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Pensando familias

versión impresa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.19 no.2 Porto Alegre dic. 2015

 

ARTIGOS

 

A ausência física e afetiva do pai na percepção dos filhos adultos

 

The father’s physical and emotional absence in the perception of adult offspring

 

 

Camila Ceron Damiani1 ; Patrícia Manozzo Colossi2,I,II

IUniversidade do Vale do Rio dos Sinos- Unisinos
IIFaculdades Integradas de Taquara-FACCAT

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A ausência paterna na vida adulta é pouco estudada no contexto nacional, embora repercuta no desenvolvimento afetivo, cognitivo e social desde a infância. Neste sentido, buscou-se investigar a ausência paterna para além da infância e adolescência, na percepção de filhos adultos, identificando sentimentos e vivências acerca dessa condição no momento de vida atual. Realizou-se uma pesquisa qualitativa, exploratória, com quatro adultos, entre 25 a 40 anos, pacientes de psicólogos da serra gaúcha. Todos tinham em comum a percepção de ausência paterna, seja física ou afetiva. Foram utilizados um questionário de dados sociodemográficos e uma entrevista semiestruturada, e a análise qualitativa de conteúdo para a discussão dos dados. Dentre os principais resultados destaca-se o impacto do distanciamento, seja físico e/ou afetivo, refletido em sentimentos de desvalorização, abandono, solidão, insegurança, baixa autoestima e dificuldades de relacionamento que começam a ser percebidos na infância e interferem no desenvolvimento até a idade adulta.

Palavras-chave: Paternidade, Relações pai-filho, Relações familiares, Parentalidade.


ABSTRACT

Paternal absence is a subject not well known in the national academic scope, despite influencing affective, cognitive and social development since the childhood. Thus, this work investigates the paternal’s absence beyond childhood and adolescence, addressing adults offspring’s perception about this aspect, identifying their feelings and experiences on this condition nowadays. It was a qualitative study of exploratory nature, with four adults ranging 25 to 40 years old, patients of psychologists who work in a psychology clinic, located in South area. All of them had have in common the perception of paternal absence, with origin both physical and emotional, as something that continues to bring repercussion in adulthood. Was used a demographics data questionnaire and semi-structured interview for data collect. The qualitative analysis was used for the discussion of results. To this, a literature review was conducted regarding the paternal absence during the development of children and adolescents in order to better understand the topic. Among the main results, it is highlighted the impact of this distance, being it physical and/or emotional, reflected in feelings of devaluation, abandonment, loneliness, insecurity, low self-esteem and difficulties in relationships which begin to be perceived in childhood and continue interfering in the development trajectory in the adulthood.

Keywords: Paternity, Parent-child relationships, Family relationships, Parenting.


 

 

Introdução

Nas últimas décadas, as teorias psicológicas têm demonstrado a importância da figura paterna no desenvolvimento infantil e adolescente. O conceito de ausência paterna é de difícil definição, sendo usado para referir diferentes situações. Para fins deste estudo, será considerado ausência paterna a existência da distância emocional entre pai e filho, mesmo que o pai possa estar fisicamente presente (Dantas, Jablonski & Féres-Carneiro, 2004).

Eizirik e Bergmann (2004) afirmam que a ausência paterna tem potencial para gerar conflitos no desenvolvimento psicológico e cognitivo da criança, bem como influenciar o estabelecimento de transtornos de comportamento. Desde as últimas décadas, a ausência paterna tem sido estudada com ênfase na infância, e suas consequências para o desenvolvimento infantil (Benczik, 2011; Cia, Williams & Aiello, 2005; Eizirik & Bergmann, 2004). Os problemas comportamentais decorrentes da ausência paterna já se apresentam na pré-escola e podem se manter ao longo da vida escolar, revelando resultados negativos que incluem baixo desempenho escolar, aumento de ausência nas aulas, risco aumentado de envolvimento com drogas, relacionamento frágil com os pares, depressão, ansiedade, labilidade emocional e a externalização de comportamentos-problemas (Cia, Williams & Aiello, 2005).

Em relação à adolescência, as pesquisas têm evidenciado o quanto a ausência do genitor ou uma relação pouco harmônica entre pai e filho pode ser considerada um fator de risco para o desenvolvimento (Sganzerla & Levandowski, 2010), estando relacionada, em alguma medida, a maior propensão para o envolvimento com a delinquência (Fontes, 2010). Neste sentido, estudos têm relacionado ausência paterna com criminalidade e desenvolvimento de jovens infratores (Barbieri & Pavelqueires, 2012; Branco, Wagner & Demarchi, 2008; Fontes, 2010; Sganzerla & Levandowski, 2010).

Deste modo, estudos de diferentes métodos e delineamentos tem buscado investigar associações entre ausência paterna e desenvolvimento de crianças e adolescentes (Benczik, 2011; Sganzerla & Levandowski, 2010; Warpechowski & Mosmann, 2012). Contudo, ainda são escassas as investigações que a relacionem, em alguma medida, com filhos adultos; como se a ausência vivenciada na infância e adolescência se dissipasse na vida adulta. No contexto nacional, os estudos são raros, destacando a lacuna de literatura e a relevância de realização de novas investigações.

Considerando as diferentes fases do desenvolvimento e independente da organização da família, os pais têm hoje a sua importância reconhecida ao longo do processo de desenvolvimento dos filhos (Benczik, 2011). É essa presença que facilitará a afirmação de si, o desenvolvimento da capacidade de se defender e explorar o ambiente, entre outras demandas necessárias ao desenvolvimento. Neste sentido, o objetivo deste trabalho é investigar a percepção de filhos adultos acerca da ausência física e afetiva do pai a partir da teoria sistêmica da família.

A ausência paterna na infância

A família, como um sistema ligado aos processos de transformação histórica, cultural e social vem sofrendo modificações tanto na sua configuração quanto em sua dinâmica. Petrini (2005) aponta a decadência do patriarcado como uma das consequências dessa modificação, dando lugar a uma maior igualdade na partilha de tarefas e responsabilidades entre o casal parental. Dessa forma, constata-se a co-existência de diferentes configurações familiares, já que famílias nucleares intactas co-existem com diferentes modelos de configurações familiares (Pereira & Arpini, 2012; Warpechowski & Mosmann, 2012).

Em décadas passadas, o homem encontrava dificuldades para separar sua individualidade das funções de pai. Foi, por muito tempo, apoiado pela cultura patriarcal, que lhe reservou lugar acima da trama doméstica formada principalmente pela mulher e pelas crianças. Porém, esse cenário vem se modificando progressivamente, apresentando sociedade e família como núcleos indissociáveis (Pereira & Arpini, 2012).

Atualmente, é comum encontrar famílias nas quais os cônjuges têm suas trajetórias profissionais e dividem as tarefas domésticas e educativas (Wagner, Tronco & Armani, 2011), sem contar as famílias em que as mulheres são as principais provedoras econômicas (Fleck & Wagner, 2003). Essa variação de dinâmicas e configurações familiares, inevitavelmente, repercute no desempenho dos papéis parentais (Diniz Neto & Féres-Carneiro, 2005).

É fato que as diversas razões da ausência paterna, seja falecimento do pai, afastamento decorrente de separação conjugal, derivada da atividade laboral, ou ausência emocional de um pai fisicamente presente podem ser percebidas pelos filhos de formas diferentes. O modo como um filho sente a ausência paterna implicará, por certo, em diferentes repercussões em seu desenvolvimento. De modo geral, são percebidas como negativas dada a importância do pai no desenvolvimento de crianças e adolescentes (Sganzerla & Levandowski, 2010).

A literatura aponta que a participação efetiva do pai na vida de um filho promove segurança, autoestima, autonomia e estabilidade emocional. Já na década de 80, Lebovici (1987) destaca que se a criança consegue contar com pais afetivos que lhe proporcionem apoio, conforto e proteção ela é capaz de desenvolver estruturas psíquicas suficientemente seguras para enfrentar as dificuldades da vida. O mesmo autor (1987) aponta para as consequências da situação inversa, em que a criança vive a privação paterna, seja física ou afetiva, podendo ter problemas no seu desenvolvimento, constituindo, assim, um fator de risco para o seu desenvolvimento. O núcleo de confiança dessa criança ficaria esvaziado, prejudicando, assim as relações com seus pares.

Benczik (2011), referindo a teoria psicanalítica, destaca o papel estruturante do pai, a partir da instauração da conflitiva edípica e posteriormente, na adolescência, quando se dá a maturação das questões sexuais. O autor ainda ressalta que as crianças que têm o pai presente expressam autoestima superior àquelas que têm pai ausente e que a presença positiva da figura paterna ajuda a afastar uma série de transtornos psicológicos (2011).

Na mesma direção, Fantinato e Cia (2011) referem que quanto maior a participação dos pais nas atividades escolares, culturais e de lazer dos filhos, maior o desempenho acadêmico das crianças. A frequência da participação paterna também pode ser correlacionada com o repertório de habilidades sociais das crianças. Por outro lado, a ausência dos pais nas atividades está ligada ao índice de problemas de comportamento.

A ausência paterna na adolescência

Ao chegar à adolescência, há a vivencia de novas experiências e demandas em relação ao próprio desenvolvimento. A necessidade de maior proteção e cuidado, características da infância, dá lugar à necessidade de busca de autonomia e afirmação da própria identidade, tarefas que se tornam mais ou menos ansiogênicas, conforme os vínculos afetivos estabelecidos com figuras de importância na vida do adolescente. Neste sentido, considerando a relevância da participação paterna neste processo, Felzenswalb (2003) identificou o afastamento afetivo do pai como promotor de padrões de interação disfuncionais, em que é possível observar o prejuízo na conquista da autonomia dos filhos e no seu processo de separação da mãe. Além disso, o mesmo autor refere que a quebra do vínculo afetivo e da convivência com o pai parece suscitar sentimentos de abandono, rejeição e culpa, colocando em risco a formação de novos vínculos.

Neste sentido, o estudo de Sganzerla e Levandowski (2010) ressalta que a situação familiar de ausência paterna prolongada, física ou afetiva, pode se tornar um fator de risco em diversos aspectos do desenvolvimento do adolescente de ambos os sexos, tais como manifestações de comportamento delinquentes, porte de arma e embriaguez no contexto escolar além de amadurecimento físico precoce, maior probabilidade de uso de drogas e alto índice de obesidade. Na adolescência, o pai precisa agir como facilitador de separações, impulsionando o filho a seguir adiante. E a partir deste momento, ele se oferece como um elemento importante e fundamental para a identificação, que antes era um papel restrito à mãe. Para tanto, espera-se que o pai possa fazer parte desta relação, adotando afetiva e efetivamente seus filhos; já que pais ausentes, muito autoritários ou distantes podem favorecer o aparecimento de problemas de personalidade e dificuldades do adolescente na interação com seus pares (Araújo, 2005).

Assim, as crianças que chegam à adolescência privadas, de alguma forma, do convívio físico e afetivo com o pai podem enfrentar problemas de identificação sexual, além de dificuldades de reconhecer limites e de aprender regras de convivência social, o que estaria relacionado com a dificuldade de internalização de um pai simbólico, capaz de representar a instância moral do indivíduo (Fontes, 2010; Barbieri & Pavelqueires, 2012). Zappe e Dias (2012) referem a transgressão do adolescente como fruto principalmente das fragilidades nas composições familiares, e um comportamento pelo qual o jovem espera ser percebido como sujeito. Daí a necessidade de, em casos extremos, a intervenção da justiça; já que constitui para o adolescente, o limite que a família encontra dificuldade de exercer. Neste sentido, a pesquisa de Benczik (2011) evidencia que os filhos necessitam de apoio, segurança e o estabelecimento de valores que, cabe ao pai transmitir. O autor refere que os jovens procuram no próprio pai um modelo com o qual possam identificar-se e, se este está ausente, outros modelos poderão ocupar esse vazio, com maior possibilidade de não serem modelos positivos.

É importante salientar, ainda, o fato de que podem existir diferenças no impacto da ausência paterna para o desenvolvimento dos adolescentes, conforme os recursos emocionais individuais, o manejo dos membros da família e a presença de uma rede de apoio social com a qual eles possam contar, a fim de minimizar os efeitos adversos dessa condição familiar (Sganzerla & Levandowski, 2010). Nesse caso, é importante considerar os aspectos relacionados aos recursos pessoais e contextuais do indivíduo. Quando ele lança mão desses recursos para enfrentar as adversidades, destaca-se como fator de proteção para sua adaptação às exigências cotidianas (Sapienza & Pedromônico, 2005). Soma-se a isso, ainda, os recursos emocionais da mãe e o tipo de relacionamento existente entre ela e filho, pois desta relação pode surgir uma maior ou menor predisposição para os conflitos associados à falta do pai (Eizirik & Bergmann, 2004).

Neste sentido, ainda que existam estudos que investiguem a ausência paterna e suas repercussões na infância e adolescência (Benczik, 2011; Sganzerla & Levandowski, 2010; Warpechowski & Mosmann, 2012), lacunas na literatura são identificadas quando o foco de investigação recai sobre os efeitos da ausência paterna na vida adulta. Deste modo, o presente estudo vai além da infância e adolescência, abordando a percepção de filhos adultos sobre este aspecto, identificando seus sentimentos e vivências acerca dessa condição em seu momento de vida atual.

 

Método

Delineamento

A presente investigação trata-se de um estudo qualitativo de delineamento exploratório.

Participantes

Participaram desta pesquisa quatro adultos, com idade entre 25 a 40 anos, sendo uma mulher e três homens, selecionados por conveniência, a partir de indicações de profissionais psicólogos da rede de contatos da pesquisadora. Tiveram em comum a percepção da ausência paterna em suas vidas; por serem filhos de mães solteiras, pais separados ou pais presentes fisicamente, mas distantes afetivamente. Foram excluídos filhos de pais falecidos, já que neste caso, a ausência paterna não é opcional.

Instrumentos

Questionário de dados sociodemográficos: possibilitou a identificação dos participantes e a descrição do contexto de vida em que estão inseridos.

Entrevista semi-estruturada: investigou a história de vida dos participantes e suas percepções acerca da relação parental. A entrevista foi realizada com o participante, em local indicado por ele e teve duração aproximada uma hora.

Procedimentos éticos e de coleta de dados

Após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa de uma IES (Parecer nº 714.568), psicólogos da rede de contatos da pesquisadora divulgaram o estudo com alguns de seus pacientes/clientes e, diante do interesse na participação do estudo, foi feito contato telefônico com os possíveis participantes a fim de esclarecer os objetivos da pesquisa. Diante do interesse na participação, foi agendada a entrevista em local definido pelos participantes. Na data da entrevista foi feita a apresentação da pesquisa para os participantes, explicando os objetivos do estudo, seus procedimentos e apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Considerando que os participantes já se encontravam em processo psicoterápico, e sob cuidado psicológico profissional, os cuidados éticos em relação ao possível risco da participação neste estudo já estavam contemplados, garantindo a proteção dos participantes.

Procedimentos de análise de dados

A análise dos dados foi realizada qualitativamente, com base na análise de conteúdo (Laville & Dionne,1999), demonstrando a estrutura e os elementos do conteúdo para esclarecer suas diferentes características e extrair sua significação.

Apresentação e discussão dos resultados

A seguir, os resultados apresentados descrevem os participantes, identificados como A, B, C e D e seus respectivos dados.

 

 

Os resultados da coleta de dados, proveniente das entrevistas, são apresentados a partir da análise de conteúdo das categorias analisadas, segundo Laville e Dionne (1999).

Categoria 1: Consequências da ausência paterna na vida adulta

Nessa categoria foram incluídas as percepções da ausência do pai e sua interferência na vida dos participantes. É possível identificar que a ausência paterna interferiu negativamente em suas vidas e que a falta que sentiram, e sentem, continua repercutindo no momento de vida atual. Os sentimentos negativos são expressos como:

a) Desvalorização: “Acho que tem uma coisa que eu sofro, que meu pai não acredita em mim, na minha profissão. Ele nem acreditava que eu ia ter família. ... Foi na minha formatura, de muito mal gosto, e sentou lá atrás”. [sic A].

b) Sentimentos de abandono: “A separação deles foi no dia do meu aniversário, eu estava passando o aniversário na casa dos meus amigos quando meu pai apareceu e disse que estava se separando da minha mãe; dai eu tive que voltar para casa, ele disse que já tinha outra pessoa e estava esperando eu chegar na maioridade para tocar os negócios da casa” [sic A]. “Nunca tive relação com meu pai. Sei quem é ele porque minha mãe me falou.” [sic C]. “Os meus avós paternos não gostaram e proibiram ele de me assumir, alegando que não era ele o pai” [sic D].

c) Sentimentos de solidão: “Eu não tinha um pai pra contar. Eu tinha, ele não era morto, mas ao mesmo tempo não tinha”(sic A). “Não tinha e não tenho muitos amigos” (sic C).

d) Sentimentos de insegurança: “Afetou na minha autoestima, minha proteção, me sinto desprotegido, sozinho”(sic B). “É triste um pai nunca dizer que ama um filho”(sic B).

e) Sentimentos de baixa autoestima: “Acho que interferiu muito na minha autoestima, sou um cara pouco persistente, já me considero fracassado, eu começo alguma coisa e quando encontro dificuldades eu desisto porque acho que não tive alguém que pegou na minha mão e disse vamos lá, vai dar certo, é assim mesmo. Então, não consigo enfrentar” [sic A].

f) Dificuldade de relacionamento: “Acredito que fiquei mais prático e frio para alguns sentimentos. E, não sei dizer, mas posso fazer uma relação com a dificuldade de me relacionar com as pessoas ... tenho dificuldades de relacionamento com pessoas, troquei de emprego várias vezes porque não gosto de ser criticado, mandado” [sic C]. “Sinto dificuldade de me comunicar também, afetivamente” [sic B].

Os resultados encontrados corroboram a literatura sobre ausência paterna na infância e na adolescência, percebendo como as questões descritas referem a (in)segurança, (in)dependência e (in)estabilidade emocional se mostram relevantes na vida adulta (Benczik, 2011). Ainda, chama a atenção a dificuldade de se sentirem preparados para enfrentar os problemas do cotidiano, já que ao contar com pais afetivos que proporcionem apoio e proteção, a criança conseguiria desenvolver estruturas psíquicas consistentes e seguras para enfrentar as dificuldades da vida e tem reforçada a capacidade de uma vinculação segura (Monteiro, Veríssimo, Santos & Vaughn, 2008).

O presente estudo corrobora estudos anteriores que destacam aspectos das fases anteriores do desenvolvimento (infância e adolescência) como o prejuízo na conquista da autoestima, da autonomia, da separação da mãe e na formação de novos vínculos (Araújo, 2005; Benczik, 2011; Felzenswalb, 2003; Sganzerla & Levandowski, 2010; Warpechowski & Mosmann, 2012). Dessa forma, compreende-se que as questões relacionadas à ausência paterna que tem início na infância, permanecem trazendo dificuldades quando os indivíduos chegam à idade adulta.

Na história de B, a marca da violência provoca resultados ainda piores. Seu pai estava fisicamente presente, distante afetivamente e era um homem violento; agredindo a esposa e os filhos (ele e os irmãos). Essa situação “interferiu no meu jeito de ser porque o que eu aprendi com ele, foi dar a violência como resposta, minha forma de entendimento era essa, e foi por alguns anos” [sic B].

Nos casos analisados é possível perceber as memórias negativas acerca da figura paterna trazidas da infância e da adolescência, ao mesmo tempo que os participantes ainda nutriam expectativas de um pai participativo e amoroso que se preocupasse com seus cuidados e necessidades. Além disso, ainda têm o desejo de tê-lo por perto: “seria bom ter a presença de um pai até para aprender a dirigir, coisas banais” [sic C].

Dois participantes que tiveram a privação do afeto, mas que conviveram com o pai, ainda fazem tentativas de aproximação ou gostariam de fazê-lo. Em um dos casos, as tentativas se tornaram mais frequentes no momento em que o próprio participante também se tornou pai. “Eu ainda fico triste, decepcionado, porque até então fiz algumas tentativas de me aproximar. Quando vamos para o interior, eu sempre vou visitá-lo. Para mim, isso são tentativas” [sic A]. “Às vezes eu penso que ainda vou tentar conversar com ele” [sic B].

Os dois participantes que tiveram a ausência física do pai não fazem tentativas de aproximação e nunca tiveram contato com seus pais. A entrevista revelou que ficam pouco à vontade para falar sobre o assunto, pela possível dor emocional que isso ainda desperta. Entretanto, tentam minimizar a importância do pai em suas vidas, referindo que “já faz tempo” [sic B] e evitando expressar qualquer sentimento, possivelmente como uma defesa contra o sofrimento que isso causa. Um deles repetiu diversas vezes que “a mãe foi como um pai” [sic C] e que lhe deu tudo o que podia.

Os casos investigados revelam a tendência dos participantes, em especial os que tiveram a privação da ausência física e afetiva do pai, de reprimir os sentimentos relacionados à sua falta. É possível que isso se deva pela idade adulta ser vista como uma fase de estabilidade emocional e de poucas mudanças (Oliveira, 2004). Por outro lado, o fato de reconhecer e admitir os sentimentos causados pela distância e pela falta do pai, talvez pudesse significar a necessidade de “ter de fazer algo a respeito”, visto que dois dos participantes nunca tiveram contato com o pai biológico. Além disso, desde a década de 90, refere-se que a busca do pai pode parecer, ao filho, uma traição à mãe, que fez todo o possível para cuidar e amar o filho, mesmo sem a presença do pai (Ferrari, 1999; Miermont, 1994).

Já os participantes que tiveram apenas a ausência afetiva, mas conviveram com o pai ao longo da vida conseguiram expressar mais facilmente o sofrimento que essa falta lhes causou. Neste sentido, a literatura destaca que o afastamento do pai é quase sempre acompanhado de sofrimento emocional que pode se manifestar em sentimentos de rejeição, perplexidade e incompreensão frente os motivos do distanciamento (Felzenswalb, 2003; Pereira & Arpini, 2012).

Em apenas um dos casos, a participante não conseguiu elencar a interferência da ausência paterna em sua vida, embora sinta “alguma diferença” [sic D]. É possível o padrasto tenha desempenhado a função paterna. Relata, ainda, não sentir falta do pai biológico e nem ter criado expectativas acerca da figura paterna durante sua infância, adolescência ou no seu momento de vida atual. “Tenho certeza que ele não me faz falta hoje; uma, porque nunca o tive, então não sei o que é ter para sentir falta; e dois, porque ganhei uma presença paterna com meu padrasto. O que sinto é que seguem comigo os mesmos questionamentos de uma vida toda, os porquês” [sic D].

É possível identificar um discurso racionalizado por parte da participante no qual não pensar no assunto pode representar uma de defesa ou proteção, evitando, assim, o sofrimento. Aliado a isso, os poucos elementos revelados pela mãe sobre o pai biológico, parece ter fomentado questionamentos acerca de sua história. O silêncio da mãe acerca do pai não impede que a participante tenha curiosidade sobre ele. No caso de D, a ausência paterna segue vivenciada de forma inquietante mesmo na vida adulta. “Voltei a pensar no assunto que, por vezes, deixo quieto em alguma gaveta do cérebro... Talvez não perceba em que essa ausência interferiu por não procurar responder os meus porquês” [sic D].

A fragilidade do vínculo afetivo com o pai pode suscitar medo pela repetição em outras relações afetivas. É como se esse afastamento viesse acompanhado da ameaça de abandono da mãe e de novos relacionamentos (Felzenswalb, 2003; Gabriel & Dias, 2011). Os aspectos psicológicos e relacionais de confiança, autonomia, competência, autoestima e esperança, provenientes de um ambiente continente e adequado, são essenciais, assim, em qualquer estágio de desenvolvimento (Aylmer, 2011).

Ainda, o fato de um dos participantes não querer ter filhos pode ser percebido como uma repercussão da ausência paterna em sua vida. É possível que não queira transmitir à geração seguinte os sentimentos vivenciados ao longo de sua vida ou, ainda, não tenha podido experienciar de modo positivo as vicissitudes que esta relação pode oferecer.

Categoria 2: Ausência física X ausência afetiva

Nesta categoria incluem-se os resultados referentes aos sentimentos e vivências decorrentes da ausência paterna física e afetiva. Não foram identificadas diferenças em relação à privação física da presença do pai (nos casos em que ele nunca esteve presente) e privação afetiva (quando ele esteve fisicamente presente). As entrevistas revelaram ainda, revolta, desorganização e apenas em uma delas foi manifestada compreensão frente a ausência.

Os participantes se referiram ao pai como não sendo uma boa pessoa ou com características que não devem ser seguidas. A falta de diálogo e acolhimento, assim como a carência de afeto e a não manifestação de preocupação com os filhos são as principais falhas apontadas pelos entrevistados. “Ele não liga pra ver como estou. ... Se eu precisar de alguma coisa, ele não tá nem aí, nem pra perguntar como estou. Quando viajo, não pergunta se fui bem de viagem ou pra dizer ‘se cuida’, nada” [sic A]. “Nunca tivemos uma conversa profunda, só banais” [sic B]. “Coisas que queria conversar com ele na adolescência, nunca conversamos” [sic B]. “Ele nunca quis me conhecer, passa por mim na rua e finge que não me conhece. Faço o mesmo para não sofrer” [sic C]. “... apenas sei quem é por morarmos na mesma cidade” [sic D].

As verbalizações revelam o desejo de um pai mais carinhoso e afetivo. De modo geral, os pais não corresponderam às expectativas dos filhos em diferentes fases de suas vidas. Entretanto, aqueles que tiveram os pais fisicamente presentes, mas ausentes afetivamente, continuam fazendo tentativas de aproximação com a figura parental na idade adulta e, se frustrando, quando eles não correspondem às suas expectativas.

Percebe-se que as expectativas em relação ao pai estão relacionadas às pequenas situações cotidianas, manifestando desejo de vinculação: “Queria um pai que participasse, que me acompanhasse” [sic A]. “Eu queria que ele fosse mais presente e me desse mais atenção; que pudéssemos estar juntos, jogar futebol como os outros jogavam, mas isso não acontecia” [sic B]. “Queria ter um pai que jogasse futebol comigo” [sic A].

Os participantes que tem contanto com o pai não expressaram expectativa de uma atitude diferente da parte deste, enquanto que os que nunca tiveram contato com o pai relataram já terem elaborado o fato de nunca tê-lo tido. Entretanto, em ambos os casos isso pareceu uma forma de proteção frente a novas frustrações. “... já desisti” [sic C]. “... hoje já assimilei” [sic D].

Percebe-se também, a idealização de outro tipo de família, quando se comparam com configurações familiares que contam com um pai presente e participativo. O contato com outros exemplos de relação pai-filho aumenta a incompreensão frente à ausência paterna (Felzenswalb, 2003). “O pai dos outros era sempre melhor do que o meu, porque eu não tinha, né. Quando a gente ia acampar, viajar, era tudo o pai dos outros, e não o meu. O pai de um, que gostava de futebol e o outro que gostava de acampar, sempre assim” [sic A]. “Vejo pelo meu irmão, que leva meu sobrinho no parque, dá atenção, conversa com ele, é afetivo” [sic B].

As habilidades interpessoais e a autoconfiança aparecem como importantes determinantes do comportamento paterno (Maia, 2015). A capacidade que cada homem tem de exercer a paternidade também depende da sua própria autorização pessoal, que transita pela identificação com o próprio pai, bem como o seu desejo de descendência. Em contrapartida, para o filho, é importante contar não apenas com a presença física do pai, mas sentir-se desejado e confirmado por ele, evidenciando sua importância para o desenvolvimento emocional (Pereira, Ribeiro & Ferreira, 2014).

Por fim, considerando as diferenças entre os participantes privados da ausência física e os privados de ausência afetiva, conclui-se que conviver com o pai quando não há afeto no relacionamento é capaz de gerar nos filhos os mesmos sentimentos de carência e falta de quem nunca manteve um relacionamento paterno. Dessa forma, os participantes deste estudo não revelaram diferenças quanto à ausência física e afetiva dos pais em suas vidas.

Categoria 3: Figura substituta

Os participantes buscaram, durante a infância e adolescência, uma figura substituta que pudesse suprir suas necessidades de afeto. Eles voltaram suas expectativas para familiares como avôs, tios, irmãos e pais de amigos. “Fui criado pelos avós paternos. Eram eles quem me alimentavam, me levavam para a escolinha. Nem a avó e nem o avô eram de dar muito carinho ... o pai desses amigos meus se tornou meu segundo pai porque meus pais continuavam trabalhando demais. ... Eu já tinha aquela convivência com os pais dos meus amigos e algumas coisas eu conversava com eles, era como se fossem o meu pai” [sic A]. “Meu irmão, era bem legal, sempre cuidou de nós; parecia um pai, preparava nosso café, ia buscar no colégio, ai ele foi embora e ficou aquele vácuo. Ele fez tudo o que o meu pai nunca fez. Eu queria que ele fosse meu pai, mas ele é meu irmão, acho que é melhor ainda. Irmão não abandona” [sic B] “O meu avô era o exemplo mais forte que eu tinha, mais centralizador, boas ideias, todo mundo admirava e respeitava ele. Ele era uma pessoa que tinha uma liderança na família e era mais ou menos quem eu seguia” [sic C]. “Praticamente sempre teve alguém, seja na figura dos tios ou mesmo avô materno. Porém quando eu tinha cinco anos, minha mãe namorava meu padrasto e aos meus 10 anos fomos morar juntos. Desde então, ele é a presença constante na minha vida, como figura paterna” [sic D].

Quando as figuras substitutas não se mostram satisfatórias nesta função, destaca-se a sobrecarga materna, já que a mãe parece assumir a principal figura substituta: “Com a minha mãe, minha relação sempre foi muito boa, sempre fez tudo por mim e fazendo até hoje” [sic A] . “Família somos eu e a minha mãe. Somos muito ligados ...” [sic C]. “Minha mãe era pai e mãe” [sic D].

Em algumas famílias, a mãe e outros membros tentam compensar a ausência paterna superprotegendo o filho, o que pode contribuir para manter a relação de dependência. “Brigamos muito por ela querer controlar a minha vida; mas entendo, ela só tem a mim. Estou compreendendo isso, porém quero começar a fazer minhas escolhas sem culpa de magoá-la ou contradizê-la” [sic C].

Por vezes, a proximidade excessiva entre mãe e filho dificulta a conquista da autonomia do filho. O afastamento do pai provoca, necessariamente, uma mudança nesta relação. A relação tende a se tornar mais próxima e intensa, já que as mães passam a ter responsabilidade integral sob a vida de seus filhos, podendo provocar repercussões, nem sempre positivas, para ambas as partes. Os padrões de interação gerados pelo excesso de proximidade podem tornar-se disfuncionais, com implicações relacionadas à individuação dos filhos e a hierarquia familiar (Saraiva, 2013).

A participante cuja figura substitua foi o padrasto enfrentou dificuldades no início do relacionamento, pois aceitá-lo, também significaria substituir o pai biológico, mesmo que nunca tivesse tido contato com ele. “Tivemos momentos tristes e difíceis, temos personalidades praticamente iguais o que gerava brigas, além da fase que não aceitava alguns comandos típicos paternos, pois não queria admitir alguém que não era meu pai mandar em mim. Com o amadurecimento, nossa relação melhorou demais, hoje pode-se dizer que é quase perfeita”[sic D]. O caso de D contraria a literatura que refere que, se a figura paterna é ausente da vida dos filhos, há uma maior facilidade na constituição dos vínculos de afeto entre enteados e padrastos (Pinto & Chalhub, 2011, Saraiva, Levy & Magalhães, 2014). Dessa forma, as crianças que nutrem imagem negativa do pai biológico muitas vezes mostram-se receptivas a uma aproximação com o padrasto (Saraiva, 2013).

Neste sentido, na organização familiar a partir do recasamento, a passagem do tempo parece fundamental para a consolidação de relacionamentos positivos. Pesquisas têm enfatizado que o sentimento de pertencimento pode levar de dois a cinco anos, período no qual a família se reestrutura ou se desfaz (Saraiva, 2013).

Categoria 4: Ausência paterna e aspectos transgeracionais

O comportamento parental encontra-se vinculado, em alguma medida, aos modelos transgeracionais, a partir da qual os padrões familiares se repetem de uma geração a outra, através de valores, crenças, mitos e segredos. Neste sentido, parece impossível tratar do tema de paternidade sem remeter aos aspectos transgeracionais (Wagner, 2005; Pereira, Ribeiro & Ferreira, 2014). Estes aspectos ficam evidentes no discurso de B ao referir-se ao avô paterno. “É, meu relacionamento com meu pai foi distante na parte afetiva, mas não posso culpar porque o pai dele foi assim com ele também. Ele foi o melhor que ele podia ser. ... Mas queria que fosse diferente comigo do que o pai dele foi com ele. Ele falava que o pai dele batia nele pra caramba... Uma vez quando ele apanhou na escola e contou para o pai dele, ele achou que ele ia fazer alguma coisa por ele, mas o pai dele bateu nele de novo, pra ele aprender a ser homem, na marra” [sic B].

Identifica-se a questão transgeracional da violência que também perpassa gerações. Pais que foram criados de forma severa e que sofrem punições físicas podem desenvolver um modelo disciplinar corporal e coercitivo que justifique, na criação dos filhos, a continuidade da violência como um modelo a ser seguido. Desta maneira, mantém-se o ciclo da violência, no qual o indivíduo é tratado de modo agressivo ao longo de sua vida e tende a perpetuar com seus filhos o padrão relacional vivenciado (Colossi, Razera, Haack & Falcke, 2015; Villas Boas, 2013; Falcke & Wagner, 2005).

Os participantes referem preocupação em romper com o modelo de paternidade vivenciado em suas famílias, ao invés de simplesmente o reproduzirem. O modo como o pai percebe sua criação por parte do seu próprio pai é essencial para a constituição de seu ideal de paternidade (Staudt & Wagner, 2007; Gabriel & Dias, 2011). Dessa forma, a necessidade de ser um “bom pai” é revelada por A: “Eu não quero ser o pai que eu tive, ou que eu não tive. Eu quero estar o mais presente possível com minha filha. A expectativa é fazer tudo aquilo que eu não tive, não deixando ela sozinha, mostrando que ela tem um pai” [sic A]. “Eu vou tentar ser diferente do que ele - o pai - foi pra mim. Fazer tudo oposto do que ele fez, para eu ter uma família melhor .... Espero ser pai um dia. Penso em como seria um dia chegar em casa, depois de um dia difícil e encontrar o meu filho sorrindo pra mim... Imagino que isso já dê uma motivação enorme, aquele amor que o teu filho te passa” [sic B]. “Adoro criança e não me imagino sem filhos. Penso sempre em quem será o escolhido para ser o pai para corresponder às minhas expectativas de querer ser o mais presente possível na criação dos filhos, mesmo que para isso seja necessário tardar a maternidade ou ter apenas um filho” [sic D].

Na mesma direção, o único participante que já é pai demonstra uma postura distinta da que vivenciou, e uma preocupação em expressar um novo modelo de cuidado. “Vejo que sou bem afetivo com minha filha, a falta que eu senti eu não quero que ela sinta. Quando eu viajo e volto para casa eu quero ficar muito perto dela, eu fico olhando para ela... Não quero que ela me esqueça, tenho medo,

Ao contrário, o participante B, quando questionado acerca de suas expectativas em relação ao exercício de paternidade, revela que não pretende ter filhos. O entrevistado expressou ressentimento em relação ao pai e se emocionou durante a entrevista, tentando disfarçar os sentimentos. Neste sentido, a experiência como filho mostra-se um parâmetro balizador e dá forma às expectativas como pai (Bornholdt & Wagner, 2005; Maia, 2015). O filho, por sua vez, pode representar a construção de vínculos de intimidade e proximidade, que muitas vezes faltou ao pai na sua própria história. Assim, pode se construir uma nova matriz familiar, instalando dois movimentos complementares no exercício de ser pai; um que diz respeito ao pai da infância e outro, dele próprio, enquanto pai. Compreende-se então, a importância dos aspectos transgeracionais como um fenômeno que contribui para o modo através do qual o filho se constitui como pai (Simões, Farate e Pocinho, 2011).

Muitos homens estabelecem objetivos que dependem das memórias da sua infância, podendo reavaliar as relações estabelecidas com o progenitor. Dessa forma, o papel de pai que o indivíduo desempenhado incluirá, não só as suas características individuais, como características do seu próprio pai. Quando o homem é confrontado com as lembranças de sua infância, especialmente com o papel de pai, os aspectos positivos tendem a ser os mais reforçados e o desejo de conseguir replicar é referido, assim como a não repetição dos erros cometidos (Maia, 2015).

Dessa forma, cabe destacar que o acontecimento traumático e os seus efeitos se manifestam de forma mais expressiva, se mantendo no tempo presente, quando possui uma função e um sentido no contexto no qual se perpetua. A partir disso surge a possibilidade de fazer uma opção diferente do que desejam para suas vidas. A experiência passada, embora frequentemente repetida, pode ser modificada ao longo da vida, a partir da compreensão da própria história e sua ressignificação, conseguindo alcançar uma posição diferenciada, construindo uma realidade diferente para si (Falcke & Wagner, 2005).

 

Considerações finais

A influência da ausência paterna durante o desenvolvimento de um filho é um tema complexo que desperta interesse na atualidade, principalmente devido às modificações que as famílias vêm sofrendo, em que se observa, cada vez mais, a ausência do pai. Compreende-se que o desenvolvimento saudável dos filhos será facilitado pela efetiva e contínua participação de ambos os pais em sua vida, oferecendo apoio e segurança, independente da configuração familiar que se estabeleça.

Trabalhar com a temática da ausência paterna, especificamente na vida adulta, não é uma tarefa fácil. A literatura revela escassez de estudos sobre associações entre filhos adultos e ausência paterna, sendo esta uma das dificuldades encontradas para a execução deste trabalho.

O presente estudo confirma o ressentimento dos filhos adultos em relação à ausência do pai e à carência afetiva que esta ausência tenha causado. O impacto desse distanciamento, seja físico e/ou afetivo, reflete em sentimentos de desvalorização, abandono, solidão, insegurança, baixa autoestima e dificuldades de relacionamento que começam a ser percebidos na infância e continuam interferindo na trajetória de desenvolvimento na idade adulta.

Compreende-se que as diversas razões da ausência paterna podem ser percebidas de forma distinta pelos filhos e, igualmente, repercutem de diferentes formas em seu desenvolvimento. Neste sentido, destaca-se a relevância de considerar os demais aspectos que possam interferir na constituição do sujeito e em suas possibilidades relacionas ao longo da vida. Os recursos individuais do filho, o manejo dos membros da família, os recursos emocionais da mãe e a presença de uma rede social continente e acolhedora com que possam contar, são alguns aspectos que merecem atenção no que se refere ao enfrentamento da vivência do abandono paterno bem como nas possibilidades de superação desta condição.

O presente estudo destaca a importância de ampliação de investigações, de diferentes métodos e delineamentos, a fim de fomentar novas reflexões acerca do tema. Com isso, espera-se contribuir com a clínica psicológica a fim de melhor compreender os conflitos relativos a esta temática, bem como realizar uma escuta ativa e continente dos pacientes adultos em suas relações familiares.

É certo que esta pesquisa não tem o objetivo de generalizar resultados, mas buscar destacar a importância da realização de estudos longitudinais para além da adolescência, a fim de melhor compreender como a condição da ausência paterna interfere na trajetória de desenvolvimento na idade adulta. A partir disso, é possível que novas possiblidades de intervenção na clínica psicológica, de abordagem individual, conjugal e familiar, possam ser pensadas e estabelecidas a partir de uma compreensão mais ampla e aprofundada do fenômeno em pauta.

 

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Endereço para correspondência
Patrícia Manozzo Colossi
E-mail: pmcolossi@gmail.com

Enviado em: 30/07/2015
1ª revisão em: 08/01/2016
Aceito em: 08/01/2016

 

 

1 Psicóloga (CRP 07/20552) e Especialista em Terapia de Casais e Famílias (Universidade do Vale do Rio dos Sinos-Unisinos).
2 Psicóloga (CRP 07/9908), Mestre e Doutoranda em Psicologia Clínica (Universidade do Vale do Rio dos Sinos- Unisinos), Especialista em Terapia de Casais e Famílias (Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos), Professora da Graduação em Psicologia (Faculdades Integradas de Taquara-FACCAT), Supervisora de Terapia Familiar Sistêmica no Centro de Serviços em Psicologia (CESEP/FACCAT).

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