a um sentido, um "penso" secreto. Detenhamo–nos um pouco nessa diferença.

Conhecemos todos os efeitos destrutivos do segredo que portamos frequentemente, mesmo sem o saber, segredo de um outro que é criptografado (Maria Torok – Nicolas Abraham) e cuja passagem de uma geração a outra vai criar o não pensável pois é impensável. A abertura da cripta libertará o sujeito mantido mumificado nesse segredo que não era o seu.

O segredo neurótico é bastante diferente, aquele que dizemos espontaneamente, às vezes desde a primeira entrevista, ou aquele que silenciamos, aquele que não é aceito, aquele que, aliás, temos dificuldade de expressar por múltiplas razões.

Um paciente que não possa enganar seu analista deve estar bastante doente, dizia Bion. Nesse caso, a regra fundamental pode parecer como uma "obrigação de confissão". Um paciente me dizia: "Eu queria dizer uma coisa, mas não me ocorre, eu não posso dizer agora". Eu não digo nada: silêncio, tempo em suspenso, mas sem peso. Ao contrário, há uma leveza desse momento entre nós. Eu não espero. Eu estou lá, só isso!

E de repente: "Vejo que, se não disser nada, isso irá me bloquear a cabeça. Tenho, às vezes, imagens fugazes de mim fazendo uma felação no meu pai ou de lamber a vagina da minha mãe".

Eu deixo vir sem adicionar nada, sem nenhum comentário, porque ainda é muito cedo para fazer alguma coisa com isso. É a primeira vez que esse paciente fala disso. Eu posso pensar bastante sobre isso, mas não é o momento de fazer algo, porque meu paciente não está pronto para lidar com isso.

E a interpretação corre o risco de se tornar uma violação, uma violência feita ao paciente.

O analista, ocupando o lugar do "sujeito suposto saber", se ele se identificar com esse sujeito suposto saber, terá condição de saber o que o sujeito esconde no que diz: repetição do trauma para quem viveu isso na sua infância. Uma jovem falava do jogo da "confidência obrigatória". Todas as noites, na cozinha, na hora de preparar a refeição, ela tinha que relatar à sua mãe o que havia feito e seus pensamentos mais íntimos sobre o que havia acontecido.

Muito rapidamente, ela aprendeu a não saber mais o que ela própria experimentava e podia entrar em episódios de desrealização muito impressionantes.

Nosso propósito é muito diferente. Trata–se não somente de respeitar essa "íntima intimidade" de que falávamos acima, mas, às vezes, muito mais do que isso, teremos que criá–la, trazê–la à tona. Porque a intimidade, lembremo–nos, se cria na presença de um outro. É no espaço da cura que as condições para isso poderão ser criadas. O que importa não é tanto o conhecimento ou a inteligência do terapeuta, mas sim a capacidade que tem o analista de se deixar utilizar como objeto subjetivo por um paciente que, dessa maneira, pode voltar à comunicação implícita.

 

 

Referências

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Lacan, J. (1978). Le moi dans la théorie de Freud et dans la technique de la psychanalyse . In J. Lacan, Le Séminaire, livre II (1954–1955). Paris: Seuil.

Roussillon, R. (1991). Paradoxes et situations limites de la psychanalyse. Paris: PUF.         [ Links ]

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Winnicott, D. W. (1990). Communicating and not communicating leading to a Study of Certain Opposites. In D. W. Winnicott (1990/1965b), The Maturational Processes and the Facilitating Environment. London: Karnac. (Trabalho original publicado em 1965[1963]; respeitando–se a classificação de Huljmand, temos 1965j[1963])

Winnicott, D. W. (1990). Ego Distortion in Terms of True and False self. In D. W. Winnicott (1990/1965b), The Maturational Processes and the Facilitating Environment. London: Karnac. (Trabalho original publicado em 1965[1960]; respeitando–se a classificação de Huljmand, temos 1965m[1960])

Winnicott, D. W. (1994). As bases para o si–mesmo no corpo. In D. Winnicott (1994/1989a), Explorações psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1971[1970]; respeitando–se a classificação de Huljmand, temos 1971d[1970])

 

Tradução: Margarita Maria Garcia Lamelo

 

 

1 J. Lacan, Le Séminaire, l'acte psychanalytique, inédito. "O que espera atrás desse falso self? O verdadeiro para recomeçar. Quem não vê, quando já temos na teoria analítica esse Real–Ich, esse Lust–Ich, ego e id, todas essas referências já bastante articuladas para definir nosso campo, que a função desse self não representa nada mais do que, como está reconhecido no texto, com false e true, a verdade? Mas quem não vê também que não há outro true self por trás dessa situação, a não ser o próprio senhor Winnicott, que se coloca ali como presença da verdade?".
2
O "pseudo–self" é "a fonte de inúmeras reações a uma sucessão de defeitos de adaptação".
*Nota do editor: Na tradução para o português, está: "o si–mesmo, que não é o ego," (cf. Winnicott, 1971d[1970]/1994, p. 210).